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Estudo sobre Crítica de Mário de Andrade II
texto do trabalho Modernismo

3) "Permanente pesquisa estética"

Há necessidade de mencionar aqui que os modernistas, e também MA, renegavam, levados sobretudo pelo individualismo, a denominação de "escola ". Não foi realmente uma "escola" no sentido canônico do termo. Porém, como diz Sérgio Milliet, apresentavam a "unidade do contra". A idéia de liberdade, na sua conotação individualista, era comum a todos. E também certos aspectos como o verso-livre, o poema-piada e "brasileirismos" de linguagem, embora sem caráter obrigatório e normativo. Seus agrupamentos formaram pequenas "escolas". "Festa", o "Verde-amarelo ", a "Antropofagia ". Parece natural que escritores de uma mesma geração, sujeitos a um ambiente polítìco-social-econômico cultural semelhante, apresentem igualdades. Afinal, não ë isso que MA sugere ao falar de linhas-comuns em Manuel Bandeira, Drummond, Tasso da Silveira e Augusto Meyer?

Quais são alguns dos pontos em que se apoia a "consciência da linguagem", sob o enfoque estético, em MA?

a) o verso-livre e o ritmo pessoal;
b) as formas fixas;
c) o assunto, o tema e o artesanato;
d) a língua nacional.

Na estética de MA ocupam lugar especial as várias ocasiões em que tenta definir Poesia, ou mesmo diferenciá-la de Prosa. Quanto a esta diferenciação um dos trechos mais importantes está em "A poesia em 1930" em que descreve essa diferença a partir dum critério psicológico do consciente (Prosa) e inconsciente (Poesia) eliminando o critério gráfico: A partir disso, defende uma poesia não didática, de assuntos que partam de um "eu lírico", em associações vagas, livres de leis técnicas e intelectuais. Uma poesia de lirismo absoluto, sem interesses sociais, como a do Surrealismo que conseguiu "especificar a essência da Poesia". Coerente com tudo que afirmara anteriormente, renega toda poesia de assunto pragmático e descritivo, especificando-os: "a Terra", "a Mãe-Preta ", "o Carnaval ", "o amor batido ou vitorioso". Para ele, o que é realmente essencial na poesia é a livre associação de idéias somada a um artesanato perfeito. Reconhece que apenas 10% de toda poesia humana atinge essa quase-utópica realização poética. É sobre a poesia que o esteta se debruça de preferência. Daí que os aspectos que irei abordar referem-se, em sua maioria, à realização formal do poema. .

a) O verso-livre e o ritmo pessoal.
Tratando das conquistas irreversíveis do Modernismo, MA ressalta a importância da utilização do verso-livre. Na crítica a Manuel Bandeira, em 1924, MA afirmara que o pioneirismo no uso desse tipo de verso pertencia a Bandeira na literatura brasileira. Confirmara assim a crítica de Nestor Vítor ao afirmar que Mário Pederneiras, até então considerado o introdutor do verso-livre no Brasil, em Histórias do meu casal (1906), na realidade servira-se da heterometria. Os simbolistas já se despreocupavam da rígida métrica parnasiana, atentos sobretudo à melodia do verso. Mas é no período modernista que, associado às postulações revolucionárias da estrofação, rima e assunto, o verso-livre ganha funcionalidade e vigor extraordinários. Por outro lado, a aparente "facilidade" que o abandono da métrica fazia supor, trouxe como corolário a necessidade de um ritmo pessoal que muitos poetas não souberam encontrar. Em diversas oportunidades, MA adverte do perigo de se tomar essa liberdade como libertinagem, como uma forma de diluição dos propósitos modernistas. Em "A poesia em 1930" afirma. "A poesia brasileira muito tem sofrido dessas inconveniências, principalmente a contemporânea, em que a licença de não metrificar botou muita gente imaginando que ninguém carece de ter ritmo mais e basta ajuntar frases fantasiosamente enfileiradas pra fazer verso-livre. Os moços se aproveitaram dessa facilidade aparente, que de fato era uma dificuldade a mais, pois, desprovido o poema dos encantos exteriores de metro e rima, ficava apenas, o talento. ( . . . ) Verso livre é justamente aquisição de ritmos pessoais. (...) O verso-livre é uma vitória do individualismo..."

