mc nº 5 - Abril de 1970

MC – mundo da canção


Fundada por Avelino Tavares em 1969, no Porto, foi uma revista pioneira na divulgação da então designada nova música portuguesa, onde se incluíam os baladeiros e os cantores de protesto. De periodicidade mensal, teve como directores Avelino Tavares, José Viale Moutinho, António Vieira da Silva, António José Campos e Mário Correia.

Os seus colaboradores das diversas fases incluiram Maria Teresa Horta, Guilherme Soares, Jorge Cordeiro, Michel Brunet, Arnaldo Jorge Silva, Fernando Silva Cordeiro, Tito Lívio, César Príncipe, José Cid, A. J. Lage, Jorge Lima Barreto, Octávio Fonseca Silva, Melo da Rocha, Carlos Feixa, Luís Paulo Moura, Viriato Teles, Manuel Neves, Fanch Deudé e Fernando Sylvan Em 1973 teve uma edição integralmente apreendida pela Pide. Cessou a publicação regular em 1985, tendo ressurgido em 1991 como publicação anual temática.

[ Crédito: At-Tambur.com ]


Um Mundo de Canções
Crédito: José Manuel Lopes Cordeiro in Cidade do Porto
19 de Dezembro de 1999

Completam-se hoje precisamente trinta anos sobre o dia em que surgiu nas bancas o primeiro número daquela que podemos considerar a primeira revista portuguesa de música moderna, o "Mundo da Canção". Editada no Porto, por Avelino Tavares - um homem das artes gráficas que nutria um forte interesse pela música -, o primeiro número da revista, que foi também por ele inteiramente escrito, paginado e impresso, apresentava na capa a fotografia de Francisco Fanhais, um jovem padre baladeiro que, nesse mesmo ano de 1969, tinha emergido na ribalta da música portuguesa, após participação no popular programa de televisão "Zip-Zip", de Carlos Cruz, Fialho Gouveia e Raul Solnado.

Ao longo de catorze anos de publicação - com uma periodicidade mensal, mas que, nos últimos tempos, se tornou irregular -, a pequena "Mundo da Canção" em breve passou a entremear a divulgação das letras das canções mais em voga com artigos de crítica musical e de denúncia do nacional-cançonetismo, que não deixavam de provocar alguma perplexidade - e alguns protestos - nos leitores "não consciencializados" ou menos exigentes nos critérios de apreciação musical. Para além disso, nestes primeiros números, manifestou-se, inclusivamente, uma atitude um tanto ou quanto displicente nas respostas publicadas na secção de correspondência dos leitores, criticando-se abertamente o conteúdo das cartas que aqueles enviavam à revista, especialmente das que acompanhavam o envio de poemas para publicação. Na referida secção, denominada "Posta Restante" - que, posteriormente, se subdividiu com a criação de uma rubrica específica para manter correspondência sobre os poemas enviados -, encontravam-se missivas de alguns nomes hoje em dia sonantes da nossa praça pública, que apresentavam sugestões e criticavam ou aplaudiam o conteúdo da revista, ao lado de "jovens inconscientes" que solicitavam fotografias de Roberto Carlos (em ponto grande), pediam a publicação de um folhetim ou anunciavam a sua ambição em tirarem o "curso de doutora" (nº 7), suscitando, por vezes, um não dissimulado gáudio nas respostas dos responsáveis por aquela rubrica.

Este posicionamento crítico e "anti-establishment" da redacção do "Mundo da Canção", alargada, logo a partir do nº 2, a nomes como Viale Moutinho, Maria Teresa Horta (delegada em Lisboa) ou Jorge Cordeiro, e mais tarde a Arnaldo Jorge Silva, Fernando Cordeiro e Tito Lívio, era particularmente evidente na apreciação dos poemas que os leitores enviavam à revista. Embora por vezes os publicasse - numa rubrica intitulada "Poesia 70" -, os poemas eram frequentemente alvo de uma apreciação crítica implacável, que deverá ter provocado numerosas frustrações e o abandono prematuro de muitas e promissoras carreiras poéticas . Os inúmeros comentários demolidores - chegaram, inclusivamente, a aconselhar um leitor a "não mostrar os seus versos a ninguém" (n º 11) - originavam por vezes reacções de apreensão por parte de quem enviava poemas, como a de um outro leitor, do Entroncamento, que chegou mesmo a escrever: "Não mando mais [poemas], porque se gozarem esse, não podem gozar mais, mas se gostarem é só pedirem"; ao que o coordenador da secção respondeu, laconicamente: "Não pedimos" (nº 11).

