O Rolo de Cobre (3Q15) - que tem de ser cortado para ser aberto, de tão oxidado que está - fala de um tesouro escondido em 64 lugares diferentes da Palestina, em ouro, prata, perfumes etc. O montante alcançaria a fabulosa quantia de 65 toneladas de prata e 26 toneladas de ouro.
Seria um tesouro de fato ou só uma ficção? Até hoje nada foi achado deste pretenso tesouro. Os estudiosos se dividem na suas opiniões: seria um tesouro da comunidade de Qumran? Ou pertenceria ao Templo de Jerusalém? Neste último caso, quando e porquê o documento vai parar em Qumran?.
4QMMT pode parecer meio esotérico, mas é apenas a sigla de Miqsat Ma'aseh ha-Torah ou "Alguns dos Preceitos da Torá", também conhecida como "Carta Halákica". Seis cópias deste escrito são encontradas na gruta 4.![4QMMT - Alguns dos Preceitos da Torá](http://www.airtonjo.com/images/sm_torah_b.gif)
"Os editores sugeriram que se trata de uma carta do grupo de Qumran, talvez redigida pelo Mestre da Justiça e seus companheiros, dirigida a seus oponentes em Jerusalém, incluindo o sumo sacerdote (= o Sacerdote Ímpio). O propósito da carta era esmiuçar as diferenças entre os dois partidos e convocar os oponentes para uma retificação da vida", comenta J. C. Vanderkam.
A carta é de grande importância para a compreensão dos essênios, pois apresenta 22 pontos da Lei em que os dois partidos divergem. A carta termina do seguinte modo: "E também nós te escrevemos alguns dos preceitos da Torá que pensamos bons para ti e para o teu povo, pois vimos em ti inteligência e conhecimento da Torá. Considera todas estas coisas e busca diante dele que ele confirme o teu conselho e afaste de ti a maquinação malvada e o conselho de Belial, de maneira que possas alegrar-te no final do tempo no descobrimento de que algumas de nossas palavras são verdadeiras. E te será contado em justiça quando fizeres o que é reto e bom diante dele, para o teu bem e o de Israel" (4QMMT 112-118)
A leitura, tradução e publicação dos manuscritos mais ou menos completos não é um grande problema para os especialistas. Mesmo os fragmentos das grutas menores são publicados até os anos 70.
O problema está nos milhares de fragmentos de mais de 500 manuscritos da gruta 4. A maioria está muito deteriorada: corroídos, curvados, enrugados, retorcidos, cobertos por mofo e elementos químicos.
Para trabalhar nestes fragmentos é constituída em 1952 uma equipe internacional no Museu Arqueológico da Palestina, em Jerusalém Oriental, pertencente à Jordânia.
O chefe da equipe é o dominicano R. de Vaux. Com ele trabalham Frank Moore Cross, americano, presbiteriano; J. T. Milik, polonês, católico; John Allegro, inglês, agnóstico; Jean Starcky, francês, católico; Patrick Skehan, americano, católico; John Strugnell, inglês, presbiteriano; Claus-Hunno Hunziger, alemão, luterano. Predominam especialistas de Harvard (USA), École Biblique (Jerusalém) e Oxford (Inglaterra).
"Ficou aparentemente entendido que esses pesquisadores possuíam o direito oficial de publicar os textos de seus respectivos quinhões. Na lista, era óbvia, e foi nitidamente percebida, a ausência do nome de qualquer pesquisador judeu. O governo jordaniano insistiu em que nenhum judeu fosse incluído na equipe".
Os trabalhos avançam em bom ritmo, já que são financiados por J. D. Rockfeller Jr., magnata americano. Mas, dois fatos intervêm: morre Rockfeller e Israel, na Guerra dos Seis Dias, em 1967, anexa Jerusalém Oriental e toma o Museu Arqueológico da Palestina onde estão os manuscritos da gruta 4. O projeto de publicação perde o compasso.
Com a morte de R. de Vaux em setembro de 1971, a função de editor-geral passa para seu colega dominicano Pierre Benoit, que por sua vez, ao morrer em 1987, passa o cargo para John Strugnell. Durante todos estes anos, a equipe continua pequena. Quando um pesquisador morre ou se retira, é substituído por outro e pronto. Strugnell, porém, lutará por duas coisas: pela expansão do pequeno grupo original encarregado dos manuscritos e pela inclusão neste equipe de pesquisadores judeus.
Entretanto, cresce no meio acadêmico mundial a insatisfação com a demora na publicação dos documentos. Alguns nomes se destacam neste protesto: Robert Eisenman, da Universidade do Estado da Califórnia e Philip Davies da Sheffield University, Inglaterra. Eles tentam o acesso aos manuscritos, mas são barrados por J. Strugnell. É então que entra em cena Hershel Shanks, fundador da Biblical Archaeology Society. Através da Biblical Archaeology Review, ele inicia, a partir de 1985, poderosa campanha em favor do livre acesso dos pesquisadores aos manuscritos ainda não publicados.
Após polêmica entrevista aos jornais, em dezembro de 1990, John Strugnell é demitido do cargo pela Israel Antiquities Authority (IAA), que indica Emanuel Tov como editor-chefe e amplia a equipe para cerca de 50 pesquisadores.
