projecto museu do vidro

 

A Colecção

 

 

     Descrição sumária                           Situação actual                          Valor e significado

 

Caixa de texto:    

 

 

 

As colecções afectadas ao Museu do Vidro (nos termos descritos no texto da deliberação municipal número 05 de 10 de Outubro de 1997, “criação do Museu do Vidro”), são compostas da seguinte maneira:

  • maioritariamente, de peças de vidro (cerca de 9000 em inventário):

  Ø  Ø     da produção da antiga fábrica de vidros, sobretudo, dos períodos da Nacional Fábrica de Vidros e da Fábrica Escola Irmãos Stephens. Existem algumas peças dos períodos anteriores, mas o seu estudo é insuficiente. Esta “colecção”, em que abunda o cristal de chumbo, compreende serviços de mesa e baixelas, cristalaria decorativa - jarras, solitários, vasos, taças, etc. - e utilitária, serviços de bar (alguns ricamente decorados) [colecção FEIS].

Ø      um número indeterminado de peças elaboradas por mestres e oficiais vidreiros, floristas e lapidários, identificáveis futuramente a partir de uma sistematização do estudo das colecções [colecção FEIS].

     Ø      do último período da FEIS, entre duas a três centenas de peças elaboradas por artistas e designers que trabalharam ou colaboraram com essa empresa, onde se inclui algumas dezenas de peças escultóricas produzidas entre 1986 e 1989 em work-shops realizados na FEIS;

     Ø      algumas centenas de peças de cristalaria, embalagem e laboratório oriundas de outras fábricas, designadamente da Marinha Grande, doadas ou adquiridas para incorporarem o Museu do Vidro [principalmente, da IVIMA, Manuel Pereira Roldão, Lusitana, Normax, entre outras].

      Ø      peças resultantes de estudos laboratoriais [FEIS].

      Ø      vidros de laboratório [conjunto pequeno e pouco  documentado];

      Ø      vidros de iluminação (abat-jours) [FEIS e Lusitana];

      Ø      alguns  tubos de vidraça manual [FEIS].

    Ø      um número indeterminado de peças de vidro de construção (telhas, blocos, vidraça, de várias fábricas), vidro de mobiliário urbano (candeeiros, semáforos), barras de vidro óptico.

     Ø       um número indeterminado de peças de garrafaria e embalagem [FEIS e outras fábricas].

    Ø       um lustre fabricado no nosso século (anos 30?), que se encontra de novo colocado no seu local de sempre: o   salão nobre do palacete Stephens [FEIS].

 

  •      Alfaia do vidreiro: bancos, canas, colheres, tenazes [FEIS e outras fábricas].

  •       Utensílios de fabrico do vidro: moldes de alumínio (cerca 500), ferro (cerca 80), bronze e madeira (poucos); potes; objectos de forno [FEIS e outras fábricas]

  •       Instrumentos de trabalho e utensílios de fabrico da argila refractária para potes e fornos;

  •       Máquinas de indústria do vidro: 2 pantógrafos, várias prensas, máquinas de corte e queima, 2 roças, entre outras [FEIS, Ivima, Manuel Pereira Roldão, Dâmaso; algumas destas máquinas foram oferecidas para o Museu e depositadas na fábrica “Angolana”, encontrando-se em muito deficiente estado de conservação].

  •    Quadros: 1 retrato de Guilherme Stephens, pintado a óleo em 1920 (actualmente exposto no salão nobre da Câmara Municipal, a pedido do Presidente da Câmara em 1998); 1 óleo de Nery Capucho; 2 óleos e alguns edings de Gama Diniz; 1 litografia; vários desenhos.

  •          Fotografias (cerca de 2000) de peças, situações de trabalho na fábrica, visitas, acontecimentos vários; o espólio inclui algumas centenas de negativos, bem como chapas e outros objectos de fotografia [col. FEIS; algumas fotos foram entretanto doadas, designamente uma foto da M.P. Roldão mostrando várias crianças a trabalhar, oferecida pelo vidreiro Fernando Esperança].

  •       Documentos (desenhos de peças e fornos, catálogos, relações, técnicas, participações em feiras internacionais, etc.) [FEIS].

  •       Revistas, jornais, obras e opúsculos (cerca de 2000 espécimens), cuja maior parte não se relaciona com o vidro e que deveria, após triagem, incorporar o centro de documentação do Museu [FEIS e outras fábricas, doações de particulares].

