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Mecanismo de Sustentação dos Sistemas Totalitários em Breave New World e Nineteen Eighty-Four
Breave New World, 1984 e o mundo contemporâneo.

de: Benedito Gomes Bezerra

Aqui você encontra:

4.1. Democracia x Totalitarismo
4.2. O Papel da Propaganda Institucional
4.3. A Ciência Genética e o Homem
4.4. Sexo, Casamento e Família
4.5. Drogas e Realidade

 

4.1. Democracia x Totalitarismo

Alcançamos o limiar do século XXI com perspectivas inteiramente novas em campos como a política, a religião, as artes, a comunicação e os esportes. Na área política, que nos interessa mais neste ponto de nosso trabalho, temos mudanças cruciais no horizonte mundial em relação às últimas décadas.

O descrédito e a queda da maioria dos regimes socialistas, representados simbolicamente pela queda do Muro de Berlim, implicaram no esfacelamento da União Soviética e conseqüente esvaziamento da noção de "guerra fria". Restou apenas uma superpotência bélica mundial, os Estados Unidos da América. É como se retirássemos do mundo de 1984 a Eurasia e a Eastasia e deixássemos apenas Oceania como potência suprema.

Juntamente com a queda dos regimes socialistas totalitários, verificamos uma retomada de sistemas ditos democráticos de governo, inclusive com a realização mais ou menos imediata de eleições diretas. Embora em alguns desses processos eleitorais, a liberdade de escolha do cidadão ainda seja questionável, devido às fraudes e à intimidação ostensiva de representantes do poder.

Temos hoje um número bem menor de sistemas totalitários e de ditadores em relação ao tempo em que surgiram Brave New World e 1984. No entanto, os perigos causados pela sede de poder e por disputas raciais ou religiosas não acabaram como em um passe de mágica apenas pela destruição dos regimes totalitários, especialmente socialistas. Da Irlanda do Norte à Palestina, da Chechênia à Bósnia, da Espanha à Cuba, antigos conflitos continuam a fazer vítimas. As grandes democracias respondem a isto com meras declarações de intenções formuladas em suas infindáveis reuniões de cúpula. Analisando os conflitos mundiais antigos e novos, diz o jornalista Juremir Machado da Silva:

"Nada mais próximo do inferno do que uma temporada no paraíso. A queda do Muro de Berlim não impediu o surgimento de uma nova desordem mundial" (in Revista Isto É, n.º 1381, de 20.03.96).

Além disso, mesmo os sistemas ditos democráticos não se eximem de utilizar mecanismos de dominação perversos e presumidamente inerentes apenas a governos totalitários. Como os proletários de 1984, expostos à miséria social e à alienação dos folhetins eletrônicos, vivem milhões de brasileiros miseráveis e favelados. Em um país gigantesco como o Brasil, incrivelmente pessoas morrem lutando pelo direito a um pedaço de terra, como se verificou recentemente no estado do Paraná. Exemplos das incríveis contradições próprias de nosso país poderiam ser enumerados em grande número.

É fácil perceber que o sistema democrático não é uma panacéia em si mesmo, assim como a simples erradicação de ditaduras não implica na suprema realização humana. O maior perigo talvez resida nas motivações ocultas de determinados donos do poder, protegidos pelo manto da democracia, às vezes apenas "lobos em pele de cordeiro". Ao se referir a países subdesenvolvidos, Huxley descreve uma situação que se aplica com propriedade ao que vemos ao nosso redor:

"A morte rápida pela malária foi abolida; mas a vida feita miserável pela subnutrição e pela superpopulação é a regra agora e a morte lenta pela completa falta de comida ameaça um número ainda maior de pessoas" (Huxley, 1994:22).

Assim, por exemplo, o Ceará vangloria-se da erradicação de doenças como a paralisia infantil, mas as mesmas crianças continuam a morrer de fome em número altíssimo. Enquanto a democracia não implicar em uma vida mais justa para todos, com educação, saúde e lazer, entre outras coisas, podemos utilizar muitos insights advindos de obras como Brave New World e 1984. Não é válido rotulá-las de "ultrapassadas", uma vez que muitos dos problemas do povo de Oceania e dos habitantes do Novo Mundo da Era de Ford são ainda os nossos problemas. Veremos outros exemplos disso nas páginas seguintes.

 

4.2. O Papel da Propaganda Institucional

A propaganda tem se revelado um instrumento poderosíssimo nas mãos daqueles que detêm o poder. No prefácio à edição ucraniana de Animal Farm, quando comenta a discrepância entre eventos ocorridos na Rússia e na Espanha e a maneira como foram contados oficialmente, Orwell admira-se:

"Quão facilmente a propaganda totalitária pode controlar a opinião de pessoas esclarecidas nos países democráticos" (Orwell, 1989:110).