Contudo, dois novos fatos mudam o rumo das coisas. Em setembro de 1991 Ben Zion Wacholder e Martin Abegg do Hebrew Union College, em Cincinati, publicam A Preliminary Edition of the Unpublished Dead Sea Scrolls. Baseados no glossário elaborado pelos pesquisadores oficiais, e utilizando um computador, os dois estudiosos reconstroem textos inteiros da gruta 4. No mesmo mês, a Biblioteca Huntigton, de San Marino, Califórnia, que possui as fotos de todos os manuscritos, coloca a coleção à disposição dos estudiosos.
Em novembro de 1991 a Biblical Archaeology Society publica a Edição Fac-símile dos Manuscritos do Mar Morto, com cerca de 1800 fotografias dos manuscritos.
Neste meio tempo a IAA autoriza aos fotógrafos o acesso aos manuscritos. Estas fotografias estão disponíveis em 5 lugares: Jerusalém, Claremont e San Marino (as duas últimas na Califórnia), Cincinati e Oxford. E, finalmente, em 1993, sob os auspícios da IAA, sai a edição completa em microfilmes de todos os manuscritos do Mar Morto: The Dead Sea Scrolls on Microfiche. A Comprehensive Facsimile Edition of the Texts from the Judaean Desert, edited by Emanuel Tov with the collaboration of Stephen J. Pfann, E. J. Brill-IDC, Leiden 1993.
No Brasil temos a importante obra de Florentino García Martínez, Textos de Qumran, Petrópolis, Vozes, 1995, 582 pp. É uma acurada tradução dos 250 textos mais importantes de Qumran. A tradução do espanhol para o português é do exegeta Valmor da Silva.
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É preciso assinalar que em nenhum dos manuscritos até agora publicados aparece a palavra "essênio". Este termo vem, provavelmente, do hebraico hassidim (= os piedosos), em aramaico hassayya, em grego essaioi ou essênoi, daí "essênios".
Embora a quase totalidade dos estudiosos identifique a comunidade de Qumran com os essênios, são, às vezes, sugeridas outras possibilidades. Há a hipótese caraíta, judeu-cristã, zelota, saducéia e farisaica.
O grupo caraíta é fundado em Bagdá no séc. VIII d.C. pelo rabino Anan ben Davi, que proclama uma volta à Escritura. O termo vem de caraim, "leitores (da Escritura)", pois em hebraico qara é "ler". "Etimologicamente, os caraítas são, pois, os 'biblistas' ou 'especialistas da Escritura'; isso eles o seriam também historicamente".
Graças à afinidade existente entre a teologia da comunidade de Qumran e os caraítas é que se levanta a hipótese caraíta. Mas é uma idéia sem fundamento histórico algum.
Assim como os cristãos primitivos, a comunidade de Qumran se autodenomina, às vezes, os "pobres" (=ebionim). Daí alguns acharem que ali vivem os ebionitas, seita judaico-cristã. Só que os dados da arqueologia e da paleografia contradizem tal hipótese.
Em Massada os arqueólogos descobrem uma cópia de uma obra de Qumran, o que levanta a possibilidade, segundo alguns, de serem zelotas os habitantes de Qumran. Entretanto, é bem mais viável pensar que alguns essênios tenham se reunido aos zelotas que resistem aos romanos em Massada até 73 d.C. Daí a obra ter ido parar lá.
A hipótese saducéia quase não encontra apoio, pois em relação à helenização saduceus e qumranitas estão em posições opostas. Sem mencionar as profundas divergências teológicas.
Por último, a hipótese farisaica é colocada a partir das muitas semelhanças da comunidade de Qumran com o grupo dos fariseus. Mas isto se explica pela provável entrada maciça de fariseus na comunidade por ocasião das perseguições de João Hircano I.
O testemunho dos autores antigos sobre os essênios é importante para a identificação da comunidade de Qumran. Localização geográfica, valores, modo de vida etc dos essênios são descritos pelos judeus Flávio Josefo e Fílon de Alexandria e pelos romanos Plínio, o Velho, e Solino.
É Flávio Josefo quem nos diz que: "Existem, com efeito, entre os judeus, três escolas filosóficas: os adeptos da primeira são os fariseus; os da segunda, os saduceus; os da terceira, que apreciam justamente praticar uma vida venerável, são denominados essênios: são judeus pela raça, mas, além disso, estão unidos entre si por uma afeição mútua maior que a dos outros".
Na mesma direção vai Fílon de Alexandria, que diz: "A Síria Palestina, que ocupa uma parte importante da populosa nação dos judeus, não é, também ela, estéril em virtude. Alguns deles, que somam mais de quatro mil, são denominados essênios".
Plínio, o Velho nos oferece precioso dado para a localização dos essênios em Qumran: "Na parte ocidental do mar Morto os essênios se afastam das margens por toda a extensão em que estas são perigosas. Trata-se de um povo único em seu gênero e admirável no mundo inteiro, mais que qualquer outro: sem nenhuma mulher e tendo renunciado inteiramente ao amor; sem dinheiro e tendo por única companhia as palmeiras. Dia após dia esse povo renasce em igual número, graças à grande quantidade dos que chegam; com efeito, afluem aqui em grande número aqueles que a vida leva, cansados das oscilações da sorte, a adotar seus costumes (...) Abaixo desses ficava a cidade de Engaddi, cuja importância só era inferior à de Jericó por sua fertilidade e seus palmeirais, mas que se tornou hoje um montão de ruínas. Depois vem a fortaleza de Massada, situada num rochedo, não muito distante do mar Morto".
