Relatório de Consenso
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CONFERÊNCIA DE CONSENSO SOBRE HEPATITE C 
18-19 de Março de 1999

GRUPO DE ESTUDO DAS HEPATITES

Direcção Geral da Saúde

ASSOCIAÇÃO PORTUGUESA PARA O ESTUDO DO FÍGADO.Este relatório é da exclusiva responsabilidade da comissão organizadora da Conferência de Consenso e não representa uma posição oficial da Direcção Geral da Saúde nem da Associação Portuguesa para o Estudo do Fígado (APEF).

RELATÓRIO DE CONSENSO E RECOMENDAÇÕES PARA PREVENÇÃO E TRATAMENTO DA HEPATITE C.

INTRODUÇÃO

O vírus da hepatite C (VHC) é um vírus ARN da família dos Flaviviridae. A importância da hepatite C, em termos de saúde pública, resulta da elevada probabilidade do indivíduo infectado evoluir para a cronicidade (> 85%), da sua associação com o  arci-noma hepatocelular, das terapêuticas pouco eficazes e de não existir uma vacina. vários trabalhos indicam que mais de 20% dos doentes com hepatite crónica C vão desenvolver cirrose e que, destes, 20 a 30% vão progredir para o carcinoma hepatocelular ou para a insuficiência hepática que requer a transplantação.

O VHC transmite-se principalmente através do sangue e dos derivados do sangue. A toxifilia de droga endovenosa é hoje o principal risco nos países onde os dadores de sangue são testados para o anticorpo do VHC (anti-VHC). A infecção através das relações sexuais é ineficiente bem como a transmissão no agregado familiar ou entre a mãe e o recém-nascido embora se desconheça ainda o impacto destes modos de transmissão na população. Muitos estudosindicam que 30-40% dos doentes com hepatite C não têm factores de risco identificáveis. Em Portugal, a epidemiologia do VHC está ainda insuficientemente estudada. Os dados existentes indicam uma prevalência do anti--VHC na população em geral de 1,4%, o que aponta para 100.000 a 140.000 portugueses infectados pelo VHC. A doença hepática crónica é a 9ª causa de morte entre os adultos em Portugal e representa cerca de 2.500 mortes anualmente. Alguns estudos baseados em estatísticas hospitalares sugerem que cercade 40% da doença hepática crónica está associada ao VHC. Como a maioria das pessoas infectadas pelo VHC tem idades entre 30-40 anos, o número de mortes atribuídas a doença hepática crónica.associada ao VHC pode duplicar nos próximos 10-20 anos porque este grupo de pessoas infectadas atinge idades nas quais ocorremas complicações da doença hepática crónica.

As implicações económicas e sociais do rastreio e do tratamento da hepatite C, a gravidade das sequelas da doença a longo prazo e as questões relacionadas com a eficácia das novas modalidades da terapêutica foram as principais razões que levaram a Associação Portuguesa para o Estudo do Fígado (APEF) e o Grupo de Estudo das Hepatites (Direcção Geral da Saúde) a organizar uma Conferência Nacional de Consenso sobre Hepatite C.

A organização desta reunião seguiu um formato semelhante ao que tem sido adoptado em reuniões congéneres realizadas noutros países e consistiu numa comissão organizadora que definiu as questões principais e escolheu as apresentações dos temas, os especialistas e um painel de consenso de elementos representando Hepatologia, Gastrenterologia, Medicina Interna, Pediatria, Infecciologia, Obstetrícia, Histopatologia, Epidemiologia, Patologia Clínica e Clínica Geral. A conferência teve a duração de 1 ½ dias, 18 e 19 de Março de 1999, e seguiu o esquema:

1) apresentação por especialistas nacionais e internacionais dos temas que são relevantes às questões principais

2) discussão pública dos trabalhos apresentados

3) análise e reformulação das conclusões e das recomendações

gerais preparadas por um grupo de elementos da comissão, feitas pelo painel de consenso.

As questões a que o painel procurou responder foram as seguintes:

1) Qual é a história natural da hepatite C?

2) Qual o papel do laboratório no diagnóstico e monitorização.da hepatite C?

3) Quais os doentes que devem ser tratados?

4) Qual é o melhor tratamento?

- primeiro tratamento

- doentes que recidivaram ao tratamento do interferão

- doentes não respondedores a um tratamento prévio com

interferão

5) Quem deve ser submetido ao rastreio para a hepatite C?

6) Como pode ser prevenida a transmissão da hepatite C?

7) Quais as áreas futuras da investigação na hepatite C? 

QUAL É A HISTÓRIA NATURAL DA HEPATITE C?