Mensalmente, pela módica quantia de 3$50, os leitores encontravam nas páginas da revista as letras das músicas que integravam os "tops" da música popular - então razoavelmente difíceis de encontrar, principalmente as de origem anglo-saxónica, tanto mais que eram poucas ou nenhumas as possibilidades que então existiam em aceder ao que, no domínio musical, se fazia no estrangeiro, principalmente para as muitas centenas de leitores da revista que viviam na "província". Deste modo, é compreensível que os primeiros números da revista tenham esgotado rapidamente, o que motivou um aumento da tiragem, a qual chegou a ultrapassar os vinte mil exemplares.

Ao mesmo tempo que inovava com a publicação de artigos de crítica musical - ficou célebre um artigo de Jorge Cordeiro a desancar nos Moody Blues (nº 3) [ver texto abaixo]- e contava com a colaboração de músicos como José Cid ou Jorge Lima Barreto, a revista lançava-se noutro tipo de iniciativas, bem de acordo com a época, como era o caso dos convívios musicais. Assim, em 27 de Março de 1970, promovia o 1º Convívio "Mundo da Canção", no qual mais de duas centenas de jovens se comprimiram no exíguo espaço do piso inferior da Galeria Alvarez, no Porto, para escutar Manuel Freire, outro baladeiro, que ficou famoso por musicar o poema "Pedra Filosofal" de António Gedeão.

O número de Dezembro de 1971 - que inaugurou o terceiro ano de publicação regular e ininterrupta da revista - marcou o início de uma "nova fase" e pode considerar-se um ponto de viragem relativa na história do "Mundo da Canção". Esta "nova fase" chegou até a ser "teorizada" por um leitor que, citando Feuerbach ("a prática resolverá as dúvidas que a teoria não resolveu"), considerou a revista dotada, a partir de então, com "uma armadura teórica fortemente reforçada e correctamente situada", num texto de opinião efusivamente saudado pela redacção. É também por esta altura que Mário Correia, um assíduo leitor da revista que já tinha colaborado em números anteriores, passa a colaborador efectivo da revista, tornando-se, a partir de então e até a mesma se deixar de publicar, um dos seus principais impulsionadores.

Acompanhando a grande transformação da música portuguesa ocorrida a partir do memorável Outono/Inverno de 1971 - com a publicação dos álbuns "Cantigas do Maio" (José Afonso), "Gente de Aqui e de Agora" (Adriano Correia de Oliveira), "Mudam-se os Tempos, Mudam-se as Vontades" (José Mário Branco) e o EP "Romance de Um Dia na Estrada" (Sérgio Godinho) -, o "Mundo da Canção" vai proceder a várias alterações. Embora se mantenham as principais rubricas, a revista vai surgir com um novo formato e novas secções, nomeadamente recensões de álbuns recentemente publicados, análises críticas das obras de intérpretes e grupos da actualidade, reportagens sobre os festivais de jazz de Cascais ou do primeiro Festival de Vilar de Mouros.

A boa música portuguesa começa a disputar as páginas à música anglo-saxónica, embora se deva reconhecer que, já anteriormente o "Mundo da Canção" prestara atenção a outras sonoridades - francesas (Serge Reggiani, Jean Ferrat, George Brassens), belgas (Jacques Brel), espanholas (Patxi Andion, Água Viva, Joan Manuel Serrat, Paco Ibañez) - hoje em dia em grande parte banidas do mercado discográfico pela avassaladora influência das multinacionais anglo-americanas. Sintomaticamente, a capa daquele número de Dezembro de 1971 é consagrada a José Mário Branco - na época, exilado em França -, ao mesmo tempo que, pela primeira vez, se publica publicidade ao "O Comércio do Funchal" - um jornal com uma grande importância política naquela época e do qual hoje em dia parece que toda a gente se esqueceu.

Esta orientação acabou por chamar a atenção da censura, que, na sua costumada actuação arbitrária, entendeu "retirar do mercado" o nº 34 (Dezembro de 1972) da revista, embora não tenha conseguido impedir a distribuição e a venda de uma boa parte da edição, entretanto já efectuada. Registe-se que, para além do destaque dado, na capa, a cinco novos álbuns nacionais então publicados - entre os quais se contavam os novos trabalhos de José Mário Branco, José Afonso e Mário Viegas -, este número não apresentava conteúdos diferentes dos que anteriormente já tinha publicado.