A propaganda oficial é largamente utilizada em Brave New World e 1984 como meio de doutrinamento e controle das pessoas. O Partido de 1984 chega ao requinte de ter um "Ministério da Verdade", um organismo especializado em propaganda e doutrinamento. O uso da propaganda se faz em conjunto com os mecanismos de dominação por nós analisados nos capítulos anteriores. Tudo consiste em fazer as pessoas crerem naquilo que interessa ao poder constituído. Não necessariamente, contudo, a propaganda é utilizada maquiavelicamente apenas por governos ditatoriais.

Na verdade, a propaganda é mais um fertilíssimo recurso que está à disposição de todos aqueles que detêm algum tipo de poder. Evidentemente, existe a possibilidade de se usar essa força para a promoção do bem comum. Não negamos isso ao enfocarmos o mau uso da propaganda e da comunicação de massa, uma vez que

"A comunicação de massa, numa palavra, não é nem boa nem má; é simplesmente uma força e, como qualquer outra força, pode ser usada para o bem ou para o mal. Usados de uma maneira, a imprensa, o rádio e o cinema são indispensáveis à sobrevivência da democracia. Usados de outro modo, eles estão entre as armas mais poderosas no arsenal ditatorial" (Huxley, 1994:59).

Os sistemas democráticos, infelizmente podemos afirmar, utilizam largamente a propaganda para fins alheios ao bem das pessoas. Já no final da década de 50, Huxley destacava os perigos criados pela utilização da comunicação de massa ditada pelos interesses consumistas da indústria da época. A propaganda não está, nesse domínio, preocupada com os conceitos de verdade ou mentira e sim com a exploração dos desejos fantasiosos das pessoas. Ainda de acordo com Huxley, um vago paralelo com a situação atual pode ser buscado apenas no antigo Império Romano, onde o povo foi exposto a uma sobrecarga de ofertas de entretenimento e distração: do teatro às lutas de gladiadores, das recitações de Virgílio à luta livre, dos concertos às execuções públicas, o objetivo era dar ao povo "pão e circo", para que tudo ficasse bem. Hoje, as pessoas são distraídas o dia inteiro por jornais, revistas, rádio, cinema e, last but not the least, televisão. Em Brave New World, os meios de entretenimento visavam a impedir que o povo prestasse atenção à sua realidade social e política. Outra vez, a análise de Huxley é impressionantemente atual:

"Uma sociedade cuja maioria dos membros passa grande parte de seu tempo não com os pés na realidade, não aqui e agora e no futuro previsível, mas em algum outro lugar, no irrelevante outro mundo do esporte e da novela, da mitologia e da fantasia metafísica, terá dificuldades para resistir à intrusão daqueles que a querem manipular e controlar" (Huxley, 1994:52).

Passados mais de trinta anos desde a morte de Huxley, a situação é ainda mais impressionante. O comportamento das pessoas é, em geral, diretamente influenciado pela propaganda, especialmente a veiculada pela televisão. A estratégia do especialista em marketing consiste em descobrir nas pessoas as motivações, desejos e medos inconscientes e então trabalhar baseado nos dados obtidos. Como resultado disso, e.g., não compramos mais laranjas, e sim vitalidade; não compramos um carro, e sim prestígio.

Numa campanha política, o marketing apela não para a inteligência do eleitor, e sim para suas fraquezas. O candidato precisa, mais que tudo, ter uma boa dicção, uma voz agradável e parecer sincero diante das câmeras. Descobertas as aspirações do público votante através de pesquisas, os especialistas projetam um candidato preparado para dar a impressão de responder à expectativa detectada. O discurso televisivo desse candidato não exigirá esforço intelectual ou concentração mental. O candidato é, antes de tudo, um "entertainer". De acordo com Huxley,

"Os métodos usados atualmente para vender o candidato político como se ele fosse um desodorante garantem com toda a certeza que o eleitorado jamais ouvirá a verdade sobre coisa alguma" (Huxley, 1994:83).

No caso de um sistema totalitário, os recursos da propaganda são sistematicamente utilizados para a manipulação de mentes e corpos, com a finalidade de manutenção do poder. De acordo com B. Russel, o poder sobre a opinião passa eventualmente pelas seguintes fases:

"Primeiro, a persuasão pura conduzindo uma minoria à conversão; depois, a aplicação da força, para fazer com que o resto da comunidade fique exposta ao direito de propaganda; e, finalmente, uma crença verdadeira por parte da grande maioria, o que de novo torna desnecessário o emprego da força" (Russel, 1957:110).

