Despertar
O som estridente do rádio
relógio, em sua cabeceira como sempre, marcava a hora
precisa de acordar. Já eram seis horas da manhã
e aquele seria sem dúvida, um dia completamente diferente
em sua vida, levantando num único gesto sentiu-se renascendo.
Se tinha algo de que realmente sempre gostara, eram os desafios,
de qualquer natureza, mas desafios...
Hoje prestaria sua primeira
prova do vestibular, abria-se à sua frente uma grande
porta para o futuro e quem poderia imaginar os sentimentos
que estariam envolvidos, as angústias, os medos, as
dúvidas, as alegrias, os desejos. Ah! os desejos...
A escolha da carreira
a seguir, foi sem dúvida desde o início o mais
fácil, já que sempre tivera grande inclinação
pela "FILOSOFIA", na verdade nunca sofrera qualquer
influência, nem mesmo dos pais, apesar de saber, que
na opinião deles "DIREITO" seria a escolha
mais acertada.
Entretanto, agora era
hora de encarar o perigo de frente. Passando pelo espelho
pode dar uma olhadela em seu próprio perfil, parou
por um segundo para auto admirar-se, deu de ombros e seguiu
em direção ao chuveiro. Sobre a cadeira de diretor,
ao lado da porta do banheiro, estavam as roupas que vestiria,
já separadas desde a noite anterior, como era seu costume.
Parou novamente para vislumbrá-las e franzindo a testa
desviou-se como se não aprovasse de um todo, porém
não houvesse outra opção melhor para
o momento. Entrando no banheiro, foi logo acendendo a luz,
mas apenas a pequena dicróica que ficava sobre o centro
do espelho, onde fitou-se demoradamente, prestando atenção
em cada um dos detalhes de seu rosto, especialmente nos grandes
olhos azuis, que brilhavam por debaixo das belas sobrancelhas,
combinando tão acertadamente com seu fino e discretamente
longo nariz arrebitado de forma muito leve na ponta.
- Arrebenta! Foi o pensamento espeloteado,
que de pronto lhe veio à mente, como se um raio saído
do espectro à sua frente, lhe tivesse penetrado a testa...
Foi inevitável
a cômica idéia, de que estava vivendo um momento
de puro narcisismo, o que forçou-lhe a esboçar
um longo e delicioso sorriso.
Enquanto observava sua
alva e perfeita dentadura, por entre os carnudos lábios,
naturalmente corados, mesmo agora que acabara de acordar,
foi passando a mão no cabelo, como se desejasse desde
já escolher o penteado que lhe deixaria o rosto mais
realçado sobre seu lindo e longo pescoço, para
o qual adoraria possuir um colar cravejado de diamantes. Muito
bem, era hora do chuveiro e neste dia não poderia deixar
o tempo passar tranqüila e relaxadamente, como sempre
fazia em suas manhãs. Sob a gostosa água, que
caía de uma ducha, daquelas de dar inveja nos melhores
hotéis cinco estrelas, pegou o sabonete, escolhido
em loja especializada, pois fazia questão de que seu
banho tivesse um aroma espetacular, costumava pensar, que
era no banho onde seus melhores sonhos aconteciam, raramente
tivera tanto prazer quanto durante um banho. Sempre começava
pelos cabelos, e com seus olhos fechados acariciava-os demoradamente,
como se precisasse lavar fio por fio, repetindo a manobra
com o creme condicionador. Era mais do que sonhar, era um
delírio, algumas vezes quando estava assim, pensava
que provavelmente era a única pessoa no mundo capaz
de ter delírios tão realistas e tão ininterruptos.