A. G. Lamadrid observa que "a descrição de Plínio corresponde perfeitamente às ruínas de Qumran, que se encontram a uns dois quilômetros a ocidente do mar Morto e também alguns quilômetros ao norte da antiga cidade de Engaddi".
Solino, do séc. III d.C., que tira parte de seu material de Plínio, diz o seguinte: "O interior da Judéia que se estende para o ocidente é ocupado pelos essênios. Estes, seguidores de rígida disciplina, se separaram dos costumes de todos as outras nações, tendo sido destinados a este modo de vida pela divina providência. Nenhuma mulher se encontra entre eles e eles renunciaram ao sexo completamente. Eles desconhecem o dinheiro e vivem entre palmeiras. Ninguém nasce entre eles, entretanto seu número não diminui. O local é destinado à castidade. Ali reúnem-se pessoas de várias nações; entretanto, ninguém que não tenha uma reputação de castidade e inocência é ali admitido. Aquele que cometer a menor falta, embora faça o maior esforço para ser admitido, é mantido afastado por ordem divina. Assim, ao longo de tantas eras (é difícil de se crer), uma raça onde não há nascimentos vive para sempre. Logo abaixo dos essênios existia a cidade de Engaddi, mas ela foi arrasada".
Tanto Flávio Josefo quanto Fílon de Alexandria noticiam a opção celibatária e a vida comunitária dos essênios, o que os manuscritos de Qumran confirmam - pelo menos para uma parte da organização - como veremos adiante: "Os essênios repudiam os prazeres como um mal e consideram como virtude a continência e a resistência às paixões. Eles desprezam, para si mesmos, o casamento; mas adotam os filhos dos outros numa idade ainda bastante tenra para receberem seus ensinamentos: eles os consideram como se fossem de sua família e os moldam de acordo com os seus costumes".
Fílon diz que na comunidade dos essênios "existem apenas homens de idade madura e inclinados já para a velhice, que não são mais dominados pelo fluxo do corpo nem arrastados pelas paixões, mas que gozam da liberdade verdadeira e realmente única".
Fílon acredita que os essênios não se casam porque isto ameaçaria a sua vida comunitária, dado, segundo sua opinião, o caráter de semeadora de discórdias que predomina nas mulheres: "Por outro lado, prevendo com perspicácia o obstáculo que ameaçaria, seja por si só, seja de modo mais grave, dissolver os laços da vida comunitária, eles baniram o casamento, ao mesmo tempo em que prescreveram a prática de uma perfeita continência".
Sobre a vida comunitária dos essênios diz Flávio Josefo que os seus bens são igualmente divididos, evitando que haja pobres e ricos, o que é confirmado pelos documentos da comunidade: "Com efeito, trata-se de uma lei: aqueles que entram para o grupo entregam seus bens à comunidade, de tal forma que entre eles não se vê absolutamente nem a humilhação da pobreza nem o orgulho da riqueza, já que as posses se encontram reunidas, não existindo para todos senão um único haver, como ocorre entre irmãos".
Há ainda muitos outros testemunhos interessantes sobre os essênios, especialmente de Flávio Josefo, que veremos oportunamente.
Se a comunidade que vive em Qumran é composta pelos essênios, é possível reconstruir a sua história, que se situa entre os séculos II a.C. e I d.C. Além dos testemunhos antigos contamos com os manuscritos da comunidade e os resultados das escavações de Khirbet Qumran.
Tudo indica que quando o macabeu Jônatas assume o sumo sacerdócio em Jerusalém começa a crise. Como sabemos, os assideus lutam lado a lado com os Macabeus contra a aristocracia filo-helênica, a partir de 167 a.C..
Mas quando estes, que não são sadoquitas, se apossam do sumo sacerdócio, um sacerdote sadoquita do Templo, conhecido nos manuscritos apenas como Mestre da Justiça (Môreh hasedeq) rompe com os Macabeus e lidera um grupo de sacerdotes e assideus que se afasta de Jerusalém.
O Documento de Damasco comenta esta aliança e conseqüente ruptura: "E no tempo da ira, aos trezentos e noventa anos após tê-los entregue nas mãos de Nabucodonosor, rei da Babilônia, visitou-os e fez brotar de Israel e de Aarão um broto da plantação para possuir a sua terra e para engordar com os bens de seu solo. E eles compreenderam sua iniqüidade e souberam que eram homens culpáveis; porém eram como cegos e como quem às apalpadelas busca o caminho durante vinte anos. E Deus considerou suas obras porque o buscavam com coração perfeito, e suscitou para eles um Mestre de Justiça para guiá-los no caminho de seu coração" (CD I, 5-11).
Trezentos e noventa anos após a destruição de Jerusalém por Nabucodonosor ocorrida em 586 a.C., nos colocaria no ano 196 a.C. e não combina com a época dos Macabeus, quando teria surgido o grupo essênio. Mas somando-se aos 390 anos mais 20 anos, durante os quais a comunidade anda às cegas, depois mais 40 anos, que representam o tempo simbólico entre a morte do Mestre da Justiça e a chegada da era messiânica, chega-se a 450 anos. Some-se a isto os simbólicos 40 anos de atividade do Mestre e temos 490 anos ou 70 x 7 anos que, segundo o livro de Daniel, representam o tempo decorrido entre a intervenção destruidora de Nabucodonosor e o advento salvador do Messias. Ou seja: 390 anos (ou 490) é uma quantia simbólica, uma afirmação teológica apenas e não serve para datar coisa alguma.
