CONFERÊNCIA
DE CONSENSO SOBRE HEPATITE C
18-19 de Março de 1999
GRUPO
DE ESTUDO DAS HEPATITES
Direcção
Geral da Saúde
ASSOCIAÇÃO
PORTUGUESA PARA O ESTUDO DO FÍGADO.Este relatório é da exclusiva
responsabilidade da comissão organizadora da Conferência de Consenso e
não representa uma posição oficial da Direcção Geral da Saúde nem
da Associação Portuguesa para o Estudo do Fígado (APEF).
RELATÓRIO
DE CONSENSO E
RECOMENDAÇÕES PARA PREVENÇÃO
E
TRATAMENTO DA HEPATITE C.
INTRODUÇÃO
O
vírus da hepatite C (VHC) é um vírus ARN da família dos Flaviviridae.
A importância da hepatite C, em termos de saúde pública, resulta da
elevada probabilidade do indivíduo infectado evoluir para a cronicidade
(> 85%), da sua associação com o
arci-noma hepatocelular, das terapêuticas pouco eficazes e de não
existir uma vacina. vários trabalhos indicam que mais de 20% dos
doentes com hepatite crónica C vão desenvolver cirrose e que, destes,
20 a 30% vão progredir para o carcinoma hepatocelular ou para a
insuficiência hepática que requer a transplantação.
O
VHC transmite-se principalmente através do sangue e dos derivados do
sangue. A toxifilia de droga endovenosa é hoje o principal risco nos países
onde os dadores de sangue são testados para o anticorpo do VHC (anti-VHC).
A infecção através das relações sexuais é ineficiente bem como a
transmissão no agregado familiar ou entre a mãe e o recém-nascido
embora se desconheça ainda o impacto destes modos de transmissão na
população. Muitos estudosindicam que 30-40% dos doentes com hepatite C
não têm factores de risco identificáveis. Em Portugal, a
epidemiologia do VHC está ainda insuficientemente estudada. Os dados
existentes indicam uma prevalência do anti--VHC na população em geral
de 1,4%, o que aponta para 100.000 a 140.000 portugueses infectados pelo
VHC. A doença hepática crónica é a 9ª causa de morte entre os
adultos em Portugal e representa cerca de 2.500 mortes anualmente.
Alguns estudos baseados em estatísticas hospitalares sugerem que
cercade 40% da doença hepática crónica está associada ao VHC. Como a
maioria das pessoas infectadas pelo VHC tem idades entre 30-40 anos, o número
de mortes atribuídas a doença hepática crónica.associada ao VHC pode
duplicar nos próximos 10-20 anos porque este grupo de pessoas
infectadas atinge idades nas quais ocorremas complicações da doença
hepática crónica.
As
implicações económicas e sociais do rastreio e do tratamento da
hepatite C, a gravidade das sequelas da doença a longo prazo e as questões
relacionadas com a eficácia das novas modalidades da terapêutica foram
as principais razões que levaram a Associação Portuguesa para o
Estudo do Fígado (APEF) e o Grupo de Estudo das Hepatites (Direcção
Geral da Saúde) a organizar uma Conferência Nacional de Consenso sobre
Hepatite C.
A
organização desta reunião seguiu um formato semelhante ao que tem
sido adoptado em reuniões congéneres realizadas noutros países e
consistiu numa comissão organizadora que definiu as questões
principais e escolheu as apresentações dos temas, os especialistas e
um painel de consenso de elementos representando Hepatologia,
Gastrenterologia, Medicina Interna, Pediatria, Infecciologia, Obstetrícia,
Histopatologia, Epidemiologia, Patologia Clínica e Clínica Geral. A
conferência teve a duração de 1 ½ dias, 18 e 19 de Março de 1999, e
seguiu o esquema:
1)
apresentação por especialistas nacionais e internacionais dos temas
que são relevantes às questões principais
2)
discussão pública dos trabalhos apresentados
3)
análise e reformulação das conclusões e das recomendações
gerais
preparadas por um grupo de elementos da comissão, feitas pelo painel de
consenso.
As
questões a que o painel procurou responder foram as seguintes:
1)
Qual é a história natural da hepatite C?
2)
Qual o papel do laboratório no diagnóstico e monitorização.da
hepatite C?
3)
Quais os doentes que devem ser tratados?
4)
Qual é o melhor tratamento?
-
primeiro tratamento
-
doentes que recidivaram ao tratamento do interferão
-
doentes não respondedores a um tratamento prévio com
interferão
5)
Quem deve ser submetido ao rastreio para a hepatite C?
6)
Como pode ser prevenida a transmissão da hepatite C?
7)
Quais as áreas futuras da investigação na hepatite C?
QUAL
É A HISTÓRIA NATURAL DA HEPATITE C?
Infecção
aguda
A
maioria dos indivíduos com infecção aguda pelo VHC ou é.assintomática
ou tem uma doença clínica ligeira: 60-70% não têm sintomas, 20-30%
podem ter icterícia e 10-20% têm sintomas inespecíficos (anorexia,
astenia, mal estar ou dor abdominal). O quadro clínico dos doentes com
hepatite aguda C é semelhante ao dos outros tipos de hepatite vírica e
é necessário realizar testes serológicos para determinar a etiologia
da hepatite no caso individual. Em 20% dos doentes o início dos
sintomas pode preceder a seroconversão anti-VHC. O anti-VHC pode ser
detectado em 80% dos doentes dentro de 15 semanas após o contágio.