Como se nada importasse, seguia seu banho passo a passo, sentido
deliciosa e demoradamente a carícia da esponja ensaboada,
que lhe percorria o corpo, primeiro pelo pescoço, conseguia
sentir a pressão como se fosse a mão mais suave
e maliciosa, roçando-lhe lentamente, aquecendo levemente
sua alma. Descendo pelo tronco num movimento quase em câmera
lenta, sentia-se como se tivesse a mais gostosa das companhias,
ali junto de si. Nos flancos era como ser totalmente segura
e apertada, por braços fortes e ao mesmo tempo delicados,
subia então com um esfregar gentil e suave, até
sentir que as pontas dos mamilos endureciam, como se a polpa
de uma gostosa fruta estivesse projetando-se através
de sua casca macia, como se fora um pêssego maduro sendo
mordido, aquilo sim lhe fazia sentir prazer, e o prazer era
em sua opinião o único motivo de existir. Ainda
queria sentir-se mais realizada e por isso mesmo, voltava
a descer lenta e suavemente, passando pelos quadris, onde
sentia uma profunda excitação, só em
lembrar para onde se dirigia agora, mas ao atingir as coxas,
aí sim é que o prazer parecia fluir em suas
veias, brotando em cada um de seus poros, misturando-se com
a deliciosa água morna e a macia espuma branca que
se lhe avolumava aos poucos pelo corpo, como se estivesse
engolindo-a inteira, então aquela mão escorregadia
e quente lhe chegava ao pedaço mais gostoso do corpo,
que era a parte interna das coxas. Neste exato momento sentia
como se uma grande labareda lhe tomasse conta de todo o corpo,
como se todos os sons do universo se fizessem ouvir ao mesmo
tempo, como se os aromas de todos os campos e de todas as
flores se unissem ao mais puro cheiro de sexo selvagem, era
o orgasmo... como podia fazer aquilo nem podia saber, mas
simplesmente acontecia...
Após terminar o
banho, começava a se secar cuidadosamente, usando sua
macia toalha, fofa como plumas, que esfregava com grande sensualidade
e leveza, garantindo também um acalorado envolvimento,
com a gostosa sensação de proteção,
a qual parecia mesmo precisar naquele momento de fragilidade
e entrega total ao prazer, podendo ainda permitir-se outra
carícia, pois era a vez de perfumar-se, o que fazia
com a maior calma, porém desta vez suas mãos
escorregavam sobre a pele macia, com movimentos não
tão lentos, era como se pretendesse apagar aquele fogo
com o frescor de sua colônia pós banho, por outro
lado deixando no ar o aroma de verão e escondendo qualquer
resquício de sua "combustão espontânea",
mas na verdade, o que sentia era diferente, o aroma doce que
lhe banhava, provocava ainda maior excitação
e acabava por iniciar novo delírio, que se prolongava
enquanto lentamente vestia-se, agora em frente a um grande
espelho, onde podia vislumbrar todo o seu corpo, parecendo
dançar aos movimentos de enfiar-se por dentro de cada
peça de roupa, como se fora uma crisálida retornando
ao que antes fora seu casulo. Ao mesmo tempo em que percebia
beleza em seus trajes, parecia esconder o melhor de si dentro
deles, o casulo lhe era encantador pelas cores, mas ao mesmo
tempo tirava-lhe a liberdade, que o delírio, somente
o delírio, podia oferecer-lhe. Em sua mente era inconcebível,
o fato de que não pudesse simplesmente desfilar sem
as aprisionantes vestes, deixando combinar todo um belo corpo,
com seu maravilhoso sonho de ser...
Podia se imaginar naquele
momento, em meio a uma festa, sendo o centro de todas as atenções,
com toda sua exuberância, provocando em cada um dos
homens ali presentes, uma sensação de impotência,
por não poderem tocar-lhe, segurar sua mão,
acariciar seus ombros e dançar de rosto e corpos colados.
Eles teriam que contentar-se com o desejo da possessão
daquele anjo de candura, com quem certamente lhes seria impossível
o contato, enquanto escolheria segundo sua vontade e só
pela sua vontade, aquele a quem se juntaria para desfrutar
dos gemidos prazerosos, dos sons de milhões de sinos
batendo, dos artificiais fogos subindo aos céus e tudo
se enchendo de múltiplas cores, como que numa comemoração
àquela dupla, que acabara de surgir...
Em meio ao êxtase
, como não poderia deixar de ser, algo despertador
repentinamente acontece, para lhe destruir de forma súbita
e radical... Alguém bate à porta de seu quarto,
enquanto houve-se uma voz, que vai dizendo em tom apressado...
- Alexandre, meu filho, você já
está pronto? Seu café já está
servido! Você precisa estar lá em meia hora!
Vamos meu filho...
Como as palavras, algumas
vezes podiam ser tão cruéis... Despertá-lo
de um devaneio como aquele, era para Alexandre a maior das
punições, tão esmagadora como o próprio
castigo de sentir-se uma maravilhosa mulher que ardia prisioneira
naquele corpo de formas masculinas e horrendas.
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