Infecção aguda

A maioria dos indivíduos com infecção aguda pelo VHC ou é.assintomática ou tem uma doença clínica ligeira: 60-70% não têm sintomas, 20-30% podem ter icterícia e 10-20% têm sintomas inespecíficos (anorexia, astenia, mal estar ou dor abdominal). O quadro clínico dos doentes com hepatite aguda C é semelhante ao dos outros tipos de hepatite vírica e é necessário realizar testes serológicos para determinar a etiologia da hepatite no caso individual. Em 20% dos doentes o início dos sintomas pode preceder a seroconversão anti-VHC. O anti-VHC pode ser detectado em 80% dos doentes dentro de 15 semanas após o contágio. Raramente a seroconversão pode demorar mais de 6 meses. A evolução da hepatite aguda C é variável, mas a elevação das transaminases séricas, por vezes de padrão flutuante, é o aspecto mais característico. A hepatite fulminante associada ao VHC é rara. Infecção crônica Depois da hepatite aguda C, 15-25% das pessoas curam a infecção sem sequelas, definida pela ausência mantida do ARN-VHC no sangue e a normalização das transaminases séricas. A infecção crónica desenvolve-se na maioria dos indivíduos (75-85%). A elevação das transaminases séricas, persistente ou flutuante, indica doença hepática activa que se desenvolve em 60-70% dos indivíduos infectados cronicamente pelo VHC. Nos restantes 30-40% dos indivíduos as transaminases são normais. Têm sido descritos vários padrões de transaminases séricas no seguimento destes indivíduos, observando-se doentes que têm períodos prolongados (12 meses) de transaminases normais e com hepatite crónica confirmada histologicamente. Uma simples determinação das transaminases não permite excluir a doença hepática progressiva e é necessário o seguimento prolongado dos indivíduos com infecção crónica pelo.VHC para determinar a sua evolução clínica e estabelecer o prognóstico. Não é portanto correcto usar o termo de portadores irsaudáveisls do VHC para os indivíduos com infecção crónica pelo VHC e transaminases normais.

Na maioria dos doentes, durante as primeiras duas ou mais décadasapós a infecção, a evolução da doença hepática crónica é geralmente insidiosa, com uma progressão lenta, sem sintomas ou sinais.Frequentemente, a hepatite crónica C só é diagnosticada quando, num exame de rotina, se detectam transaminases elevadas ou quando de uma doação de sangue. A maioria dos trabalhos indica que acirrose se desenvolve em 20% dos doentes com hepatite crónica C durante um período de 20-30 anos, e o carcinoma hepatocelular em 1-5%, com grandes variações geográficas na incidência desta doença. Quando existe cirrose, o risco de desenvolvimento do car-cinoma hepatocelular aumenta para 1-4% por ano. Este risco justifica a vigilância por ultrassonografia e determinação da alfa-fetoproteína nos doentes com cirrose. O desenvolvimento do carcinoma hepatocelular é muito raro nos doentes com hepatite crónica sem cirrose.

Vários trabalhos indicam que a idade superior a 40 anos, o sexo masculino e o consumo excessivo de bebidas alcoólicas se associam a doença hepática mais grave. A ingestão, mesmo em quantidades moderadas, de bebidas alcoólicas em doentes com hepatite crônica C pode agravar a progressão da doença hepática. Alguns estudos, que carecem de confirmação, sugerem que os doentes com hepatitecrónica C têm um risco aumentado de hepatite fulminante pelovírus da hepatite A.

Estudos mais recentes, dos grupos de Poynard (Paris) e Alberti.(Pádua), permitiram desenvolver um modelo de progressão da doença, em relação com a evolução da fibrose, que sugere umespectro variável: cerca de 1/3 dos casos são progressores i.rápidoslr(tempo de infecção até cirrose < 20 anos), 1/3 são progressores isintermédioslo (tempo de infecção até cirrose: 20 a 50 anos) e 1/3 tem uma progressão lenta ou nula (tempo > 50 anos). Têm sido indicados vários factores que parecem influenciar a progressão da fibrose, como a idade no momento da infecção, o sexo masculino, a ingestão de álcool, a co-infecção vírus da hepatite B (VHB) e vírus da imunodeficiência humana (VIH), a imunossupressão, o perfil das transaminases séricas e a actividade necroinflamatória na primeira biopsia hepática. O risco da evolução para cirrose, descompensação e carcinoma hepatocelular é também influenciado por alguns destes factores. A progressão para cirrose, em doentes com formas ligeiras de hepatite crónica C, com ou sem alteração das transaminases, é difícil de quantificar mas parece ser pouco frequente.

Manifestações extra-hepáticas do VHC

Várias manifestações extra-hepáticas têm sido descritas em associação com a infecção crónica pelo VHC. A doença que é mais frequentemente associada com o VHC é a crioglobulinemia mista. Embora seja detectada em 30-50% dos doentes com hepatite

crónica C, a crioglobulinemia é geralmente assintomática. A síndrome clínica da crioglobulinemia com artralgias, doença de Raynaud e púrpura é rara (1-5%). A glomerulonefrite membranoproliferativa é rara mas pode ser grave. A infecção pelo VHC é provavelmente um factor que favorece a expressão clínica da porfiria cutânea tardia. Outras situações extra-hepáticas têm sido descritas mas a associação com o VHC não está claramente.estabelecida. Estas incluem a artrite seronegativa, uma síndrome sicca (diferente da síndrome de Sjogren), a tiroidite auto-imune, o líquen plano, certo tipo de úlceras de córnea, a fibrose pulmonar idiopática, a poliarterite nodosa, a anemia aplástica e certos linfomas não Hodgkin. 

QUAL O PAPEL DO LABORATÓRIO NO DIAGNÓSTICO E MONITORIZAÇÃO DA HEPATITE C?

Testes serológicos

Os testes serológicos actualmente utilizados para o diagnóstico da hepatite C são os que detectam a presença dos anticorpos anti-VHC. Destes, os mais usados são os testes imuno-enzimáticos de.terceira geração que contêm antigénios estruturais e não estruturais do VHC. Estes testes detectam anti-VHC em 97% dos indivíduos infectados, mas não diferenciam entre infecção aguda ou crónica,activa ou curada. São testes simples de usar, pouco dispendiosos e os melhores para a avaliação inicial.

Como qualquer teste de rastreio, o valor predizente de um resultado positivo num teste imuno-enzimático do anti-VHC depende da prevalência da infecção na população analisada. O valor predizente é baixo nas populações com prevalência da infecção pelo VHC inferior a 10%. Tem sido prática corrente realizar um teste suplementar com um teste mais específico, como um ensaio RIBA (isrecombinant imunoblot assayil). Estes ensaios utilizam os mesmos antigénios dos testes imuno-enzimáticos mas num formato de ioimunoblotit. Não são, pois, testes de confirmação no verdadeiro sentido do termo.

