Cr�dito: M�rio Lopes (Blitz)
D�cada de inova��es e experimentalismos, os anos sessenta foram em Portugal, no campo musical, um per�odo com poucas condi��es para evolu��es est�ticas profundas e com limita��es que come�avam no material rudimentar e terminavam no l�pis azul da Censura. A maioria das bandas tentava copiar o que era difundido pela r�dio e ouvido em ocasionais discos trazidos do estrangeiro. Os Beatles ou os Shadows eram a inspira��o - a sonoridade dos quatro de Liverpool ou as guitarras dos autores de "Apache" eram identificados em quase toda a produ��o musical de ent�o.
De um dos muitos grupos inspirados nos Shadows, o Conjunto Mist�rio, nasce o Quarteto 1111, que se torna rapidamente um caso � parte no panorama musical portugu�s, n�o s� por utilizar a l�ngua portuguesa quando n�o era usual faz�-lo, mas tamb�m porque musicalmente se afastava muito da m�dia da �poca. A forma��o inicial era composta pelo vocalista e tecladista Jos� Cid, pelo guitarrista Ant�nio Moniz Pereira, pelo baterista Michel Pereira e pelo baixista Jorge Moniz Pereira, que "decidiram trabalhar para fazer qualquer coisa diferente", acrescentando ter sido "exactamente isso que fizemos: estivemos um ano e meio fechados numa garagem", afirmou o cantor em conversa com o BLITZ.
O resultado causou a surpresa geral, sendo o tema t�tulo do primeiro EP da banda "A Lenda de El-Rei D. Sebasti�o", editado em 1967, a primeira can��o portuguesa a tocar no 'Em �rbita', programa hist�rico de divulga��o musical do R�dio Clube Portugu�s. Na apresenta��o da m�sica, destacaram o seu car�ter "eterno, de cria��o nacional e de validade perene e universal".
O sucesso surpreendeu os pr�prios elementos da banda, que viam em "Os Faunos", do mesmo EP, o ponto alto do disco, um rock com toques de psicodelia, ao qual Jos� Cid se refere como "uma m�sica com sons impens�veis".
Coincid�ncia ou n�o, os trabalhos seguintes do Quarteto 1111 seguem o caminho iniciado com a "A Lenda de El-Rei D. Sebasti�o", mergulhando mais fundo no imagin�rio popular da hist�ria portuguesa, em contos trazidos das "brumas do passado" para a modernidade da pop actual.
Em 1968 concorrem no Festival da Can��o da RTP com "Balada Para D. In�s", tema baseado na ambi�ncia �pica de uma sec��o de cordas. "Partindo-se", composto a partir do poema de Jo�o Ruiz de Castelo Branco, inserido no Cancioneiro Geral, � o �ltimo registro desta primeira fase. Ainda em 68, lan�am o EP "Dona Vit�ria", onde deixam claro o seu posicionamento em rela��o ao regime. O que se encontrava escondido em met�foras, surge ent�o marcadamente vis�vel. Doses certas de idealismo e um realismo cruel na forma como eram abordadas as problem�ticas de um pa�s aprisionado pelo regime fascista passam a ser presen�a constante.
O ano de 1969 � paradigm�tico, com a edi��o de tr�s singles ("Nas Terras do Fim do Mundo", "Meu Irm�o" e "G�nese/Monstros Sagrados"), em que o sonho de um mundo e de um pa�s diferente se fundem em deriva��es pop, marcadas pela psicodelia das colagens de org�o, pela acidez das guitarras ou pelos efeitos de voz. "G�nese" e "Monstros Sagrados" s�o mesmo caso �nico, em termos l�ricos, na obra da banda, reflexos de m�sicas escritas "num estado qu�mico completamente diferente do normal", refere.
"Todo o Mundo e Ningu�m", lan�ado em 1970, marca o regresso aos textos de autores portugueses, desta vez Gil Vicente. Nesse mesmo ano sai o baixista Jorge Moniz Pereira, substitu�do por M�rio Rui Terra, e � com essa forma��o que preparam o registro seguinte, onde toda a criatividade disseminada nos singles editados re�ne-se no primeiro �lbum da banda. Escondida na simplicidade do t�tulo estava uma obra biconceitual, dedicada � emigra��o e � Guerra Colonial, um disco que surgiu de uma ideia pr�-determinada: "eu e o Ant�nio Moniz Pereira tinhamos a ideia que ter�amos que fazer um �lbum conceitual. Se os temas n�o fossem suficientes far�amos um biconceitual. E foi o que aconteceu, obstinadamente, obcecadamente, mesmo", relembra o cantor.
