A
história de Kwan Kun (Guan Gong) remonta há 1700 anos
(alguns dizem 2000 anos). Apesar de haver um único rei, o
território chinês era dividido em feudos governados
por generalíssimos que mantinham o poder e o controle de
seu território. Nesse período, onde grande parte do
território chinês ainda não era habitado, três
"ministros'' dividiam a parte civilizada: Liu Pei, Tchou Tchou
e Sin Kin.
Sin Kin governava uma parte pequena no território, enquanto
Tchou Tchou tinha a parte maior. Mas era Liu Pei que contava com
a ajuda e a amizade do guerreiro Kwan Kun. Na verdade, Kwan Kun
era o "irmão de sangue'' de Liu Pei, que mais tarde
viria a se tornar um dos reis.
Para os chineses, ser "irmão de sangue'' significa dar
importância e valor como se fosse irmão verdadeiro
a um amigo. Após uma cerimônia onde o sangue é
misturado e os dois se tornam irmãos - a partir daí,
respeito e lealdade passam a ser ponto de honra. O ditado chinês
define bem a extensão dessa amizade: "Pode não
ser o mesmo dia que nasce, mas é o mesmo dia que se morre''.
E assim era Kwan Kun, irmão de sangue de Liu Pei, juntamente
com Chang Fei.
Era a época de batalhas entre os governantes e Liu Pei, apesar
de contar com a ajuda do grande guerreiro Kwan Kun, tinha o exército
de Tchou Tchou como oponente. Após uma batalha, Liu Pei viu-se
obrigado a deixar seu território, refugindo-se nas montanhas.
Com o afastamento de Liu Pei, Kwan Kun ficou com a responsabilidade
de proteger a família de seu irmão, assim como o seu
exército. A situação era insustentável
e Tchou Tchou queria de toda maneira trazer Kwan Kun para lutar
em seu exército. Para isso mandou seu general, que era amigo
e respeitava muito o lendário guerreiro, para convencê-lo.
Kwan Kun relutou muito, a fidelidade a seu irmão de sangue
era indiscutível, mas a responsabilidade para com a família
dele, a diferença de poderio militar, a falta de notícias
de Liu Pei, fizeram com que Kwan Kun decidisse ganhar tempo até
descobrir onde seu irmão se refugiava e, enquanto isso, manter
a vida de seus familiares.
No entanto, Tchou Tchou não conseguia ganhar a confiança
e nem o respeito do herói. Tentou suborná-lo com festas
grandiosas, com o oferecimento de mulheres maravilhosas, roupas
lindíssimas e muito, muito ouro. Tudo que Kwan Kun recebia,
dava para a família de seu irmão guardar para quando
ele retornasse.
Um dia, Tchou Tchou conseguiu dar um presente que despertou a alegria
de Kwan Kun - um cavalo garboso, que havia pertencido a um general.
Era um animal valioso, numa época que a montaria era a única
forma de transporte. O que Kwan Kun pretendia, na realidade, era
ter o animal para poder procurar seu irmão. Tchou Tchou ficou
frustrado. Após muitos acontecimentos, Liu Pei chegou ao
poder. Nesta época a China já estava dividida em 3
reinos (San Co). O período que Liu Pei ficou afastado de
tudo serviu para que ele conhecesse o sofrimento de seu povo, já
que passou pelas mesmas provações.
Diz-se
que certa vez Kwan Kun soube que um malfeitor (filho de um governador
local), tinha raptado a filha de um homem bom e honesto. Ela então
pertenceria para sempre como propriedade do malfeitor. Mas então
Kwan Kun veio, matou o malfeitor, salvou a moça e devolveu-a
a seu papel. Sabendo que o governador tentaria se vingar, Kwan Kun
refugiou-se em um Templo. As tropas do governador finalmente o encontraram
e tentaram matá-lo ateando fogo ao Templo. Kwan Kun permaneceu
no Templo enquanto as chamas subiam pelos alicerces consumindo tudo.