Raramente a seroconversão pode demorar mais de 6 meses. A evolução da
hepatite aguda C é variável, mas a elevação das transaminases séricas,
por vezes de padrão flutuante, é o aspecto mais característico. A
hepatite fulminante associada ao VHC é rara. Infecção crônica Depois
da hepatite aguda C, 15-25% das pessoas curam a infecção sem sequelas,
definida pela ausência mantida do ARN-VHC no sangue e a normalização
das transaminases séricas. A infecção crónica desenvolve-se na
maioria dos indivíduos (75-85%). A elevação das transaminases séricas,
persistente ou flutuante, indica doença hepática activa que se
desenvolve em 60-70% dos indivíduos infectados cronicamente pelo VHC.
Nos restantes 30-40% dos indivíduos as transaminases são normais. Têm
sido descritos vários padrões de transaminases séricas no seguimento
destes indivíduos, observando-se doentes que têm períodos prolongados
(12 meses) de transaminases normais e com hepatite crónica confirmada
histologicamente. Uma simples determinação das transaminases não
permite excluir a doença hepática progressiva e é necessário o
seguimento prolongado dos indivíduos com infecção crónica pelo.VHC
para determinar a sua evolução clínica e estabelecer o prognóstico.
Não é portanto correcto usar o termo de portadores irsaudáveisls do
VHC para os indivíduos com infecção crónica pelo VHC e transaminases
normais.
Na
maioria dos doentes, durante as primeiras duas ou mais décadasapós a
infecção, a evolução da doença hepática crónica é geralmente
insidiosa, com uma progressão lenta, sem sintomas ou sinais.Frequentemente,
a hepatite crónica C só é diagnosticada quando, num exame de rotina,
se detectam transaminases elevadas ou quando de uma doação de sangue.
A maioria dos trabalhos indica que acirrose se desenvolve em 20% dos
doentes com hepatite crónica C durante um período de 20-30 anos, e o
carcinoma hepatocelular em 1-5%, com grandes variações geográficas na
incidência desta doença. Quando existe cirrose, o risco de
desenvolvimento do car-cinoma hepatocelular aumenta para 1-4% por ano.
Este risco justifica a vigilância por ultrassonografia e determinação
da alfa-fetoproteína nos doentes com cirrose. O desenvolvimento do
carcinoma hepatocelular é muito raro nos doentes com hepatite crónica
sem cirrose.
Vários
trabalhos indicam que a idade superior a 40 anos, o sexo masculino e o
consumo excessivo de bebidas alcoólicas se associam a doença hepática
mais grave. A ingestão, mesmo em quantidades moderadas, de bebidas alcoólicas
em doentes com hepatite crônica C pode agravar a progressão da doença
hepática. Alguns estudos, que carecem de confirmação, sugerem que os
doentes com hepatitecrónica C têm um risco aumentado de hepatite
fulminante pelovírus da hepatite A.
Estudos
mais recentes, dos grupos de Poynard (Paris) e Alberti.(Pádua),
permitiram desenvolver um modelo de progressão da doença, em relação
com a evolução da fibrose, que sugere umespectro variável: cerca de
1/3 dos casos são progressores i.rápidoslr(tempo de infecção até
cirrose < 20 anos), 1/3 são progressores isintermédioslo (tempo de
infecção até cirrose: 20 a 50 anos) e 1/3 tem uma progressão lenta
ou nula (tempo > 50 anos). Têm sido indicados vários factores que
parecem influenciar a progressão da fibrose, como a idade no momento da
infecção, o sexo masculino, a ingestão de álcool, a co-infecção vírus
da hepatite B (VHB) e vírus da imunodeficiência humana (VIH), a
imunossupressão, o perfil das transaminases séricas e a actividade
necroinflamatória na primeira biopsia hepática. O risco da evolução
para cirrose, descompensação e carcinoma hepatocelular é também
influenciado por alguns destes factores. A progressão para cirrose, em
doentes com formas ligeiras de hepatite crónica C, com ou sem alteração
das transaminases, é difícil de quantificar mas parece ser pouco
frequente.
Manifestações
extra-hepáticas do VHC
Várias
manifestações extra-hepáticas têm sido descritas em associação com
a infecção crónica pelo VHC. A doença que é mais frequentemente
associada com o VHC é a crioglobulinemia mista. Embora seja detectada
em 30-50% dos doentes com hepatite
crónica
C, a crioglobulinemia é geralmente assintomática. A síndrome clínica
da crioglobulinemia com artralgias, doença de Raynaud e púrpura é
rara (1-5%). A glomerulonefrite membranoproliferativa é rara mas pode
ser grave. A infecção pelo VHC é provavelmente um factor que favorece
a expressão clínica da porfiria cutânea tardia. Outras situações
extra-hepáticas têm sido descritas mas a associação com o VHC não
está claramente.estabelecida. Estas incluem a artrite seronegativa, uma
síndrome sicca (diferente da síndrome de Sjogren), a tiroidite
auto-imune, o líquen plano, certo tipo de úlceras de córnea, a
fibrose pulmonar idiopática, a poliarterite nodosa, a anemia aplástica
e certos linfomas não Hodgkin.
QUAL
O PAPEL DO LABORATÓRIO NO DIAGNÓSTICO E MONITORIZAÇÃO DA HEPATITE C?
Testes
serológicos
Os
testes serológicos actualmente utilizados para o diagnóstico da
hepatite C são os que detectam a presença dos anticorpos anti-VHC.
Destes, os mais usados são os testes imuno-enzimáticos de.terceira
geração que contêm antigénios estruturais e não estruturais do VHC.
Estes testes detectam anti-VHC em 97% dos indivíduos infectados, mas não
diferenciam entre infecção aguda ou crónica,activa ou curada. São
testes simples de usar, pouco dispendiosos e os melhores para a avaliação
inicial.