Mas há outros dados neste texto que nos oferecem algum ponto de apoio histórico. O "tempo da ira" só pode ser a crise da época de Antíoco IV Epífanes.
A "raiz que brota de Israel e Aarão" é uma referência aos leigos e sacerdotes que compõem a comunidade essênia, e os "vinte anos" nos quais se comportam como cegos pode ser uma avaliação do período de aliança dos assideus com os Macabeus, anteriores ao surgimento do Mestre da Justiça.
De uma passagem da Regra da Comunidade se deduz que os líderes deste grupo são sacerdotes sadoquitas: "Esta é a regra para os homens da comunidade que se oferecem voluntariamente para converter-se de todo mal e para manter-se firmes em tudo o que ordena segundo a sua vontade. Que se separem a congregação dos homens da iniqüidade para formar uma comunidade na lei e nos bens, e submetendo-se à autoridade dos filhos de Sadoc, os sacerdotes que guardam a aliança, e à autoridade da multidão dos homens da comunidade, os que se mantêm firmes na aliança" (1QS V, 1-3).
Também os fragmentos de uma antologia de bênçãos (1QSb), originalmente anexadas à Regra da Comunidade, falam da liderança dos sacerdotes sadoquitas entre os essênios: "Palavras de Bênção. Do Instrutor. Para abençoar] os filhos de Sadoc, os sacerdotes que Deus escolheu para si para reforçar sua aliança para [sempre, para distribuir todos os seus juízos em meio ao seu povo, para instruí-los conforme o seu mandato. Eles estabeleceram na verdade [sua aliança] e inspecionaram na justiça todos os seus preceitos, e andaram de acordo com o que ele escolhe" (11QSbIII, 22-25).
Além do Documento de Damasco, alguns comentários bíblicos de Qumran falam do Mestre da Justiça. O enquadramento histórico do Mestre da Justiça é importante para se reconstruir a história da comunidade, pois ele é apresentado como a figura mais importante entre os essênios e quase certamente é o seu fundador.
Explicando o Sl 37,23-24 diz um escrito de Qumran: "Pois por YHWH são assegurados [os passos do homem;] ele se deleita em seu caminho: embora tropece [não] cairá, pois YHWH [sustenta sua mão]. Sua interpretação se refere ao Sacerdote, o Mestre de [Justiça, a quem] Deus escolheu para estar [diante dele, pois] o estabeleceu para construir por ele a congregação [de seus eleitos] [e endireitou o seu caminho, em verdade" (4QpSlaIII, 14-17).
No Comentário de Habacuc se lê interessante aplicação de Hab 1,13b: "Por que contemplais, traidores, e guardais silêncio quando devora um ímpio alguém mais justo que ele? Sua interpretação se refere à Casa de Absalão e aos membros de seu conselho, que se calaram quando da repreensão do Mestre de Justiça e não o ajudaram contra o Homem de Mentira, que rejeitou a Lei em meio a toda a sua comunidade]" (1QpHab V,8-12).
Ainda no mesmo Comentário de Habacuc aparecem outros dados interessantes na explicação de Hab 2,8b: "Pelo sangue humano [derramado] e a violência feita ao país, à cidade e a todos os seus habitantes. Sua interpretação se refere ao Sacerdote Ímpio, posto que pela iniqüidade contra o Mestre de Justiça e os membros de seu conselho o entregou Deus nas mãos de seus inimigos para humilhá-lo com um castigo, para aniquilá-lo com a amargura da alma por ter agido impiamente contra os seus eleitos" (1QpHab IX, 8-12).
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Quem é o "Homem da Mentira" que despreza a Lei, o "Sacerdote Ímpio" que persegue o Mestre da Justiça e seu grupo, a "Casa de Absalão" que omite necessário socorro ao perseguido?
Em 1QpHab VIII, 8-13 se diz ainda que o Sacerdote Ímpio no começo foi chamado por seu verdadeiro nome mas que "quando dominou sobre Israel se envaideceu seu coração, abandonou a Deus e traiu as leis por causa das riquezas. E roubou e amontoou as riquezas dos homens violentos que se haviam rebelado contra Deus. E tomou as riquezas públicas, acrescentando sobre si um pecado grave. E cometeu atos abomináveis em toda espécie de impureza imunda".
Com todas estas características o candidato mais provável a "Sacerdote Ímpio" é o macabeu Jônatas que, além de ser líder político e militar do povo judeu apossa-se do sumo sacerdócio. E morre prisioneiro do general Trifão (1Mc 12,48-53), o que o Comentário de Habacuc interpreta como castigo por ter perseguido o Mestre da Justiça.
Parece possível, assim, colocar o surgimento dos essênios durante o governo de Jônatas (160-143 a.C.).
Ao romper com Jônatas, o Mestre da Justiça parte para o exílio, como diz um texto dos Cânticos de Louvor, obra atribuída ao fundador da comunidade: "Pois me expulsam de minha terra como a um pássaro do ninho; todos os meus amigos e meus conhecidos foram distanciados de mim, e me consideram como um cântaro quebrado" (1QHa XII, 8-9).
Aqui não se sabe se o Mestre da Justiça e seu grupo refugia-se imediatamente em Qumran ou se vai para o exterior, para Damasco. É que o Documento de Damasco refere-se a uma permanência dos homens de Aarão (sacerdotes) e de Israel (leigos) que permanecem fiéis à Lei na "terra de Damasco" (CD VI,5); ou se diz que eles "escaparam para a terra do norte" (CD VII, 14).
