Jesus
não nasceu no primeiro ano de nossa era. Paradoxalmente, seu
nascimento deu-se por volta do ano 5 a.C. Em 525, um monge
chamado Dionísio, o Pequeno, errou os cálculos de um novo
calendário e indicou o nascimento de Cristo no ano 1. Ora, de
acordo com os Evangelhos, Jesus nasceu antes da morte de
Herodes, o Grande, que ocorreu em abril do ano 750 contado da
fundação de Roma, isto é, no ano 4 a.C.
O Natal já foi comemorado em outras datas: 20 de março e 28
de maio. Em resumo, não sabemos com exatidão nem o ano, nem o
mês, nem o dia em que Jesus nasceu. Depois que o cristianismo
se tornou a religião oficial do Império Romano, no século IV,
é que o Natal passou a ser comemorado no dia 25 de dezembro,
juntando-se às festas do solstício de inverno, instituídas
pelos pagãos para celebrar o nascimento do “sol invicto”,
ao qual a figura de Jesus foi associada.
Mas Jesus e o Natal existem há muito tempo, ninguém pode
negar. Além disso, tanto o personagem e tema centrais da grande
narrativa como figuras auxiliares e assuntos de domínio conexo
têm servido de inspiração a grandes poetas e narradores que
se ocuparam de um menino pobre que mudou tanto o mundo a ponto
de dividi-lo em antes e depois de sua vinda. Machado de Assis
fecha um famoso soneto com o verso: Mudaria o Natal ou mudei
eu? E até mesmo o ateu José Saramago, prêmio Nobel de
Literatura, ousou dar sua versão do Evangelho.
Nenhum deles, porém, conseguiu superar a clareza, a concisão
e o encanto da cobertura que da primeira noite de Natal fez um
homem simples que exercia profissão detestada por todos. Era
cobrador de impostos e escreveu a obra-prima que o consagrou, o Evangelho
segundo Mateus.
Mateus, entretanto, não começa bem. Houvesse um editor
competente na redação dos apóstolos ou o evangelista freqüentasse
oficina literária, certamente estaríamos hoje livres daqueles
chatíssimos 17 versículos iniciais, cheios de nomes e datas,
com o fim de enquadrar Jesus nos artigos de uma genealogia
que passa pelo patriarca Abraão e pelo rei Davi. Dali por
diante seu estilo é irrepreensível, belo também em imagens,
como mostrou o cineasta italiano Pier Paolo Pasolini. Um dos
melhores momentos é a visita dos magos. Mateus não revela seus
nomes, não diz que eram reis, nem que eram três. Levavam três
presentes: ouro, incenso e mirra. E a mágica das versões os
transformou em três reis, inventando-lhes os nomes de Baltazar,
Gaspar e Melquior. Seus restos mortais repousam hoje na Catedral
de Colônia, na Alemanha, aonde chegaram em 1164, vindos da Itália.
Mas ninguém sabe de quem são, realmente, aqueles ossos. E a
Basílica de Santa Maria Maior, em Roma, ainda hoje exibe cinco
pedaços de madeira que teriam sido da manjedoura em que nasceu
Jesus.
A cada novo Natal, o mundo que Jesus datou continua a ser
descrito e narrado com os recursos de fantasias, lendas, parábolas
e metáforas.