Como
qualquer teste de rastreio, o valor predizente de um resultado positivo
num teste imuno-enzimático do anti-VHC depende da prevalência da infecção
na população analisada. O valor predizente é baixo nas populações
com prevalência da infecção pelo VHC inferior a 10%. Tem sido prática
corrente realizar um teste suplementar com um teste mais específico,
como um ensaio RIBA (isrecombinant imunoblot assayil). Estes ensaios
utilizam os mesmos antigénios dos testes imuno-enzimáticos mas num
formato de ioimunoblotit. Não são, pois, testes de confirmação no
verdadeiro sentido do termo.
Os
resultados do teste RIBA considerados indeterminados (positivo só para
um antigénio) podem encontrar-se em pessoas recentemente infectadas
antes da seroconversão e em pessoas com infecção crónica pelo VHC e
co-infecção pelo VIH. Um resultado anti-VHC indeterminado pode também
significar um falso positivo, especialmente em pessoas com um baixo
risco para a infecção pelo VHC. Nestas circunstâncias pesquisa-se o
ácido nucleico do VHC, o melhor critério para definir a infecção,
para verificar se o doente tem viremia. Muitos estudos sugerem que a
existência de muitos resultados falsamente positivos com testes
imuno-enzimáticos requerem a sua confirmação pela presença de
anticorpos anti-VHC com RIBA, por estes serem mais específicos. Por
outro lado,algumas amostras com RIBA positivo apresentam-se negativas
para o ARN-VHC por PCR, quer devido a carga vírica baixa, isto é,.abaixo
do limiar de detecção da técnica, quer, naturalmente, por se ter
verificado a resolução da infecção. Detecção do ácido nucleico do
VHC O diagnóstico da infecção pelo VHC pode também ser feito
qualitativamente pela detecção da presença do ARN-VHC usando técnicas
de amplificação (como a RT-PCR iTreverse transcription- polymerase
chain reactionle). O ARN-VHC pode ser detectado no soro ou no plasma
cerca de 1-2 semanas após a infecção e várias semanas antes da elevação
das transaminases séricas ou do aparecimento do anti-VHC. Mais
raramente a detecção do ARN- VHC pode ser a única evidência da infecção
pelo VHC. Existem iHkitslo comercializados para a RT-PCR que podem ser
usados para investigação. Os testes de RT-PCR para o ARN-VHC estão já
a ser usados na clínica. A maioria dos ensaios de RT-PCR tem um limiar
de detecção de 100-1000 cópias do genoma/ml. Com a optimização dos
testes de RT-PCR, 75-85% das pessoas que são anti-VHC positivas e mais
de 95% dos doentes com hepatite aguda ou crónica C têm ARN- VHC detectável.
Alguns indivíduos infectados pelo VHC podem ser só intermitentemente
positivos para o ARN-VHC no soro, principalmente os que têm hepatite
aguda C ou com doença hepática avançada. Devido à variabilidade e
complexidade dos ensaios de PCR, é necessário garantir um controlo de
qualidade rigoroso quando se realizam estes testes. As indicações
actualmente aceites para a detecção do ARN-VHC são:
1)
hepatite aguda de causa desconhecida.
2)
hepatite crónica de etiologia desconhecida, hemodialisados,
imunossupressão
3)
dificuldades na interpretação dos testes imunoenzimáticos
4)
doentes positivos para anti-VHC com transaminases repetidamente normais
5)
doença hepática crónica com várias causas possíveis incluindo o VHC
6)
diagnóstico da infecção pelo VHC em recém-nascidos de mães
infectadas pelo VHC
7)
monitorização da terapêutica antivírica.
Já
é possível realizar determinações quantitativas do ARN-VHC para
avaliar a carga vírica. Existem comercializados vários i.kitslá,
incluindo um RT-PCR quantitativo (iaAmplicor HCV MonitorlV, Roche
Molecular Systems, Branchburg, New Jersey) e um teste de amplificação
do sinal usando ADN ramificado (imQuantiplex HCV RNA Assay, bDNAi,,
Chiron Corp., Emervylle, California). Estes testes, em comparação com
os ensaios qualitativos, são menos sensíveis, com limiares de detecção
na ordem das 500 cópias degenoma vírico/ml para o Amplicor HCV Monitor
e dos 200.000 equivalentes do genoma/ml para o Quantiplex HCV RNA Assay.
Por
outro lado, estes testes usam padrões diferentes o que não permite a
comparação directa dos resultados entre os dois testes. Os testes
quantitativos não devem ser usados como primeiro teste para confirmar
ou excluir um diagnóstico de hepatite C ou para monitorizar o resultado
de um tratamento. Os doentes com hepatite crónica C têm viremias que
variam entre 10 5 e 10 7 cópias do genoma/ml. A determinação da carga
vírica parece ser um factor predizente importante da resposta ao
tratamento antivírico, e aconselha-se a sua realização quando se
pretende tomar uma decisão terapêutica. Não está de momento provado
que as determinações.seriadas do ARN-VHC sejam úteis na monitorização
do tratamento dos doentes com hepatite crónica C.
Existem
pelo menos seis genotipos diferentes e mais de 90 subtipos do VHC. Cerca
de 70% dos indivíduos infectados pelo VHC em Portugal têm o genotipo
1, predominando o subtipo 1b sobre o 1a. Estão disponíveis
comercialmente vários métodos de detecção do ácido nucleico que
permitem agrupar os isolados do VHC, baseados em genotipos e subtipos.
Existem também métodos mais acessíveis e menos dispendiosos de fazer
a serotipagem, usando testes de ELISA. Estes testes têm interesse clínico
porque mostram boa correlação com a genotipagem tradicional e permitem
distinguir os principais genotipos quando não se dispõe de facilidades
para PCR.