Alguns autores acham que o movimento essênio começa quando os partos invadem a Babilônia em 141-140 a.C. e muitos judeus emigram para algum lugar próximo a Damasco. O grupo do Mestre da Justiça ter-se-ia reunido a estes judeus na região de Damasco para fugir dos Macabeus que controlam a Judéia. Só mais tarde teriam passado a morar em Qumran.
Outros acreditam que a "terra de Damasco" seja apenas um jeito simbólico para falar de Qumran. É que o CD VII, 14-21, que fala de Damasco, se inspira em Am 5,26-27 onde, de uma ameaça no texto original, os essênios desenvolvem uma promessa de salvação, modificando o texto bíblico.
O Homem da Mentira mencionado nos manuscritos, pode ser alguém do grupo que se opõe, em determinado momento, ao Mestre da Justiça, e que se retira levando consigo certo número de adeptos.
Segundo F. García Martínez, elaborador da "Hipótese de Groningen", "tanto o fundador da comunidade qumrânica, o Mestre da Justiça, como o seu oponente neste conflito, o Mentiroso, foram anteriormente membros de uma mesma comunidade, e que na disputa entre ambos apenas uma pequena minoria tomará partido pelo Mestre da Justiça. Em minha opinião, a melhor maneira de compreender a indubitável relação que existe entre o movimento essênio e a comunidade qumrânica é aceitar que o grupo de Qumran se origina precisamente mediante uma ruptura ocasionada dentro do movimento essênio do qual seus membros fundadores tomavam parte".
Neste primeiro momento, seja antes de se estabelecer em Qumran, seja depois, o Mestre da Justiça é perseguido pelo "Sacerdote Ímpio", pois diz 1QpHab XI, 2-8 explicando Hab 2,15: "Ai do que embriaga o seu próximo, do que transtorna o seu furor! Inclusive o embriaga para observar suas festas! Sua interpretação se refere ao Sacerdote Ímpio, que perseguiu o Mestre de Justiça para devorá-lo com o furor de sua ira no lugar de seu desterro, no tempo da festa, no descanso do dia das Expiações. Apresentou-se diante deles para devorá-los e fazê-los cair no dia do jejum, o sábado de seu descanso".
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A pesquisa arqueológica de Khirbet Qumran revela, enfim, que o primeiro período da ocupação essênia começa por volta de 135 a.C. e vai até o ano 31 a.C. A ocupação parece ter sido lenta até por volta de 110 a.C. quando há um avanço considerável.
Inicialmente os essênios se estabelecem sobre as ruínas da chamada "cidade do sal" (Js 15,62) que fora construída por Josafá (871/0-848 a.C.) ou por Ozias (767-739 a.C.).
O macabeu João Hircano I (134-104 a.C.) entra em conflito com os fariseus e se alia aos saduceus mais para o fim de seu governo. Acredita-se que os fariseus tenham se refugiado em grande número entre os essênios de Qumran, pois a sede da comunidade é notavelmente aumentada.
A partir do ano 31 a.C., e durante uns 30 anos, Qumran é abandonado. Um terremoto devasta a região e os arqueólogos encontram seus sinais nos edifícios da comunidade. É possível que seja esta a causa da retirada dos essênios, não se sabe para onde, embora alguns estudiosos pensem que a causa seja uma possível perseguição de Herodes Magno à comunidade.
A atitude de Herodes Magno (37-4 a.C.) em relação aos essênios é interpretada de modo diverso pelos especialistas. Alguns acreditam que ele lhes seja favorável, pois Flávio Josefo diz que o rei idumeu fora legitimado por um essênio. Deste modo, durante o seu governo ele lhes teria garantido sua reintegração nas cidades judaicas, razão pela qual eles teriam abandonado Qumran.
Outros pensam que o abandono de Qumran pode ter sido motivado por algum conflito entre Herodes e os essênios, pois o rei passa longas temporadas em seu palácio de Jericó, cidade que fica bem próxima da sede da comunidade.
De qualquer modo, sempre a partir dos dados arqueológicos, sabe-se que o segundo período de ocupação de Qumran pelos essênios começa durante o reinado de Arquelau (4 a.C. - 6 d.C.) e termina violentamente em junho de 68 d.C. Nesta data, as tropas de Vespasiano se apossam de Qumran, destruindo tudo. Os arqueólogos encontram flechas no edifício e cinzas de um grande incêndio que devora a sede da comunidade.
Acredita-se que tenha sido nesta ocasião, em fins de maio e começo de junho, que os essênios escondem seus preciosos manuscritos nas grutas vizinhas. O que evita a sua perda total, pois os essênios desaparecem, então, definitivamente.
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Dissemos antes que os habitantes de Qumran não se autodenominam "essênios". Então, como é que eles chamam a sua organização?
Nos manuscritos o nome mais utilizado para indicar o grupo é yahad, "comunidade", que só na 1QS aparece mais de 60 vezes. A Regra leva este título, como aparece em 1QS I,1: "Para [o Instrutor...] ... [livro da Regra da Comunidade (serek hayahad) : para buscar a Deus [com todo o coração e com toda a alma..."
A Regra da Comunidade tem dois anexos, um dos quais é chamado de Regra da Congregação, sendo o termo 'adah, "congregação" outra autodenominação do grupo de Qumran. 1QSa usa-o 21 vezes. Diz 1QSa I,1: "Esta é a Regra para toda a Congregação (haserek lekol 'adat) de Israel nos últimos dias...".