As técnica empregadas para conseguir o que Russel chama de "poder sobre a opinião" foram e são conhecidas dos ditadores reais e potenciais em qualquer tempo. O axioma de que "é através do poder da repetição que os detentores do poder adquirem capacidade de influenciar a opinião"(Russel, op.cit.:113) corresponde à seguinte afirmação de um dos mais célebres tiranos da História, Adolf Hitler:

"Somente a repetição constante conseguirá afinal imprimir uma idéia na memória de uma multidão" (apud Huxley, 1994:63).

De tudo o que foi dito, o mais importante numa discussão sobre o papel da propaganda é refletir criticamente sobre os meios sub-reptícios pelos quais os especialistas a serviço do poder político, econômico ou religioso podem manipular e controlar populações inteiras, produzindo gerações imbecilizadas, incapazes de interagir racionalmente com sua própria realidade.

 

4.3.A Ciência Genética e o Homem

Os incríveis avanços da ciência genética colocam diante do homem grandes desafios, em especial um desafio ético. Até onde se pode manipular a vida? Quando o homem tenta recriar a vida artificialmente, estará assumindo um papel elevado demais para si, o papel de Deus? De acordo com Mary Shelley, em seu Frankenstein(1818), termina em tragédia a tentativa humana de recriar a vida. Em Brave New World, este é um problema superado, pois a ciência não só cria a vida como o faz segundo seu próprios desígnios, predestinando-a nos mínimos detalhes.

A situação descrita em Brave New World nos faz refletir sobre algumas conseqüências éticas do desenvolvimento científico em nossos dias. O avanço das técnicas de reprodução in vitro não carrega nenhum mal intrínseco, parece evidente. O problema pode ser, novamente, o uso que se faz desse conhecimento. O fato de uma pessoa com sessenta anos ou mais ser levada a engravidar, por exemplo, como tem sido feito na Europa, levanta algumas dificuldades inegáveis. O que dizer da educação da criança assim gerada? Por quantos anos sua mãe poderá, sendo idosa, acompanhar seu crescimento? E quanto ao seu pai? Evidentemente, cada caso é um caso particular, mas as dificuldades continuam existindo, até pela ausência de um padrão anterior.

Uma outra questão diz respeito aos chamados bancos de esperma. Alguns se especializam em colecionar esperma de pessoas superdotadas intelectualmente. Quais as implicações éticas disso? Mesmo os cientistas de Brave New World evitaram criar uma sociedade de superdotados. Na opinião do Controlador Mustapha Mond:

"Uma sociedade de Alfas não poderia deixar de ser instável e infeliz" (178).

O homem sempre foi um ser em busca de sua própria superação, o que tornou possível o surgimento da filosofia, da ciência e da religião. No entanto, a Natureza, Deus, ou seja qual for o nome que escolhamos, parece nos ensinar a existência de limites preestabelecidos. No esporte, por exemplo, um atleta é punido ao usar alguma droga com a finalidade de otimizar seu desempenho numa competição.

O desenvolvimento na área genética se presta também a uma exploração comercial e industrial. Hoje, não é necessário esperar o frango ou o boi crescerem em seu ritmo natural para que sejam abatidos e comercializados. Seu crescimento é estimulado e acelerado através de doses maciças de hormônios, com evidentes riscos para os consumidores. Diante do aumento da demanda, em função do crescimento populacional, tais usos da ciência são necessários, mas não podem ser indiscriminados. A necessidade de limites éticos é evidente. O fim último deve ser sempre o bem comum, não a acumulação de riquezas e poder.

A pergunta sobre os limites da genética continua em aberto, até porque ela não alcançou, e possivelmente jamais alcançará, algo que se possa considerar o seu termo final, seu non plus ultra.

 

4.4. Sexo, Casamento e Família

Brave New World e 1984 apresentam padrões diferentes com relação ao tratamento dado ao sexo, ao casamento e à família. Ambos os padrões, entretanto, prestam-se a interessantes analogias com a realidade do mundo atual. Muitas dessas analogias já estão implícitas em nossa análise anterior sobre esses temas(itens 1.5 e 3.5).

A liberação generalizada do sexo em Brave New World já fora inspirada por algumas práticas das quais Huxley tinha conhecimento e as quais comenta no prefácio escrito em 1946 para a referida obra:

"Já existem certas cidades americanas nas quais o número de divórcios é igual ao de casamentos. Em poucos anos, sem dúvida, contratos de casamento serão vendidos à semelhança de licenças para cão, válidos por um período de doze meses, sem qualquer lei contra trocar de cão ou possuir mais de um animal de cada vez" (14).