"Está claro que não podemos dado o assunto, evitar um movimento muito rápido e um ritmo silábico pro texto. Mas devo sugerir ritmos? Qualquer um me serve para adaptar o texto ao assunto, ao passo que nem todo ritmo verbal pode se adaptar à expressividade musical do assunto."

Verifica-se nesta observação a importância do ritmo num poema, a precedência do mesmo sobre o signo verbal depois de escolhido o assunto. Para MA, a música era a Arte Pura, estágio não alcançado pela Poesia. Como professor do Conservatório Dramático e Musical, como pesquisador de música popular, MA tinha uma sensibilidade extremada para a música e para o ritmo verbal, daí interessantes e agudas observações a esse respeito, quando comenta poemas de Manuel Bandeira, Alphonsus de Guimarães Filho e Cecília Meireles.

Em carta de 30 de janeiro de 1928, dirigida a Manuel Bandeira, confessa-se insatisfeito com os poemas em verso-livre e com as exterioridades dos poetas modernistas e, em 15 de julho de 1930, ao anunciar a publicação de Remate de males, afirma que "tem de tudo e é a maior mixórdia de técnicas, tendências e concepções díspares", onde aparecem alexandrinos parnasianos lado a lado com decassílabos românticos! Em carta de 14 de dezembro de 1932, encerra este assunto com um julgamento genérico e conclusivo: "o indivíduo sendo poeta de verdade escreve por qualquer estética e a poesia sempre interessa."

Esse conjunto de citações nos fazem compreender que MA encarava as conquistas de versificação do Modernismo como importantes, porém não exclusivas no seu uso. O verdadeiro poeta pode utilizar todos os metros, desde que o faça com funcionalidade expressiva. Essa "funcionalidade" é avaliada pela psicologia estabelecida pelo próprio texto, o que fica claramente enunciada nas críticas "A poesia em 1930" e "A volta do condor", incluídas em Aspectos da literatura brasileira.

A métrica popular também oferecia um repertório de sugestões para os poetas, como a redondilha. O Modernismo, no que se respeita à metrificação, não se limitou ao uso do verso-livre, mas a partir do princípio da liberdade individual do poeta, deixou-o livre para escolher o metro que lhe fosse necessário, desde que expressivo e usado com grande dose de talento e inventidade.

b) As formas fixas.
Tal como sucedera com a versificação, "no calor da hora" heróica, o Modernismo evita a adoção de formas fixas, lembranças acadêmicas do Parnasianismo e mesmo do Simbolismo. Em A escrava que não é Isaura, recorrendo à pressa e à velocidade da época, MA justifica a adoção de poemas sintéticos, dentro da tradição oriental, "tankas, os hai-kais japoneses, o ghazal, o rubar persas" , seguindo uma tradição romântica. Portanto. a recusa de formas fixas parnasiano-simbolistas deve-se também a motivos de ordem social e cultural: a tecnologia e o desenvolvimento das comunicações.

O Modernismo instaura qualificações e classificações novas para algumas das obras que cria. Não se pode esquecer de que Macunaíma é uma rapsódia; que Café, ora define-se como romance ora como poema coral; que Amar, verbo intransitivo é um idílio; que conto é "aquilo que seu autor batizou com o nome de conto"; que Memórias sentimentais de João Miramar, e principalmente Serafim Ponte Grande, são romances que propõem a destruição do conceito acadêmico do gênero. Estas observações referem-se à prosa, mas o mesmo ocorreu com a poesia. O poema-minuto, o poema-piada, o experimentalismo em Oswald de Andrade, e mesmo no Losango Cáqui, de MA.

Porém, tal como acontecera com a versificação, com o evoluir do movimento, mesmo essa posição radical será revista. Em crítica sobre Vinícius de Morais, em 1939, MA reconhece que, na realidade, "nossos poetas realmente vivos não tinham abandonado " o soneto. Em 1941 , comenta os sonetos de Alphonsus de Guimaraens Filho, recomendando-lhe que continue a escrevê-los, buscando porém uma forma pessoal.