Além destes dois termos, os qumranitas se autodesignam também como 'asah, "conselho" (1QS I,8.10;2,25 etc), sod, yasod, mosad, "assembléia", "sociedade" e harabbim, "os numerosos", "os muitos". Além de "os santos", "resto", comunidade da "nova aliança" e outros semelhantes.
Na organização interna da comunidade de Qumran observa-se a predominância dos sacerdotes (= filhos de Aarão) sobre os leigos, como exemplifica 1QS IX,7-8 que diz: "Só os filhos de Aarão terão autoridade em matéria de juízo e de bens, e sua palavra determinará a sorte de toda disposição dos homens da comunidade e dos bens dos homens de santidade que caminham na perfeição".
O órgão supremo de governo da comunidade, com poder judicial e executivo é a "assembléia dos numerosos" (môshab harabbim), descrita em 1QS VI, 8-13. Essa assembléia reúne-se para discutir a Lei, os negócios da comunidade, acolher ou rejeitar novos membros, ouvir as acusações contra os culpados de alguma transgressão etc.
Mais restrito que essa grande assembléia é o "Conselho da Comunidade", composto por doze leigos e três sacerdotes, como diz 1QS VIII, 1: "No conselho da comunidade haverá doze homens e três sacerdotes, perfeitos em tudo o que tiver sido revelado de toda a lei..."
É possível que estes doze leigos representem as doze tribos de Israel, enquanto os três sacerdotes representariam as três famílias sacerdotais descendentes de Levi, através de Gérson, Cat e Merari (Cf Gn 46,11). Mas a sua função não é bem conhecida. Seriam estes homens uma elite especial na comunidade? Ou um quorum mínimo de liderança do grupo? Se a Regra da Comunidade tem vários níveis redacionais, como crêem alguns, este Conselho poderia representar o primeiro estágio de formação da comunidade de Qumran, que teria evoluído para uma organização mais complexa nos decênios seguintes.
Os documentos falam também das comunidades-base que são compostas por dez membros, e nas quais deve haver um sacerdote para aconselhar e um especialista na Lei para instruir os companheiros. É o que diz 1QS VI, 3-7, do qual cito trechos: "Em todo lugar em que houver dez homens do conselho da comunidade, que não falte entre eles um sacerdote; cada qual, segundo a sua categoria, sentar-se-á diante dele, e assim se lhe pedirá o seu conselho em todo assunto (...) E que não falte no lugar em que se encontram os dez um homem que interprete a lei dia e noite, sempre, sobre as obrigações de cada um para com seu próximo".
O responsável por toda a comunidade é o mebaqqer, "inspetor" (1QS VI, 12.14.20), às vezes chamado de paquid, "presidente". Ele é o administrador dos bens da comunidade, e aquele que ensina e guia. Ele preside a assembléia geral. Há também o maskîl, "instrutor", dedicado à formação espiritual.
O sistema de admissão na comunidade é bastante rigoroso. Temos as informações da Regra da Comunidade e de Flávio Josefo sobre o assunto.
O candidato, que deve ser israelita, passa inicialmente por um rigoroso exame feito pelo líder da comunidade "quanto a seu entendimento e a seus atos". Se for considerado apto, ele é instruído nas regras da comunidade e viverá como um deles durante um ano, mas fora da comunidade.
Após esse ano, caso seja aprovado pela assembléia, o candidato ingressa na comunidade, mas durante um ano inteiro não participa de suas refeições comuns nem da comunhão de bens. É um tempo de aprendizado, certamente guiado pelo "instrutor".
Ao término desse segundo ano, inicia o candidato um terceiro ano no qual entrega seus bens ao tesoureiro da congregação e continua sua formação, mas ainda sem participação integral.
No fim desses três anos, se aceito pela assembléia, o candidato passa a participar integralmente da comunidade, com direito às purificações rituais, banquete, voz e voto nas assembléias e comunhão de bens.
Mas, como é que a comunidade se vê, qual é seu ideal? 1QS I, 1- 11 diz que "os santos" ingressam no grupo e vivem de acordo com a Regra da Comunidade "Para buscar a Deus [com todo o coração e com toda a alma; para] fazer o que é bom e o que é reto em sua presença, como ordenou pela mão de Moisés e pela mão de todos os seus servos os Profetas; para amar tudo o que ele escolhe e odiar tudo o que ele rejeita; para manter-se distante de todo mal, e apegar-se a todas as boas obras; para operar a verdade, a justiça e o direito na terra, e não caminhar na obstinação de um coração culpável e de olhos luxuriosos fazendo todo mal; para admitir na aliança da graça todos os que se oferecem voluntariamente para praticar os preceitos de Deus, a fim de que se unam no conselho de Deus e caminhem perfeitamente em sua presença, de acordo com todas as coisas reveladas sobre os tempos fixados de seus testemunhos; para amar a todos os filhos da luz, cada um segundo o seu lote no plano de Deus, e odiar a todos os filhos das trevas, cada um segundo a sua culpa na vingança de Deus".
Segundo os arqueólogos, vivem em Qumran entre 150 e 200 pessoas. Em dois séculos de existência da comunidade deve viver ali cerca de 1.200 pessoas. A partir das ferramentas encontradas e das instalações escavadas sabe-se que eles cultivam a terra - no estabelecimento agrícola de Ain Feshka, ao sul das ruínas - fazem cerâmica, curtem peles e copiam manuscritos. Além disso, 1Q VI,2-3 diz que eles comem juntos, rezam juntos e deliberam juntos.