A
evidência existente é ainda limitada quanto à associação dos
diferentes genotipos com aspectos clínicos, evolução da doença ou
progressão para cirrose ou carcinoma hepatocelular. Parecem existir
diferenças no que diz respeito à resposta ao tratamento antivírico de
acordo com os genotipos do VHC. A percentagem de respostas virológicas
mantidas nos doentes infectados com o genotipo 1 é significativamente
inferior à que se observa em doentesb com os outros genotipos,
principalmente o 2 e o 3. A genotipagem do VHC está indicada no doente
com hepatite crónica C que está a ser considerado para tratamento
antivírico e se levanta a questão de utilizar um tratamento combinado
interferão-ribavirina para definir a duração apropriada do
tratamento.
QUAIS
OS DOENTES COM HEPATITE CRÓNICA C QUE DEVEM SER TRATADOS?
Nos
doentes com hepatite crónica C a decisão de tratar é um.problema
complexo que deve ter em consideração muitas variáveis: idade do
doente, estado geral de saúde, risco de progressão para cirrose,
probabilidades de resposta, outras condições médicas que possam
diminuir a expectativa de vida ou contra-indiquem o interferão ou a
ribavirina.
Todos
os doentes com VHC devem ser avaliados para demonstrar a existência de
doença hepática, a sua gravidade e o estadio. A avaliação inicial
para detectar a presença de doença hepática inclui.várias determinações
das aminotransferases séricas (AST e ALT), a intervalos regulares (2 a
6 meses) porque a actividade das transaminases é muitas vezes
flutuante. Esta avaliação implica quase sempre a realização de uma
biopsia hepática, indispensável quando se prevê instituir terapêutica.
Actualmente,
a maioria dos especialistas aceita que o tratamento antivírico está
indicado nos doentes com hepatite crónica C que têm as transaminases séricas
persistentemente elevadas, o ARN-VHC detectável e uma biopsia hepática
que mostra fibrose portal ou em pontes (inbridging fibrosisin) e um grau
moderado de inflamação e necrose.
Nos
doentes com lesões histológicas menos graves (discreta fibrose e
alterações necroinflamatórias mínimas), a indicação para o
tratamento é ainda controversa e pode aceitar-se como alternativa ao
tratamento imediato um período de observação e seguimento porque
nestes casos a progressão para cirrose é muito provavelmente lenta, se
é que ocorre mesmo. Não existe informação precisa sobre a história
natural destes doentes, contudo deve ter-se em conta a imprevisibilidade
da evolução e que, na ausência de tratamento, a infecção vírica
vai persistir. Pode aconselhar-se a realização seriada de
transaminases (6/6 meses) e a repetição da biopsia hepática passados
3-5 anos.
Os
doentes com as transaminases persistentemente normais não devem ser
tratados com interferão a não ser quando incluídos em ensaios clínicos,
porque a terapêutica pode induzir em alguns doentes elevação das
transaminases e porque os resultados publicados mostram percentagens
muito baixas de respostas completas. Do mesmo modo, os doentes que se
apresentam com.cirrose hepática compensada (sem icterícia, ascite,
hemorragia por varizes ou encefalopatia) podem também não beneficiar
do tratamento antivírico actualmente disponível.
Os
riscos e benefícios do tratamento devem ser amplamente discutidos com o
doente antes de ser tomada qualquer decisão. Os doentes com cirrose
avançada e que podem estar em risco de desenvolver complicações ou os
doentes com cirrose descompensada não devem ser tratados.
As
mulheres com hepatite crónica C que estejam grávidas não são aceites
para tratamento. O tratamento com o interferão não está também
aprovado para doentes com menos de 18 anos, embora a resposta terapêutica
pareça ser semelhante à verificada nos adultos.
É
necessária mais informação sobre as indicações do tratamento nos
doentes pediátricos e em doentes com mais de 60 anos, devendo o
tratamento nestes grupos etários ser ponderado caso a caso.
O
tratamento de doentes que consomem quantidades excessivas de bebidas
alcoólicas ou que usam drogas endovenosas (toxifilia activa) deve ser
adiado até estes comportamentos terem sido suspensos pelo menos 6
meses. Não deve ser feito o tratamento antivírico se não for possível
garantir a abstinência do álcool devido à evidência sobre o efeito
sinérgico do álcool na lesão hepática e a sua associação com a
progressão mais grave da doença. Nos doentes co-infectados por VIH não
existem directrizes bem definidas e a decisão deve ser individualizada.
O
consenso dos especialistas é favorável ao tratamento dos doentes com
hepatite aguda C com interferão. Não existem de momento dados sobre a
terapêutica combinada. O momento do início e a duração do tratamento
não estão ainda bem definidos. As decisões.terapêuticas devem ser
individualizadas e de preferência os doentes incluídos em ensaios clínicos.
O
tratamento com o interferão está contra-indicado em doentes com síndromes
depressivos, citopenias, hipertiroidismo, transplantação renal e evidência
sugestiva de doença auto-imune. O uso da ribavirina está
contra-indicado em doentes com anemia não susceptível de correcção,
em hemodialisados e em doentes com problemas activos cardíacos ou
cerebrovasculares. São contra indicações relativas ao tratamento
combinado interferão associado a ribavirina: doenças da retina,
diabetes difícil de controlar, hipertensão grave, hemoglobinopatias e
sarcoidose.
QUAL
É O MELHOR TRATAMENTO?
