Análise dos dados

 

Ao longo desse trabalho, muitas foram as questões que surgiram e percebo que grande parte delas ficaram sem resposta, mesmo porque a idéia não é apresentá-las, mas suscitar perguntas, estas sim levam ao movimento de dilatação de idéias, ruptura com os padrões ou de reconstituição, de dispersão e reunião de dados, e nos afastam da comodidade que as ditas "verdades" nos ajustam. Todo esse percurso de comentários que tracei busca reforçar a premissa de que o hipertexto não consiste numa "absoluta novidade", e que ele não se concretiza somente com a operação mediadora da máquina. Num primeiro momento, o hipertexto eletrônico causou uma tensão, à medida que acenou um momento de ruptura nas práticas de escrita, primeiro pela sua facilidade na arte de combinar textos e na utilização de recursos multimídias. Segundo, porque estilhaçou com a normalidade em que o leitor estava envolvido sacudindo convenções e hábitos de leitura ao popularizar uma escritura fragmentada (esta já existia no meio impresso, mas não era tão comum). E além disso, tornou evidente as possibilidades de comunicação numa velocidade nunca antes vista. O computador é, seguindo esse raciocínio, uma descoberta tecnológica que ampliou as condições de expressão, sem dúvida.

Mas, apesar dele ser um novo suporte de veiculação de informações, de sua capacidade de armazenamento ser superior ao meio impresso, bem como da velocidade com que processa as informações ser muito maior a qualquer outro meio de comunicação, não é possível tratá-lo sem pensar que ele é uma inovação técnica que foi introduzida na cultura impressa, a qual já estamos familiarizados, e que também trabalha com textos superpostos, sob o nome de intertextos.

Além disso, não podemos pensá-lo como se tivesse gerado uma escrita inédita e fosse a máquina de todas as máquinas e não o resultado de uma simbiose de técnicas anteriores. A técnica não pode ser vista como um projétil autônomo de grande impacto sobre a cultura já sedimentada, que parte de fora para dentro da sociedade. Mas sim como o resultado de um processo cultural que uma multidão de agentes produzem, e sua inserção na sociedade acontece num processo de sucessão e não de substituição. Sucessão da oralidade, da escrita e da informática, constituindo um complexo deslocamento de centros de gravidade. Tanto no meio impresso quanto no meio eletrônico, o hipertexto só existe quando o leitor mantém-se numa postura de busca, de curiosidade que elabora articulações possíveis com outros textos, que não ignora as trilhas alternativas propostas pelo escritor. Se a leitura é operada de forma linear, sem o mergulho nos links, nos intertextos, perdeu o escrito sua característica hipertextual.

Nessa perspectiva, a escrita hipertextual não depende do meio em que é transmitida, ela é uma construção composta por camadas de intertextos, uma arca de palimpsestos, que a transformam numa fala multivocal. A cultura impressa, com a qual já estamos familiarizados, também trabalha com textos superpostos, sob o nome de intertextos e também os processos textuais em meio impresso podem ser constituídos de forma que ele possa gerar uma multiplicidade de encaixes multilineares, formando uma rede que não obedece a nenhum princípio de centralidade nem de linearidade.

Nessa diversidade de domínios tecnológicos, o uso da (e pela) mídia apresenta-se como um status de poder daquele que as utiliza sobre aqueles que são desprovidos dessa possibilidade, chegando ao ponto de hoje possuirmos os ditos analfabetos tecnológicos, ou ainda os plugados e desplugados (com relação aqueles que utilizam ou não a Internet). Em pleno século XXI vemos, principalmente em comunidades mais provincianas, a convivência daqueles que possuem estranhamento frente aos primeiros meios de comunicação, os quais já fazem parte do nosso cotidiano, e aqueles que utilizam os mais avançados media. Enquanto os mais idosos têm dificuldades com meios de comunicação como o telefone, o qual para a grande maioria já é banal, temos crianças que dominam os controles remotos e computadores. Estes, para muitos adultos, são objetos que causam esquivança sendo inseridos, portanto, numa esfera de incompreensão e conseqüentemente de rejeição ou apologia (e esta última gerará uma aura sacralizante sobre este). Dessa forma, é necessário relativizar nossa postura frente às modernas tecnologias; para alguns grupos elas realmente causam impacto, enquanto que para outros é absorvida rapidamente, como um continuum dos meios que já dispomos no mercado, sendo mais um equipamento facilitador.

