Associa��o Brasileira de Apoio na Preven��o �s Drogas.
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Abapred Pol�tica & Legisla��o
Hist�rico
Miss�o Legaliza��o de drogas no Brasil: Em busca da racionalidade perdida

Prof. Dr. Ronaldo Laranjeira, Ph.D.
UNIAD (Unidade de Pesquisa em �lcool e Drogas)
Escola Paulista de Medicina - Universidade Federal de S�o Paulo

Nos �ltimos meses temos assistido um intenso debate sobre a legaliza��o de drogas no Brasil. A pr�pria intensidade no qual este debate tem sido travado mostra que o assunto drogas produz um efeito no qual as pessoas sentem-se levadas a ter muitas certezas e a ficar de um lado ou de outro da legaliza��o. Mostra tamb�m que o debate � profundamente ideol�gico e que ap�s ouvirmos o lado favor�vel � legaliza��o e o lado da proibi��o pura e simples, n�o ficamos nenhum pouco mais esclarecidos a respeito da melhor pol�tica a ser seguida. Quando somente um dos aspectos de uma pol�tica de drogas, ou seja o status legal de uma droga torna-se o assunto principal do debate � como se o rabo estivesse abanando o cachorro e n�o o contr�rio. O objetivo deste artigo � (i) avaliar a racionalidade e a oportunidade deste debate como tem sido veiculado e (ii) tentar estabelecer pontes com outras drogas de abuso; (iii) avaliar os dados dispon�veis sobre o efeito da legaliza��o de uma droga; e (iv) propor uma alternativa de pol�tica de drogas que seja baseada em objetivos claros a serem alcan�ados.

A racionalidade da legaliza��o de uma droga

Com a intensidade que o debate sobre as drogas gera poder�amos imaginar que a sociedade sempre tenha reagido de uma forma eficiente ao longo do tempo. Entretanto historicamente a sociedade n�o tem avaliado muito bem os riscos do uso de uma nova droga ou uma nova forma de uso de uma velha droga. Por exemplo, a partir do come�o do s�culo inova��es tecnol�gicas fizeram a produ��o de cigarros ficar mais f�cil, com a absor��o da nicotina pelos novos cigarros muito mais eficaz do que a produ��o artesanal que ocorria anteriormente. Al�m disso o pre�o do cigarro caiu dramaticamente. Progressivamente houve um aumento no n�mero de fumantes em todo o mundo e por muito anos os danos f�sicos associados ao cigarro n�o foram identificados. Muitos governos chegavam mesmo a estimular o consumo do fumo, estimulados pelos ganhos com impostos. Levou-se mais de quarenta anos para os pa�ses desenvolvidos identificassem os males causados pelo fumo de uma forma definitiva e outros vinte anos para implementar pol�ticas que pudessem come�ar a reverter a situa��o. Esta lentid�o em reconhecer danos em algumas situa��es sociais faz com que mudan�as no status de qualquer droga, e principalmente quando um aumento de consumo seja uma das possibilidades deva ser encarada com extremo cuidado.

Um dos motivos que dificulta a a��o da sociedade � um excesso de ret�rica que ocorre em rela��o ao problema. Podemos notar que cada droga existente produz a sua pr�pria ret�rica. Por exemplo, no caso recente da maconha no Brasil tem sido comum utilizar-se uma ret�rica na qual o uso desta subst�ncia estaria relacionado com a liberdade e os direitos do cidad�o em usar qualquer droga e que n�o seria fun��o do estado interferir neste comportamento. Um excesso de controle do estado iria contra os direitos da pessoa. Por outro lado o cigarro inspira outro tipo de ret�rica onde busca-se estimular uma a��o estatal em controlar o abuso das companhias de cigarro. Esta ret�rica pode mudar de pa�s para pa�s de acordo com o seu momento hist�rico. Na Su�cia, por exemplo, recentemente tem sido usada uma ret�rica na qual a propaganda de cigarros seria uma afronta � liberdade individual. Deixar crian�as e adolescentes serem expostos � propaganda mentirosa do fumo seria uma forma b�rbara de primitivismo social.
Tanto a intensidade deste debate quanto o clima ideol�gico adv�m do fato de que temos utilizado quase nenhuma informa��o objetiva para avaliarmos a pol�tica a ser seguida. Os dois lados do debate usam informa��es de fontes muito duvidosas e muitas vezes completamente fora de contexto. Temos que pelo menos saber alguns modelos te�ricos que poder�amos estar usando para guiar as nossas futuras decis�es. A figura 1 mostra os tr�s modelos que, de uma forma expl�cita ou n�o, acabam sendo usados neste debate. Os que defendem a proibi��o total do uso de drogas acreditam que a curva a-b representa o controle ideal do uso de drogas. Significando que a proibi��o total de uma droga seria a melhor op��o pois n�o causaria nenhum dano social, e a medida que caminh�ssemos para a lado b da curva, ou seja para a legaliza��o das drogas, o dano social aumentaria. O grande argumento contra este modelo foi a pr�pria lei seca americana que produziu um aumento consider�vel da viol�ncia devido ao crime organizado. Muito tem sido escrito sobre este per�odo da hist�ria americana e enfatizado este lado do custo social da lei seca, no entanto, do ponto de vista do consumo de �lcool a lei foi um sucesso, pois diminuiu consideravelmente o consumo de �lcool global. Entretanto, houve um aumento do consumo de �lcool de p�ssima qualidade e um n�mero consider�vel de pessoas teve problemas s�rios de sa�de. De qualquer forma uma simples an�lise de custo benef�cio mostra que esta foi uma experi�ncia que nenhum pa�s ocidental quer repetir novamente, embora os pa�ses isl�micos ainda adotem este tipo de controle social r�gido.

