Saraus de Resistência

Professora Vera Sebastião

NOSSO LUGAR DE FALA

SOMOS o nosso lugar de fala. A fala dos Afrodescendentes que vivem a dor da discriminação e do racismo diuturnamente. Veja os versos do falecido poeta Adão Ventura no poema Comensais: " A minha pele negra/ servida em fatias / em luxuosas mesas de jacarandás, / a senhores de punhos rendados / há 500 anos." Branco nenhum tem dúvida de quem é negro no Brasil. Aqui existe o racismo de marca, nos ensina o Professor Kabengele Munanga. Escapou de preto é branco.

O Racismo no Brasil é estruturante e estruturador, diz Nilma Lino. Quem nasce branco, branco mesmo, usufrui de todas as benesses produzidas pelos escravizados. Aos Afrodescendentes não se proveu nenhum direito após a "abolição da escravatura. Foi uma longa, corajosa e lenta caminhada até a lei 10.639/2003 que alterou a LDB, garantindo o direito de se estudar a História da África e dos Afrodescendentes. Os pardos não tem pele preta, mas são negros. A população do Brasil é composta de 52% de negros. Pardos e pretos. O entendimento desta realidade é o que chamamos de Consciência Negra.

A luta do Movimento Negro é histórica. Não existe e nunca existiu democracia racial. O que temos de combater é o Racismo. Vivemos numa sociedade racista e não estamos imunes a ele. Temos de cuidar de nossa fala para não repetirmos chavões racistas. A militância negra nos prepara para o embate de IDEIAS, para a luta contra as desigualdades, não para criarmos outro tipo de discriminação. A pandemia tem escancarado o Racismo Estrutural. Qual é a cor das populações de rua? Qual é a cor das populações que vivem nas comunidades e favelas? Qual é a cor das pessoas que estão nos subempregos da economia informal? A resposta é uma só. Os negros, pardos e pretos. Negros.

A resposta não é minha. São os dados do IPEA que o comprovam, assim como as pesquisas do Professor Marcelo Peixoto na direção do LAESER - Laboratório de Equidade Étnico e Racial (LAESER) da Universidade do Texas Austin, espaço acadêmico colaborativo voltado para o desenvolvimento de estudos, pesquisa e extensão para a realização de atividades na área de estudos das relações étnico-raciais e da discriminação na estrutura social brasileira e em outros países atingidos por tais problemas.

A área de competência específica do LAESER é no estudo das relações étnico-raciais, principalmente aquelas que envolvem a relação da população negra, ou afrodescendente, com o resto da composição da sociedade; bem como as situações relativas a questões sociais e de direitos humanos, violência, empobrecimento e consternação vivenciada por esses contingentes. O LAESER, em suas diferentes áreas de atuação, faz uso sistemático dos bancos de estatísticas sociais e de informações demográficas, visando um entendimento objetivo da evolução das desigualdades sócio raciais brasileiras. Qualquer pensador pode escrever sobre a produção de conhecimento dos negros na academia, desde que tenha o propósito da militância e queira pesquisar as Epistemologias Negras e perseverar na luta contra o Racismo, seja ele qual for: recreativo, institucional, racial, multidimensional, estrutural. Racismo mata o futuro do Povo Negro, logo é necessário estudá-lo e extirpá-lo para que haja uma sociedade justa e equânime.

O nosso lugar de fala de pesquisadores negros tem de ser respeitado. Não há o que discutir sobre a competência acadêmica de um pensador branco, como por exemplo, Marcelo Gleiser que é um intelectual notável e além de seu tempo. A intelectualidade branca já tem seu lugar consolidado. Nós, pesquisadores negros, temos de consolidar o nosso fazer acadêmico, temos de ter como referenciais teóricos os Valores Civilizatórios Afrodescendentes, os pensadores negros, as Filosofias Africanas, os Estudos Culturais, o olhar desvelador dos Estudos Decoloniais, temos de contrapor o Pensamento Negro ao conhecimento hegemônico, branco e patriarcal. Só eliminaremos o racismo, principalmente o RACISMO ESTRUTURAL através de educação equânime das populações negras, com a formação de Consciência Negra, na abordagem cotidiana dos bens e valores produzidos pelo Povo Negro em sua longa jornada no Planeta Terra.


BELO HORIZONTE, 11 DE JANEIRO DE 2022
VERA LÚCIA ALVES SEBASTIÃO

Consciência Negra Dissertações Teses