Que Museu?
CEEP
  projecto Museu do Vidro
   

O Museu inaugurado em 13 de Dezembro de 1998 nasceu do encerramento da FEIS (1993)[i], dando cumprimento ao disposto no protocolo assinado em 11 de Julho de 1994 entre o Estado e a Câmara Municipal, que consigna a criação de um Museu, “visando dar a conhecer o papel da indústria vidreira na história da Marinha Grande e do país, tornando-o num pólo de renovada atracção para os jovens de todo o país e como forma de promoção do turismo interno e externo”. Este protocolo conferia à edilidade, em regime jurídico de comodato, pelo prazo de cinco anos, a responsabilidade pelo património cultural legado pela antiga fábrica (incluindo terrenos, edifícios e espólios museológico e documental) incumbindo-a de levar por diante objectivos de reutilização desse património.

Ia nascer mais um museu. Porém, estando praticamente tudo por fazer, levantavam-se muitas interrogações, designadamente: que dimensões da temática privilegiar? Que conteúdos? Que tratamento primar? Que forma tomar? Um museu de arqueologia industrial? Um museu de etnologia? Um museu de artes decorativas?

Uma das críticas mais objectivas ao cenário museológico nacional resulta do reconhecimento de “limitações sensíveis quanto à diversidade temática e disciplinar“[ii]. A situação decorre, segundo esta crítica, de uma acção política no campo da museologia, a qual não tem cuidado do evitamento de erros que têm proliferado devido à inexactidão/inexistência de definições científicas ou ainda à incorrecta formulação temática dos museus. Devido a esta política no campo cultural, multiplicam-se os casos de museus repetitivos, monolíticos, monótonos, erigidos sob a bandeira do património cultural local ou regional. Utilizam-se processos de exploração e exposição estereotipados, “inventam-se” patrimónios, a formulação é entregue a desconhecedores... Trata-se de uma museologia “selvagem” que não confere dignidade à cultura que pretende enaltecer ou mostrar, nem atrai visitantes. O panorama é desinteressante e negativo.

Sem rodeios, penso que isto era o que estava para acontecer na Marinha Grande[iii]. Logo que tomámos o projecto em mãos apercebemo-nos dessa eventualidade: muitas decisões tinham já sido tomadas sem qualquer estudo programático, nomeadamente no que respeita à arquitectura, afectações funcionais e climatização; o perfil a definir era vago e contraditório; o tema era o vidro, mas visto sobretudo como cristal e sua exibição; a orientação científica era algo sem importância. Por outro lado, o desejo de ter o museu num curto prazo era mais forte que qualquer outra coisa. Neste cenário, encetámos então um conjunto de medidas profiláticas. Através de muitos relatórios, propostas, contactos e iniciativas, procurámos ratificar uma formulação precoce que reduzisse ao mínimo a força dos vários factores que condenariam o museu à “montra etnográfica e turística” que tanto receávamos e para a qual não nos interessava contribuir.

Por outro lado, procurámos imprimir ao projecto um cunho interdisciplinar (donde a proposta cedo apresentada de realizar seminários antes de o museu ser inaugurado), tendo pedido e obtido a colaboração de especialistas e profissionais de várias áreas disciplinares, bem como levado em linha de conta estudos feitos anteriormente conducentes ao nascimento do Museu do Vidro.

Neste sentido, em Setembro de 1997, connosco já em funções (desde Maio), apresentámos uma proposta de criação do Museu, que foi aprovada em Outubro do mesmo ano, por unanimidade, na Assembleia Municipal, traçando as linhas gerais da sua constituição (natureza e atribuições, relações com a tutela, órgãos e serviços, colecções, espaços, âmbito temático e orientações científicas). Com este documento visava-se formalizar, tanto quanto possível, aspectos constituintes de um perfil para este museu, resultando sobretudo de indicações da tutela, estudos e avaliações preliminares. Susceptível de correcções futuras, pretendia-se que, à falta de um programa museológico, este documento pudesse também servir como base de trabalho, a médio prazo, para a estruturação e organização do museu.

Nesse documento referiam-se ainda alguns aspectos a que o projecto teria de se adequar antes de se desenvolver, designadamente:

a)     os subsídios ou contributos dados anteriormente, que permitiam formular uma “certa ideia” para este museu;

b)     as colecções existentes e as que se podia prever virem a incorporar o acervo do museu.

c)      os espaços que seriam afectados a este museu e o projecto arquitectónico já aprovado e em execução;

 

 

Museu Local ou Nacional?