Ao tratar-se de avanços tecnológicos não se pode perder de vista que todo discurso revela, ou traz de maneira velada, um gesto que denuncia uma prática democrática ou autoritária. Os meios de comunicação têm a capacidade de exercer forte influência sobre o modo de vida das pessoas ditando normas sociais e comportamentais. Além disso, é importante salientar-se que ao mesmo tempo em que as descobertas técnico-científicas libertam o homem de inúmeros limites, elas não oferecem facilidades para se atingir metas sociais, reforçando a exclusão de muitos dos segmentos da sociedade que não conseguem aderir à modernização. Ao mesmo tempo em que os avanços tecnológicos colaboram para a democratização da cultura, eles apresentam o seu reverso, as dificuldades de acesso, principalmente a Internet que ainda é um meio de comunicação cujo acesso doméstico e público ainda é privilégio de poucos. Dessa forma, à escola cabe tornar menor a distância entre os tecnologicamente providos e aqueles sem acesso a tais recursos, não somente oferecendo sua entrada nessa nova modalidade de conhecimento, mas promovendo um refletir criticamente sobre seu uso e o que se veicula, pois a liberdade com a qual se apresenta - uma das normas imperativas da Internet -, é um hiperconjunto de megafones bradando todo tipo de informação.

Não há como negar que com a evolução para sistemas sociais mais complexos, as técnicas que se baseavam em conhecimentos e recursos locais evoluíram para sistemas globalizados. Elas alteraram conceitos de produção, trabalho e conhecimento compreendidos como produção inteligente do ser humano, cabendo agora à escola "(...) desenvolver novos hábitos intelectuais de simbolização e formalização do conhecimento, de manejo de signos e representação, além de preparar o indivíduo para uma nova gestão social do conhecimento, apoiada num modelo digital explorado de forma interativa."

Dessa forma, não é só questão de acesso a equipamentos de última geração. Mesmo algumas unidades de ensino bem equipadas enfrentam resistência por parte dos docentes que possuem pouco domínio da técnica. Para estes a tecnologia causa grande impacto. Além disso, não são todos os indivíduos que se mantém abertos para novas experiências; repetir práticas de ensino cristalizadas é uma via facilitadora. "É certo que a escola é uma instituição que há cinco mil anos se baseia no falar/ditar do mestre, na escrita manuscrita do aluno e, há quatro séculos, em um uso moderado da impressão. Uma verdadeira integração da informática (como do audiovisual) supõe portanto o abandono de um hábito antropológico mais que milenar, o que não pode ser feito em alguns anos." O educador, agente catalisador de transformações para atuar no sentido de alfabetizar tecnologicamente, primeiramente deve estar ambientado nesse ciberecosistema.

Com o uso do computador nas aulas de Língua e Literatura a construção do conhecimento deu-se de forma diferente, pois as estratégias e métodos de aprendizagem encaminharam o aprendiz a uma experiência mais autônoma. Passamos a trabalhar com uma multiplicidade de recursos: imagens, sons, palavras, cores, movimentos e a aprendizagem tornou-se mais independente, ela se desvinculou da instrução direta e explícita via professor, havendo um redimensionamento da função deste. A utilização dos meios informático-mediáticos — o mundo mágico da multimídia, da Internet com seus conteúdos atraentes, globais e interdisciplinares — alterou a rotina escolar proporcionando um reencantamento desse ambiente, de seus agentes e usuários.

Com o desenvolvimento do projeto Leitura e produção em meio eletrônico, buscamos a utilização dos meios informático-mediáticos — que possibilitaram produções multimídia e a conversão destas em páginas html, podendo assim, serem utilizadas na Internet na forma de homepages — para a concretização da idéia do aluno enquanto autor, indivíduo agente em seu próprio ritmo. Um texto (escrito, falado ou de imagens) sempre é plural e exige do leitor/ouvinte uma reflexão e interpretação que estará calcada nas informações que lhes chegam pelos meios de comunicação, pelos seus referenciais de mundo. O aluno para tornar-se autor, produziu e apresentou a sua produção ao montar, ele próprio, sua homepage, explorando a intertextualidade segundo seu interesse. Foram de sua competência o conteúdo, forma, aspecto, apresentação e o desenvolvimento do trabalho. Com seus anseios, com suas buscas, com suas bricolagens, auxiliado pelo professor/facilitador quando este se fazia necessário, ele pode construir saberes que lhe eram significativos e compartilhar destes com os seus pares através do site que criamos para a divulgação do projeto. Nesse novo ambiente, o aluno pode ser o dono de seu tempo, construtor de sua aprendizagem, e o professor exerceu o papel de "ponte", orientando a busca das informações desejadas pelos seus alunos.