Do outro lado do debate h� as pessoas que defendem a legaliza��o total das drogas. A curva c-d ilustra este modelo onde a proibi��o total de uma droga levaria a um grande n�vel de dano, principalmente pelo crime que estaria associado com o uso ilegal de uma subst�ncia, a maior corrup��o social, o n�vel mais impuro da droga no mercado negro, e � dificuldade das pessoas buscarem ajuda em rela��o a um comportamento ilegal. Argumenta-se que a proibi��o total causaria mais dano do que mesmo a legaliza��o total da droga. A grande fraqueza deste tipo de argumento � que n�o leva em considera��o que a legaliza��o de uma droga produz uma maior oferta desta droga, e portanto exporia um n�mero maior de pessoas ao consumo e portanto �s suas complica��es. Enfatiza-se aqui em demasia o comportamento individual do uso de drogas e n�o se leva em considera��o o n�vel agregado de dano. Por exemplo, se legaliz�ssemos completamente a maconha uma das possibilidades seria uma maior consumo global desta droga, e possivelmente um maior consumo na popula��o mais jovem, pois � isto que ocorre com as drogas l�citas como o �lcool e o cigarro. Portanto com a legaliza��o ter�amos por um lado talvez menor n�mero de crimes mais violentos, mas por outro lado a popula��o mais jovem teria maiores complica��es na escola, e talvez at� aumentasse um tipo de criminalidade menos violenta para conseguir um pouco de dinheiro para consumir drogas.

Existe um terceiro modelo intermedi�rio de pol�tica que � o baseado na curva c-e. Este modelo tem recebido grande suporte em termos de pesquisa, especialmente quando se re�ne todas as drogas de abuso l�citas ou n�o. Nesta curva podemos perceber que a proibi��o total de uma droga produz dano, e a medida que a droga progride na escala de legalidade, e portanto a sua disponibilidade social aumenta, o n�mero de usu�rios aumenta, aumentando tamb�m o n�vel global de dano. As drogas l�citas oferecem as maiores evid�ncias para este modelo. No caso do �lcool, por exemplo, centenas de pesquisas mostraram que quanto menor o pre�o e maior a disponibilidade num pa�s, maior � o n�mero de pessoas com problemas relacionados com o uso de �lcool. A conseq��ncia de se adotar a curva c-e como o modelo de pol�tica de drogas a ser seguido � que devemos, em primeiro lugar, diminuir o consumo global de todas as drogas. A estrat�gia para atingirmos esta diminui��o � que pode variar de droga para droga e depender do momento hist�rico que uma sociedade vive.

A tend�ncia mundial � por exemplo tornar progressivamente o �lcool e o fumo mais pr�ximo de uma proibi��o, ou de controles sociais mais r�gidos, atrav�s de leis e restri��es ao uso das mais variadas. No caso da maconha n�o existe uma tend�ncia mundial n�tida, com alguns pa�ses adotando penas mais leves ou um grau maior de toler�ncia, mas em nenhum lugar legaliza��o aberta. O caso das drogas mais pesadas como hero�na e coca�na a tend�ncia � marcante em rela��o � proibi��o. O fato de existir pol�ticas diferentes para drogas diferentes � muitas vezes apontado como hipocrisia social. Na realidade esta deveria ser uma atitude pragm�tica de uma sociedade que queira efetivamente responder ao problema das drogas. Uma pol�tica de drogas baseada em resultados e n�o em ret�rica e debate ideol�gico deveria ser julgada pelo seu efeito na diminui��o do custo social de todas as drogas e n�o somente de uma droga espec�fica.