Já em 7 de maio de 1925, observando a literatura popular, recomendara a Manuel Bandeira a adoção do rondó, como uma forma popular universal. A recusa, portanto, fundamentava-se não no fato de ser uma forma fixa, mas sim de ser uma forma acadêmica, de vez que as formas populares deveriam ser adotadas por sua natural persistência e funcionalidade.

c) O assunto, o tema e o artesanato.
Está semeada pela vasta obra de MA uma poética que, por algumas vezes, chegou a concretizar-se num estado descritivo, no "Prefácio interessantíssimo" e em "A escrava que não é Isaura". Em carta a Manuel Bandeira, também confessara o projeto de redação de uma Estética musical, contendo noções pessoais sobre Estética, Belo, Arte, Música e Manifestação Artística, em 26 de junho de 1925, obra que não chegou a ser concluída, nem publicada. O existir do projeto já demonstra sua preocupação e sua segurança quanto àquilo que teorizava em artigos e crônicas, e que concretizava em sua obra criativa. É principalmente para a música e para a poesia que se volta o seu interesse. A correção que realiza da fórmula de Paul Dermée " Lirismo + Arte = Poesia" para "Lirismo Puro + Crítica + Palavra - Poesia" denuncia sua posição. No momento em que adjetiva Lirismo, enuncia uma diferença clara entre um mero "estado de poesia", que vulgarmente se chama inspiração, e o "estado de arte" = "Crítica + Palavra". E foi essa preocupação com o "estado de arte" que obrigou MA a rever completamente por 4 vezes, Amar, verbo intransitivo! Se o primeiro estado é individual, vivencial e psicológico e a esse .respeito suas cartas estão repletas de informações sobre a gênese de sua obra, o segundo estado é coletivo e funcional. E "o artesanato, os segredos, os caprichos, por muitas partes dogmático, a que fugir será sempre prejudicial para obra de arte". Essa "consciência da linguagem" que se manifestaria num artesanato cuidadoso parecia um pouco em desacordo com a "gratuidade" e a "orgia intelectual" dos outros modernistas dos períodos heróico e destrutivo. Pelos depoimentos epistolares de MA, podemos supor que a seriedade de seu trabalho tenha entrado em choque com a alegria de muitos componentes do grupo paulista, presos a exterioridades, e que os levou a um esfriamento e, por vezes, ruptura de relações. Em 1925, o poeta confessa a Manuel Bandeira que sua superioridade irritava os demais, e que se tinham estado juntos no tempo "em que a blague e o espírito valem mais que o saber", agora ele estava sozinho. Em agosto de 1934, refere-se também ao "crochê intelectual mesquinhíssimo" em que seu "grupinho" vivia.

Daí suas críticas freqüentes à superficialidade em que a poesia modernista acabou resvalando. Enquanto período de combate, a associação de idéias, quebrando a lógica do discurso poético, foi realmente uma proposta pioneira e válida, apoiada principalmente nas descobertas psicológicas e na teoria das "palavras em liberdade" de Marinetti. Mas, aos poucos, à medida em que o nacionalismo modernista ia em busca da realidade nacional, e principalmente quando idéias políticas e sociológicas começaram a ser discutidas com maior veemência e profundidade, o grupo modernista assume posições ideológicas mais claras e o discurso poético exigirá novamente a logicidade e a clareza, mais pragmáticas. Daí, "A volta do condor" que MA relutará em aceitar, principiando a ceder apenas a partir de 1940, até a adesão parcial na confissão final em "O movimento modernista".

Nesta linha de pensamento parece incluir-se a trajetória: tema (antes de 22) ó assunto (de 22 a 30) ó tema (a partir de 30), havendo também o predomínio da prosa, depois de 1930, com o romance do Nordeste; portanto, uma literatura mais lógica e didática.

"Como poética o Modernismo já conseguira algumas ótimas conquistas que estavam nos fazendo voltar a um mais verdadeiro sentido de poesia. A principal delas foi a libertação do pensamento lógico, as pesquisas feitas pra realizar o subconsciente, a destruição do tema poético dirigido e desenvolvido ( . . . substituindo a nitidez curta do tema pela disciplina mais livre e mais profunda do assunto). O assunto, durante o Modernismo, voltar-se-á para flashes do cotidiano e daí sua inovação e riqueza. Entram para a literatura o prosaico e o popular, o cotidiano do burguês e das cidades, o instantâneo da cidade do interior e dos sentimentos simples; eliminam-se os temas "eternos": a Morte, a Vida, Deus, o Bem. Mas, para MA, há um outro aspecto: o próprio assunto é secundário, o primordial é a forma artesanato.