Mais uma vez, Huxley ressalta o pragmatismo dos governantes, para os quais a liberalização sexual tem o papel de compensar a ausência de liberdade política ou econômica, juntamente com outros meios já tratados no corpo deste trabalho.

A abolição da família torna possível, em Brave New World, a liberação irrestrita das práticas sexuais. O mundo moderno, se não aboliu a família, adotou padrões morais que a enfraquecem como instituição. Temos bastante liberdade, mas em geral não temos uma boa preparação para conviver com essa liberdade. No Brasil, a televisão tem moldado, através das novelas e programas de entretenimento, padrões de comportamento que atingem diretamente a família através do sexo.

Um evidente reflexo dessa liberalização de costumes adquiriu contornos polêmicos na decisão do Supremo Tribunal Federal de absolver em recurso o encanador Márcio Luiz de Carvalho, anteriormente condenado pelo estupro de uma menor de doze anos. Segundo o parecer do ministro Marco Aurélio de Mello,

"Nos nossos dias, não há crianças, mas moças de 12 anos. Precocemente amadurecidas, a maioria delas já conta com discernimento bastante para reagir ante eventuais adversidades" (apud Brissac, in Revista Isto É n.º 1394, de 19.06.96).

Com o olhar voltado para a realidade, o ministro teve a coragem de votar contra o Código Penal, de acordo com o qual a relação sexual com uma menor de catorze anos é sempre classificada como estupro. O acerto ou não da decisão é questionável, porém o acontecimento revela uma mudança radical nos conceitos éticos vigentes na sociedade contemporânea, uma vez que há indícios de que a menina(ou moça) em questão permitiu a relação. No mesmo artigo, o jornalista Chantal Brissac traz depoimentos de várias outras garotas de doze anos, algumas das quais declaram conhecer amigas que "transam" e gostam de dizer isto para as demais. Talvez apenas exibicionismo de adolescente, talvez um claro indício da realidade. Todas, por outro lado, revelam bastante esclarecimento quanto à questão sexual.

Ainda com relação ao sexo, a realidade brasileira apresenta um triste paralelo com aquela vigente em 1984. Em Oceania, ao lado dos padrões sexuais quase puritanos impostos aos membros do Partido, o tratamento dispensado à escória social, "the proles", caracteriza-se por uma completa liberalização e instrumentalização do sexo. As mulheres proletárias têm a permissão de se prostituir, e o Partido faz vista grossa ao intercâmbio de seus membros com elas. No Brasil, meninas-moças pertencentes às camadas mais pobres da população são seduzidas e prostituídas em troca de doces, brinquedos ou um pouco de dinheiro. Garotas de maior idade, também pobres, são vendidas como prostitutas para a Alemanha, Itália, Holanda e outros países, ludibriadas pela promessa de ganhar muito dinheiro em pouco tempo. Nada disso incomoda seriamente o governo democrático do Brasil, dada a irrelevância política e econômica desses excluídos.

Ainda em 1984, alguns tipos de organizações contribuem para o esfacelamento da família, à medida em que dividem seus membros em "Liga Juvenil Anti-Sexo", "Espiões", e coisa do gênero. Os membros da Liga Juvenil Anti-Sexo atuam como agentes da propaganda, especialmente sexual, do Partido, enquanto os "Espiões" mobilizam as crianças para a atividade de delação, começando por sua própria casa. Ambas as organizações são desintegradoras da família: a Liga, por exaltar o serviço ao Partido em detrimento do prazer sexual; os "Espiões", por estabelecer um clima de desconfiança e medo dentro dos lares, entre os filhos e seus próprios pais.

A família contemporânea encontra-se igualmente dividida. A diferença de mentalidade e interesses entre crianças, adolescentes, jovens e seus pais é flagrante. A maioria dos pais, mesmo os mais jovens, nem sempre consegue entender e conciliar seus padrões éticos com os de seus filhos. Há uma espécie de "propaganda oficial" fornecendo os paradigmas de comportamento às gerações mais jovens. Seu veículo privilegiado parece ser a televisão, que funciona exatamente como uma telescreen moderna: cada lar, cada lugar público ou privado, possui uma, e parece que ninguém consegue "desligá-la", i.e., filtrar, selecionar e trabalhar criticamente as idéias por ela veiculadas.

A quebra de vários tabus sexuais, a permissão para o divórcio, a informação na área sexual, representam avanços à medida em que permitem às pessoas uma maior autonomia e mais ampla liberdade pessoal. Infelizmente, há muitos desvios, frutos de interesses mercantilistas que não têm escrúpulos em instrumentalizar o sexo e a família e resultado do descaso generalizado(até por falta de preparo) da classe governante.

