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GENEALOGIA
Chico
Buarque é de Holanda
A
árvore das origens do maior compositor
brasileiro vivo conta a história
da invasão
holandesa no Nordeste, no século XVII
"O meu pai era
paulista
Meu avô pernambucano
O meu bisavô, mineiro
Meu tataravô, baiano
Meu maestro soberano
Foi Antônio Brasileiro"
"Paratodos" |
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Chico Buarque poderia prosseguir a viagem nostálgica da canção
"Paratodos" e informar que um de seus antepassados era
holandês. Bastaria consultar o cartapácio de 600 páginas que chegará
às livrarias em maio, lançado pela Editora Revan. Produzido pelo
economista alagoano Bartolomeu Buarque de Holanda, radicado no Rio de
Janeiro, o livro Buarque, uma Família Brasileira é resultado de um
trabalho de duas décadas. Exigiu consultas a 15 mil documentos -
livros de notas, testamentos, inventários, cartas de liberdade e
livros paroquiais espalhados por Pernambuco, Alagoas, Rio e Lisboa.
Transforma em certeza uma suspeita a que o nome já induzia: Chico
Buarque é de Holanda. Os Buarque de Hollanda descendem 12 vezes de
Gaspar Nieuhoff Van Der Ley, capitão de cavalaria das tropas dos Países
Baixos. O bravo guerreiro casou-se com Maria Gomes de Mello e foi
morar em Goiana, no interior de Pernambuco, entre 1630 e 1640.
É quase certo, apontam os registros históricos, que Gaspar Van Der
Ley tenha desembarcado no Brasil em data muito próxima àquela em que
os 67 navios de guerra, de transporte e de carga aportaram no Recife:
15 de fevereiro de 1630. A partir daquele dia, e nos 24 anos
seguintes, a Holanda dominaria parte do território do Nordeste
brasileiro, de Sergipe ao Maranhão, fazendo da capital pernambucana,
por suas terras planas e alagadiças, como as de Amsterdã, a capital
de seu império nas Américas.
Se algum dia os escafandristas, num futuro improvável, explorassem a
casa de Chico Buarque, seu quarto, suas coisas, sua alma, desvãos,
talvez encontrassem nele um artista da trupe que desembarcou no Brasil
com os holandeses. Chico seria um ótimo narrador daquele período
histórico.
Com a chegada do conde Maurício de Nassau, em 1637, vieram artistas
como Frans Post e Albert Eckhout, arquitetos como Pieter Post, astrônomos
como Georg Marcgraf e médicos naturalistas como Wileem Piso. Por que
não um bardo como Francisco Buarque? Ele se arriscou na vida de seus
ascendentes uma única vez, em 1973, com a peça Calabar, censurada
pelo regime militar. Nascido na cidade de Porto Calvo, então
Pernambuco, tal qual um dos parentes distantes de Chico, Domingos
Fernandes Calabar foi um dos primeiros brasileiros a se alistar contra
os holandeses. Lutou sob as ordens de Mathias de Albuquerque, no
Arraial de Bom Jesus. O próprio Mathias assinaria a sentença de
morte dele, em 1635, três dias depois da capitulação holandesa. Até
hoje paira a polêmica: Calabar foi ou não traidor?
O Brasil de Calabar brota nas ramificações da árvore genealógica
do maior compositor brasileiro vivo. Há nela duas mulheres de nome
Maurícia e um Maurício, homenagem a Maurício de Nassau. Muitos
pernambucanos, desde a invasão holandesa, ganharam no nome e no
sobrenome o Van Der Ley, transformado depois em Wanderlei. Eles também
estão nos galhos genealógicos e nos atuais catálogos telefônicos
de Pernambuco. O funcionário público aposentado Milton Wanderley
conta que um primo decidiu desenhar uma vasta árvore da família
depois que, na década de 40, numa brincadeira entre o jornalista
Assis Chateaubriand, o folclorista Luis da Câmara Cascudo e esse
primo, Walter Wanderley, surgiu uma aposta. As duas celebridades
apostaram que a família de Walter descendia de judeus holandeses.
Fez-se a árvore, nasceu o livro A Família Wanderley e Walter perdeu
dinheiro. A curiosidade: tanto os Wanderley quanto os Buarque de
Hollanda descendem do ramo do capitão Van Der Ley, que casou com
Maria há quatro séculos.
"Os monumentos históricos do século XVII foram destruídos, mas
temos uma herança cultural daquele tempo", diz o arquiteto José
Luis da Mota Menezes, do Instituto Geográfico e Arqueológico de
Pernambuco. "A riqueza da música pernambucana, por exemplo, é
resultado das influências históricas dos holandeses, franceses,
ingleses, poloneses e russos que vieram com a invasão." Essa
influência corre no sangue holandês de Chico Buarque.
Lula
Portela, do Recife
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