Incomodada pelo intervencionismo dos temas, a Censura retira o �lbum do mercado poucos dias ap�s a edi��o, impedindo o contato com o que ser� um dos melhores �lbuns da m�sica portuguesa, capaz de competir, em arrojo, qualidade e inova��o, com o que se criava no estrangeiro, na �poca. Desde a folk de "Jo�o Nada" ou da vers�o das "Trovas do Vento que Passa", de Adriano Correia de Oliveira, passando pela soul de "Pigmenta��o", pelo desvario funk de "Fuga dos Grilos", pela pop de "Estrada Para a Minha Aldeia" ou pelo psicadelismo de "Maria Negra", o �lbum representava uma fuga � tacanhez de um pa�s que n�o estava interessado em mudan�as, mantendo-se, ao mesmo tempo, umbilicalmente ligado a ele ou ao que dele se poderia fazer.
Poucos se ter�o se apercebido da sua exist�ncia, o que � confirmado por Jos� Cid: "particularmente a partir de 73, 74, imperou um sil�ncio sobre a obra do Quarteto. Quando veio a possibilidade de revelar aquilo que tinha sido proibido antes do 25 de Abril, eu j� n�o fazia parte das pessoas interessantes para divulga��o, n�o fazia parte dos lobbies culturais".
Ap�s a edi��o do �lbum, e com uma nova forma��o, entrando Toz� Brito para o lugar de M�rio Rui Terra, a banda aventura-se no ingl�s, editando os singles "Back to the Country" e "Ode to the Beatles", o que, de acordo com o principal compositor do grupo, surgiu sem qualquer pretens�o, "tinhamos apenas escrito aquelas m�sicas e gost�vamos delas; como o Toz� falava muito bem ingl�s, achamos que dev�amos grav�-las".
"Green Windows" - 20 Anos
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Antes de uma frustrada tentativa de internacionaliza��o, quando a banda se passa a denominar "Green Windows", participam, em 1971, do Festival de Vilar de Mouros, onde, apesar da liberdade que se respirava, s�o obrigados a cantar principalmente em ingl�s, por terem muitos dos seus temas proibidos pelo regime. No ano seguinte � editado "Sabor a Povo/Uma Nova Maneira de Encarar o Mundo", um pren�ncio da transforma��o que se operaria em seguida: a banda passa a apresentar-se com quatro vozes femininas e dedica-se � composi��o de m�sica pop ao gosto do gosto m�dio do p�blico. Segundo Jos� Cid, "a partir do momento em que deixamos praticamente de ter mercado e tivemos que come�ar a contar os tost�es para fumar um ma�o de cigarro, come�amos seriamente a pensar que tinhamos que tomar outra posi��o. Todas as portas estavam fechadas por causa do regime, a pr�pria editora n�o nos apoiava".
No final de um show no Teatro S�o Lu�s, em Lisboa, inserida no Festival Dois Mundos, s�o convidados por um respons�vel da Decca inglesa a deslocarem-se �s ilhas brit�nicas para a grava��o de alguns temas, a primeira vez que tal fato aconteceu com uma banda portuguesa. Apesar das promessas de promo��o e de algumas m�sicas gravadas em ingl�s, espanhol e franc�s, acabam por ser bem sucedidos apenas em Portugal (o primeiro single, "20 Anos", ultrapassa as 100 mil unidades vendidas).
"Green Windows" - 20 Anos
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"Green Windows" e Quarteto 1111 chegam mesmo a co-existir paralelamente, pois, enquanto o primeiro fazia a sua primeira participa��o no Festival da Can��o, em 75, o segundo, grava "Onde, Quando e Porque Cantamos Pessoas Vivas", influenciado pelo rock progressivo que grupos como Genesis, por exemplo, come�avam a popularizar na Inglaterra - era �lbum conceptual, que acabou por passar despercebido ao p�blico, sendo hoje objeto de culto por parte dos colecionadores.
Uma reuni�o para o espect�culo de entrega do Pr�mio Gazeta, em 1987, acaba por dar origem ao lan�amento de mais um single, "Os Rios Nasceram Nossos/Memo", que n�o tem continuidade, pondo o ponto final em uma hist�ria rica e esquecida. Jos� Cid diz ter sentido durante muito tempo o "Quarteto muito silenciado e muito injusti�ado. Ainda hoje ou�o o nosso primeiro �lbum e penso como � que fizemos isto?".
"Mas uma coisa � certa, era um grupo muito criativo e, apesar de ter existido por si, ter fechado o seu ciclo e n�o ter deixado frutos, houve quem o percebesse. A sua import�ncia nunca foi negada", finaliza.