O Livro do Tombo da Misericórdia de Alhos
Vedros
Até à segunda metade do século XIX a
Misericórdia de Alhos Vedros foi uma grande proprietária rural e urbana,
nos actuais concelhos da Moita e Barreiro.
Herdeira de uma concepção católica de
solidariedade social que, na nossa vila, remonta ao século XV, o seu
património cresceu por doação dos fiéis, por compra, ou pelo sequestro
judicial dos bens de devedores insolventes.
Já no século XVII esse património
proporcionava elevados rendimentos que, acrescidos de doações simplesmente
pecuniárias, permitia uma constante disponibilidade financeira e que a
instituição funcionasse como banco ou como seguradora. Na maioria dos
casos que consultei, a Misericórdia emprestava elevadas quantias, com
juros de 5% ao ano, ficando os devedores penhorados nos seus bens,
normalmente casas e terrenos, posteriormente integrados no seu património.
A "coisa" era possível porque o valor emprestado era muito superior ao
valor dos bens penhorados, logo, o devedor não pagando os juros e perdendo
os bens ficava largamente beneficiado. Estes empréstimos eram feitos aos
principais proprietários da vila e até aos mesários.
Certo é que, no final do século XVIII, o
seu património é significativo e o Livro do Tombo, feito em 1780, é um
registo ou arrolamento dessas propriedades, com todas as confrontações e
medidas, acompanhadas de belíssimas plantas dessas propriedades. No fundo,
diz que o património era o seguinte: uma igreja, um moinho de maré, um
viveiro, um sapal, um paul, duas marinhas, três courelas de vinha e terra,
quatro quintais, seis courelas de terra, sete pinhais, uma casa caída,
oito casas com quintal e dez vinhas. Rendiam anualmente, 160 mil reis e
estavam avaliados em 5,4 milhões de reis, arredondando por baixo.
Integrando este património surgem
topónimos bem conhecidos, como: Morçoas, Lagoa da Pega e Vale da Amoreira,
e outros já desaparecidos como: Brejos, Lagoinha e Bela Vista, bem como
prédios nas zonas urbanas de Alhos Vedros, Moita e Lavradio.
Estes foram bens da Misericórdia, até
finais do século XIX, pois numa relação feita em 1889 verificamos
existirem, certificados de aforro no valor de 3.000$00, objectos em prata
e ouro, imagens de santos, quadros a óleo e outros objectos de menor
importância.
Durante três séculos, a Misericórdia
foi, de facto, uma instituição bastante rica, funcionando como banco e com
interesses em todas as ruas e fazendas do concelho. A própria necessidade
de mandar Tombar, num grande livro de mais de 500 páginas, todos os seus
bens, revela que estes seriam significativos e que a sua gerência requeria
elementos técnicos que não permitissem desvios de dinheiro ou de
propriedades, pois, como afirma a introdução do livro, "muitas delas andam
perdidas".
Jornal O Rio.