A quebra da ordem interna, pela desobediência às regras da comunidade, é duramente punida. As penalidades vão desde 10 dias de punição - com simples exclusão de rituais da vida comum - até a expulsão definitiva da comunidade. Os crimes mais graves são a transgressão de qualquer ponto da Lei mosaica, o uso do nome de Deus, a calúnia contra a congregação e a obstinação continuada de alguém no erro, mesmo após muitos anos de vida comunitária.
Os essênios não vivem apenas em Qumran. Muitos habitam cidades e aldeias da Palestina, espalhando-se por todo o país em "acampamentos", como diz o Documento de Damasco. É possível que o movimento essênio seja anterior ao surgimento da comunidade de Qumran, que talvez represente apenas um de seus ramos.
Flávio Josefo já nos diz que eles "Não têm uma cidade única, mas em cada cidade compõem com alguns outros uma colônia".
E Fílon traz a seguinte informação: "Eles habitam numerosas cidades da Judéia e também diversas aldeolas e agrupamentos com grandes efetivos".
Em Qumran os essênios vivem em regime de celibato, mas as outras comunidades não, pois diz o Documento de Damasco: "E se habitam nos acampamentos de acordo com a regra da terra e tomam mulheres e engendram filhos, caminharão de acordo com a lei e segundo a norma das instruções, segundo a regra da lei que diz: 'Entre um homem e sua mulher, e entre um pai e seu filho'" (CD VII, 6-9).
Diz a Regra da Congregação que o membro da comunidade deve se casar aos 20 anos de idade: "À idade de vinte a[nos passará] [entre] os alistados para entrar no lote em meio à sua família para unir-se à congregação santa. Não se [aproximará] de uma mulher para conhecê-la por ajuntamento carnal até que tenha cumprido os vinte anos, quando conheça [o bem e] o mal. Então ele será recebido para dar testemunho sobre os preceitos da lei e para ocupar o seu lugar na proclamação dos preceitos" (1QSa I,8-11).
Além disso, no Documento de Damasco nunca se fala da mesa comum nem do banquete sagrado, tão importantes em Qumran. Por outro lado, admite a propriedade privada (CD IX, 10-16), sendo entregue ao "inspetor" apenas o ganho de dois dias por mês. Em Qumran há total ruptura com o Templo de Jerusalém, enquanto que o Documento de Damasco regulamenta o envio de oferendas e sacrifícios ao Templo e dá normas sobre como se comportar durante a permanência em Jerusalém (CD XI, 19-XII, 2).
Para entrar na comunidade de "Damasco" basta a entrevista com o inspetor geral e um juramento (CD XIV,11; XV,5-7). E além dos sacerdotes e leigos, como em Qumran, o Documento de Damasco fala em prosélitos.
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Explicitar a teologia dos essênios não é tarefa fácil, pois os manuscritos não trazem uma exposição teológica sistemática. Além do que, corre-se o risco de se fazer teologia segundo os modelos clássicos da dogmática cristã (Deus, criação, messianismo, escatologia etc), o que não corresponde exatamente aos padrões judaicos.
De modo simples, abordarei apenas três aspectos da mundivisão essênia:
a) como a comunidade essênia avalia a realidade atual?
b) quais são as práticas da comunidade?
c) quais são as expectativas da comunidade em relação ao futuro?
Os essênios se vêem como a comunidade da nova aliança, como o resto de Israel, os santos que permanecem fiéis a Deus, certamente inspirados em Jr 31,31-34 , que propõe uma nova aliança, porque o projeto original faliu.
Isto é bem claro no Documento de Damasco, que trata das normas a serem seguidas pelos "membros da nova aliança na terra de Damasco" (CD VI,19) ou dos "homens que ingressam na nova aliança na terra de Damasco" (CD VIII,21).
Na Regra da Comunidade, quando se fala do ingresso no grupo e de seus ideais, é marcante o fato de que os essênios se vejam como os justos, os santos, guiados por Deus, que seguem os preceitos da Lei mosaica. Em contraposição, os outros são os ímpios, guiados por Satanás, que pervertem a Lei (1QS I-II).
Mas um dos textos mais reveladores de sua visão de mundo é o trecho da Regra da Comunidade que trata dos dois espíritos.
Segundo o documento, Deus cria o homem com dois espíritos, com os quais ele deve conviver: o espírito da verdade que nasce de uma fonte de luz e o espírito da falsidade, que nasce de uma fonte de trevas. "Ele criou o homem para governar o mundo e designou-lhe dois espíritos com os quais deverá caminhar até o advento de seu juízo final: o espírito da verdade e o espírito da falsidade. Os nascidos na verdade brotam de uma fonte de luz, mas os que nascem da falsidade brotam de uma fonte de trevas. O príncipe da luz governa todos os filhos da justiça que andam pelos caminhos da luz, mas o anjo das trevas governa os filhos da falsidade que caminham pelos caminhos das trevas" (1QS III,17-21).
Os filhos da justiça, que andam pelos caminhos da luz, têm um espírito de humildade, paciência, amor fraterno, bondade, compreensão, inteligência, discernimento, zelo pelas leis, pureza etc. Os filhos das falsidade, que andam pelos caminhos das trevas, têm um espírito de ganância, negligência, maldade, arrogância, orgulho, hipocrisia, crueldade, luxúria, insolência, engano etc (1QS IV, 2-14).
