Repórter
JM: Como aconteceu sua
conversão?
Dunga:
Bom, minha conversão aconteceu naqueles
anos de grande estouro da RCC, no fim
dos anos 80. Em 1983, depois de muita
insistência e intercessão da minha
mãe, eu decidi dar um passo, pois há 5
anos eu vinha me envolvendo com drogas.
Não tinha me tornado um dpendente
químico, eu era um usuário, mas estava
a caminho da dependência, no início de
uma trajetória que, para muitos, não
tem volta. Justamente nessa época, o
apelo do amor dos meus pais diante das
situações que eu vivia, tais como
chegar em casa bêbado, drogado,
prostituído. Sempre fui acolhido de
maneira muito tranqüila e, no dia
seguinte, eles me abraçavam e aquilo me
violentava praticamente, aquele abraço,
aquele "eu te amo". Então, ao
longo desses 5 anos, essa foi a postura
deles. Sou filho de pais muito simples e
que não tinham muito argumento para
usar comigo, então o argumento muito
forte que eles tinham era justamente o
amor. Minha mãe, bem cedinho, antes de
eu ir trabalhar pedia para eu ler o
Salmo 90 para ela e aquela oração
também foi tomando conta do meu
coração, mas o o ponto chave ao longo
desses 5 anos foi viver duas situações
contraditórias: ser muito amado pela
minha família, família essa que já
participava todinha de grupos da RCC,
aonde fui o último da minha casa, e, ao
mesmo tempo, viver a realidade da rua,
da bebedeira, da prostituição, das
drogas, dos amigos que não eram tão
amigos assim. Durante 5 anos, vivi esse
conflito até que, em 1983, numa noite
de terça-feira, eu saí de casa drogado
e acabei entrando numa igreja, em um
grupo da Renovação Carismática
Católica. Num período de dois a três
meses, fui vivendo essas duas
situações, ainda envolvido nas coisas
do mundo, mas sentindo um grande apelo
de ir para as coisas de Deus, até que
eu decidi abandonar todas as coisas e me
dedicar a Deus. A partir deste momento,
a minha vida mudou inteira e nesta
época os meus vizinhos já comentavam
que o Dunga estava indo na igreja e a
partir daí a coisa também explodiu na
minha vida. Devo isso às orações e ao
amor de meus pais, à insistência deles
em perseverar este amor mediante tantas
dificuldades que eu criei. Chegou uma
hora que eu não consegui mais rejeitar,
resistir ao amor de Deus e ao amor da
minha família.
Repórter
JM: Tudo isso aconteceu aonde?
Dunga:
Eu morava na cidade de
Pindamonhangaba e foi num grupo de
oração chamado São José. Na minha
casa, a rádio Canção Nova era ligada
durante todo o dia. A princípio, isso
me perturbava, me tirava um pouco do
sério, mas, com o tempo, e fui também
me acostumando ao ponto da rádio ter
tido uma influência muito grande n
aminha conversão.
Repórter
JM: Qual o papel da família do
dependente químico na sua
recuperação?
Dunga:
A família do dependente químico ou
do usuário de droga que ainda não se
tornou um dependente químico, deve,
acima de tudo, demonstrar amor. Não se
pode combater o mal com o mal, usar as
mesmas armas. Deve-se utilizar armas
contrárias e a melhor delas é a arma
do amor. A família não pode perder a
capacidade de amar e demonstrar esse
amor. Pai, mãe, irmãos, todos devem
estar envolvidos para compartilharem
suas forças. Uns conhecem Deus na
doença, outros na hora que vão para a
cadeia, outros quando sofrem um
acidente, enfim, cada um possui um fundo
de poço, alguns quando acabam o namoro,
quando perdem o emprego. Nessa hora, a
pessoa tem que olhar para o lado e ver
imediatamente as pessoas que o amam, as
pessoas que perseveram nesse amor, para
que ele tenha essa confiança de
levantar a mão e pedir socorro. Nessa
hora, ele precisa ter uma família que o
ama do seu lado, que persevera, que não
desanima, pois os grandes casos de
conversão, de cura e de recuperação
dentro da própria casa acontecem nesse
sentido, quando a família perseverou,
amou, não cansou demonstrar esse amor.
Nesse momento, muitas vezes, abreviado
pela graça divina, porque nem todo
usuário de droga é mal e ele também
tem o coração bom, muitas vezes ele
pode ter esse momento de lucidez, esse
momento de levantar a mão e pedir
socorro como que por uma graça, porque
ele também tem o coração bom, não
são todos que estão totalmente
deturpados, adulterados ao ponto de não
ser mais bom, então, nessa hora, quando
ele levanta a mão, ele precisa ter a
família ao lado, a família que não
cansou de demonstrar esse amor. E ele
passa a acreditar nesse amor e aí uma
outra história começa a acontecer.