Alunos discutindo com escritora Raquel WandelliO estudante — nunca antes numa posição tão central, pois muitas metodologias colocam-no como coadjuvante no processo educacional, cabendo unicamente ao professor, ao mestre toda a responsabilidade pela definição do conteúdo, estratégias e método de ensino e finalmente pelo repasse do conhecimento acumulado pela historia da humanidade —, é chamado a sugerir, decidir, participar na definição de boa parcela do que se pretende estudar e aprender e de que maneira fazê-lo.

O uso do computador como ferramenta pedagógica proporcionou um ambiente escolar sadio para trocas de informações, auxiliando e alterando os processos de pesquisa, comunicação, troca de experiências, workgroups e tantas outras possibilidades que foram descortinadas no decorrer do processo. A pesquisa — uma das formas de busca e construção de conhecimento cuja elaboração de saberes faz-se em resposta aos questionamentos do aluno/pesquisador —, com a utilização das tecnologias da informatização passou por um processo de renovação e se tornou uma prática fundamental nessa marcha de construção do conhecimento.

Frente às possibilidades com as quais os estudantes se depararam no uso do computador como uma forma de ampliar o universo da pesquisa em todas as áreas do conhecimento humano, e o sucesso e interesse com que desenvolveram tais atividades, percebemos que, entre outros motivos, o fracasso escolar se dá, na maioria das vezes, porque a instituição educacional possui seus programas e objetivos tão somente voltados para as habilidades cognitivas, de forma automática, e não respeita as diferenças, principalmente no que diz respeito ao tempo de maturação que cada indivíduo necessita para realizar determinadas tarefas.

No decorrer dessa experiência, observamos uma atenção dos estudantes sempre presente ao palpitar de cores, aos sons, aos textos e aos movimentos na tela do monitor, demonstrações de interesse durante a utilização dos equipamentos. A oportunidade de interatividade foi uma das responsáveis por essa constante curiosidade. Poder estrelar o conto partindo da palavra ou estrutura semântica que mais lhe agradasse, bem como poder escolher os autores com os quais preferia trabalhar, além de poder inserir som e imagem, e exibir sua produção na Internet para qualquer indivíduo de qualquer parte do mundo acessar, trouxe ânimo e sucesso ao projeto.

O conhecimento adquirido pela formulação de homepages estabelece uma dinâmica diferente daquela encontrada nos livros, na medida em que aproxima o indivíduo não só de outras realidades (pois isso a impressão já o faz), mas determina-se pela mutabilidade, pela agilidade, inserindo a comunicação na esfera da fluidez. A construção de páginas hipertextuais possibilitou a integração e o cruzamento de dados num sentido multidirecional e multidimensional, introduzindo no ambiente educacional uma escrita que não obedece mais o pensamento linear, mas permite incursões diversas por um mundo labiríntico do conhecimento, impondo uma nova estratégia de leitura e escrita. O hipertexto é como uma dobra que vai se abrindo, a cada link ele se desdobra, multiplicando-se, uma palavra pode ser a porta para um outro capítulo, as palavras entram em ebulição e descobrimos um confluir de idéias, "de fundo falso em fundo falso", uma camada recobrindo a outra.

Apesar das semelhanças encontradas entre o hipertexto e outras formas de comunicação, existe um caráter novo na estrutura das páginas da Internet. Explorando a utilização do hipertexto, o usuário não só "navega" como interage com o texto lido de forma imediata, havendo a possibilidade de exposição e discussão de suas idéias entre várias pessoas de diferentes lugares on-line. Ele está à disposição de qualquer usuário e possibilita o acesso direto a informações científicas (ou não), via a rede mundial de computadores. Todo esse processo é um outro tipo de acesso ao patrimônio da cultura humana, uma prática cujo princípio norteador é a interatividade. As mídias, principalmente depois da proliferação da Internet, têm preocupado-se muito com a situação dos usuários, busca-se formas de promovê-lo de mero espectador a ator, pois trocar simplesmente de canal não corresponde mais as expectativas do utilizador, este quer manipular e decidir sobre o uso e o conteúdo em questão. Assim, um dos objetivos foi explorar o caráter interativo que o hipertexto eletrônico oferece ao usuário pela inserção de links. É um conhecimento vinculado à prática, pois a formação educacional que se almeja atualmente busca a utilização de métodos no qual o educando aprenda a aprender, que o torne apto a enfrentar e decidir a cada nova situação que surja. Um indivíduo que opere reflexões sobre as atividades desenvolvidas, que saiba trabalhar coletivamente e de forma interdisciplinar, enfim que seja ator no processo educativo e que possua uma conduta criativa.