As drogas l�citas podem nos ensinar algo ?

O �lcool � a droga modelo com maior potencial para nos ensinar como estabelecer uma verdadeira pol�tica de drogas baseada em resultados. Em 1995 a Organiza��o Mundial de Sa�de produziu um livro (�Alcohol Policy and the Public Good�) onde os maiores especialistas em �lcool do mundo se reuniram para propor quais as medidas a serem implementadas em todos os pa�ses para diminuir o custo social relacionado com o �lcool. O princ�pio b�sico dessas pol�ticas � que dever�amos diminuir o consumo
global de �lcool em todos os pa�ses. A figura 2 ilustra o modelo a ser seguido. O consumo de �lcool de qualquer popula��o segue uma curva normal, que nesta figura seria a curva X, onde para melhor visualiza��o foi exclu�da a popula��o que n�o bebe. Temos portanto uma parte da popula��o que bebe um pouco, uma grande parte que estaria na m�dia populacional e uma parte de bebedores pesados. Poder�amos pensar inicialmente que dever�amos buscar pol�ticas que diminu�ssem o n�mero de bebedores pesados, mantendo a m�dia de ingest�o de �lcool da popula��o. Essas pol�ticas poderiam quando muito produzir um pequeno efeito quando implementadas, como mostra a curva Y. No entanto quando as pol�ticas s�o no sentido de diminuir o consumo global, como na curva Z decrescendo a m�dia de consumo populacional, existe um impacto muito maior no n�mero de bebedores com problemas, pois um n�mero menor de pessoas beber�o, um n�mero menor ficar� dependente, e portanto menor custo social global. Este efeito tem sido chamado do �paradoxo preventivo�, onde, para diminuirmos substancialmente o n�mero de pessoas dependentes, temos de diminuir o consumo global de toda a popula��o. As evid�ncias deste modelo s�o muito consistentes, e tem sido mostradas em centenas de estudos.

As pol�ticas a serem implementadas no caso do �lcool s�o v�rias e visariam essencialmente diminuir o consumo global. 1 - pol�ticas de pre�o e taxa��o que s�o as a��es com maior impacto social imediato. Estudos tem mostrado que o pre�o do �lcool segue o padr�o de qualquer mercadoria, e quanto maior o pre�o menor o consumo. Existe uma elasticidade do consumo, que no caso do �lcool � diferente de outras mercadorias, mas para cada aumento de 100% do pre�o existe cerca de 30% de queda de consumo global. Mesmo os bebedores pesados diminuem o consumo de acordo com o pre�o. Este tipo de pol�tica pode ser especialmente �til no Brasil onde o pre�o do �lcool � um dos mais baixos do mundo ocidental, cerca de U$ 1,5 por um litro de pinga. 2 - pol�ticas que diminu�ssem o acesso f�sico do �lcool. Tem sido demonstrado que quanto menor o n�mero de locais vendendo �lcool, maior o respeito ao limite de idade para vendas de bebidas alco�licas, maior a consist�ncia das leis do beber e dirigir, menor � o consumo global de uma popula��o. 3 - pol�ticas de proibi��o da propaganda nos meios de comunica��o. O objetivo da propaganda do �lcool n�o � s� de fazer com que os consumidores fa�am prefer�ncia por esta ou aquela bebida, mas criar um clima social de toler�ncia e estimulo com o �lcool visando nitidamente aumentar o consumo global. A proibi��o da propaganda tem sido consistentemente mostrada em pesquisas como um fator importante da diminui��o do consumo. 4 - campanhas na m�dia e nas escolas visando informar melhor os efeitos de �lcool. O efeito dessas campanhas quando feitas desacompanhadas das demais pol�ticas produzem muito pouco efeito. De nada adianta a professora na escola informar o aluno sobre �lcool e outras drogas, se a televis�o continua mostrando a alegria e descontra��o associadas com o �lcool , quando esta droga transforma-se na �paix�o nacional�.

Em resumo, o �lcool � a droga que apresenta formas de controle social mais estudados e onde as pol�ticas para diminuir o custo social do seu uso s�o muito bem estabelecidas. Esses princ�pios podem muito bem ser usados para as demais drogas visando essencialmente diminuir o acesso e o consumo dessas drogas.

As leis influenciam o consumo de drogas ?

Uma pergunta que deve ser respondida �, se os controles sociais s�o efetivos por que tornar ilegal somente algumas das drogas ? Como j� salientado acima estrat�gias diferentes deveriam ser usadas para as diferentes drogas, e as evid�ncias apontam para que muito pouco benef�cio poderia ocorrer em tornar as drogas que s�o ilegais em legais, pois haveria uma forte tend�ncia no aumento do consumo. Mas uma quest�o que permanece � se as leis efetivamente influenciam o comportamento de consumo de drogas.