Repórter
JM: Nos dias de hoje, como que a
juventude pode se manter longe das
drogas?
Dunga:
É muito difícil, nos dias de hoje, a
pessoa se manter longe do mundo das
drogas, pois ela está na esquina, na
escola, no bolso do colega, no maço de
cigarro, na cerveja, na cachaça,... Mas
você pode manter-se fora das
situações em que a droga é
comercializada, em que ela é usada,
assim estará longe delas. Hoje o que
nós vemos e aconselhamos para a
juventude é que ela esteja fora dessa
situação, que escolha sempre muito bem
nossas amizades, e valorizar aquilo que
hoje infelizmente as pessoas estão
fazendo de tudo para desvalorizar que é
a família. Jovem que tem uma família,
que honra pai e mãe, jovem que é
presença dentro de casa, que tem essa
ressonância também da própria
família, do pai, da mãe, dos irmãos
do jovem que tem um bom namoro, que
curte as coisas de Deus ele se mantém,
ele consegue se manter fora das
situações, repito a droga estará ao
lado dele mas ele não estará nas
situações que a droga promove.
Repórter
JM: Como nasceu o trabalho com a
juventude? E o PHN, hoje reconhecido e
aplaudido em grande parte do mundo?
Dunga:
Eu tive a graça de apresentar um
programa de televisão chamado
"Resgate Já", durante 5 anos,
na TV Canção Nova. Esse programa
registrava o que a igreja fazia e faz
até hoje de maneira a levar a
salvação até outras pessoas de
maneira muito concreta, por exemplo, o
trabalho pastoral carcerário. Durante
estes 5 anos visitei, duas vezes por
semana, lugares como penitenciária de
segurança máxima, cadeia pública,
casa de recuperação de jovens
drogados, casa de apoio a portadores do
vírus HIV, lares para menores
abandonados, unidades da Febem,
Carandiru. Pude perceber que 90% das
pessoas que estavam ali eram jovens, na
faixa etária entre 18 a 27 anos, e
convivi muito com eles e neste período
Deus colocou no meu coração,
"ensina a juventude a dizer não ao
pecado, para que elas não precisem
pagar esse preço altíssimo, de estar
aqui por que eu já paguei esse preço,
não precisa que eles paguem".
Aquilo ficou no meu coração, até que
um dia, pregando num grande retiro para
jovens na Canção Nova, eu usei pela
primeira vez a frase "por hoje eu
não vou mais pecar". Então
realmente se trata de uma grande
inspiração, e aí deu a música, como
restauração, que hoje é cantada no
Brasil inteiro. Hoje o PHN tornou-se uma
inspiração e tornou-se também uma
espiritualidade, ou seja, uma
espiritualidade de luta, de luta contra
o pecado, de todo dia de acordar com
essa disposição de não pecar, de não
erra o alvo. Porque a tradução de
pecado também pode ser errar o alvo,
imagine você errando o alvo todo dia,
errando o alvo no seu casamento, no seu
namoro, no emprego, errando o alvo nas
suas amizades. Quando você erra o alvo,
você acerta qualquer coisa menos o seu
objetivo, portanto pecar significa errar
o alvo, não pecar significa acertá-lo.
Então você todos os dias se levanta
com essa disposição, por hoje eu não
vou mais pecar. Porque por hoje? Porque
em relação a ontem, não há mais o
que fazer com ele, e o amanhã não
chegou ainda, seja quem for, rico ou
pobre, somos iguais, não temos mais o
dia de ontem e não tem o dia de
amanhã, todos nós só possuímos o dia
de hoje, só podemos trabalhar o dia de
hoje.
Repórter
JM: Dunga, quais os passos para a
libertação de um dependente?