Sexo, casamento e família são um assunto difícil de enfocar com isenção de preconceitos de várias ordens. No entanto, a leitura de Brave New World e 1984 levanta, conforme vimos, vários questionamentos nessa área. Alguns desses questionamentos foram referidos aqui. Vários outros ainda poderiam ser tratados, dada a complexidade inerente à vida hodierna, complexidade essa resultante, em grande parte, da superexposição à informação à qual todos estamos sujeitos.

 

4.5. Drogas e Realidade

Diversos fatores levam o ser humano a consumir drogas. Em Brave New World, as pessoas consomem a "droga perfeita"(soma) levados por um condicionamento pré-determinado pelo Estado. O Sistema faz com que a droga seja encarada como algo tão normal e corriqueiro quanto a alimentação diária. E tira proveito disso:

"A ração diária de Soma era uma precaução contra o desajustamento individual, a agitação social e a propagação de idéias subversivas"(Huxley, 1994:104).

Já em 1984, o álcool é o recurso ditado pelo desespero geral, a dolorosa fuga da realidade, por contraste à aparente tranqüilidade universal de Brave New World.

As drogas são parte da realidade de milhões de pessoas no mundo inteiro, do menor de rua que inala cola de sapateiro para suportar a fome e o abandono de que é vítima ao executivo estressado que consome cocaína para enfrentar a concorrência e a tensão do mundo dos negócios.

O consumo de drogas não é seriamente combatido pelo poder estabelecido, pois este nem sempre está livre de contradições e comprometimentos que tolhem sua ação. Em um país como a Colômbia, qual é o real interesse do governo em liquidar uma indústria que representa sua maior fonte de renda, a indústria dos derivados de coca? O poder e a influência dos "barões da coca" manipulam a vida dos colombianos nos diversos âmbitos, da política ao esporte. Mesmo com a questionável ajuda estrangeira, especialmente americana, o problema continua irresolvido.

As drogas legalizadas e socialmente aceitas representam uma espécie de porta de entrada para o consumo de suas congêneres ilegais. Evidentemente, nem todos os fumantes e alcoólicos se tornam dependentes de drogas ilegais. Permanece, no entanto, a contradição que leva o mundo moderno, em nome de interesses comerciais, a canonizar alguns tipos de drogas e a excomungar outras. Se é verdade que muitas pessoas cometem crimes ou se envolvem em acidentes de trânsito sob o efeito de drogas como cocaína e heroína, o mesmo acontece com os que se deixam dominar pelo álcool. As estatísticas mostram um enorme número de acidentes de trânsito ocasionados pelo alcoolismo, assim como inúmeros casos de câncer e doenças pulmonares causados pelo tabagismo. Nenhum governo, entretanto, jamais cogitou seriamente de combater o uso de tais drogas, até pela força econômica que representam através dos impostos recolhidos aos cofres estatais.

A vida moderna parece impelir muitos ao consumo de drogas como meio de fugir à dura realidade cotidiana. A ciência não desenvolveu, até hoje, uma droga equivalente à soma de Brave New World, que não trouxesse males à saúde do usuário. Diante da pouco provável perspectiva da erradicação do uso de drogas, o homem contemporâneo precisa pelo menos usar seu conhecimento científico e tecnológico para minimizar seus males. Tendo em vista a incapacidade humana, bem como a falta de um real empenho, para construir a Utopia, as pessoas sempre terão motivos para buscar meios de fuga às anti-utopias em que vivem. O razoável seria, portanto, pelo menos utilizar inteligentemente os meios disponíveis de cura recuperar o maior número possível de dependentes, criar programas de informação e esclarecimento e, fundamentalmente, investir em educação e saúde. O contraditório é que tais aspirações parecem demasiado difíceis, inalcançáveis até, mesmo vivendo nós sob um regime dito social e democrático. As mazelas de Brave New World e 1984 não são domínio exclusivo de sistemas ditatoriais.

 

Índice

Mecanismo de Sustentação dos Sistemas Totalitários em Brave New World e Nineteen Eighty-Four
0. Sobre o trabalalho
(apresentação, abstract, créditos, introdução, conclusão e bibliografia)
1.A Estrutura Social e os Mecanismos de Sustentação do Sistema em Brave New World
2.A Estrutura Social e os Mecanismos de Sustentação do Sistema em Nineteen Eighty-Four
3. Análise Comparativa de Brave New World e Nineteen
4.Brave New World, 1984 e o Mundo Contemporâneo

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