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A fantástica construção do nordestino
Seu Lunga
Laplantine (1997) em seu livro O que é Imaginário, fala sobre o fantástico real da América Latina: "... existem (particularmente na América Latina, e talvez entre as sociedades da América Latina e do Brasil) problemas de fronteira e uma confusão de limites não somente entre o maravilhoso e o fantástico, mas entre o real e o imaginário." (p.58) O autor propõe uma explicação em sua teoria para a constatação de que "a própria realidade da Ámerica Latina parece às vezes ultrapassar a ficção se apresentando como insólita e incrível." (p.58) Foi influenciada por essa teoria que nomeei este capítulo: Nordeste: a construção fantástica. O texto Nordeste não tem nada de convencional. Suas figuras visuais e discursivas às vezes são tão caricaturais, tudo parece ser tão extremo, que sua relação com o real é tênue. Por ser uma construção simbólica, a abstração é possível, e daí o surgimento dessa realidade outra, fantástica. No contexto dessa criação fantasiosa, surgem os tipos nordestinos, personagens que, assim como as comidas, a música ou as imagens mentais do Nordeste, são tidos como típicos nordestinos. Este trabalho concentra-se em um desses tipos: seu Lunga. Esse é um exemplo claro da imaginação em ação: é difícil saber quem realmente é seu Lunga, ou mesmo se ele existe. Suas estórias são tão fantásticas, que sua relação com o real é quase inexistente. Marcus Accioly (1986) em seu livro de poesias Nordestinados dá os contornos de um típico homem nordestino que foi construído, o sertanejo:
É interessante notar como Acciolly agencia uma construção feita por Euclydes da Cunha na composição do seu "típico." Em todo o livro, o autor versa sobre assuntos comumente associados ao Nordeste, marcas identitárias a ele relacionadas tais como suas aves, seus limites geográficos (litoral, a mata seca, a mata úmida etc.), seus tipos, sua vegetação e sua cultura. O texto Nordeste é cheio de tipos: o cangaceiro, o coronel, o jagunço, o beato, o sertanejo, o vaqueiro, a rendeira, a baiana, o pescador... Esses são o que eu chamo de tipos genéricos de nordestinos. Não há concentração em uma pessoa específica mas em um grupo representativo das pessoas nordestinas. Mas a cultura incorporou da história várias pessoas comuns, que assim como seu Lunga, superaram a realidade para tornar-se lenda. A tese de monografia de Gerusa Lima (1999), A molecagem cearense no repertório do humorista Falcão, está cheia desses homens e mulheres que "eram loucos, espertalhões, pessoas cheias de manias e trejeitos, que chamavam a atenção dos habitantes da cidade," (p. 45) a quem denomino tipos específicos. Accioly (1986) versa sobre um desses tipos, o cego Quintão, e mostra como pessoas da vida real são transpostas para um mundo fantasioso:
Como cego Quintão, a história do Ceará traz outros tantos, como se vê:
Enquanto os tipos específicos são pessoas que realmente existiram e que foram "mitificadas," para usar uma expressão de Durval de Albuquerque, os tipos genéricos são generalizações a partir de pessoas reais, que tentam responder à pergunta "quem é o típico nordestino?" A construção desses tipos está presente nas artes plásticas, na música, mas principalmente na literatura. Como é o sertanejo? Junte-se à descrição de Marcus Accioly (1986) já citada, o sertanejo Fabiano, personagem de Graciliano Ramos (1997) em Vidas Secas, e o resultado é um homem inferior, tão característico daquela região quanto os bichos, e muitas vezes tendo até mesmo ações animalescas, fragilizado pelas adversidades de seu meio, forte por sua própria natureza. Já o coronel é tipificado pelo Paulo Honório de São Bernardo, também de autoria de Graciliano Ramos (1980), homem determinado, forte e inteligente, que luta as mais duras batalhas para chegar aonde quer. Esses são alguns dos muitos tipos representados e construídos na literatura. Outros tantos habitam as páginas dos livros de Rachel de Queiroz, José Lins do Rego, Jorge Amado, João Cabral de Melo Neto etc. O que realmente interessa para o propósito deste trabalho, é que todas essas características não são marcas dadas, são, antes, marcas construídas, que são agenciadas como dadas. A dinâmica que rege esse agenciamento de marcas de uma suposta nordestinidade daria uma tese inteira e eu não descarto a possibilidade de um dia me debruçar sobre isso. No entanto, para efeito deste trabalho, me preocupei em situar essa dizibilidade e visibilidade nordestinas no âmbito de uma figura controversa como é a figura de Seu Lunga. Minha preocupação é encontrar marcas dessas representações na construção imaginária do seu Lunga, enfocando seu discurso, as narrativas que lhe dão destaque e as reelaborações imagéticas feitas e orquestradas pelo olhar do outro.
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