O editorial do primeiro número publicado após o 25 de Abril, intitulado "Construir uma revista popular", inaugurou um período de grande conflitualidade interna, marcado por divisões ideológicas inultrapassáveis, que se traduziu de imediato na quebra da periodicidade. Ultrapassadas as perturbações internas, a revista ainda se publicou durante quase mais uma década, acabando por se extinguir, formalmente, em 1983, com a edição do nº 68. Contudo, o seu nome permanece, ainda hoje em dia, associado à realização do Festival Intercéltico e do Festival Europeu de Jazz, organizados por uma pequena empresa homónima, de distribuição discográfica, uma prática que, aliás, se tinha iniciado ainda durante o período de publicação da revista, pelo que não será descabido afirmar que o "Mundo da Canção", trinta anos após o início da sua publicação, já se transformou numa das instituições da cidade.


O LP Let it Be dos Beatles saiu em Inglaterra no mês de Maio de 1970. (...) No mês de Agosto de 1970, o nº 9 da revista Mundo da Canção, que se publicava no Porto e era distribuida pela Livraria Bertrand, fez na capa, a amarelo vivo e azul desmaiado, a reprodução da capa do disco e no interior as letras de duas canções do álbum: "The Long and Winding Road" e "Two of us". (Crédito: portadaloja).


mundo da canção - nº 5 - Abril de 1970
letras de canções:
Canção do MarJosé Afonso
Que c'est triste Venize Charles Aznavour
You can't always get what you want Rolling Stones
One million years Robin Gibb
Donna Donna Joan Baez
Soneto 70 Patxi Andion
Fortunate son Creedence Clearwater Revival
Travelin' Band Creedence Clearwater Revival
Looky Looky Giorgio
O dia da lua Paulo de Carvalho
Years may come, years may go Herman's Hermits
Ob la di - Ob la da Beatles
Instant karma Plastic Ono Band
Hino da Alegria Miguel Rios
Maria Negra Quarteto 1111
Lay lady lay Bob Dylan
Let it be me Beatles
L'arca di Noé Sérgio Endrigo
Never had a dream come true Stevie Wonder
Vejam bem José Afonso
Soul sister Annie Melanie
Ó Ti'Ana Carlos Portugal
Friends The Arrival
A boy named Sue Johnny Cash
Os ratos João Maria Tudela
Canção do vento Padre Fanhais
El condor pasa Simon and Garfunkel
Bridge over troubled water Simon and Garfunkel
Ballade du bidonville José Barata Moura
Mon enfant fait dodo José Barata Moura
Suite: Judy blue eyes Crosby, Stills & Nash
Balada para uma heroína que eu inventei Luís Cília
La mauvaise herbe Georges Brassens
entrevistas / notícias:


  • Patxi Andion (entrevista)
  • Paulo de Carvalho
  • "Tempo Zip" - novo programa da rádio portuguesa
  • Carlos Portugal
  • anúncios:
    Aguardente Velha 1920"A melhor companhia para ouvir melhor música"
    Sérgio Endrigo "A Arca de Noé" (disco EP)
    Couto Lda Restaurador Olex / Depilatório Taky
    Electro-visão (discos)
    Água de Luso "das melhores águas de mesa"
    Pop Cave "o mundo da juventude / Discoteca"
    Philips Novidades (discos)
    Discovisão "A zona de Cedofeita foi enriquecida com uma
    das melhores discotecas da cidade!!.. visite-a"
    Julio Iglésias "o artista que grava em exclusivo na etiqueta roda"
    Guimar Rádio "gravadores - discos - gira discos"
    Senhor Sómusica "as melhores marcas mundais em instrumentos musicais"
    Alfa "a sua discoteca / sempre os últimos êxitos"
    Frixlene"a elegância que ultrapassa... os outros!"
    Foto-Eléctrica "sempre as últimas novidades em discos"
    Porsil "A sua discoteca"
    Sinfonia discoteca - livraria
    AEG Portuguesa "o melhor som / melhor imagem"
    Sonolar "Discos - alta fidelidade - discofones"
    Movie Play"Vittorio Santos - o português que triunfou em França"
    Cantor inglês "precisa de elementos para fundar um
    conjunto no Porto. Sistema de cooperação"
    polémica:


    Sob o título "Rimanços em foco são transcritas no nº 5 da revista 'mundo da canção' duas cartas de leitores discordando do artigo de Jorge Cordeiro publicado em edição anterior (nº 3), onde afirmava que muita composição chamada "pop" continha apenas "rimanços" e uma relação de coisas absurdas.