Dunga:
O primeiro passo e o mais importante
é ele pedir ajuda, é dizer "eu
preciso". O segundo passo, é a
grande proposta de acordar todos os dias
dizendo: "por hoje eu não vou mais
pecar". Quando eu tenho essa
pré-disposição, eu acordo, abro os
olhos e digo por hoje não vou mais
pecar então por hoje não vou usar
minha inteligência para isso, por hoje
não vou freqüentar aquele lugar, por
hoje não vou conversar com aquela
determinada pessoa, por hoje não vou me
envolver com aquela determinada
situação, então dizendo esse não ao
pecado eu estou fazendo uma opção real
que eu não vou fazer no meu dia, e tudo
isso vai fazer que haja uma reação no
meu interior. Terceiro passo, Deus sabe
tudo de nós, sobre nossa vida, nossos
pecados e os momentos em que nos
levantamos. Tentar se aproximar de
alguém que possa te ajudar a fazer
isso, com certeza a leitura da Palavra,
a Missa, a Eucaristia, com certeza com
freqüência a um grupo de oração, a
um grupo de jovens, a busca de Deus vai
fazer com que se concretize tudo isso,
ele pediu ajuda, ele evitou as
situações, agora ele vai se fortalecer
com as coisas de Deus, é um tripé
simples, claro que cada um desses
tripés tem desdobramento, mas se a
princípio ele tiver esses três tipos
de atitudes, com certeza ele vai receber
ajuda, ele vai evitar situações e
procurar situações que vão
constituí-lo e buscar esse Deus
maravilhoso de várias maneiras, ele
está muito próximo mesmo de grande
libertação das drogas ou de qualquer
outro tipo de vício. Então esse tripé
tira qualquer um do buraco mais fundo
que seja. Repórter
JM: Espiritualmente existe
diferença entre drogas lícitas ou
ilícitas? Dunga:
Acho que é tudo fabricado no
inferno, e espiritualmente dizendo, não
existe diferença entre um copo de
cachaça, um copo de cerveja, uma
carreira de cocaína, um cigarro de
maconha, uma pedra de crack ou um
comprimido de ecstasy, pois todas elas
nos levam a perder a liberdade. Todo
homem foi feito livre, Deus nos fez
livres e depois nos libertou morrendo na
cruz. Muitas pessoas tem um barzinho
dentro de casa onde na ausência do pai
o filho muitas vezes sem sono bebe para
dormir ou para ir atrás daquela menina
com coragem. Ele sem perceber já está
condicionando coisas totalmente simples
ao uso de uma droga. Repórter
JM: Pra finalizar, pedimos uma
mensagem a um possível dependente que
está lendo essa entrevista e para a
família dele. Dunga:
A minha mensagem é essa: "A
maior alegria de Deus é ver acontecer
na vida de Seus filhos aquilo que Ele
sonhou para cada um deles". Pense
nisso. Deus pensou em você. Você,
jovem, que está nas drogas, quando seus
pais se uniram no amor, Deus teve a
possibilidade de gerar uma outra vida
através do amor de seus pais. Então, a
sua história pode ser maravilhosa.
Imagine você realizando na sua vida um
plano só seu e você realizando esse
plano. Não há coisa mais louca, mais
linda, que desperte mais adrenalina
dentro de nós do que realizar a vontade
de Deus. Eu nasci numa fazenda chamada
Coruputuba, significa Cemitério dos
Índios, e eu morava na parte pobre da
fazenda que chamava Pé Preto. Minha
casa tinha cacimba, tinha fossa, o
banheiro no fundo do quintal, aquele de
casinha mesmo, de madeira, coberto com
telha, os varais pendurados em arame,
banho de bacia, chuchu da cerca, salada
do canteiro, a mistura era o ovo ou de
vez em quando a galinha que estava no
quintal, um porquinho no final de ano.
Naquela vida nunca poderia imaginar que
eu fosse um dia prega o PHN na Alemanha,
no Japão, na Inglaterra, no Canadá, na
Itália, em Portugal, nos Estados
Unidos, por todo o Brasil. Eu nunca
poderia imaginar mesmo. Não poderia
imaginar também quando eu estava
fumando maconha atrás do muro da minha
escola. Nunca poderia imaginar isso
quando eu estava numa cama com uma
prostituta, numa zona de prostituição.
Nunca poderia imaginar, aí um dia eu
comecei a acreditar nessa possibilidade,
que existia um plano pra minha vida e
comecei a perseguir esse plano. E hoje
estou aqui, dando essa entrevista.
Então, pra você que ainda está nas
drogas, independente do buraco que você
se encontra, olha pra cima cara, tenta
enxergar a mão do seu pai, da sua mãe
ou de algumas outras pessoas estendidas
à você, tentando te puxar pra fora.
Estenda sua mão, aceite esse convite,
grita por ajuda, Vai fazer a vontade de
Deus na sua vida que é muito legal, é
a coisa mais louca que você pode
experimentar. E que repito: "A
maior alegria de Deus é ver acontecer
na vida dos Seus filhos aquilo que Ele
sonhou pra cada um deles". Faça
isso e você será muito feliz.
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