Subitamente ele passou através das chamas, atacou as tropas
de surpresa, dispersando-as com poucos problemas. Depois de buscar
conforto próximo a um riacho ele percebeu, no reflexo d'água,
que as chamas haviam deixado seu rosto vermelho e brilhante. Com
este disfarce ele conseguiu escapar das tropas que continuavam a
perseguí-lo.
Outra lenda narra seu encontro com Chang Fei e Liu Pei, do reino
de Shu, com quem formaria uma das mais importantes trincas de heróis-divinizados
da antiga China. A caminho da conscrição (convocação
para o serviço militar), Kwan Kun teria encontrado Chang
Fei, um açougueiro que desafiava qualquer pessoa a erguer
do chão uma pedra de 180 kg, sob a qual estava um grande
pedaço de carne. Até então, ninguém
havia vencido. Aceitando o desafio, Kwan Kun ergueu a pedra e se
apoderou da carne, provocando a ira de Chang Fei. Os dois começaram
uma briga violentíssima, que só foi encerrada com
a intervenção de Liu Pei. Mais tranqüilos, perceberam
que tinham muitas coisas em comum e se tornaram amigos. Em um campo
de pessegueiros, os três fizeram um juramento de amizade pelo
qual se obrigavam a viver e a morrer juntos.
Outra lenda ainda conta que vários exércitos haviam
se reunido para destruir as tropas de um general rebelde. Percebendo
a futilidade em mandar suas tropas contra o inimigo em número
bem maior, o general rebelde escolheu seu melhor lutador e desafiou
cada comandante para um duelo homem a homem até a morte.
Devido a reputação do lutador rebelde nenhum dos comandantes
aceitou o desafio. Um dos comandantes foi então até
Kwan Kun e lhe ofereceu uma taça de vinho morno - um convite
para que representasse os exércitos. Kwan Kun, sem pensar
em dizer não, levantou-se da mesa de jantar, lutou contra
o campeão rebelde e voltou antes que o seu vinho e sua comida
esfriassem.
Certa vez foi acertado por uma flecha envenenada. Apesar de faltar
anestesia, os médicos decidiram operá-lo. Quando a
cirurgia começou, ele ao mesmo tempo deu início a
uma partida de xadrez. Enquanto a cirurgia prosseguia, Kwan Kun
se concentrava mais no jogo. Assim que a cirurgia terminou, Kwan
Kun venceu a partida e foi embora.
Como soldado, era conhecido pelo nome de Kwan Yu ou Kuan Yu, e,
antes de ser elevado a categoria de divindade, era considerado um
herói militar, que exibia poder e coragem, era imbatível
nas batalhas, leal, bom, generoso e admirado por seus companheiros.
Infelizmente, o destino reservou-lhe um desastroso fim. No momento
em que as forças de Kwan Kun estavam em batalha com o exército
de Wei, batalhões do reinado de Wu iniciaram um ataque surpresa
que esmagou o exército de Shu Han. Algumas versões
dizem que Kwan Kun foi traído por um de seus soldados, que
informou ao inimigo a localização de sua tropa. Contava
ele com 52 anos de idade.
A tumba contendo seu corpo estaria localizada em Tangyang e sua
cabeça teria sido sepultada em Loyang (Henan), uma localidade
situada ao lado do mosteiro de Shaolin. Relatos antigos contam que
após a sua morte, Kwan Kun apareceu muitas vezes a seus soldados,
o que levou-os a crer que ele seja o santo protetor dos guerreiros.
A figura de Kwan Kun também é colocada nas delegacias
chinesas, para que os policiais não se esqueçam que
a honestidade deve vir em primeiro lugar.
Características
As lendas mostram a transformação do homem comum em
divindade: segundo o folclore, Kwan Kun teria 2,70 metros de altura
e uma barba de 60 cm; a face seria vermelha "como uma jujuba",
seus olhos semelhantes aos de uma fênix e suas sobrancelhas,
semelhantes a minhocas. Nos templos, muitas vezes é representado
junto com seu cavalo "Lebre Vermelha" ou, então,
cercado por seus auxiliares, o filho adotivo Kwan Ping (branco)
que carrega em sua mão um presente que é símbolo
da unificação que seu pai ajudou a construir e o escudeiro
Chou Tsang (negro) que empunha a mortífera arma Kwan Tao.