d) A língua nacional.
Muito se tem escrito sobre esse ângulo "escandaloso" e revolucionário do Modernismo e, principalmente, de MA. O próprio escritor não deixava passar ocasião de esclarecer e acentuar sua posição a respeito. Na denúncia aos vários enfoques e várias atitudes assumidas pelos modernistas em relação à língua, quando da conferência de 1942, pode-se perceber a mágoa de um homem que, depois de anos de exaustivos e conscientes estudos, vê elementos diluidores destruir grande parte de seu esforço. Uma luta que se constituiu de momentos de "ensaio e erro" constantes, em que o escritor, melancolicamente declara-se vencido por não ser chegada a hora de se criar uma língua brasileira.

Onde o escritor fora buscar elementos para a sistematização dessa "língua brasileira"? Em várias fontes: a. na literatura culta, com Camões, p.e.; b. na literatura popular, principalmente dos folhetos de cordel; c. nas letras das músicas folclóricas e dos cantadores; d. sobretudo, na psicologia da fala.

Em 10/10/1924, em carta a Manuel Bandeira, MA demonstra sua intenção de "se conseguir que se escreva brasileiro sem ser por isso caipira, mas sistematizando erros diários de conversação, idiotismos brasileiros e sobretudo psicologia brasileira, já cumpri meu destino". percebe-se seu propósito em pesquisar a cotidianeidade do povo brasileiro para compreender a língua que o identifica. Ainda um projeto um tanto vago que ira pouco a pouco especificando-se à medida que o espírito revolucionário modernista se for amainando, suavizado pelo equilíbrio e logicidade do pesquisador. Em 1927, anunciava sua intenção de escrever uma Gramatiquinha da fala brasileira para demonstrar aos que o criticavam que sua luta era séria e consciente. Chega a imaginar a "desilusão que vai dar". Desilusão, por que? Pela excessiva modernidade, pelo apoio em textos literários, pela então pouca fundamentação? Esta dúvida não se esclareceu porque, em 1931 , em carta a Augusto Meyer, e em 1935, a Sousa da Silveira, afirma que nunca tivera real intenção de escrevê-la. Este é um dos poucos dados "cabotinos" da obra de MA. Teria sido um recurso de defesa ante a qualidade e a quantidade dos ataques sofridos, daí anuncia-la?

Quanto ao problema da "língua brasileira", que mais tarde inexplicavelmente qualificará com a neutralidade do adjetivo, " nacional " é de salientar a modernidade de MA ao procurar caracterizá-la a partir do estudo e compreensão dos fatos psicológicos que a geraram. É a psicologia viva do povo, que é quem "fala certo o português do Brasil ". Ainda mais, MA escapou da atração puramente léxica, preocupando-se sobretudo com a sintaxe: uso de preposições, colocação de pronomes, regências verbais, etc. Em estudo sobre MA e a "língua brasileira", Manuel Bandeira, especifica essas inovações nos domínios do vocábulo, da morfologia, e da sintaxe" demonstrando que, por vezes, MA generaliza erradamente como no caso da posição do pronome oblíquo.

Para MA, a divulgação de seu projeto lingüístico pelos outros modernistas, apesar do "élan" inicial do período heróico e do destrutivo, o tornam amargurado, de vez que a língua "não passa de um detalhe dum problema muito mais complexo..." Negá-la ou desvirtuá-la equivalia a destruir um projeto de brasilidade. Pode-se, porém, perguntar: donde surge a linguagem de um Guimarães Rosa, quanto a sua linha de pesquisa no real? Assim como os modernistas buscaram a gênese de uma "língua brasileira" em Alencar, eles, e mais precisamente MA, não poderiam ser localizados na fonte da linguagem rosiana?

 

4) "Atualização da inteligência artística brasileira"

Qual é a função do artista e da obra de arte na sociedade?

Os moços da geração modernista, até aproximadamente o ano de 1930, viveram uma certa disponibilidade ideológica. Praticamente dominados pelo "projeto estético", deixaram em segundo plano o "projeto ideológico" que se configurará melhor e assumirá maior destaque a partir da geração getulista.