 

Impendia sobre o projecto ainda um outro elemento de adequação, mas de natureza política: a formulação do museu com um perfil “nacional”. À data da nossa chegada à Marinha Grande decorria um já longo processo, desencadeado pelo Câmara Municipal, de encontros e correspondência com o IPM. A Câmara vinculava-se à ideia de um museu nacional do vidro, pressionando o Instituto para “assumir responsabilidades” nesta matéria. Também a nós nos foi comunicado, pelos autarcas, o interesse de o museu nascer ou vir a tornar-se num museu nacional. Reclamava-se a intervenção do Estado neste projecto, pedia-se ajuda, pessoal e colecções de outros museus.

Esta ambição, porém, viu-se sempre contraditada pelo Ministério da Cultura e pelo IPM, que entretanto, meses antes da inauguração, após a minha intervenção, assumiram o compromisso de colaborar na avaliação das condições de abertura do museu e no empréstimo de peças de vidro das colecções pertencentes a museus nacionais. A perspectiva do IPM pode traduzir-se no “ver para crer”, não só no interesse da colecção e do património envolvido, mas também na qualidade e seriedade do projecto sob tutela camarária. Por outro lado, e talvez principalmente, hoje impõem-se novos e mais restritivos critérios políticos para a classificação de “museu nacional”. Isto mesmo foi frisado pelo Sr. Ministro da Cultura, Manuel Maria Carrilho, aquando da sua visita ao Museu em Maio de 98.

Deve referir-se que, todavia, se verificou desde cedo uma clara contradição entre o enunciado político e a prática da gestão autárquica: ao mesmo tempo que os discursos e as cartas insistiam na aspiração a um museu nacional, na prática a tutela alimentava um grande antagonismo em relação ao IPM (ainda mais evidente no que respeita ao IPPAR), enquanto mostrava falta de coerência em relação às propostas conducentes à definição de um perfil nacional para o museu. Em consequência desta contradição, instalou-se um non sense, sobretudo a partir de Janeiro de 1998, que nos limitou a actividade profissional, prejudicando o projecto e o museu.

À falta de maior clareza nesta questão, tentámos adequar-nos a esta “ambivalência”, optando por um compromisso prático: o museu deveria evoluir no sentido de se tornar uma referência nacional, com ou sem a referida classificação (e portanto independentemente da tutela administrativa), mas devendo afirmar-se sobretudo como o museu da Marinha Grande. De resto, o projecto do IPM é a criação de uma “rede museológica” nacional abarcando museus de várias tutelas e de diferentes classificações. Foi aliás neste sentido que propusemos a adopção do sistema de inventário Matriz (que foi comprado, aguardando condições técnicas de implementação, designadamente, pessoal qualificado).

Para além das limitações da colecção existente, parece evidente que este museu tem uma função local. Os museus locais têm normalmente um papel identitário (donde o recurso frequente à etnografia), que este museu terá de assumir, dada a importância sociológica e económica que a indústria do vidro teve para a população. A memória dos modus vivendi que a indústria engendrou, e consequentes elaborações e representações culturais devem encontrar no museu um espaço de identificação. Mas esta função não obrigaria à tutela municipal. De facto, o legado de base pertencia a uma instituição do Estado e o espaço onde nasceu o museu é, em certa medida, uma referência nacional, pela importância histórica da Fábrica Velha e da Marinha Grande na indústria do vidro em Portugal, e ainda por esta ter sido criada no contexto da política industrial pombalina visando prover o país dos bens que ali se fabricavam. Referam-se ainda as tradições de luta operária, designadamente a movimentação de 18 de Janeiro de 1934, que teve impacto nacional.

Municipal ou Nacional, o projecto accionado terá de se basear num conhecimento suficientemente sólido do património em questão, das abordagens possíveis, da sua vocação e do papel comunitário como entidade activa, que permita a sua fundamentação no plano cultural.



[i] O Museu é criado, oficialmente, em 1954, no âmbito do decreto-lei 39840 de 4 de Outubro, como museu anexo à Fábrica-Escola Irmãos Stephens, que também é criada pelo mesmo diploma . O disposto neste documento não passou, de uma enunciação de intenções, pois nunca se concretizou . Pode ler-se no seu art. 5º: “Um museu para exposição e conservação das espécies suficientemente representativas da indústria vidreira nacional nos aspectos técnico e artístico, como ainda de objectos de vidro produzidos no país em diferentes épocas, de modo a patentear a evolução deste importante sector da indústria nacional”

  [ii] C. Gouveia, Henrique, in Património e Museus Locais, nº 5, Dezembro de 1991, p. 10

[iii] E que, segundo parece, se verifica actualmente. O museu encontra-se praticamente estagnado, limitando-se a uma actividade de manutenção, desprovido da alma que o animava. A formulação que lhe foi dada foi abandonada na prática, não tem profissionais credenciados nem autonomia. As poucas exposições temporárias realizadas desde 1999 foram as que nós deixámos praticamente prontas (como a de Carmo Valente, sobre design do vidro dos anos 50/60) ou supradeterminadas pelo executivo camarário.

 

 

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