Aprenda a Velejar
Este texto está disponível para download na página do veleiro
musashi.
Estou traduzindo um outro texto sobre o assunto, e estarei
disponibilizando-o em breve.
Não pense que vai encontrar aqui um curso completo de como navegar à
vela. Tentaremos, no entanto, explicar alguns conceitos rudimentares desta
arte, de modo a entender-se da simplicidade, e paradoxalmente da
dificuldade, que é exigida na manobra de um veleiro. A teoria esclarecerá
somente alguns aspectos, porque é apenas com a prática que se aprenderá e
se ganhará confiança para comandar uma embarcação à vela.
Para orientar a direção de um barco à vela usa-se o leme.
É uma peça submersa e normalmente ligada ao casco no painel de popa ou
próximo deste e na sua posição natural está alinhado ao comprimento da
embarcação. É mudando a direção do leme que alteramos o rumo
ora para bombordo, se o leme (não a cana do
leme!) for deslocado para a esquerda, ora para boreste, se
for deslocado para a direita. O leme é manobrado por uma
roda ou uma cana do leme que o faz girar em
torno de um eixo alterando assim a sua posição. Quando se usa uma
roda de leme a atuação é semelhante ao volante de um
automóvel, mas o uso da cana do leme é bem diferente e é
sempre feito no sentido contrário relativamente ao lado para onde queremos
virar.
E atenção; o leme só tem algum efeito desde que o barco
tenha andamento!
A cana do leme (seta branca) gira
para o lado contrário
para onde queremos virar
O meio onde uma embarcação se desloca também tem influência nesta.
Existem forças externas, como as correntes e o vento que provocam um
abatimento ou deriva no rumo da embarcação.
Não podemos neste caso aproar diretamente ao objetivo e será preciso
escolher uma direção cuja resultante seja em função da força da corrente,
velocidade do barco e distância a percorrer.
A resultante é uma soma vetorial da
intensidade da
corrente com a velocidade do barco
Nas embarcações à vela o principal meio de propulsão é o vento. O motor
é um meio de propulsão auxiliar que é usado principalmente nas manobras de
acostagem, quando se fundeia ou ainda quando não há vento. De uma forma
simplista digamos que o vento é o combustível de um veleiro e as velas o
seu motor. A arte de velejar é assim a arte de manobrar as velas em função
do vento, direção e intensidade, com o rumo que queremos seguir.
Existe
ainda um elemento a considerar e que apenas aparece com o barco em
movimento, mas é fundamental na navegação à vela. É o vento
aparente. Imaginemos que estamos a correr num dia sem vento. O
vento que nesse momento sentimos na cara é o que se chama de vento
aparente. É este vento, resultante do movimento e direcção de uma
embarcação e da intensidade e direção do vento real, que
incide nas velas.
Vento real e vento aparente
(note-se a as variações de
direção e intensidade)
Antes de continuar há que saber um pouco da nomenclatura usada pelos
homens do mar. Assim, o lado de onde sopra o vento designa-se por
barlavento e o lado para onde vai o vento chama-se
sotavento. Quando a proa do barco se aproxima da direção do
vento diz-se que estamos a orçar, enquanto que quando a proa
se afasta do vento diz-se que estamos a arribar. O nome das
mareações, a maneira de como um veleiro navega segundo a direção do vento,
depende da direção deste relativamente ao barco. Assim quando um barco
navega com vento pelas amuras, diz-se que bolina. Se a
direção do vento é entre o través e as alhetas o veleiro navega a um
largo e se vier pela popa navegamos simplesmente a uma
popa.
Mareações em função da direção do vento
Nas navegações com vento pela popa o vento limita-se a empurrar a vela.
As turbulências criadas na parte da vela que não está exposta ao vento
explicam o pouco rendimento neste tipo de mareação. Por isso tenta-se
evitar estes ventos, mesmo com spi, orientando-se a embarcação de modo a
receber aqueles pelas alhetas. Apesar de obrigar a sucessivas mudanças de
rumo, a velocidade alcançada é maior atingindo-se mais rapidamente o
objetivo.
Vento pela popa aumenta as turbulências
com a
consequente perca de rendimento
É intuitivo que navegar diretamente contra o vento é, pelo menos por
enquanto, impossível. Também não custa nada a entender que um barco
impulsionado com vento pela popa, navegue a favor da direção deste, mas
bolinar já requer uma explicação mais cuidada.
Quando o vento ataca a
superfície da vela pelos bordos o perfil da vela aproxima-se do formato da
asa de um avião e o vento provoca o efeito de Bernoulli, ou seja, a
energia criada é resultante da diferença de pressão dos dois lados da
vela. É a sucção do lado contrário por onde entra o vento que provoca a
força propulsora. Para uma máxima eficiência e aproveitamento deste efeito
tem grande importância a afinação da vela, o seu desenho e material. Uma
vela mal afinada criará campos de turbulência no seu perfil desperdiçando
energia.
O ar corre mais velozmente na parte de trás da vela
gerando
uma diminuição de pressão. Na parte ao vento, o ar
desacelera,
aumentando aí a pressão e empurrando a vela.