Os resultados do teste RIBA considerados indeterminados (positivo só para um antigénio) podem encontrar-se em pessoas recentemente infectadas antes da seroconversão e em pessoas com infecção crónica pelo VHC e co-infecção pelo VIH. Um resultado anti-VHC indeterminado pode também significar um falso positivo, especialmente em pessoas com um baixo risco para a infecção pelo VHC. Nestas circunstâncias pesquisa-se o ácido nucleico do VHC, o melhor critério para definir a infecção, para verificar se o doente tem viremia. Muitos estudos sugerem que a existência de muitos resultados falsamente positivos com testes imuno-enzimáticos requerem a sua confirmação pela presença de anticorpos anti-VHC com RIBA, por estes serem mais específicos. Por outro lado,algumas amostras com RIBA positivo apresentam-se negativas para o ARN-VHC por PCR, quer devido a carga vírica baixa, isto é,.abaixo do limiar de detecção da técnica, quer, naturalmente, por se ter verificado a resolução da infecção. Detecção do ácido nucleico do VHC O diagnóstico da infecção pelo VHC pode também ser feito qualitativamente pela detecção da presença do ARN-VHC usando técnicas de amplificação (como a RT-PCR iTreverse transcription- polymerase chain reactionle). O ARN-VHC pode ser detectado no soro ou no plasma cerca de 1-2 semanas após a infecção e várias semanas antes da elevação das transaminases séricas ou do aparecimento do anti-VHC. Mais raramente a detecção do ARN- VHC pode ser a única evidência da infecção pelo VHC. Existem iHkitslo comercializados para a RT-PCR que podem ser usados para investigação. Os testes de RT-PCR para o ARN-VHC estão já a ser usados na clínica. A maioria dos ensaios de RT-PCR tem um limiar de detecção de 100-1000 cópias do genoma/ml. Com a optimização dos testes de RT-PCR, 75-85% das pessoas que são anti-VHC positivas e mais de 95% dos doentes com hepatite aguda ou crónica C têm ARN- VHC detectável. Alguns indivíduos infectados pelo VHC podem ser só intermitentemente positivos para o ARN-VHC no soro, principalmente os que têm hepatite aguda C ou com doença hepática avançada. Devido à variabilidade e complexidade dos ensaios de PCR, é necessário garantir um controlo de qualidade rigoroso quando se realizam estes testes. As indicações actualmente aceites para a detecção do ARN-VHC são:

1)     hepatite aguda de causa desconhecida.

2)     hepatite crónica de etiologia desconhecida, hemodialisados, imunossupressão

3) dificuldades na interpretação dos testes imunoenzimáticos

4) doentes positivos para anti-VHC com transaminases repetidamente normais

5) doença hepática crónica com várias causas possíveis incluindo o VHC

6) diagnóstico da infecção pelo VHC em recém-nascidos de mães infectadas pelo VHC

7) monitorização da terapêutica antivírica.

Já é possível realizar determinações quantitativas do ARN-VHC para avaliar a carga vírica. Existem comercializados vários i.kitslá, incluindo um RT-PCR quantitativo (iaAmplicor HCV MonitorlV, Roche Molecular Systems, Branchburg, New Jersey) e um teste de amplificação do sinal usando ADN ramificado (imQuantiplex HCV RNA Assay, bDNAi,, Chiron Corp., Emervylle, California). Estes testes, em comparação com os ensaios qualitativos, são menos sensíveis, com limiares de detecção na ordem das 500 cópias degenoma vírico/ml para o Amplicor HCV Monitor e dos 200.000 equivalentes do genoma/ml para o Quantiplex HCV RNA Assay.

Por outro lado, estes testes usam padrões diferentes o que não permite a comparação directa dos resultados entre os dois testes. Os testes quantitativos não devem ser usados como primeiro teste para confirmar ou excluir um diagnóstico de hepatite C ou para monitorizar o resultado de um tratamento. Os doentes com hepatite crónica C têm viremias que variam entre 10 5 e 10 7 cópias do genoma/ml. A determinação da carga vírica parece ser um factor predizente importante da resposta ao tratamento antivírico, e aconselha-se a sua realização quando se pretende tomar uma decisão terapêutica. Não está de momento provado que as determinações.seriadas do ARN-VHC sejam úteis na monitorização do tratamento dos doentes com hepatite crónica C.

Existem pelo menos seis genotipos diferentes e mais de 90 subtipos do VHC. Cerca de 70% dos indivíduos infectados pelo VHC em Portugal têm o genotipo 1, predominando o subtipo 1b sobre o 1a. Estão disponíveis comercialmente vários métodos de detecção do ácido nucleico que permitem agrupar os isolados do VHC, baseados em genotipos e subtipos. Existem também métodos mais acessíveis e menos dispendiosos de fazer a serotipagem, usando testes de ELISA. Estes testes têm interesse clínico porque mostram boa correlação com a genotipagem tradicional e permitem distinguir os principais genotipos quando não se dispõe de facilidades para PCR.

A evidência existente é ainda limitada quanto à associação dos diferentes genotipos com aspectos clínicos, evolução da doença ou progressão para cirrose ou carcinoma hepatocelular. Parecem existir diferenças no que diz respeito à resposta ao tratamento antivírico de acordo com os genotipos do VHC. A percentagem de respostas virológicas mantidas nos doentes infectados com o genotipo 1 é significativamente inferior à que se observa em doentesb com os outros genotipos, principalmente o 2 e o 3. A genotipagem do VHC está indicada no doente com hepatite crónica C que está a ser considerado para tratamento antivírico e se levanta a questão de utilizar um tratamento combinado interferão-ribavirina para definir a duração apropriada do tratamento.