  •       Algumas peças de mobiliário especial e doméstico; embora não muito antigas, algumas revestem interesse museológico: estirador de Nery Capucho (actualmente, em exposição no piso 1); mobiliário da antiga escola industrial marinhense, que funcionou no espaço da fábrica (estiradores, palas, carteiras, quadros pretos, crucifixo, etc.); uma caixa métrica; 2 relógios de sala; 1 cómoda em estilo romântico; cadeiras; etc.

  •          1 carro de bois muito deteriorado [FEIS].

  •       1 pequeno forno de fabrico recente, modelo à escala para exposição [FEIS];

  •       Amostras de matérias-primas (pedaços de vidro, amostras laboratoriais, balotes coloridos, matérias-primas minerais, amostras químicas);

  •    Outros objectos: maquinaria diversa (de reprodução, de escritório, 1 computador “muito” antigo, máquinas de calcular, etc.); outros. este material não tem interesse museológico evidente, mas poderá ser alvo de uma selecção tendo em vista retratar a evolução da fábrica no século XX.

 

 

 

     

 

 

A colecção não se encontra sistematizada, isto é, não há um inventário geral, integrado e organizado nem um sistema de documentação. Os inventários parcelares e as fichas existentes são extremamente incompletos e encontram-se deficientemente organizados. Existem, porém, fotografias de uma grande parte das peças de vidro (tiradas por ocasião do encerramento da FEIS), o que tem ajudado na avaliação do espólio na sua qualidade e diversidade (embora de forma deficiente, dado que as próprias fotos apresentam problemas de clareza e de escala). Relativamente aos outros objectos, não vidro, a situação é de inexistência completa de fichas ou documentação e os inventários não possuem qualquer organização, havendo lacunas, repetições em mais que um livro, rasuras, etc.

Todo o inventário tem portanto de ser refeito e organizado. Esta tarefa encontra-se em planificação aguardando-se pela implantação definitiva do sistema Matriz (IPM). Apesar das falhas detectadas e de ainda se encontrar em aperfeiçoamento, o sistema Matriz está concebido para ser uma solução profissional, estando também preparado para, num futuro (talvez) próximo, possibilitar uma conexão mais vasta entre colecções de museus (rede museológica nacional), o que, no caso, muito nos interessaria, dadas as deficiências do espólio actual.

Porém, esse trabalho apenas começou e nas piores condições, ou seja, com as peças embaladas e sem espaço ou meios para serem localizadas e observadas. Escassearam e escasseiam também os recursos humanos e tecnológicos para a sua realização.

A pesquisa a empreender neste campo, que passa pela recolha de informação e documentação sobre o espólio (técnicas, datas, autorias, origens, história, referências, simbolismo, usos, etc.), acentua claramente a vertente investigativa do Museu, ao qual deveria ser possibilitado canalizar grande parte das suas energias para estas tarefas, nos próximos anos.

As peças de vidro, na sua maioria, encontram-se embaladas, em caixotes de cartão, enquanto uma parte foi colocada provisória e precariamente em prateleiras e outra colocada já em exposição provisória de ensaio nas vitrines (que chegaram no Verão). Até agora, e desde meados de 1997, a maioria dos caixotes encontra-se depositada nas antigas instalações da GNR (actualmente da Câmara), sem qualquer medida de segurança que as proteja. A sua ida para lá deveu-se a uma directiva de evacuação do edifício administrativo da ex-FEIS, onde se encontravam (vidros e utensílios) pelo menos desde Setembro de 1996 (data de início das obras de recuperação do palácio, onde já estavam depositadas as peças mais antigas), pois iriam iniciar-se obras para aí instalar a biblioteca municipal.

Nesse edifício (FEIS) foi efectuada uma leitura da humidade relativa em inícios de Junho de 1997[i]. Na altura, a HR era de cerca de 80%, com prováveis valores superiores nos meses de Inverno. Este valor é claramente elevado e factor de acentuada deterioração para a maioria dos objectos, incluindo os vidros. São sobretudo os vidros antigos que sofrem com a situação (desvitrificação), embora seja possível detectar em cristais contemporâneos (depositados no referido edifício) manchas indeléveis de hidrolização de superfície, bem como pinturas em destaque e outras degradações, resultantes dessa inadequação dos valores termohigrométricos. Também máquinas e utensílios se encontram com elevados níveis de oxidação, ataques fúngicos, etc.