(efeitos
segundo a lei de Bernoulli)
Agora que já sabemos algo sobre o princípio de como o vento faz mover
um veleiro falta falar um pouco sobre a afinação. Será mesmo um pouco, já
que a afinação tem inúmeros fatores que apenas a experiência poderá
explicar. Para dar uma pequena idéia da complexidade de uma boa afinação,
próxima dos 100%, diremos que o material da vela, o desenho desta, a
intensidade do vento, o tipo de barco e aparelho são apenas alguns fatores
que entram quando se pretende uma afinação perfeita. Isto apenas se coloca
em regata, já que em cruzeiro e para a maioria dos velejadores as
afinações rondam, quando muito, os 80%, o que é mais do que suficiente
para este tipo de navegação.
Comecemos então por içar as velas. Esta manobra deve ser geralmente
efetuada contra o vento, geralmente, porque com ventos muito fracos é
admissível qualquer rumo. As modernas velas de enrolar não se içam, mas
desenrolam-se e normalmente nestes casos até não convém estar aproado ao
vento, já que se aproveita a força deste para desenrolar as velas mais
facilmente.
Caça-se a vela gradualmente até deixar de bater
Depois de içadas ou desenroladas, admitamos que o vento nos vai obrigar
a um largo ou mesmo a uma bolina. A afinação mais simples é
folgar-se a vela (deixar a vela ir ao sabor da direção do
vento) e ir-se caçando (puxando) gradualmente até que a vela
deixe de bater ao vento. Note-se que a partir do momento em
que a vela começa a ser caçada, o barco começa também a ser
impulsionado, cada vez mais até que a vela deixe de bater. A forma da vela
aproxima-se assim, como descrevemos anteriormente, daquele formato de asa
e que resulta na força propulsora.
Quando o vento se apresenta pela
popa, a direção da retranca, deverá aproximar-se da
perpendicular da direção do vento, e não coincidir, para que haja um
escoamento mais eficaz do vento.
Por exemplo, se o nosso objetivo se situar num ponto de onde sopra o
vento teremos de bolinar até chegar ao objetivo. Isto quer dizer que
poderemos gastar 4 ou mais horas para vencer umas 5 milhas e menos de uma
hora, para esse mesmo percurso, apenas porque a direção do vento é outra
(admitindo a mesma intensidade do vento!). Navegar à vela torna-se assim
dependente, e muito, do capricho do vento (ou da ausência
dele).
O mesmo percurso com ventos diferentes
Já atrás falamos da influência do vento no abatimento de
uma embarcação. A força do abatimento nos veleiros é ainda
substancialmente maior devido à pressão do vento exercida nas velas. Para
contrabalançar essa força efetuada nas velas os veleiros têm um patilhão,
normalmente lastrado com ferro, chumbo ou outro material. Além dessa força
de compensação o patilhão tem também como função resistir ao
abatimento, força que é de fato atenuada mas não anulada. O
abatimento é maior nas bolinas sendo
gradualmente menor até às popas.
Ao contrário de um automóvel um veleiro não pára repentinamente. Mesmo
com pouca velocidade o melhor que poderemos fazer é desviar-nos. Por isso
todas as manobras de um veleiro requerem sempre muita calma, tempo e
preparação nas manobras. Os improvisos só devem ter lugar para os
imprevistos, porque qualquer manobra precipitada poderá pôr em causa a
segurança da tripulação e a eventual perda da embarcação. Uma tripulação
treinada aumenta a segurança e a confiança geral.
O abatimento põe-nos problemas de segurança
Mudar de rumo é o mais normal e por vezes pode ser necessário que ao
virarmos o vento passe de um bordo para o outro. Podemos fazer esta
manobra contra a direção do vento, virar por davante, ou de
modo a que o vento passe por detrás, virar em roda.
À voz
de virar por davante o timoneiro vira sem brusquidão a cana de leme
para sotavento (A1). No momento em que o estai ou genoa começa a bater, folga as escotas de sotavento (A2) e quando a vela de
proa passar, pela ação do vento, para o bordo contrário (A3),
começa a caçar as escotas desse bordo (A4). Deve-se arribar um
pouco para ganhar um pouco mais de andamento, seguindo-se depois as
afinações para esse bordo.
Virar por davante (A) e em roda (B)
O virar em roda é mais fácil, mas requer outros cuidados. Em
geral passa-se de um largo (B1) para uma popa quase raza
(B2), obrigando o vento a entrar pela alheta (B3). Deve-se
então caçar bem a vela grande de modo a trazer a retranca até ao meio
(B4). É então que se vira suavemente obrigando o vento a levar a
retranca para o bordo contrário (B5). A escota da vela de proa
folgou-se, entretanto e caçou-se a do outro bordo (B6). Agora pode
voltar-se a folgar a grande e fazer as respectivas afinações de velas.
Esta manobra pode ser um risco na altura em que a retranca voa de um bordo
para o outro. Se a passagem for demasiado violenta, a cabeça de um
tripulante desprevenido pode ser fatalmente apanhada na trajetória. O
aparelho de uma embarcação também pode sofrer indo ao limite de partir o
mastro se os ventos forem demasiado violentos. Neste caso, opte pela
viragem por davante.