QUAIS OS DOENTES COM HEPATITE CRÓNICA C QUE DEVEM SER TRATADOS?

Nos doentes com hepatite crónica C a decisão de tratar é um.problema complexo que deve ter em consideração muitas variáveis: idade do doente, estado geral de saúde, risco de progressão para cirrose, probabilidades de resposta, outras condições médicas que possam diminuir a expectativa de vida ou contra-indiquem o interferão ou a ribavirina.

Todos os doentes com VHC devem ser avaliados para demonstrar a existência de doença hepática, a sua gravidade e o estadio. A avaliação inicial para detectar a presença de doença hepática inclui.várias determinações das aminotransferases séricas (AST e ALT), a intervalos regulares (2 a 6 meses) porque a actividade das transaminases é muitas vezes flutuante. Esta avaliação implica quase sempre a realização de uma biopsia hepática, indispensável quando se prevê instituir terapêutica.

Actualmente, a maioria dos especialistas aceita que o tratamento antivírico está indicado nos doentes com hepatite crónica C que têm as transaminases séricas persistentemente elevadas, o ARN-VHC detectável e uma biopsia hepática que mostra fibrose portal ou em pontes (inbridging fibrosisin) e um grau moderado de inflamação e necrose.

Nos doentes com lesões histológicas menos graves (discreta fibrose e alterações necroinflamatórias mínimas), a indicação para o tratamento é ainda controversa e pode aceitar-se como alternativa ao tratamento imediato um período de observação e seguimento porque nestes casos a progressão para cirrose é muito provavelmente lenta, se é que ocorre mesmo. Não existe informação precisa sobre a história natural destes doentes, contudo deve ter-se em conta a imprevisibilidade da evolução e que, na ausência de tratamento, a infecção vírica vai persistir. Pode aconselhar-se a realização seriada de transaminases (6/6 meses) e a repetição da biopsia hepática passados 3-5 anos.

Os doentes com as transaminases persistentemente normais não devem ser tratados com interferão a não ser quando incluídos em ensaios clínicos, porque a terapêutica pode induzir em alguns doentes elevação das transaminases e porque os resultados publicados mostram percentagens muito baixas de respostas completas. Do mesmo modo, os doentes que se apresentam com.cirrose hepática compensada (sem icterícia, ascite, hemorragia por varizes ou encefalopatia) podem também não beneficiar do tratamento antivírico actualmente disponível.

Os riscos e benefícios do tratamento devem ser amplamente discutidos com o doente antes de ser tomada qualquer decisão. Os doentes com cirrose avançada e que podem estar em risco de desenvolver complicações ou os doentes com cirrose descompensada não devem ser tratados.

As mulheres com hepatite crónica C que estejam grávidas não são aceites para tratamento. O tratamento com o interferão não está também aprovado para doentes com menos de 18 anos, embora a resposta terapêutica pareça ser semelhante à verificada nos adultos.

É necessária mais informação sobre as indicações do tratamento nos doentes pediátricos e em doentes com mais de 60 anos, devendo o tratamento nestes grupos etários ser ponderado caso a caso.

O tratamento de doentes que consomem quantidades excessivas de bebidas alcoólicas ou que usam drogas endovenosas (toxifilia activa) deve ser adiado até estes comportamentos terem sido suspensos pelo menos 6 meses. Não deve ser feito o tratamento antivírico se não for possível garantir a abstinência do álcool devido à evidência sobre o efeito sinérgico do álcool na lesão hepática e a sua associação com a progressão mais grave da doença. Nos doentes co-infectados por VIH não existem directrizes bem definidas e a decisão deve ser individualizada.

O consenso dos especialistas é favorável ao tratamento dos doentes com hepatite aguda C com interferão. Não existem de momento dados sobre a terapêutica combinada. O momento do início e a duração do tratamento não estão ainda bem definidos. As decisões.terapêuticas devem ser individualizadas e de preferência os doentes incluídos em ensaios clínicos.

O tratamento com o interferão está contra-indicado em doentes com síndromes depressivos, citopenias, hipertiroidismo, transplantação renal e evidência sugestiva de doença auto-imune. O uso da ribavirina está contra-indicado em doentes com anemia não susceptível de correcção, em hemodialisados e em doentes com problemas activos cardíacos ou cerebrovasculares. São contra indicações relativas ao tratamento combinado interferão associado a ribavirina: doenças da retina, diabetes difícil de controlar, hipertensão grave, hemoglobinopatias e sarcoidose.

QUAL É O MELHOR TRATAMENTO?