A
maioria dos ensaios clínicos do tratamento da hepatite crônica C foram
realizados com o interferão alfa. Quando se utiliza o esquema terapêutico
mais recomendado, 3 milhões de unidades administradas subcutaneamente 3
vezes por semana durante 12 meses, 50-70% dos doentes registam uma
normalização das transaminases séricas (resposta bioquímica) e
30-40% têm um desaparecimento do ARN-VHC no soro (resposta virológica)
no final do tratamento. Contudo, aproxidamente 50% destes doentes vão
recidivar quando se pára a terapêutica. Deste modo apenas 15-25% dos
doentes têm uma resposta mantida, definida pela normalização das
transaminases e pela negativação do ARN-VHC avaliada 6 meses depois da
suspensão da terapêutica. Muitos destes.doentes registam também uma
melhoria significativa das lesões histopatológicas. Doses mais
elevadas de interferão podem ser usadas no contexto de protocolos terapêuticos,
pois tem-severificado que doses mais elevadas ou períodos de tratamento
mais prolongados aumentam a percentagem das respostas mantidas. Muitos
estudos demonstraram que o genotipo e o valor inicial da carga vírica são
factores predizentes importantes e independentes da resposta mantida ao
tratamento com o interferão. Pode estimar se que a percentagem de
respostas mantidas é de cerca de 5% nos doentes infectados com o
genotipo 1 e de cerca de 30% nos doentes infectados com os genotipos 2 e
3. A percentagem de respostas é também muito baixa nos doentes
infectados com o genotipo 4. As percentagens de respostas mantidas são
de 6%, 14% e 37% nos doentes com cargas víricas elevadas, médias e
baixas, respectivamente. A definição de carga vírica elevada e baixa
varia nos diferentes trabalhos publicados e depende do método usado
para quantificar o ARN-VHC. Geralmente é utilizado um limiar de 2 milhões
de equivalentes de genoma por ml.
Nos
doentes que não responderam até ao final do tratamento (definidos como
ionão respondedoresis) o re-tratamento com um esquema semelhante de
interferão alfa raramente é eficaz e não está actualmente indicado.
Os doentes que têm transaminases persistentemente elevadas e o ARN-VHC
detectável no soro depois de 3 a 6 meses do início do interferão
muito provavelmente não vão responder e o tratamento deve ser
suspenso. De momento, estes doentes não têm uma clara alternativa
terapêutica e só devem ser tratados no contexto de ensaios clínicos
dos novos esquemas terapêuticos com outras formas de interferão (interferão
de consenso, interferão peguilado) ou em combinações terapêuticas.(ribavirina,
amantadina).
A
terapêutica da hepatite crónica C é uma área da prática clínica em
grande mudança e na qual se esperam progressos a médio prazo. A terapêutica
combinada do interferão alfa e ribavirina, um análogo dos nucleósidos,
foi aprovada pelo FDA para o tratamento dos doentes com hepatite crónica
C que recidivaram depois de um primeiro tratamento de interferão e mais
recentemente para o primeiro tratamento. No protocolo da terapêutica
combinada, a ribavirina é aconselhada na dose de 1000 a 1200 mg/dia por
via oral durante o tempo de administração do interferão. Os trabalhos
publicados de doentes tratados com a combinação interferão alfa e
ribavirina demonstraram um aumento significativo da percentagem das
respostas mantidas, que atingiu 40-50%, em comparação com 15-25% para
o interferão alfa isolado (na dose padrão de 3 milhões, três vezes
por semana).
Os
factores predizentes de resposta mantida na terapêutica combinada
interferão e ribavirina parecem ser os mesmos que os apontados para a
monoterapia com o interferão. A percentagem global de respostas
mantidas com 6 meses de tratamento é de 66% nos doentes com os
genotipos 2 e 3, independentemente da carga vírica. A percentagem de
resposta mantida é de cerca de 35% nos doentes com genotipo 1 e baixa
carga vírica. Nos doentes com genotipo 1 e elevada carga vírica a
resposta mantida depende da duração da terapêutica: 28% e 8%, para 12
ou 6 meses de tratamento, respectivamente.
Durante
a terapêutica combinada alguns respondedores mantidos mostram o
desaparecimento do ARN-VHC sérico tardiamente.
Resultados
preliminares sugerem que 5-10% dos doentes com ARN-.VHC positivo, após
3 meses de terapêutica, podem vir a eliminar o ARN-VHC depois de 6
meses, e manter a resposta ao tratamento, pelo que não se deverá
interromper esta terapêutica antes dos 6 meses.
A
maioria dos doentes com hepatite crónica C tratados com interferão
queixa-se de sintomas gripais na fase inicial da terapêutica, mas estes
sintomas tendem a diminuir com a continuação do tratamento. Das reacções
adversas tardias destacam-se a fadiga, a depressão da medula óssea e
sintomas neuropsiquiátricos (apatia, alterações cognitivas,
irritabilidade e depressão). A dose do interferão tem de ser reduzida
em 10-40% dos doentes e em certos doentes (5-15%) o interferão tem
mesmo de ser suspenso pelos efeitos adversos. A ribavirina pode induzir
uma anemia hemolítica e constitui um problema nos doentes com anemia pré-existente,
depressão da medula óssea ou insuficiência renal. Nestes doentes a
terapêutica combinada não está indicada, a não ser depois de
corrigir a anemia. A anemia hemolítica provocada pela ribavirina é um
fac tor de risco em doentes com patologia cardíaca isquémica ou doençavascular
cerebral. A ribavirina é teratogénica e os doentes do sexo feminino não
devem engravidar durante o tratamento. Na eventualidade de ocorrer uma
gravidez durante o tratamento, este deve ser imediatamente suspenso. A
contracepção deve ser igualmente praticada pelas parceiras sexuais dos
indivíduos do sexo masculino em tratamento. Quando um dos elementos do
casal efectuou tratamento com ribavirina só se aconselha a concepção
seis meses depois do final da medicação.
QUEM
DEVE SER TESTADO PARA O VHC?
A
selecção das pessoas que devem ser testadas para o VHC depende de
muitos factores, principalmente a informação epidemiológica..Muitos
dos dados epidemiológicos são mal conhecidos em Portu gal e as
recomendações propostas baseiam--se numa análise e discussão dos
dados existentes e das medidas preconizadas em países com características
epidemiológicas, sociais e culturais semelhantes ao nosso, como a França
e a Espanha.