Se, em 1922, os modernistas resolveram sincronizar os "ponteiros do relógio" cultural nacional, esta sincronização se fez muito mais em propósitos estéticos, a saber: ruptura com o academismo artístico dominante (figurativismo na pintura, romantismo na música, "frontões gregos, colunas e coluninhas" na arquitetura, Parnasianismo e Simbolismo na literatura), a descoberta do presente e da realidade nacional, a valorização da cultura popular, e a instauração, na literatura, da língua brasileira. Foi, como reconhece MA, o exercício de um "espírito revolucionário" que não chegou a ocasionar mudanças político-sociais, mas que, de certa forma, auxiliou a prepará-las. Muito mais do que um movimento coletivo, os modernistas acentuaram sua característica de não-escola e a afirmação de seu individualismo criador. A iconoclastia inicial permaneceu na fase destrutiva, mas esgotou-se. Faltou-lhe fôlego e maior embasamento na realidade e no povo. A revolução de 1930 surpreendeu-os e os deixou perplexos (vide cartas de MA na época). Além disso, surgira um novo grupo coeso que levara a conseqüências novas alguns propósitos de 1922: era o grupo do Nordeste. Ele traz para a literatura um, Brasil diferente e irais real, sem exotismos, sem ilusões, e apresentava "uma verdadeira consciência da terra". Toda a agitação nacionalista iniciada com o bovarismo e o herói-cavaleiro medieval do Romantismo, culminava em 1930 com o Neo-realismo e o herói fracassado. Não mais um nacionalismo patrioteiro e superficial, mas, agora sim, um nacionalismo crítico, embasado na dialética terra-homem, e principalmente numa visão de dentro para fora de nossa realidade, como afirma Antônio Cândido, "na fase de pré-consciência do subdesenvolvimento".

Era a substituição do "projeto estético " pelo " ideológico" colocando novamente em cheque a cultura brasileira. A partir de 1930 é possível identificar melhor a geração heterodoxa que realizou a semana de Arte Modena. Os caminhos políticos tripartem-se: Integralismo, Comunismo e adesão à Ditadura. As linhas ganham contornos mais nítidos, as posições afirmam. Os que aderiram ao Modernismo um tanto quanto empolgados pelo escândalo do momento, retraem-se, como MA; desaparecem, como Graça Aranha; retomam o fio da tradição, como Ronald de Carvalho; Oswald dilui seu projeto ideológico num comunismo "de varal ", como ele mesmo confessou. Manuel Bandeira e Carlos Drummond assumem caminhos individuais.

O tempo re-posiciona - talvez tenha dado o posicionamento real - da brigada multifária modernista.

E MA, o chefe, o mestre, o orientador? Tal como os demais percorre uma trajetória evolutiva. Seria subestimar sua obra pensar que a firme posição adotada ao final da conferência na Casa do Estudante do Brasil tivesse surgido apenas quando da avaliação do movimento, ao preparar a conferência. Ela tem origens muito mais remotas, é fruto de um amadurecimento lento e contínuo.

Em carta a Manuel Bandeira, em 13/07/29, MA refere-se a sua "doutrina de fazer arte-de-ação" que ele entende como uma arte exemplar, principalmente para levar ao aperfeiçoamento estético dos poetas que o lessem. Em 19/11 /28, em carta a Augusto Meyer, inquirindo-o sobre os modernistas gaúchos, solicita-lhe que esclareça quais os poetas que tinham "valor social", i.e., que estavam "influindo no ambiente, orientando, aconselhando, amedrontando". Verifica-se, portanto, que nesta época, o poeta era sobretudo um ser lírico e artesão, cuja função "social" consistia tão somente na orientação artística. Era uma visão de Poesia = Arte Pura. A "organização social" é "estética". Em 10 de agosto de 1934, ao falar de seu livro Remate de males, MA confessa: "Eu desejei mesmo um certo olimpismo, uma certa sobre elevação acima dos tumultos terrenos, desprezando o terra-a-terra". Somando-se essas declarações, confirma-se uma alienação social função do artista como ser político, exprimindo uma visão aristocrática e elitista.

