O triunvirato da
Academia
por Armelim Guimarães
(do livro inédito "Bernardo Guimarães, o romancista da
Abolição")
Em 1849, Bernardo Guimarães cursou o 3º ano da Faculdade de Direto de São
Paulo. As cadeiras eram, então, Direito Criminal e de Direto Civil.
Dos calouros desse
ano, dois haviam de ser grandes amigos de B.G.: José Bonifácio de Andrada e
Silva e Aureliano Jose Lessa. Havia ainda o padre Manuel Joaquim da Silva
Guimarães, irmão de Bernardo.
José Bonifácio, dois
anos mais moço que Bernardo, possuía alma de esteta. Claro que seria parceiro do
boêmio de Vila Rica! Dominavam-no os mesmos arpejos artísticos que vibravam
também nas veias do vate mineiro.
Bonifácio achava-se "profundamente imbuído dos temas românticos, como
todos os poetas do momento, e em sua inspiração não seria difícil apontar
fluências de Hugo, de Musset, de Espronceda, dos mestre da geração. Tinha, a
mais, um certo senso de humorismo; nota que o aparentava a Álvares de Azevedo, ou
talvez melhore, a Bernardo Guimarães". (Suplemento literário de "A
Manhã", de 12.9.1934).
Mas o calouro que,
desta feita, veio mesmo de encomenda foi Aureliano José Lessa. Ele, Bernardo e
Álvares de Azevedo completavam o triunvirato que ficou famoso nas arcadas da
escola.
Aureliano era mineiro,
de Diamantina. Assim que chegou à Paulicéia, foi morar com Bernardo na
república da Forca, no penúltimo prédio, próximo à rua da Santa Casa.
Álvares Azevedo morava em Campo dos Curros (atual Praça da República).
É Bernardo Guimarães quem diria de
Lessa postumamente, ao prefaciar-lhe o livro de versos, com as únicas produções
publicadas do poeta diamantinense: "Fui companheiro e amigo do poeta durante
a vida acadêmica; marchei, por alguns anos, de par com ele, em sua curta
peregrinação por este mundo. Tive, pois, tempo bastante e ocasiões de sobra
para conhecer-lhe a índole e os costumes, as tendências de seu espírito, o
quilate de seu talento superior e as belas qualidades que lha dornavam o nobre e
generoso coração".
Bernardo, Álvares e Aureliano....
Quando os três companheiros se
separavam, era para tomar, cada um, hábitos inteiramente diferentes. Bernardo
entregava-se às doces horas de sesta, na rede - ele amava as redes - como um
justo, despreocupado de tudo. Álvares, com o queixo enterrado entre as mãos
esqueléticas, sentava-se para pensar no túmulo. Aureliano ia recitar poemas nos
teatros ou corria para a casa do abastado Vilares, pai de uma beldade. Aliás,
meras desculpas de derriço, porque o interesse do poeta, segundo Francisco de
Paula Ferreira de Resende, era comer dos doces finos e outros quitutes deliciosos
que se serviam no rico solar...
Eram os três amigos, no dizer de
Sílvio Romero, "os mais aplaudidos poetas da época".
É de um acadêmico dos mesmos dias,
Ferreira de Resende, este depoimento: "Durante o tempo em que estive em São
Paulo, os estudantes que passavam como os melhores poetas ou que davam esperanças
de vier a ser grandes poetas, eram apenas três: Álvares de Azevedo, que era
conhecido por Maneco de Azevedo, Aureliano Lessa e Bernardo Guimarães".
Aureliano era de uma loquacidade
extrema, um papagaio; Álvares, o meio-termo; Bernardo mais observava e ouvia e
pouco falava.
Álvares amava o mundanismo, a boa
sociedade, as pompas palacianas, e vivia a queixar-se, por isso mesmo, do viver
tedioso e monótono da Paulicéia.
Aureliano era o meio termo.
E Bernardo fugia às léguas da
sociedade, e só se dava bem na companhia dos íntimos.
Ele adorava uma orgia, com vinhos
finos e noitadas em serenatas. Álvares. o meio termo. E Aureliano, embora também
seresteiro, preferia o aplauso das platéias ao romance das ruas.
Leia também:
BG em São Paulo (1)
BG em
São Paulo (2)
BG em
São Paulo (3)
BG em São
Paulo (4)
Boêmio incorrigível
Aureliano Lessa (poema)
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Prelúdio
Bernardo Guimarães
Neste alaúde, que a saudade afina,
Apraz-me às vêzes descantar lembranças
De um tempo mais ditoso;
De um tempo em que entre sonhos de ventura
Minha alma repousava adormecida
Nos braços da esperança.
Eu amo essas lembranças, como o cisne
Ama seu lago azul, ou como a pomba
Do bosque as sombras ama.
Íntegra
do poema.
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