Pessoas
que devem ser testadas por rotina para o VHC
-
Pessoas que usaram por via endovenosa ou intranasal drogas, mesmo
incluindo os que se injectaram uma ou poucas vezes há muitos anos e que
não se consideram toxicodependentes
-
Pessoas que fizeram transfusões de sangue ou receberam derivados do
sangue, incluindo:
-
Pessoas que receberam transfusões de sangue ou componentes derivados do
sangue antes de 1992
-
Pessoas notificadas que receberam sangue de um dador mais tarde
diagnosticado com hepatite C
-
Recipientes de órgãos ou de enxertos de tecidos antes de 1992 £
Doentes em hemodiálise
Outros
grupos de risco a quem se aconselha a pesquisa do VHC
-
Profissionais da saúde com história de um acidente de picada com
agulha, outros objectos cortantes ou contacto das mucosas com sangue
potencialmente VHC positivo
-
Recém-nascidos de mães positivas para o anti-VHC. A testa gem para
anti-VHC deve ser feita aos 6 meses ou 1 ano.
-
Parceiros sexuais de um indivíduo com hepatite C
-
População prisional (tem uma elevada prevalência de VHC)
-
Pessoas com transaminases séricas persistentemente elevadas
Pessoas
para as quais não se recomenda a pesquisa de rotina para o VHC
Excepto
em subgrupos particularmente de risco, como enfermagem das unidades de
hemodiálise e a situação de história de acidente com picada.
COMO
PODE SER PREVENIDA A TRANSMISSÃO DA HEPATITE C?.
As
duas principais origens de infecção são a toxifilia de droga
endovenosa e a administração de sangue ou derivados. Esta última
causa desapareceu quase completamente desde 1992 com o rastreio rigoroso
dos dadores de sangue.
Recomendações
aos doentes para prevenir a transmissão da hepatite C
-
Não doar sangue, órgãos, outros tecidos ou esperma
-
Não partilhar escovas de dentes, próteses dentárias, lâminas, ou
outros objectos de higiene pessoal que possam conter sangue
-
Proteger as feridas e úlceras da pele para evitar a contaminação com
sangue ou outras secreções orgânicas potencialmente infecciosas
-
Para evitar a transmissão sexual em pessoas com múltiplos parceiros,
aconselha-se o uso de preservativo.
-
Em relações monogâmicas de
longa duração, a probabilidade da transmissão sexual da hepatite C é
muito baixa mas não é nula. O assunto e o risco envolvido devem ser
discutidos com o doente e o seu parceiro. A questão é mais difícil na
situação de casais recentes. As percentagens apontadas de infecção
pelo VHC oscilam entre 0% e 6.3%. O parceiro sexual de uma pessoa com
hepatite crónica C deve ser testado uma vez para anti-VHC.
-
O
uso de preservativo está recomendado quando o casal tem actividades
sexuais que podem resultar em trauma, serologia positiva para a sífilis
e toxifilia.
-
A percentagem de transmissão vertical a partir de mulheres positivas
para anti-VHC é baixa (< 6%) e ocorrerá, muito provavelmente, na
altura do parto. O aleitamento materno não está contra-indicado.
-
O VHC não se transmite pelo espirrar, abraçar, tossir, pelos alimentos
ou água, através da partilha de objectos de mesa ou por contacto
casual.
-
Não
existe evidência que justifique a exclusão das crianças positivas
para o anti-VHC da escola, recreio ou infantários, e dos adultos de
actividades sociais, educacionais ou de emprego.
Transmissão
nosocomial da hepatite C
A
transmissão nosocomial do VHC pode ocorrer se não são respeitadas as
técnicas assépticas ou se os procedimentos de desinfecção são
inadequados.
Estudos
em vários centros confirmaram a transmissão do VHC através de técnicas
médicas invasivas de diagnóstico ou terapêutica devido à desinfecção
inadequada dos aparelhos. O risco de.transmissão do doente ao médico
em episódios de picada de agulha é baixo, e varia entre 0 e 4% na
maioria dos estudos.
A
adopção das normas de precaução universal e vigilância contínua
das medidas de controlo da infecção é a medida mais eficaz para a
prevenção da transmissão nosocomial da hepatite C.
Toxicodependência
e hepatite C
A
implementação de medidas de prevenção da toxicodependência e a redução
do risco de transmissão são prioritárias.
QUAIS
AS ÁREAS MAIS IMPORTANTES PARA A INVESTIGAÇÃO FUTURA?
A
vigilância da infecção pelo VHC é necessária para definir os novos
padrões epidemiológicos da doença. Esta vigilância implica não sóa
notificação de todos os casos incidentes de VHC, mas também estudos
rigorosos para avaliar a prevalência do VHC nos diferentes grupos de
risco e na população em geral bem como a prevalência das complicações.
O
painel seleccionou os projectos seguintes como prioritários:
1.
Estudos epidemiológicos para esclarecer a evolução da epidemia a nível
comunitário, particularmente na ausência dos factores de risco
conhecidos
2.
Estudos serológicos da população portuguesa para uma melhor
estimativa da prevalência do anti-VHC
3.
Estudos prospectivos para definir melhor a história natural da.hepatite
C e identificar os factores associados com a progressão da doença para
cirrose, no sentido de prever o impacto da doença no sistema de prestação
de cuidados de saúde
4.
Obter melhor evidência sobre o papel da imagiologia e dos marcadores
tumorais na monitorização dos doentes com hepatite.crónica C para a
detecção precoce do carcinoma hepatocelular
5.
Estudos sobre os mecanismos da persistência da infecção vírica e a
patogenia da lesão hepática pelo VHC. O conhecimento da resposta
imunitária neutralizante e o papel das respostas humoral e celular na
eliminação do vírus são a base do desenvolvimento de uma vacina
6.
