Maledetta polêmica
O movimento negro não está gostando
de certos diálogos e situações da novela das 8
Celso Masson
Flavio Torres
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Primeiro a glória, agora a polêmica. A novela Terra Nostra,
maior fenômeno de audiência da TV brasileira nos últimos anos, com média
diária de 44 pontos no Ibope, parecia uma unanimidade entre os
telespectadores. Não é mais. Parte do movimento negro brasileiro vem
acusando o autor Benedito Ruy Barbosa de racismo. Segundo seus
integrantes, a novela reforça estereótipos negativos atribuídos à raça
negra, enquanto enaltece os italianos na trama. A primeira a tocar no
assunto foi a filósofa Sueli Carneiro, coordenadora executiva da ONG
Geledés – Instituto da Mulher Negra. Num artigo de jornal, ela
apontou falas que insinuam que os negros se acomodaram à escravidão,
enquanto os italianos, brancos e "com espírito de liberdade",
nunca se conformariam com ela. Diálogos com esse teor continuam a ser
exibidos. Dois dos três exemplos citados no rodapé destas páginas
foram tirados de capítulos da semana retrasada.
A idéia segundo a qual os negros teriam se sujeitado à escravidão
por fraqueza de caráter ganhou credibilidade no final do século XIX,
quando estavam em voga teorias racistas pretensamente científicas.
Estudos históricos recentes refutam essa idéia. "Ao contrário do
que se pensa, os africanos eram mais revoltosos e fugidios do que os índios
capturados nos sertões brasileiros", afirma o professor do
departamento de antropologia da Universidade Estadual de Campinas John
Manuel Monteiro, autor de Negros da Terra, obra de referência
sobre a escravidão em São Paulo. "Tanto que formaram quilombos
por todo o país." A novela estaria assim reproduzindo uma idéia
preconceituosa sem nenhuma base histórica. Os ativistas do Geledés
apontam que na trama, que se passa na virada do século XIX para o XX,
os negros não têm sequer consciência de que a escravidão já foi
abolida. Tanto que precisam ser defendidos por um branco, o personagem
Marco Antônio, interpretado por Marcello Antony. Ele tem discussões
acaloradas com sua mãe, que é racista. Para a filósofa Sueli
Carneiro, a divulgação de estereótipos pela novela afeta a
auto-estima dos telespectadores de origem africana. Em especial a das
crianças. "É péssimo para um menino negro ver um personagem de
sua idade dizendo que Deus não quis embranquecê-lo", observa ela.
"Negro safado" – O autor de Terra Nostra,
Benedito Ruy Barbosa, não acha que a sua história seja racista.
"O fato de meus personagens dizerem determinadas coisas não
significa que eu pense do mesmo jeito", defende-se ele. Benedito
afirma que, ao colocar na boca de seus personagens frases ofensivas aos
negros, ele apenas quis reproduzir os preconceitos existentes na época.
Não é a primeira vez que o Geledés vê racismo numa novela da Globo.
Em 1994, o grupo chegou a entrar na Justiça quando um personagem da
novela Pátria Minha chamava um empregado de "negro
safado". No caso de Terra Nostra, justamente por levar em
consideração o argumento de Benedito, a ONG não pretende ser tão
radical. "Nós só lamentamos o fato de que uma novela que devolveu
aos descendentes de italianos o orgulho de sua origem atente contra a
auto-estima da raça negra", diz Sueli Carneiro. Mesmo sem admitir
que está errado, o autor pretende remediar essa situação no decorrer
da trama. Principalmente no tocante às crianças. "Os meninos
negros Tiziu e José Alceu crescerão e conquistarão posições sociais
de destaque, através do estudo", promete.