Para os filhos da justiça o julgamento divino será de saúde, vida longa, abundância, bênçãos, alegria; enquanto que para os filhos da falsidade será de flagelos, maldição, tormentos, desgraça etc.
O texto diz também que "A natureza de todos os filhos dos homens é regida por estes (dois espíritos), e no decorrer de suas vidas todas as hostes dos homens possuem uma porção de cada um deles, e andam por (ambos) os caminhos. E por eras eternas, toda a retribuição pelos seus atos será conforme a porção grande ou pequena que cada um tem destas duas divisões" (1QS IV,15-16).
"Até agora os espíritos da verdade e da falsidade lutam no coração dos homens e eles caminham tanto na sabedoria quanto na insensatez. De acordo com a porção de verdade que tem em si, o homem odeia a falsidade; e de acordo com sua herança do reino da falsidade, ele é iníquo e abomina a verdade" (1QS IV,24).
Não é preciso dizer que, naturalmente, os essênios se julgam portadores de uma porção maior de verdade que de falsidade, exatamente o contrário de seus inimigos, segundo seu julgamento.
Este dualismo teológico do texto sobre os dois espíritos - um dos mais densos de toda a literatura de Qumran - oculta/revela o conflito social que se vive na Palestina da época, e do qual os essênios participam como atores extremamente ativos. Não é à toa que seu manual da guerra, 1QM, chama-se "Guerra dos filhos da luz contra os filhos das trevas".
O bem e o mal, simbolizados como luz e trevas, não são apenas dois princípios éticos ou metafísicos abstratos e estáticos: são forças vivas atuantes dentro do homem e da sociedade.
A comunidade dos essênios se inspira no tema bíblico do deserto para justificar a sua opção de se retirar para a inóspita região de Qumran. Claro que, além da razão teológica, há forte motivação política e estratégica para se viver em Qumran: o Mestre da Justiça tem que se retirar de Jerusalém com seus seguidores porque rompe com o governo macabeu, enfrenta-o e é perseguido. Isto inclusive terá outras conseqüências, como observa W. J. Tyloch: "As condições locais os obrigaram a introduzir uma economia coletiva e o conceito de bens comuns. Somente dessa forma puderam garantir para si próprios o mínimo necessário à sobrevivência".
Mas o tema bíblico do deserto, carregado de reminiscências do projeto original da sociedade israelita, é que simbolicamente explica aos essênios as suas opções.
Diz a Regra da Comunidade, falando do cumprimento das leis que regem a sociedade essênia: "E quando estes se tornarem membros da comunidade de Israel, dentro de todas estas regras, separar-se-ão da morada dos homens sem Deus e retirar-se-ão para o deserto a fim de preparar seu caminho tal qual está escrito: 'Preparai no deserto o caminho de..., aplainai no deserto uma vereda para o nosso Deus'" (1QS VIII,12-14).
No deserto, a comunidade se aplica a ler e a interpretar a Lei. A condição mínima para alguém entrar na comunidade é a vontade de seguir todos os preceitos da Lei mosaica. O superior admitirá no grupo "todos aqueles que livremente se dedicaram à observância dos mandamentos de Deus" (1QS I,7). E qualquer desobediência aos mandamentos leva o essênio a cumprir pesadas penas: "Todo homem que ingressar no conselho da santidade (o conselho daqueles que caminham na senda da perfeição conforme o ordenado por Deus) e que por vontade própria ou por negligência transgredir uma única palavra da Lei de Moisés, em qualquer ponto que seja, será expulso do Conselho da Comunidade e não mais retornará; nenhum homem de santidade se associará à sua propriedade ou conselho em nenhum assunto" (1QS VIII, 21-23).
O estudo da Lei é permanente, segundo a Regra da Comunidade: "E onde estiverem os dez, nunca deverá faltar um homem entre eles que estudará a Lei, dia e noite, no que concerne à conduta correta de um homem para com seu companheiro. E a congregação fará vigília em comunidade durante um terço de cada noite do ano, para ler o livro, estudar a Lei e orar junto" (1QS VI,6-8).
Os essênios entendem que a "vereda" de Is 40,3 ("aplainai no deserto uma vereda para o nosso Deus") é a Lei mosaica que a comunidade, voltando às origens, ao deserto, tem o dever de preservar: "Esta (vereda) é o estudo da Lei que ele ordenou por intermédio de Moisés, para que eles possam agir de acordo com tudo o que foi revelado de época em época, e conforme o que os profetas revelaram pelo seu espírito santo" (1QS VIII,15).
Esta fidelidade absoluta à Lei - que é, por sinal, reinterpretada pela comunidade em vários pontos com mais rigor ainda do que no farisaísmo - é, sociologicamente falando, um recurso usado pelos essênios para distingui-los do resto de Israel e dar-lhes uma identidade.
Flávio Josefo, observando-os de fora e de longe, reconhece esta identidade projetada: "Deve-se admirar neles, se os compararmos a todos os outros adeptos da virtude, a sua prática da justiça, que não deve ter existido, de modo algum, em nenhum grupo grego nem em nenhum bárbaro, ainda que por pouco tempo, mas que se encontra entre eles desde uma data remota".
Ou ainda: "São justos árbitros da cólera, homens que dominam seu arrebatamento, modelos de lealdade, artesãos da paz".
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