Estudos para clarificar a interacção entre o VHC e os depósitos hepáticos
de ferro, a obesidade, a diabetes mellitus, a infecção pelo vírus da
imunodeficiência humana e o efeito do álcool na progressão da
hepatite C
7.
Estudos para definir o papel dos novos testes laboratoriais no diagnóstico
e monitorização da infecção pelo VHC. Como melhorar a qualidade das
determinações do ARN-VHC egenotipos
8.
Ensaios clínicos que acompanhem os novos desenvolvimentos terapêuticos
para definir variáveis próprias da nossa realidade clínica. Definição
dos factores predizentes para as terapêuticas combinadas
9.
Avaliar métodos de tratamento e prevenção dos efeitos adversos do
interferão e outros antivíricos
10.
Avaliar estratégias para educar os grupos de maior risco de transmissão
da doença e aumentar a acessibilidade ao diagnóstico e tratamento
Uma
proposta a desenvolver é a criação das Redes da Hepatite C, com ligação
entre hospitais, centros de saúde, médicos de família, laboratórios
e grupos de apoio de doentes, para integrar as medidas de prevenção,
diagnóstico e tratamento numa ou mais unidades de saúde. Estas Redes
devem incluir hepatologistas, infecciologistas, clínicos gerais, biólogos
e epidemiologistas e são importantes na.recolha da informação sobre a
prevalência da hepatite C nos diferentes grupos de risco e na avaliação
da prevalência das complicações das sequelas da hepatite C. A informação
que se pretende circular entre os diferentes elementos da rede dirige-se
a todos os profissionais da saúde e não só pretende melhorar o
rastreio dos indivíduos em maior risco mas também vai optimizar a
abordagem dos indivíduos infectados pelo VHC em termos de prevenção e
terapêutica.
Recomenda-se
que estas redes se sobreponham aos sistemas locais de saúde para
optimizar a utilização dos escassos recursos de saúde. Deve
iniciar-se este programa com um ou dois projectos piloto. Só depois de
avaliada a relação custo-eficácia é que o sistema deverá ser
expandido a outros sistemas locais de saúde.
CONCLUSÕES
E RECOMENDAÇÕES
A
infecção pelo vírus da hepatite C (VHC) é frequente e representa um
grande problema de saúde pública. Afecta cerca de 3% da população
mundial, estimando-se para Portugal 100.000 a 140.000 infectados. A sua
evolução é variável, vindo a maioria dos doentesa desenvolver doença
hepática crónica. A infecção persistente pode associar-se ao
desenvolvimento do carcinoma hepatocelular. A maioria dos casos de
hepatite C é identificada durante a fase crônica da infecção e é
assintomática. Cerca de 30-40% dos casos de infecção pelo VHC não têm
factores de risco identificáveis. Os dados actuais apontam para uma
doença indolente nas primeiras duas décadas após a infecção, cujo
início é difícil de marcar. A evolução da doença parece ser
afectada negativamente por vários factores, em particular o consumo de
bebidas alcoólicas e a as co- infecções víricas, como o vírus da
hepatite B e o vírus da.imunodeficiência humana. Os doentes devem ser
aconselhados a suspender a ingestão de álcool e a ser vacinados contra
a hepatite B. A vacinação contra a hepatite A poderá ser também
considerada. A incidência do carcinoma hepatocelular é de 1-4% por ano
nos doentes com cirrose. Este risco justifica a vigilância por
ultrassonografia e a determinação da alfa-fetoproteína nos doentes
com cirrose. O desenvolvimento do carcinoma hepatocelular é muito raro
nos doentes com hepatite crónica sem cirrose..A vigilância epidemiológica
é essencial para aprofundar os conhecimentos sobre a doença e adequar
os cuidados de saúde. A notificação dos casos incidentes de hepatite
C é importante e deve ser incentivada. Esta vigilância deve ser
complementada por estudos epidemiológicos na população em geral e nos
grupos de risco.
O
diagnóstico da hepatite C é feito habitualmente por um método
imuno-enzimático de terceira geração. São testes simples de usar,
pouco dispendiosos e os melhores para a avaliação inicial. As indicações
para a detecção do ARN-VHC são:
1)
hepatite aguda de causa desconhecida
2)
hepatite crónica anti-VHC negativa de etiologia desconhecida
3)
dificuldades na interpretação dos testes imuno-enzimáticos
4)
doentes anti-VHC positivos com transaminases repetidamente normais
5)
doença hepática crónica com várias causas possíveis incluindo o VHC
6)
diagnóstico da infecção pelo VHC em recém-nascidos de mães
infectadas pelo VHC
7)
monitorização da terapêutica antivírica.
A
determinação do genotipo do VHC e a determinação quantitativa do
ARN-VHC (carga vírica) são importantes quando se pretende tomar uma
decisão terapêutica.
Devido
à variabilidade e complexidade da detecção do ARN-VHC e às
dificuldades técnicas de interpretação é essencial a implementação
de programas do controlo de qualidade das determinações..O tratamento
está indicado nos doentes de hepatite crónica C com transaminases séricas
persistentemente elevadas, ARN-VHC positivo e biopsia hepática com evidência
de fibrose e/ou alterações necroinflamatórias. Os doentes com lesões
histológicas ligeiras, idade inferior a 18 anos ou superior a 60 anos,
devem ser tratados numa base de decisão individual ou no contexto de
protocolos de investigação.
Os
doentes com cirrose compensada podem ser tratados. Os doentes com
cirrose descompensada não devem ser tratados com interferão. Os
doentes com transaminases normais não devem ser tratados fora dos
protocolos de investigação.
O
consenso é favorável ao tratamento dos doentes com hepatite aguda C
com interferão alfa. O momento do início e a duração do tratamento não
estão ainda bem definidos. As decisões de terapêutica devem ser
individualizadas e de preferência os doentes incluídos em protocolos
de investigação.