No caso do �lcool tem sido demonstrado por in�meros trabalhos que a proibi��o da venda de bebidas alco�licas para menores, quando implementadas, diminui significantemente o consumo. V�rios estados americanos quando implementaram leis proibindo a venda de bebidas houve uma diminui��o substancial no n�mero de acidentes de carro entre menores devido ao uso de �lcool. O grande problema em tentar responder o quanto as leis impedem o consumo de drogas � que n�o existem muitos dados para as drogas que sempre foram ilegais. Em um artigo recente (Drugs and the Law: A Psychological Analysis of Drug Prohibition by R. MacCoun) buscou-se analisar a escassa literatura existente e basendo-se tamb�m no efeito das leis em deter outros comportamento anti-sociais. Esse autor mostrou que as leis e os controles informais sociais conteriam o consumo de drogas atrav�s de v�rios mecanismos (disponibilidade da droga, estigmatiza��o do uso, medo do atividades ilegais, o efeito fruto proibido, e um efeito simb�lico geral da proibi��o). A aboli��o das leis proibindo o consumo teria um efeito dram�tico em v�rios desses fatores (estigmatiza��o do uso, medo de atividades ilegais, o efeito fruto proibido, e efeito simb�lico geral da proibi��o), diminuindo portanto uma s�rie de impedimentos para o consumo.

O mais importante neste estudo acima � que as evid�ncias mostram que a aboli��o das leis teria um efeito maior nas pessoas que comumente n�o consomem drogas, potencialmente levando um maior n�mero de pessoas a experimentarem e a tornarem-se usu�rios regulares ou espor�dicos. Por outro lado os estudos mostraram que quanto maior o envolvimento com drogas menor seria o impacto das leis em deter o consumo. No entanto a lei serve para deter um n�mero substancial de pessoas de usar as drogas. Esse estudo mostra que qualquer efeito dram�tico no status legal de uma droga � desaconselh�vel pois as conseq��ncias s�o literalmente imprevis�veis com uma n�tida tend�ncia a um aumento do consumo devido a falta de controles sociais dispon�veis na falta de leis muito claras.

Como buscar um pol�tica de drogas de resultados ?

O desafio de uma pol�tica de drogas � buscar o balan�o certo para cada droga, mas sempre visando uma diminui��o global do consumo. A melhor atitude social seria de uma toler�ncia contrariada com as drogas, sem um fervor ideol�gico mas com um pragmatismo afiado e persistente. Corremos o risco no Brasil de que o debate da legaliza��o de drogas vir a ocultar as reais quest�es relacionadas com uma pol�tica de drogas racional e balanceada. Podemos ficar anos num debate ideol�gico improdutivo onde as pessoas defender�o a favor ou contra a legaliza��o de uma droga espec�fica com grande paix�o e pouca informa��o.

Sofremos nesta �ltima d�cada um exemplo dram�tico de uma falta de pol�tica associada com um debate ideol�gico improdutivo que foi a rela��o do uso de drogas injet�veis e a infec��o pelo HIV. Todos esses anos ficamos discutindo se seria v�lido trocar seringas e agulhas com os usu�rios de drogas e se isto seria ou n�o um est�mulo ao consumo de drogas. Chegamos em 1996 com mais de 50% dos usu�rios de drogas contaminados pelo HIV e milhares de usu�rios, suas esposas e filhos mortos por esta pol�tica cega e desumana. A Inglaterra, por exemplo, come�ou a discutir este assunto em 1984 e implementou rapidamente pol�ticas realistas apresenta hoje somente 1% dos seus usu�rios contaminados. Essas pol�ticas foram implementadas com debate mas sem paix�o, buscando uma pol�tica de resultados onde a prioridade foi manter vivos os usu�rios.

O desafio do debate das drogas no Brasil n�o � se devemos afrouxar as leis da maconha, mas como fazer um debate informado e com dados, e produzir uma pol�tica de drogas racional e balanceada que possa ser avaliada constantemente. A implementa��o desta pol�tica n�o ocorre espontaneamente, mas com uma a��o determinada de governo. Talvez seja in�til esperarmos por uma grande pol�tica nacional de drogas. A��es locais de governo poderiam fazer uma grande diferen�a. Os estados e munic�pios deveriam envolver-se nessas a��es com a ajuda comunit�ria. A sociedade civil j� est� bastante mobilizada com o assunto �lcool e drogas, � necess�rio agora que os governos democraticamente eleitos mostrem a sua capacidade de organizar um resposta racional a um problema que afeta milh�es de brasileiros com um custo enorme para o pa�s.
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