Efectivamente, além da negligência humana, a humidade terá sido nestes últimos anos o maior inimigo destas peças. No entanto, é a esses valores de humidade que as peças estão “habituadas”. Sendo a estabilidade um princípio da conservação, qualquer alteração brusca seria de evitar aquando da sua transferência para o espaço do Museu. A adaptação das peças a outros valores, mais próximos dos ideais, terá de ser progressiva, sendo necessário conhecer o comportamento do imóvel que as acolhe, o que só agora é possível, e o seu real estado de conservação antes de qualquer tomada de decisão em matéria de climatização[ii]. Esta posição nada obsta à por nós bastante recomendada instalação de um sistema de ventilação e filtragem.

Relativamente à protecção, globalmente, a colecção encontra-se em situação de risco: dispersa por várias instalações, sendo em todas elas as condições de depósito altamente deficientes. Embora a maior parte dos vidros esteja embalada em caixas, como disse, estas encontram-se depositadas em sobreposição, havendo casos de esmagamento pelo peso, associado à humidade destes locais. Ao abrir caixas, muitos foram os vidros que encontrámos destruídos (alguns de valor). Aliado a isto, também o facto do inventário ainda não estar feito, o risco de desaparecimento de peças continua a existir. Várias foram as peças que desapareceram como, por exemplo, uma medalha de ouro comemorativa do II centenário da Real Fábrica de Vidros (1969) – desaparecida nos primeiros meses de 1997 – ou um frasco de vidreiro em cristal, editado pela FEIS no final dos anos 80. Correm riscos acrescidos as peças doadas nos últimos dois anos, das quais apenas existem relações que aguardam inventariação. Destaco, entre estas, o espólio pertencente ao falecido mestre vidreiro José Soares, o qual inclui inúmeros e pequeníssimos objectos de vidro, designadamente, olhos para próteses humanas e taxidermia.

É assim difícil fazer uma avaliação correcta do estado de conservação da esmagadora maioria das peças da colecção, o que só poderá suceder após a existência de reservas. A desembalagem de todas as caixas só será possível quando aquelas estiverem construídas e equipadas para acolher o espólio. Esta situação reporta-se a meados de 1999.


 

[i] Pelo Engº Luis Casanova da UNL, que gentilmente se deslocou à MG a nosso pedido

[ii] Este assunto ficou arrumado e foi cancelado o projecto já aprovado de instalação de um sistema de ar condicionado (orçado em cerca de 25000 contos) após uma segunda visita e a emissão de um relatório científico do Engº L. Casanova, a nosso pedido.

   

 

 

 

 

Há uma questão de base que se teria de colocar na formulação deste museu (e de que não nos podemos alhear, até porque foi determinante no desenvolvimento do projecto em épocas anteriores): a colecção justifica um Museu?

Cremos que a este respeito não podemos ter a veleidade de dar uma resposta taxativa, até porque é hoje corrente que é preferível ter um bom museu a uma má colecção. Depende portanto do museu que se pretende, que pode estar mais ou menos fundado na colecção que possui. Por isso, dever-se-ão antes colocar duas outras questões: que museu a colecção permite? De que colecção o museu que se pretende precisa?

O nosso contacto com a colecção, embora curto e em condições deficientes, permite já retirar algumas ilações e proceder a uma  panorâmica, contando com as avaliações parciais feitas no passado por especialistas universitários.

Surge como principal limitação o ser pouco representativa da indústria local ou nacional (ainda menos) do vidro. A própria produção da fábrica Stephens está mal representada para a maior parte e por longos períodos da sua história.

Um outro traço da colecção de vidros é ser bastante heterogénea, existe grande variedade de artigos, técnicas aplicadas e tipos de vidro. Isto será fruto não só da própria diversidade de produções da fábrica, como também da recolha eclética que foi sendo feita ao longo dos anos (séc. XX, desde a direcção do Engº Calazans Duarte). Este ecletismo é talvez a marca que mais desvaloriza a colecção, não sendo aparentemente possível vinculá-la a uma linha ou a um período. Dever-se-á esta situação ao facto da fábrica ter sido entregue sucessivamente, após a morte de João Diogo Stephens (1826), a vários particulares, que a exploravam sem qualquer lígame às administrações anteriores, chegando a abandoná-la em situações paupérrimas. O período que se seguiu à fundação da Nacional Fábrica de Vidros (1919) e, sobretudo, a sua passagem para a administração do Estado, até ao encerramento (1993), é nesta colecção o mais bem representado, em grande medida pelos vidros de luxo em cristal de chumbo, em que é muito abundante (mas apenas para o período referido e com muitas repetições).