Uma das lendas relacionadas ao Kwan Kun afirma que ele teria sido
fecundado por uma divindade solar e que sua mãe, ao invés
de ter um parto normal, teria botado um ovo (vermelho como sangue).
O marido, com medo do que pudesse sair do ovo e furioso com o filho
que, ele desconfiava, não era seu, tentou destruí-lo
quebrando a casca antes que eclodisse. O menino lá dentro
estava quase que totalmente formado, a não ser pela face
(ainda vermelha). Mesmo tendo vindo ao mundo antes do tempo, o garoto
sobreviveu e cresceu, vindo a se tornar um herói. Não
perdeu, porém, o rosto vermelho, fruto da ira de seu pai.
No entanto, a cor vermelha na cultura chinesa representa coragem
e justiça, podendo isto, explicar a cor vermelha pintada
em todos os quadros dele.
Existem muitas lendas que contam as cenas de bravura da vida de
Kwan Kun, estas são apenas algumas delas. São conhecidas
muitas versões sobre seu nascimento, vida e morte. Mas o
que importa é que ele é visto em todas as histórias
como um representante de tudo aquilo que a cultura chinesa considera
de bom e certo no domínio das artes marciais. Kwan Kun era
orgulhoso de mente e corpo, corajoso em combate, generoso, honesto,
justo e leal. Essas boas qualidades é que são exaltadas
quando se faz uma reverência à figura legendária
de Kwan Kun. Um exemplo a ser seguido dentro e fora dos locais de
treinamento.
É muito comum, em diversas academias e salas de treino de
kung fu, existir um pequeno altar suspenso com uma imagem do Kwan
Kun. Ao entrar no salão de treinos o praticante de kung fu
se dirige primeiramente até esta imagem e presta uma simples
reverência, saudando-o com o cumprimento formal do kung fu
(punho direito fechado coberto pela palma da mão esquerda,
suspensos na frente do corpo).
Ao início dos treinos é costume que todos os presentes
acendam incensos e cumprimentem, em conjunto, o Kwan Kun. A intenção
destas reverências ao Kwan Kun é a de que todos se
"concentrem" para o início dos treinamentos, focando
sua atenção em três aspectos que devem estar
presentes durante todo o treino: interesse (em si mesmo e no outro),
sintonia (consigo mesmo e com o outro) e confiança (em si
mesmo e no outro).
Para que seu espírito seja invocado, os chineses costumavam
acender uma vela vermelha ou uma pequena lâmpada da mesma
cor, o que significa que o mesmo esta presente.
Na
China é muito comum que certos homens e mulheres virtuosos
ou heróicos sejam glorificados pela posteridade. De
maneira muito similar ao modo como os santos são canonizados
em diferentes religiões, estas personagens chinesas
"maiores que a vida", ganham status de divindades.
Uma dessas personagens é o Kwan Kun (Guan Gong), que
foi aceito como patrono das artes marciais chinesas. Kwan
Kun era capaz de contar de memória uma antiga história
clássica chinesa e por esta razão se tornou
também o padroeiro dos estudantes. Os sifus literatos
sentiam orgulho dele, sendo que sua importância foi
levada até à arte chinesa do teatro, onde existe
uma ópera que é dedicada a este nobre homem
e seus grandiosos feitos.
As lendas populares concedem-lhe grandes poderes, e já
no século VII, taoistas e budistas reverenciavam à
Kwan Kun. Os budistas fizeram dele guardião do Templo,
enquanto os taoistas estavam convencidos de seus poderes contra
demônios malignos. Templos foram construídos
em sua honra e, pouco tempo depois, todo o lugarejo tinha
um Templo dedicado à Kwan Kun. Peças teatrais
sobre ele eram muito populares, e todos os atores que executavam
o seu papel tinham o rosto pintado de vermelho de acordo com
as lendas. Mesmo quando jovem Kwan Kun estava sempre pronto
a auxiliar os necessitados e oprimidos. |
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