A maioria dos ensaios clínicos do tratamento da hepatite crônica C foram realizados com o interferão alfa. Quando se utiliza o esquema terapêutico mais recomendado, 3 milhões de unidades administradas subcutaneamente 3 vezes por semana durante 12 meses, 50-70% dos doentes registam uma normalização das transaminases séricas (resposta bioquímica) e 30-40% têm um desaparecimento do ARN-VHC no soro (resposta virológica) no final do tratamento. Contudo, aproxidamente 50% destes doentes vão recidivar quando se pára a terapêutica. Deste modo apenas 15-25% dos doentes têm uma resposta mantida, definida pela normalização das transaminases e pela negativação do ARN-VHC avaliada 6 meses depois da suspensão da terapêutica. Muitos destes.doentes registam também uma melhoria significativa das lesões histopatológicas. Doses mais elevadas de interferão podem ser usadas no contexto de protocolos terapêuticos, pois tem-severificado que doses mais elevadas ou períodos de tratamento mais prolongados aumentam a percentagem das respostas mantidas. Muitos estudos demonstraram que o genotipo e o valor inicial da carga vírica são factores predizentes importantes e independentes da resposta mantida ao tratamento com o interferão. Pode estimar se que a percentagem de respostas mantidas é de cerca de 5% nos doentes infectados com o genotipo 1 e de cerca de 30% nos doentes infectados com os genotipos 2 e 3. A percentagem de respostas é também muito baixa nos doentes infectados com o genotipo 4. As percentagens de respostas mantidas são de 6%, 14% e 37% nos doentes com cargas víricas elevadas, médias e baixas, respectivamente. A definição de carga vírica elevada e baixa varia nos diferentes trabalhos publicados e depende do método usado para quantificar o ARN-VHC. Geralmente é utilizado um limiar de 2 milhões de equivalentes de genoma por ml.

Nos doentes que não responderam até ao final do tratamento (definidos como ionão respondedoresis) o re-tratamento com um esquema semelhante de interferão alfa raramente é eficaz e não está actualmente indicado. Os doentes que têm transaminases persistentemente elevadas e o ARN-VHC detectável no soro depois de 3 a 6 meses do início do interferão muito provavelmente não vão responder e o tratamento deve ser suspenso. De momento, estes doentes não têm uma clara alternativa terapêutica e só devem ser tratados no contexto de ensaios clínicos dos novos esquemas terapêuticos com outras formas de interferão (interferão de consenso, interferão peguilado) ou em combinações terapêuticas.(ribavirina, amantadina).

A terapêutica da hepatite crónica C é uma área da prática clínica em grande mudança e na qual se esperam progressos a médio prazo. A terapêutica combinada do interferão alfa e ribavirina, um análogo dos nucleósidos, foi aprovada pelo FDA para o tratamento dos doentes com hepatite crónica C que recidivaram depois de um primeiro tratamento de interferão e mais recentemente para o primeiro tratamento. No protocolo da terapêutica combinada, a ribavirina é aconselhada na dose de 1000 a 1200 mg/dia por via oral durante o tempo de administração do interferão. Os trabalhos publicados de doentes tratados com a combinação interferão alfa e ribavirina demonstraram um aumento significativo da percentagem das respostas mantidas, que atingiu 40-50%, em comparação com 15-25% para o interferão alfa isolado (na dose padrão de 3 milhões, três vezes por semana).

Os factores predizentes de resposta mantida na terapêutica combinada interferão e ribavirina parecem ser os mesmos que os apontados para a monoterapia com o interferão. A percentagem global de respostas mantidas com 6 meses de tratamento é de 66% nos doentes com os genotipos 2 e 3, independentemente da carga vírica. A percentagem de resposta mantida é de cerca de 35% nos doentes com genotipo 1 e baixa carga vírica. Nos doentes com genotipo 1 e elevada carga vírica a resposta mantida depende da duração da terapêutica: 28% e 8%, para 12 ou 6 meses de tratamento, respectivamente.

Durante a terapêutica combinada alguns respondedores mantidos mostram o desaparecimento do ARN-VHC sérico tardiamente.

Resultados preliminares sugerem que 5-10% dos doentes com ARN-.VHC positivo, após 3 meses de terapêutica, podem vir a eliminar o ARN-VHC depois de 6 meses, e manter a resposta ao tratamento, pelo que não se deverá interromper esta terapêutica antes dos 6 meses.

A maioria dos doentes com hepatite crónica C tratados com interferão queixa-se de sintomas gripais na fase inicial da terapêutica, mas estes sintomas tendem a diminuir com a continuação do tratamento. Das reacções adversas tardias destacam-se a fadiga, a depressão da medula óssea e sintomas neuropsiquiátricos (apatia, alterações cognitivas, irritabilidade e depressão). A dose do interferão tem de ser reduzida em 10-40% dos doentes e em certos doentes (5-15%) o interferão tem mesmo de ser suspenso pelos efeitos adversos. A ribavirina pode induzir uma anemia hemolítica e constitui um problema nos doentes com anemia pré-existente, depressão da medula óssea ou insuficiência renal. Nestes doentes a terapêutica combinada não está indicada, a não ser depois de corrigir a anemia. A anemia hemolítica provocada pela ribavirina é um fac tor de risco em doentes com patologia cardíaca isquémica ou doençavascular cerebral. A ribavirina é teratogénica e os doentes do sexo feminino não devem engravidar durante o tratamento. Na eventualidade de ocorrer uma gravidez durante o tratamento, este deve ser imediatamente suspenso. A contracepção deve ser igualmente praticada pelas parceiras sexuais dos indivíduos do sexo masculino em tratamento. Quando um dos elementos do casal efectuou tratamento com ribavirina só se aconselha a concepção seis meses depois do final da medicação.

QUEM DEVE SER TESTADO PARA O VHC?

A selecção das pessoas que devem ser testadas para o VHC depende de muitos factores, principalmente a informação epidemiológica..Muitos dos dados epidemiológicos são mal conhecidos em Portu gal e as recomendações propostas baseiam--se numa análise e discussão dos dados existentes e das medidas preconizadas em países com características epidemiológicas, sociais e culturais semelhantes ao nosso, como a França e a Espanha.

