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Domingo, 25 de julho de
1999 |
Pesquisa no Piauí
altera história de todo continente |
Parque da Serra da Capivara é rico em fósseis,
ferramentas e pinturas rupestres |
por FERNANDO NAVARRO
ESPECIAL
- Em meados dos anos 80, na Serra da Capivara, sul do Piauí,
uma equipe de arqueólogos encontrou vestígios de uma
fogueira cuja datação ultrapassa 50 mil anos, o registro
mais antigo do homem nas Américas. Essa descoberta mudou a
história da ocupação do continente.
- A arqueologia está sempre sujeita a esse tipo de
reviravolta. Cada vez que se encontra um caco de osso, de cerâmica
ou de qualquer outro objeto, isso pode alterar tudo o que se
acreditava até então. De acordo com as teorias mais
correntes, o povoamento do continente americano teria começado
pelo Norte, vindo da Ásia pelo Estreito de Behring, há cerca
de 30 mil anos. Mas isso vem sendo contestado pelas pesquisas
no Piauí. As descobertas reforçam a hipótese de que o homem
chegou ao sul do continente bem antes das migrações pelo
norte.
A região da Serra da Capivara tem a maior concentração de sítios
arqueológicos das Américas. São 420 descobertos até agora.
Tudo começou nos anos 70, quando um grupo de pesquisadores
iniciou investigações nos sítios arqueológicos do Piauí.
As marcas deixadas pelos homens pré-históricos em toda a
região motivaram o grupo a criar o Parque Nacional Serra da
Capivara e a Fundação Museu do Homem Americano, que cuida do
parque com o Ibama. O parque ocupa uma área do tamanho da
cidade de São Paulo, onde há fósseis, restos de utensílios,
ferramentas de pedra lascada e de pedra polida e,
principalmente, pinturas rupestres, fonte essencial de informações
para o estudo dos povos pré-históricos no Brasil.
- Uma das constatações dos pesquisadores é que a região,
em épocas anteriores ao descobrimento, foi mais povoada do
que é hoje em dia. Mesmo com uma população maior, padecendo
dos mesmos problemas decorrentes do clima e das estiagens típicas
do sertão, o homem pré-histórico conseguia viver ali
baseado na caça, na pesca e na coleta de vegetais, sem ameaçar
o equilíbrio do meio ambiente. Que, aliás, não foi sempre
uma região de secas. O sertão nordestino já teve clima úmido
e exuberantes florestas tropicais. Com o fim da última glaciação,
há cerca de 10 mil anos, o clima transformou-se no semi-árido
que conhecemos hoje. A cobertura vegetal também mudou e a
caatinga tornou-se predominante. Animais pré-históricos
foram extintos nesse período de mudança. Entre a megafauna
nordestina estavam preguiças gigantes de mais de 5 toneladas,
tatus do tamanho de um fusca, mastodontes, cavalos pré-históricos
e tigres-de-dentes-de-sabre.
- Mas o que chama a atenção, são as pinturas pré-históricas.
Encontradas em grande quantidade no parque, algumas chegam a
ter 30 mil anos de idade. Classificadas em estilos e épocas
diferentes, mostram desde grafismos puros, não identificáveis,
até figuras humanas, animais, plantas e objetos. Em alguns
casos as pinturas integram conjuntos narrativos representando
situações do cotidiano como danças, caçadas, batalhas,
sexo e nascimento, entre outras.
Durante muito tempo o parque ficou abandonado por falta de
recursos para manutenção e muita coisa foi destruída pela ação
do tempo e pela depredação por membros de comunidades
vizinhas. A caça predatória e os desmatamentos provocaram
grande mortandade de animais causando desequilíbrio ecológico.
A ação do grupo de pesquisadores e da Fundação Museu do
Homem Americano foi fundamental para sua preservação. Em
1991, a Unesco tombou o parque como patrimônio cultural da
humanidade. Mas de acordo com a diretora da Fundação, Niède
Guidon, o parque é também o último pedaço de caatinga
virgem do Brasil.
O parque conta com um hotel, trilhas e sítios preparados para
visitação turística. Há um museu arqueológico com padrão
de Primeiro Mundo. Segundo Niède Guidon, trata-se da melhor
estrutura de turismo ecológico e cultural da América do Sul.
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1999
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A reprodução desta notícia tem caráter meramente cultural e
educativo. |
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