Houve, porém, momentos na obra de MA em que ele se aproximou um pouco mais de uma visão sócio-participante. Comentando a publicação da poesia Pau-Brasil, de Oswald de Andrade. e aproveitando um julgamento de Manuel Bandeira, concita Oswald, Guilherme de Almeida, Ronald de Carvalho e demais modernistas a modificar a ótica de apresentação do Brasil em suas obras: " Me parece que estamos ainda observando o Brasil, ainda não estamos vivendo o Brasil". Em 1925. No entanto, essa participação na realidade parece ter sido entendida por MA ainda em termos culturais. para fins estéticos. Algo mais contundente ele escreveria em 1929, na crônica " Mesquinhez" onde de uma forma mais violenta, ataca a neutralidade, a omissão, que denomina "boa falta de caráter", dos intelectuais por não tomarem consciência verdadeira do momento que a nacionalidade atravessa. E conclui, citando Martin Fierro: "Eu acho que também temos que cantar opinando agora". Em carta de dezembro de 1929, endereçada a Manuel Bandeira, a respeito de seu livro Belazarte, afirma: " É estúpido a gente estar imaginando em literatura numa época destas em que nem se sabe o Brasil em que irá dar. . . . Achei Que era besteira publicar e no dia seguinte retirei os originais da tipografia." Muito importantes estes dois últimos momentos como indicadores da mudança de atitude do escritor. Mudança talvez ainda sutil. Na década de 30, amiudam-se os momentos de reflexão sobre a relação arte-sociedade, em termos de participação do artista no seu momento histórico. Em 1930, escrevendo a Augusto Meyer, diz: " Revolução? Besteira! Revolução que não educa ninguém e sacrifica gente do povo, acovardados seres do povo, descaracterizados seres do povo, desmoralizados porque a República só tem cuidado em desmoralizar o ser do povo e só nisso foi eficaz, é horrível. Não sou monarquista não, não sou nada! No fundo o que eu sou mas é mesmo um livre e ingênuo poeta no sentido mais virginal, mais anti-social da palavra".

Manifesta-se aí uma das angústias morais de MA ao assumir seu papel enquanto povo, ou omitir-se, "sequestrando-se" para uma orientação puramente estética. Esta tensão alcança seu ponto mais agudo em: " Mudar? Acrescentar? Mas como esquecer que estou na rampa dos cinqüenta anos . . . ". A dolorosa consciência do escritor, numa auto-análise rigorosa, auto-punitiva.

Esta evolução de seu pensamento transparece ainda ao tratar da Revista nova, interessada na cultura nacional, em levantar aspectos polêmicos mas fundamentais para a sua compreensão. Expõe, longamente, o plano - da revista a Augusto Meyer, acentuando que a literatura ocupará um pequeno espaço na revista. Iam longe os tempos de Klaxon! Esta modificação indica os novos rumos do interesse da direção da revista, composta por modernistas de 22. Separa-se assim de uma linha antropófaga, que MA condenara desde 1928, preferindo uma atuação mais direta e real, ao lado da cultura, e não uma atitude de deglutição "festiva ".

Em 1931 , em "A poesia em 1930 ", e em 1934 na crônica "Momento pernambucano" já detecta uma mudança na função social do intelectual. Em 1932, em carta a Augusto Meyer assinala o fato de que a poesia daquele momento era uma manifestação exclusivamente elitista.

Constata-se que MA, aceitando colaborar no jornal da Oposição, o jornal do Partido Democrático, não era de todo um escritor apolítico. Em "Revolução pascácia", de forma irônica, demonstra a dinâmica e a riqueza de ocupar-se um lugar na Oposição. É a partir de 1930, e principalmente da Revolução de outubro, que MA, quantitativa e qualitativamente, dedicar-se-á à "crônica crítica" e ao artigo de fundo social, discutindo e analisando aspectos resultantes da "repatriação do Brasil ", ocasionada pela revolução getulista. Usando da ironia e da anedota, como se pode ver em " Folclore da Constituição", MA procura manter um distanciamento que lhe permita avaliar a Verdade a respeito da Revolução Separatista de 1932, evitando imiscuir-se nela. Não o conseguirá, como o confessa em carta a Carlos Drummond de Andrade, acabando por participar dela. Não foi portanto um escritor alienado. Tratou da política, da(s) revolução(ões), do "sentimento íntimo" da nacionalidade, e da paulistanidade, da migração para o Sul, mas principalmente falou da cultura e da cultura popular: o folclore, os mitos, a língua. Se não contribuiu para o "amilhoramento político-social" do homem, pelo menos o ou para o homem brasileiro com "olhos livres , com olhos de ver e perguntar.