Ao utilizar-se do meio eletrônico o escritor tem a liberdade de colocar diversas chaves de leituras no texto, materialmente visíveis, e cada palavra pode abrir-se para uma multiformidade de significados. Trata-se de trabalhar com essa nova dialética entre obra e intérprete a qual permite ao leitor, segundo Eco, fazer abstrações "de outros significados possíveis e legítimos da mesma expressão." A criação literária em suporte eletrônico abre possibilidades de variações interpretativas no interior de cada texto, pois o estudante pode introduzir som, imagem, vídeo, verdadeiros parênteses que vão constituir um conjunto de mensagens organizadas em torno de um tema, deflagrados às vezes, por uma única palavra. Confiados à iniciativa do leitor-escritor, cada texto produz outro texto, numa exploração das estruturas semânticas que podem ser ilimitadas pela capacidade de armazenamento da máquina.

Não é a simples combinação de textos justapostos, os quais podem ser abertos com um simples clicar do mouse, que aponta o valor desse tipo de construção e leitura textual. Mas, todo o processo de interpretação pelo qual passa o leitor, o percurso mental efetuado para criar as estruturas que no computador aparecerão sinalizadas como links. A criação de homepages trabalha com textos combinatórios, e exige do criador uma atitude de investigador, de pesquisador. Para poder relacionar um texto a outro texto, o criador necessita planejar, investigar, ler, confrontar textos, compilar e selecionar o material literário e descobrir, através da reflexão e análise, vínculos entre os textos, estágios do processo de compreensão e interpretação textual. Cada link é resultado das ressonâncias produzidas pelo texto e o produto é um repertório literário bastante vasto.

Enfim, tentamos oferecer com o projeto que intitulamos Leitura e produção em meio eletrônico uma educação mais voltada ao questionamento, provocadora, que considerasse as dúvidas e os anseios do educando como estágio essencial para o seu amadurecimento. Espero, assim ter oportunizado momentos de reflexão crítica que instigam a discussão das razões epistemológicas e empíricas do advento das recentes tecnologias de informação, pois a tecnologia nos é imposta, sem, na maioria das vezes, percebermos sua inserção no nosso dia a dia. Acredito ter colaborado para o debate sobre a inserção das modernas tecnologias no ensino, repensando o papel da escola frente as mesmas.

O desenvolvimento desse projeto no contexto do ensino médio suscitou uma outra lógica de valores que não fazia parte daquele contexto educativo. Outras operações cognoscitivas passaram a ser valoradas, como o processo de compilação, havendo sobretudo a abertura para uma visão da obra literária como um objeto que pode ser tocado, decomponível, sujeito à subjetividade e à percepção do intérprete. Cada texto compilado e relacionado é resultado do olhar interpretante do leitor sobre o texto, uma atitude que o leva a concluir que o objeto literário pode ser transcendido em direções diversas, sem que nenhuma das perspectivas escolhidas consiga esgotá-lo, pois uma perspectiva sempre remete a outra, numa contínua brotação de idéias.


BRASIL. Ministério da Educação e do Desporto — MEC. Secretaria de Educação a Distância — SEED. Programa nacional de informática na educação. 06 de novembro de 1996.p. 06.

LÉVY, Pierre. As tecnologias da inteligência: o futuro do pensamento na era da informática. Tradução Carlos Irineu da Costa. Rio de Janeiro: Ed. 34, 1993. p.08.

http://www.geocities.com/Athens/Pantheon/2990.

Segundo Vigotski é fundamental a mediação de indivíduos para que o outro se aproprie desse conhecimento. REGO, Tereza Cristina. Vigotski: uma perspectiva histórioco-cultural da educação. 4a. ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 1995. p. 109.

LÉVY, As tecnologias da inteligência... p. 41

ECO, Humberto. Obra aberta. São Paulo: Perspectiva, 1986. p. 40.

 

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Última atualização: 10/06/01 01:33:51

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