    O leitor João Augusto Aldeia manifesta a sua concordância, excepto no que diz respeito aos Moody Blues, acusando Jorge Cordeiro de ter feito traduções de má qualidade para provar a sua teoria. "Só é pena que Jorge Cordeiro tenha caído na armadilha fácil de criticar os Moody Blues que é, e creio que aqui não há dúvidas, um conjunto extraordinário". J. Aldeia "arrisca-se" mesmo a traduzir parte de "Lazy Day", dos Moody Blues, para mostrar que "tem um tema e é até bastante compreensível":

    Dia de preguiça, Domingo à tarde
    apetece por os pés ao alto e ver TV
    o almoço de Domingo é bom
    Hoje deve ser cordeiro pois bife foi a semana passada
    (...)
    É assim que a tua vida corre
    Até ao dia em que morres.

    Na outra carta, assinada por Jorge Dias, António Fernando, José Loureiro, Isabel Soares e Jaime Cardoso, lamenta-se que Jorge Cordeiro "se apresse a ridicularizar alguns dos melhores compositores actuais em favor de outros já ultrapassados no tempo e no estilo", considerando extremamente infeliz a ideia de "escolher como exemplo de 'rima certinha e fácil de aprender' o caso dos Moody Blues".

    Em resposta, Jorge Cordeiro mantém integralmente as afirmações do seu anterior artigo. Defendendo-se da acusação de erros na tradução das letras dos Moody Blues, e responde a J. Aldeia: "em boa verdade, ninguém, neste país, declara que vai comer cordeiro. Diz-se comummente anho, e o bichinho não se sente ofendido com a troca de nomes" . [O bichinho não, mas o nortenho Jorge Cordeiro parece que sim...]

    E mais a sério: "Considero a música pop de consumo imediato, comercial e bem situada no plano 'ligeiro', seja ela boa, má ou sofrível. O que se lhe solicita é que seja audível e tenha conteúdo e não banalidades e jogos de linguagem, isto é, gongorismo".

    Jorge Cordeiro remata a sua defesa afirmando que "o que é importante e necessário é permanecer vivo, de olhos bem abertos para a realidade, encarar todos os factores alienatórios, desmistificar, combater. A fugir para rios verdes se anda há muito tempo. Se essa for a solução, então é pura e simples alienação".

    A referênca a "rios verdes" deriva da defesa que, na "carta dos cinco", se faz da letra de "Green River", escrita por John Fogerty para os Creedence Clearwater Revival, considerando-a um apelo ao "retorno à vida livre e natural e à fuga a um civilização tecnológica que faz o mundo arder lentamente".

    Embora de forma sumária, pode dizer-se que se encontram aqui duas "visões" que coexistiram naquela época: o apelo 'hippie' a uma vida simples e natural, e a contestação militante que dominou o final dos anos 60 e o início da década seguinte. Jorge Cordeiro defendia provavelmente uma atitude crítica mais "de esquerda", mais militante, enquanto que muita da genuína crítica incluída nas letras da música pop era meramente passiva e contemplativa. O "processo histórico" viria a proporcionar a essa esquerda militante a aplicação das suas ideias, mas sem grandes resultados a longo prazo, nomeadamente no campo da música.

    O autor da primeira carta referida é também o autor deste site.

    Como curiosidade, transcrevem-se a seguir os originais das letras referidas no texto:

    Lazy Day

    Lazy day, Sunday afternoon,
    Like to get your feet up, watch TV.
    Sunday roast is something good to eat,
    Must be lamb today 'cause beef was last week.

    So full up, bursting at the seams,
    Soon you'll start to nod off, happy dreams,
    Wake up, for tea and buttered scones
    Such a lot of work for you Sunday Moms.

    It's such a crying shame
    Week after week the same
    Today's heaven-sent and you're feeling content,
    'Cause you've worked all week long.
    Still, it's quite sad tomorrow's so bad
    I don't feel too strong.

    Lazy day, Sunday afternoon,
    Like to get your feet up, watch TV.
    Sunday roast is something good to eat,
    Now it's almost over till next week.

    That's how your life goes by
    Until the day you die
    :
    :
    :
    :
    :
    :
    :
    :
    :
    :
    :
    :
    :
    :
    :
    :
    :
    :
    :
    :
    :
    :
    :
    :
    :
    Green River

    Take me back down where cool water flows,
    Let me remember things I love,
    Stoppin' at the log where catfish bite,
    Walkin' along the river road at night,
    Barefoot girls dancin' in the moonlight.

    I can hear the bullfrog callin' me.
    Wonder if my rope's still hangin' to the tree.
    Love to kick my feet 'way down the shallow water.
    Shoefly, dragonfly, get back t'your mother.
    Pick up a flat rock, skip it across Green River.

    Up at Cody's camp I spent my days, oh,
    With flat car riders and cross-tie walkers.
    Old Cody, Junior took me over,
    Said, "You're gonna find the world is smould'rin'.
    And if you get lost come on home to Green River."

    Well! Come on home.


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