Pessoas que devem ser testadas por rotina para o VHC

  • Pessoas que usaram por via endovenosa ou intranasal drogas, mesmo incluindo os que se injectaram uma ou poucas vezes há muitos anos e que não se consideram toxicodependentes
     

  • Pessoas que fizeram transfusões de sangue ou receberam derivados do sangue, incluindo:
     

  • Pessoas que receberam transfusões de sangue ou componentes derivados do sangue antes de 1992
     

  • Pessoas notificadas que receberam sangue de um dador mais tarde diagnosticado com hepatite C
     

  • Recipientes de órgãos ou de enxertos de tecidos antes de 1992 £ Doentes em hemodiálise

Outros grupos de risco a quem se aconselha a pesquisa do VHC

  • Profissionais da saúde com história de um acidente de picada com agulha, outros objectos cortantes ou contacto das mucosas com sangue potencialmente VHC positivo
     

  • Recém-nascidos de mães positivas para o anti-VHC. A testa gem para anti-VHC deve ser feita aos 6 meses ou 1 ano.  
     

  • Parceiros sexuais de um indivíduo com hepatite C
     

  • População prisional (tem uma elevada prevalência de VHC)
     

  • Pessoas com transaminases séricas persistentemente elevadas

Pessoas para as quais não se recomenda a pesquisa de rotina para o VHC

  • Pessoal de saúde

Excepto em subgrupos particularmente de risco, como enfermagem das unidades de hemodiálise e a situação de história de acidente com picada.

  • Conviventes do agregado familiar das pessoas VHC positivas
     

  • Grávidas (excepto em grupos de risco)
     

  • População em geral 

COMO PODE SER PREVENIDA A TRANSMISSÃO DA HEPATITE C?.

As duas principais origens de infecção são a toxifilia de droga endovenosa e a administração de sangue ou derivados. Esta última causa desapareceu quase completamente desde 1992 com o rastreio rigoroso dos dadores de sangue.

Recomendações aos doentes para prevenir a transmissão da hepatite C

  • Não doar sangue, órgãos, outros tecidos ou esperma
     

  • Não partilhar escovas de dentes, próteses dentárias, lâminas, ou outros objectos de higiene pessoal que possam conter sangue
     

  • Proteger as feridas e úlceras da pele para evitar a contaminação com sangue ou outras secreções orgânicas potencialmente infecciosas

  • Para evitar a transmissão sexual em pessoas com múltiplos parceiros, aconselha-se o uso de preservativo.
     

  • Em relações monogâmicas de longa duração, a probabilidade da transmissão sexual da hepatite C é muito baixa mas não é nula. O assunto e o risco envolvido devem ser discutidos com o doente e o seu parceiro. A questão é mais difícil na situação de casais recentes. As percentagens apontadas de infecção pelo VHC oscilam entre 0% e 6.3%. O parceiro sexual de uma pessoa com hepatite crónica C deve ser testado uma vez para anti-VHC.

  • O uso de preservativo está recomendado quando o casal tem actividades sexuais que podem resultar em trauma, serologia positiva para a sífilis e toxifilia.
     

  • A percentagem de transmissão vertical a partir de mulheres positivas para anti-VHC é baixa (< 6%) e ocorrerá, muito provavelmente, na altura do parto. O aleitamento materno não está contra-indicado.
     

  • O VHC não se transmite pelo espirrar, abraçar, tossir, pelos alimentos ou água, através da partilha de objectos de mesa ou por contacto casual.
     

  • Não existe evidência que justifique a exclusão das crianças positivas para o anti-VHC da escola, recreio ou infantários, e dos adultos de actividades sociais, educacionais ou de emprego.

Transmissão nosocomial da hepatite C

A transmissão nosocomial do VHC pode ocorrer se não são respeitadas as técnicas assépticas ou se os procedimentos de desinfecção são inadequados.

Estudos em vários centros confirmaram a transmissão do VHC através de técnicas médicas invasivas de diagnóstico ou terapêutica devido à desinfecção inadequada dos aparelhos. O risco de.transmissão do doente ao médico em episódios de picada de agulha é baixo, e varia entre 0 e 4% na maioria dos estudos.

A adopção das normas de precaução universal e vigilância contínua das medidas de controlo da infecção é a medida mais eficaz para a prevenção da transmissão nosocomial da hepatite C.

Toxicodependência e hepatite C

A implementação de medidas de prevenção da toxicodependência e a redução do risco de transmissão são prioritárias. 

QUAIS AS ÁREAS MAIS IMPORTANTES PARA A INVESTIGAÇÃO FUTURA?

A vigilância da infecção pelo VHC é necessária para definir os novos padrões epidemiológicos da doença. Esta vigilância implica não sóa notificação de todos os casos incidentes de VHC, mas também estudos rigorosos para avaliar a prevalência do VHC nos diferentes grupos de risco e na população em geral bem como a prevalência das complicações.

O painel seleccionou os projectos seguintes como prioritários:

1. Estudos epidemiológicos para esclarecer a evolução da epidemia a nível comunitário, particularmente na ausência dos factores de risco conhecidos

2. Estudos serológicos da população portuguesa para uma melhor estimativa da prevalência do anti-VHC

3. Estudos prospectivos para definir melhor a história natural da.hepatite C e identificar os factores associados com a progressão da doença para cirrose, no sentido de prever o impacto da doença no sistema de prestação de cuidados de saúde

4. Obter melhor evidência sobre o papel da imagiologia e dos marcadores tumorais na monitorização dos doentes com hepatite.crónica C para a detecção precoce do carcinoma hepatocelular

5. Estudos sobre os mecanismos da persistência da infecção vírica e a patogenia da lesão hepática pelo VHC. O conhecimento da resposta imunitária neutralizante e o papel das respostas humoral e celular na eliminação do vírus são a base do desenvolvimento de uma vacina