Em duas crônicas, "Intelectual - I e II", em abril de 1932, MA discute o papel do intelectual e do intelectual modernista, mais precisamente. Compara-o aos intelectuais do passado, egoístas e desumanos, como Machado, Nabuco, e mesmo Euclides da Cunha. São intelectuais que fugiram ou mascararam a realidade. Exige que o intelectual, um "ser livre em busca da verdade", ponha-se "a serviço duma dessas ideologias, duma dessas verdades temporárias", embora ele continue a ser, por característica própria, um marginal, "um fora da lei ". Exclui dos alienados "tocadores de viola", o grupo da ordem, liderado por Tristão de Athayde, com exceções. Não se duvida mais que a consciência social de MA aprofunda-se e amplia-se numa posição não-sectária por volta de 1930. Retornará mais tarde a essa chamada social: em "Noção de responsabilidade" (1939), em "Uma suave rudeza" (1939), em "Tasso da Silveira" (1940), em "Modernismo" (1940), em "A elegia de abril" (1941).

Nos artigos da década de 40, realça sobretudo a função social do intelectual, entendendo função "social" como uma participação no momento histórico, mas ainda a par de uma consciência artística. Em "A elegia de abril" chega a uma conclusão melancólica: "No sentido da sua dignidade moral, a inteligência brasileira se transformou muito, passando da inconsciência social para a consciência de sua condição. Mas não creio tenha havido melhoras. Se do meu tempo o mais que se possa dizer é que foi embora, hoje grassa na inteligência nova uma freqüente imoralidade".

É de se perguntar: para que serviu então "a consciência de sua condição "?

Não se pode esquecer que contribui para a acentuação dessa posição engajada, a Segunda Guerra Mundial, então em desenvolvimento na Europa. Ela causará entre os intelectuais uma nova mentalidade, como ocorrera após o término da Primeira Grande Guerra. São novos tempos que se preparam nesse período. Novamente em ebulição o "espírito revolucionário". Em "A elegia de abril", MA dedica-se à análise das injunções sociais influindo na literatura. Nesse estudo, coteja a situação do intelectual em 1922 e em 1941 , sob um ponto de vista social, econômico, moral e também literário. Percebe claramente a existência de um novo tipo de herói: o fracassado, que leva a marca indelével da época de angústias e niilismo de então. Novamente retorna ao "tema da partida", que cristalizara-se com o "Vou-me embora pra Pasárgada", de Manuel Bandeira, e que até aquela época era a melhor definição, em poesia, do desejo de fuga do intelectual. Uma forma de conformismo que combaterá tão violentamente um ano mais tarde em "O movimento modernista". Infere-se daí que, mesmo ao final da vida, mesmo parecendo derrotado por sua omissão diante do "amilhoramento político-social" do homem, MA não se furta à sua missão de mestre, de escritor e de crítico polêmico. Apesar da recepção fria e mesmo contrária às suas palavras na Casa do Estudante do Brasil, conforme declara em carta a Paulo Duarte, incompreendido por seus amigos de "geração" e pelos intelectuais "moços", ele não se furtou, mais uma vez, à sua missão.

A conclusão patética a que chegou espelha bem o que foi uma obra crítica dirigida por uma dolorosa consciência do mundo, dos homens e de si mesmo.

"E no final botei uma confissão bastante cruel do que julgo que faltou a minha obra e a minha atitude vital. Por dentro, ah, quanto eu me sinto justificado de mim pelas muitas fatalidades que me perseguiram a vida e enfraqueceram, mas o certo é que a vida não tem nada com isso. E é diante desta vida que errei. Creio que há coisas comoventes no que eu digo."

 

Fonte:
BERNARDI, Rosse Marye; COSTA, Marta Morais da; FARIA, João Roberto Gomes de; GUIMARÃES, Denise Azevedo Duarte; WEINHARDT, Marilene. Estudo sobre o modernismo. Ed. 1. Curitiba. Edições Criar. 1982.

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