Apesar dessa diversidade, porém, são raros os exemplares de grande valia artística ou de interesse histórico-simbólico. Conscientes deste problema, os operários e os administradores da fábrica durante alguns anos elaboraram réplicas de peças simbólicas ou ricamente decoradas - peças que sendo igualmente valiosas, pela mestria que exigem na sua manufactura, estão longe de ter o mesmo valor intrínseco de um original sobrevivente de épocas anteriores. Também, muitas peças do séc. XX, feitas à margem das linhas de fabrico industrial, são cópias revivalistas de peças antigas (ex. das peças façon venise existentes).

Nos anos de 1980, foram promovidos os trabalhos artísticos e realizados workshops com artistas nacionais e estrangeiros (exemplo de Dale Chihuly). O pendor escolar desta fábrica terá atingido nesta altura o seu ponto mais alto. No entanto, desde os anos 50 que vários artistas e designers passaram pela fábrica e cujos trabalhos, alguns, chegaram até nós. É o caso de Júlio Pomar ou da Carmo Valente. Refira-se que a maior parte destes trabalhos que ficaram, todavia, não passaram de experiências, ou as que ficaram foram as menos importantes. O seu valor é, portanto, muito relativo.

Relativamente à colecção de objectos industriais - designação que adoptamos para os objectos utilizados na produção, por processos manuais ou mecânicos – também existem grandes lacunas. A maquinaria é escassa, embora existam alguns bons exemplares: um pantógrafo de 24 cabeças[iii], algumas prensas manuais, um Guillocher, uma máquina de fazer bicos de jarros, engenhos de lapidação (incompletos), roças (polimento), entre outras. Já a utensilagem do vidreiro constitui um conjunto razoável e mais coerente.

O espólio de moldes é também bastante reduzido, se comparado com a imensa produção da antiga fábrica. Das poucas centenas de moldes herdados, a maior parte é em alumínio (os mais recentes), seguindo-se-lhe em número, os de ferro, madeira e alguns, muito raros, em bronze.

Uma primeira avaliação, baseada nos três ângulos de observação crítica (representatividade, heterogeneidade e qualidade), leva-nos portanto a concluir que temos uma colecção globalmente fraca, embora reunindo factores potenciais de exploração e desenvolvimento. Que museu permite? Se nos inclinarmos para a perspectiva do museu-montra de peças de cristal, parece-nos que teremos um mau museu com uma má colecção. Por contrário, permitirá um museu mais fundado numa perspectiva pedagógica e ciente das suas funções (museológicas e comunitárias) e que criticamente explore os factores potenciais existentes. O museu que se pretende terá então de ter presente a necessidade de enriquecer a colecção, atribuindo-lhe um carácter evolutivo e determinando a adopção de uma política de incorporação activa e controlada, bem como implementar a investigação e as acções de conservação, de modo a poder designar-se por “museu do vidro”.

Sublinhe-se, por último, que o património em causa, apesar da fragilidade do seu valor museológico, é a referência cultural mais significativa da Marinha Grande. É constituído por espaços, edifícios, objectos e documentos, mas também pela memória colectiva que, nas suas materializações, nos trouxe até à actualidade um manancial de saberes técnicos, saberes incorporados, modos de vida e testemunhos orais. Neste sentido, constitui um património antropológico, um capital identitário original e o cabedal cultural desta população, cuja preservação deve ser acarinhada.


[iii] Pantogravura: processo decorativo que consiste na gravação directa no vidro, por meio de agulhas accionadas mecanicamente, de desenhos manuais; as agulhas descrevem os mesmos movimentos que o desenhador efectua sobre a mesa. O pantógrafo referido foi por nós removido de uma arrecadação usada por uma escola que funciona no mesmo local e guardado na oficina do museu, onde foi recuperado. Refira-se que tanto a oficina como os restauros só foram possíveis graças à preciosa colaboração do Sr. José Gonçalves, o qual recebeu há cerca de dez anos uma formação com o Prof. Jorge Custódio na área da arqueologia industrial. Este funcionário da Câmara encontrava-se, até Janeiro de 1998, a fazer trabalho de servente na Divisão de Acção Sócio-Cultural da Câmara, tendo nós então solicitado a sua transferência para os serviços do museu.

 

 

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