6. Estudos para clarificar a interacção entre o VHC e os depósitos hepáticos de ferro, a obesidade, a diabetes mellitus, a infecção pelo vírus da imunodeficiência humana e o efeito do álcool na progressão da hepatite C

7. Estudos para definir o papel dos novos testes laboratoriais no diagnóstico e monitorização da infecção pelo VHC. Como melhorar a qualidade das determinações do ARN-VHC egenotipos

8. Ensaios clínicos que acompanhem os novos desenvolvimentos terapêuticos para definir variáveis próprias da nossa realidade clínica. Definição dos factores predizentes para as terapêuticas combinadas

9. Avaliar métodos de tratamento e prevenção dos efeitos adversos do interferão e outros antivíricos

10. Avaliar estratégias para educar os grupos de maior risco de transmissão da doença e aumentar a acessibilidade ao diagnóstico e tratamento

Uma proposta a desenvolver é a criação das Redes da Hepatite C, com ligação entre hospitais, centros de saúde, médicos de família, laboratórios e grupos de apoio de doentes, para integrar as medidas de prevenção, diagnóstico e tratamento numa ou mais unidades de saúde. Estas Redes devem incluir hepatologistas, infecciologistas, clínicos gerais, biólogos e epidemiologistas e são importantes na.recolha da informação sobre a prevalência da hepatite C nos diferentes grupos de risco e na avaliação da prevalência das complicações das sequelas da hepatite C. A informação que se pretende circular entre os diferentes elementos da rede dirige-se a todos os profissionais da saúde e não só pretende melhorar o rastreio dos indivíduos em maior risco mas também vai optimizar a abordagem dos indivíduos infectados pelo VHC em termos de prevenção e terapêutica.

Recomenda-se que estas redes se sobreponham aos sistemas locais de saúde para optimizar a utilização dos escassos recursos de saúde. Deve iniciar-se este programa com um ou dois projectos piloto. Só depois de avaliada a relação custo-eficácia é que o sistema deverá ser expandido a outros sistemas locais de saúde.

CONCLUSÕES E RECOMENDAÇÕES

A infecção pelo vírus da hepatite C (VHC) é frequente e representa um grande problema de saúde pública. Afecta cerca de 3% da população mundial, estimando-se para Portugal 100.000 a 140.000 infectados. A sua evolução é variável, vindo a maioria dos doentesa desenvolver doença hepática crónica. A infecção persistente pode associar-se ao desenvolvimento do carcinoma hepatocelular. A maioria dos casos de hepatite C é identificada durante a fase crônica da infecção e é assintomática. Cerca de 30-40% dos casos de infecção pelo VHC não têm factores de risco identificáveis. Os dados actuais apontam para uma doença indolente nas primeiras duas décadas após a infecção, cujo início é difícil de marcar. A evolução da doença parece ser afectada negativamente por vários factores, em particular o consumo de bebidas alcoólicas e a as co- infecções víricas, como o vírus da hepatite B e o vírus da.imunodeficiência humana. Os doentes devem ser aconselhados a suspender a ingestão de álcool e a ser vacinados contra a hepatite B. A vacinação contra a hepatite A poderá ser também considerada. A incidência do carcinoma hepatocelular é de 1-4% por ano nos doentes com cirrose. Este risco justifica a vigilância por ultrassonografia e a determinação da alfa-fetoproteína nos doentes com cirrose. O desenvolvimento do carcinoma hepatocelular é muito raro nos doentes com hepatite crónica sem cirrose..A vigilância epidemiológica é essencial para aprofundar os conhecimentos sobre a doença e adequar os cuidados de saúde. A notificação dos casos incidentes de hepatite C é importante e deve ser incentivada. Esta vigilância deve ser complementada por estudos epidemiológicos na população em geral e nos grupos de risco.

O diagnóstico da hepatite C é feito habitualmente por um método imuno-enzimático de terceira geração. São testes simples de usar, pouco dispendiosos e os melhores para a avaliação inicial. As indicações para a detecção do ARN-VHC são:

1) hepatite aguda de causa desconhecida

2) hepatite crónica anti-VHC negativa de etiologia desconhecida

3) dificuldades na interpretação dos testes imuno-enzimáticos

4) doentes anti-VHC positivos com transaminases repetidamente normais

5) doença hepática crónica com várias causas possíveis incluindo o VHC

6) diagnóstico da infecção pelo VHC em recém-nascidos de mães infectadas pelo VHC

7) monitorização da terapêutica antivírica.

A determinação do genotipo do VHC e a determinação quantitativa do ARN-VHC (carga vírica) são importantes quando se pretende tomar uma decisão terapêutica.

Devido à variabilidade e complexidade da detecção do ARN-VHC e às dificuldades técnicas de interpretação é essencial a implementação de programas do controlo de qualidade das determinações..O tratamento está indicado nos doentes de hepatite crónica C com transaminases séricas persistentemente elevadas, ARN-VHC positivo e biopsia hepática com evidência de fibrose e/ou alterações necroinflamatórias. Os doentes com lesões histológicas ligeiras, idade inferior a 18 anos ou superior a 60 anos, devem ser tratados numa base de decisão individual ou no contexto de protocolos de investigação.

Os doentes com cirrose compensada podem ser tratados. Os doentes com cirrose descompensada não devem ser tratados com interferão. Os doentes com transaminases normais não devem ser tratados fora dos protocolos de investigação.

O consenso é favorável ao tratamento dos doentes com hepatite aguda C com interferão alfa. O momento do início e a duração do tratamento não estão ainda bem definidos. As decisões de terapêutica devem ser individualizadas e de preferência os doentes incluídos em protocolos de investigação.