Devem
ser ponderadas as contra-indicações. O resultado da carga vírica ou o
genotipo do VHC não são motivo de exclusão do tratamento.
O
primeiro tratamento pode ser feito com interferão alfa ou interferão
alfa e ribavirina. Os trabalhos mais recentes mostram melhores
resultados em todos os grupos de doentes estudados com a associação
interferão e ribavirina em comparação com o interferão alfa isolado
(na dose de 3 milhões, 3 vezes por semana). No protocolo da terapêutica
combinada, a ribavirina é aconselhada na dose de 1000 a 1200 mg/dia por
via oral durante o tempo de administração do interferão..A
genotipagem condiciona a duração do tratamento combinado: 6 meses para
os genotipos 2 e 3 (independente da carga vírica) e genotipo 1 com
carga vírica inferior a 2 milhões de cópias/ml.
Recomenda-se
12 meses de tratamento para os doentes com geno tipo 1 e carga vírica
superior a 2 milhões de cópias/ml. O ARN-VHC deve ser avaliado aos 6
meses para uma eventual suspensão do tratamento se não se registar a
negativação da viremia.
Nos
casos em que a ribavirina está contra-indicada, aconselha-se a
monoterapia com interferão. A duração do tratamento com interferão
isolado não deve ser inferior a 12 meses e a dose do interferão alfa
recomendada é de 3 milhões de unidades três vezes por semana
subcutaneamente. O ARN-VHC deve ser avaliado aos 3 meses para uma
eventual suspensão do tratamento se não se registar a negativação da
viremia. Doses mais elevadas podem ser usadas no contexto de protocolos
terapêuticos.
Os
doentes que recidivaram a um tratamento inicial com interferão alfa
devem fazer um tratamento com a associação interferão e ribavirina
durante 6 ou 12 meses. Quando existem contra indicações à ribavirina
podem ser tratados com doses mais altas de interferão alfa durante 12
meses. Em ambos os casos, o ARN-VHC deve ser testado aos 6 meses e a
terapêutica interrompida se o ARN-VHC persiste positivo. Os doentes não
respondedores ao interferão podem ser tratados com interferão e
ribavirina ou ser incluídos em protocolos de outros tratamentos.
O
rastreio da população em geral não é aconselhado. O teste do
anti-VHC é recomendado por rotina em certos grupos de risco:
.1)
Pessoas que receberam transfusões e derivados do sangue antes de 1992
2)
Doentes em hemodiálise
3)
Pessoas que usam ou usaram drogas por via endovenosa e intranasal
4)
Recipientes de órgãos ou tecidos antes de 1992
Os
recém-nascidos de mães anti-VHC positivas também devem ser testados.
Outros grupos de risco nos quais se aconselha a pesquisa do anti-VHC são:
1)
Profissionais de saúde com história de acidente de picada ou outro em
doentes potencialmente infectados pelo VHC
2)
Parceiros sexuais de indivíduo com hepatite C
3)
População prisional
4)
Pessoas com transaminases séricas persistentemente elevadas
São
feitas as seguintes recomendações para prevenir a transmissão da
hepatite C. Doentes VHC positivos:
1.
Não doar sangue, órgãos, outros tecidos ou esperma
2.
Não partilhar escovas de dentes, próteses dentárias, lâminas, ou
outros objectos de higiene pessoal que possam conter sangue
3.
Proteger as feridas e úlceras da pele para evitar a contaminação com
sangue
4.
Para evitar a transmissão sexual em pessoas com múltiplos parceiros
aconselha-se o uso de preservativo
5.
Em relações monogâmicas de longa duração a probabilidade da
transmissão sexual da hepatite C é muito baixa mas não é nula.
O
assunto e o risco envolvido devem ser discutidos com o doente e o seu
parceiro. O parceiro sexual de uma pessoa com hepatite crónica C deve
ser testado para anti-VHC.
6.
A probabilidade de transmissão vertical perinatal é baixa. Não.há
contra-indicação ao aleitamento.
7.
Não há evidência de transmissão do vírus ao espirrar, abraçar,
tossir, ingerir alimentos ou água, partilhar objectos de mesa ou por
contacto casual
8.
Não existe evidência que justifique a exclusão das crianças
positivas para o anti-VHC da escolas e infantários, e dos adultos das
actividades sociais, educacionais ou de emprego
A
implementação de medidas de prevenção da toxicodependência e redução
do risco de transmissão são prioritárias.
A
adopção das normas de precaução universal e a vigilância contínua
das medidas de controlo da infecção são as medidas mais eficazes para
a prevenção da transmissão nosocomial da hepatite C.
São
áreas de investigação futura e projectos prioritários em Portugal:
1.
Estudos epidemiológicos para esclarecer a evolução da epidemia a nível
da comunidade, particularmente na ausência dos factores de risco
conhecidos
2.
Estudos prospectivos para definir a história natural da hepatite C e
identificar os factores associados à progressão da doença para
cirrose e CHC
3.
Estabelecer programas de controlo de qualidade das determinações do
ARN-VHC e genotipos
4.
Estudos clínicos de protocolos de terapêutica de manutenção em
doentes com resposta parcial ao tratamento antivírico inicial; ensaios
clínicos em doentes com transaminases normais e em doentes não
respondedores
5.
Implementar, de uma forma controlada e com avaliação rigorosa.de
impacto, estratégias para prevenir a infecção e aumentar a
acessibilidade ao diagnóstico e tratamento
6.
Criação das Redes da Hepatite C, com ligação entre hospitais,
centros de saúde, médicos de família, laboratórios e grupos de apoio
de doentes, para integrar as medidas de prevenção, diagnóstico e
tratamento...