As Obras na igreja de S. Lourenço em 1751
O padre Francisco Maldonado foi prior
beneficiado na igreja de S. Lourenço cerca de 20 anos. Em 1751 solicitou
ao Tribunal do Concelho da Fazenda autorização para efectuar obras na
igreja por se encontrar em grande ruína. As alterações e as deturpações
que os empreiteiros fizeram na igreja levaram-no a expor o assunto ao Rei.
Dessa, como de outras exposições, deixou-nos notícia em rascunhos, e, por
isso, particularmente difíceis de transcrever, que se encontram no arquivo
da junta de freguesia de Alhos Vedros.
Sobre as obras referidas diz-nos que
somente ele andou muito tempo a requerê-las, sem que mais ninguém desse um
passo. Afirma que a igreja não tinha coro à porta principal como costumam
ter todas, porque o tinha ao lado da capela-mor, servindo-lhe de entrada
um arco grande sem porta. Por isso, pediu e conseguiu que se fizesse um
coro sobre a porta principal, tanto para se fazerem nele as funções de
coro e missa como para ornato da igreja.
Porém os mestres de carpintaria e
alvenaria em conluio com a Irmandade do Santíssimo Sacramento, fizeram-se
senhores e árbitros absolutos da igreja, o que não deviam nem podiam, como
foi o caso de levarem, venderem ou darem o forro do tecto, que era bom e
podia ficar, para as casas de uma quinta, e da mesma forma deram ou
venderam estrados, azulejos e mais materiais, até um carneiro tiraram de
uma sepultura e o levaram para junto do poço a servir de pia para os
animais beberem. Será o mesmo que actualmente está no cemitério a servir
de tanque? Acrescenta que os ditos mestres, principiaram a abrir portas e
a fechar outras, taparam uma que estava na sacristia da Irmandade, aberta
por Provisão de Sua Majestade, na condição da chave ficar na mão e poder
do tesoureiro da igreja, e abriram outra para o campo, no coro e cemitério
dos eclesiásticos, tapando o arco que era entrada do dito cemitério e
fechando-o com uma porta grande colocada na frente da porta da sacristia.
Além disso, os usurpadores quiseram
apoderar-se do coro e cemitério com violência, o que sendo lugar sagrado,
pois estava dentro das paredes da igreja, não podia nem devia servir para
coisas profanas, tendo, porém, os oficiais tapado ou demolido os sinais
que revelaram tratar-se de espaço sagrado; por exemplo, as cruzes nas
paredes anteriores. Acresce que os sacerdotes e clérigos de qualquer ordem
devem ter sepulturas separadas dos leigos, como dispõe o ritual de Paulo V,
no título "de exequiis" parágrafo "sepultura sacerdotum", que assim o
manda onde poder ser. Mas ainda que pudesse ter outra finalidade, não
devia, visto a igreja ter necessidade dele, pois em conformidade com as "constituie"
do Patriarcado, toda a igreja deve ter duas casas, uma para sacristia e
outra para guardar as coisas da igreja, o que esta não tem e só aquele
espaço poder servir, por ficar em frente da sacristia.
Diz, por fim, que a ambição da Irmandade
sobre a posse do coro e cemitério é despropositada, pois sempre couberam
na casa que possuem, mas se entendem que é pequena, que façam outra maior
com os seus próprios rendimentos, porque só de renda de uma capela, que
lhe foi deixada para gastos do Senhor, são consumidos mais de 3.000
cruzados, sem se ver em quê, e que a sua administração é tão má que se
chega a fazer escândalo e arruína as suas próprias consciências visto
gastarem os rendimentos em proveito próprio, chegando ao cúmulo de não
terem dinheiro para fazer a festa ao Santíssimo Sacramento.
Os rascunhos do padre Maldonado mereciam
um estudo pormenorizado em virtude das informações que contêm poderem
esclarecer tanto a evolução arquitectónica da igreja como a vida religiosa
da vila.
Jornal O Rio.