Devem ser ponderadas as contra-indicações. O resultado da carga vírica ou o genotipo do VHC não são motivo de exclusão do tratamento.

O primeiro tratamento pode ser feito com interferão alfa ou interferão alfa e ribavirina. Os trabalhos mais recentes mostram melhores resultados em todos os grupos de doentes estudados com a associação interferão e ribavirina em comparação com o interferão alfa isolado (na dose de 3 milhões, 3 vezes por semana). No protocolo da terapêutica combinada, a ribavirina é aconselhada na dose de 1000 a 1200 mg/dia por via oral durante o tempo de administração do interferão..A genotipagem condiciona a duração do tratamento combinado: 6 meses para os genotipos 2 e 3 (independente da carga vírica) e genotipo 1 com carga vírica inferior a 2 milhões de cópias/ml.

Recomenda-se 12 meses de tratamento para os doentes com geno tipo 1 e carga vírica superior a 2 milhões de cópias/ml. O ARN-VHC deve ser avaliado aos 6 meses para uma eventual suspensão do tratamento se não se registar a negativação da viremia.

Nos casos em que a ribavirina está contra-indicada, aconselha-se a monoterapia com interferão. A duração do tratamento com interferão isolado não deve ser inferior a 12 meses e a dose do interferão alfa recomendada é de 3 milhões de unidades três vezes por semana subcutaneamente. O ARN-VHC deve ser avaliado aos 3 meses para uma eventual suspensão do tratamento se não se registar a negativação da viremia. Doses mais elevadas podem ser usadas no contexto de protocolos terapêuticos.

Os doentes que recidivaram a um tratamento inicial com interferão alfa devem fazer um tratamento com a associação interferão e ribavirina durante 6 ou 12 meses. Quando existem contra indicações à ribavirina podem ser tratados com doses mais altas de interferão alfa durante 12 meses. Em ambos os casos, o ARN-VHC deve ser testado aos 6 meses e a terapêutica interrompida se o ARN-VHC persiste positivo. Os doentes não respondedores ao interferão podem ser tratados com interferão e ribavirina ou ser incluídos em protocolos de outros tratamentos.

O rastreio da população em geral não é aconselhado. O teste do anti-VHC é recomendado por rotina em certos grupos de risco:

.1) Pessoas que receberam transfusões e derivados do sangue antes de 1992

2) Doentes em hemodiálise

3) Pessoas que usam ou usaram drogas por via endovenosa e intranasal

4) Recipientes de órgãos ou tecidos antes de 1992

Os recém-nascidos de mães anti-VHC positivas também devem ser testados. Outros grupos de risco nos quais se aconselha a pesquisa do anti-VHC são:

1) Profissionais de saúde com história de acidente de picada ou outro em doentes potencialmente infectados pelo VHC

2) Parceiros sexuais de indivíduo com hepatite C

3) População prisional

4) Pessoas com transaminases séricas persistentemente elevadas

São feitas as seguintes recomendações para prevenir a transmissão da hepatite C. Doentes VHC positivos:

1. Não doar sangue, órgãos, outros tecidos ou esperma

2. Não partilhar escovas de dentes, próteses dentárias, lâminas, ou outros objectos de higiene pessoal que possam conter sangue

3. Proteger as feridas e úlceras da pele para evitar a contaminação com sangue

4. Para evitar a transmissão sexual em pessoas com múltiplos parceiros aconselha-se o uso de preservativo

5. Em relações monogâmicas de longa duração a probabilidade da transmissão sexual da hepatite C é muito baixa mas não é nula.

O assunto e o risco envolvido devem ser discutidos com o doente e o seu parceiro. O parceiro sexual de uma pessoa com hepatite crónica C deve ser testado para anti-VHC.

6. A probabilidade de transmissão vertical perinatal é baixa. Não.há contra-indicação ao aleitamento.

7. Não há evidência de transmissão do vírus ao espirrar, abraçar, tossir, ingerir alimentos ou água, partilhar objectos de mesa ou por contacto casual

8. Não existe evidência que justifique a exclusão das crianças positivas para o anti-VHC da escolas e infantários, e dos adultos das actividades sociais, educacionais ou de emprego

A implementação de medidas de prevenção da toxicodependência e redução do risco de transmissão são prioritárias.

A adopção das normas de precaução universal e a vigilância contínua das medidas de controlo da infecção são as medidas mais eficazes para a prevenção da transmissão nosocomial da hepatite C.

São áreas de investigação futura e projectos prioritários em Portugal:

1. Estudos epidemiológicos para esclarecer a evolução da epidemia a nível da comunidade, particularmente na ausência dos factores de risco conhecidos

2. Estudos prospectivos para definir a história natural da hepatite C e identificar os factores associados à progressão da doença para cirrose e CHC

3. Estabelecer programas de controlo de qualidade das determinações do ARN-VHC e genotipos

4. Estudos clínicos de protocolos de terapêutica de manutenção em doentes com resposta parcial ao tratamento antivírico inicial; ensaios clínicos em doentes com transaminases normais e em doentes não respondedores

5. Implementar, de uma forma controlada e com avaliação rigorosa.de impacto, estratégias para prevenir a infecção e aumentar a acessibilidade ao diagnóstico e tratamento

6. Criação das Redes da Hepatite C, com ligação entre hospitais, centros de saúde, médicos de família, laboratórios e grupos de apoio de doentes, para integrar as medidas de prevenção, diagnóstico e tratamento...

 

 

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Última atualização em : domingo, 16 de maio de 2004 14:34

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