Quackwatch em português


Em janeiro de 1993, um artigo no New England Journal of Medicine concluiu que um em cada três americanos tinham usado pelo menos uma terapia não convencional no ano anterior. Embora o trabalho tenha citado amplamente citado como evidência do interesse público em "métodos alternativos", a metodologia [design] do estudo foi extremamente ruim. A seguinte análise -- originalmente publicada na edição de outono/inverno de 1999 da The Scientific Review of Alternative Medicine -- oferece os detalhes. 


Os Dados de Eisenberg: Falhos e Enganosos

Timothy N. Gorski, MD, FACP

". . . integridade científica, [é] um princípio de pensamento científico que corresponde a um tipo de honestidade última, do tipo que força todos os limites. . . . Detalhes que podem lançar dúvidas sobre sua interpretação devem ser fornecidos, se você os conhecer. Se você souber de qualquer coisa errada, ou possivelmente errada, você deve fazer todo o possível para explicá-la. . . . [você deve] dar todas as informações para ajudar os outros a julgar o valor da sua contribuição, não só as informações que levam ao julgamento em uma direção específica".

-- Richard Feynman (1918-1988) em seu discurso "Ciência do Culto à Carga" (Cargo Cult Science) 1974

Em janeiro de 1993, um trabalho [paper] intitulado "Unconventional Medicine in the United States: Prevalence, Costs, and Patterns of Use" foi publicado no New England Journal of Medicine (NEJM.). O artigo contribuiu significativamente com a recente explosão do interesse em "medicina alternativa" nos Estados Unidos. O trabalho relata uma pesquisa por telefone com 1539 pessoas sobre o uso de métodos "não convencionais" no ano anterior por parte dos entrevistados. Até aquela época o charlatanismo e a pseudociência médica existiam em uma subcultura marginal. Isso começou a mudar na época da publicação do artigo e o relato tornou-se um dos artigos mais citados na literatura médica. O autor principal foi David M Eisenberg, MD, cuja publicação mais importante até aquela época tinha sido um livro popular sobre as maravilhas da medicina tradicional chinesa intitulado Encounters With Qi.

O artigo iniciou reconhecendo a dificuldade de definir "terapias não convencionais, alternativas ou heterodoxas", referindo como "práticas médicas que não estão em conformidade com os padrões da comunidade médica". Isso é uma definição razoavelmente satisfatória de "medicina alternativa" desde que em "os padrões da comunidade médica" estejam implícitos  métodos que são verdadeiramente eficazes ou que estão sob investigação científica apropriada e bem desenhada. Mas o artigo Eisenberg determinou uma definição de "medicina não convencional" como sendo aquelas "intervenções médicas não ensinadas largamente nas escolas médicas dos EUA ou geralmente disponíveis nos hospitais dos EUA". Tratou da questão do grau de disseminação desses métodos e a quantia de dinheiro que é gasta neles em relação a assistência médica que está mais ou menos em conformidade com os padrões médicos e científicos. 

As 1539 pessoas entrevistadas eram um subconjunto de 2295 participantes que concordaram em participar e que realmente terminaram a entrevista. As 2295 pessoas foram, em ordem seguida, encontradas ao discar 5158 números de telefone e excluindo mais da metade deles porque não estavam funcionando, "não estavam especificados como domiciliares", não falavam inglês, ou eram deficientes cognitivos ou físicos. Mas para finalidade de argumento e brevidade, meus comentários deixam de lado as implicações destes fatos -- de que a pesquisa não foi representativa da população. 

A pesquisa por telefone começou perguntando aos participantes sobre 24 distúrbios médicos. Somente 8% dos participantes ofereceram outros "distúrbios importantes". Os dez distúrbios médicos mais freqüentemente citados e que foram listados pela pesquisa de Eisenberg são mostrados na Tabela 1 com números do Vital and Health Statistics, Prevalence of Selected Chronic Conditions 1990-92 (Estatísticas Demográficas e de Saúde, Prevalência de Distúrbios Crônicos Selecionados 1990-92) dos Centers for Disease Control (CDC), para efeito de comparação.

Tabela 1
Distúrbio Médico Da Tabela 3 do Artigo de
Eisenberg.

CDC Vital and Health Statistics, Prevalence of Selected Chronic Conditions 1990-92

"Problemas nas costas"
  • Deformidades/danos nas costas
    Desordens dos discos intervertebrais

20%

 

7,3%
2,0%

Alergias
Sinusite crônica
Febre do feno
Asma

16%

 
 
13,5%
9,7%
4,6%
Artrite

16%

12,8%

Insônia

14%

 
Torções/distensões
  • Deformidades/danos em membros superiores
    Ombros
    Membros inferiores

13%

 

 
1,5
0,2
5,0%
Dor de cabeça
  • Enxaqueca (Migrânea)
    Outros cefaléias não tensionais

13%

 

4%
4,1%
Hipertensão Arterial (Pressão Alta)

11%

11,1%

"Problemas digestivos"
Úlcera
Hérnia
Indigestão/outras desordens funcionais do estômago e sistema digestivo
 
Constipação
Hemorróidas

10%

 

1,7%
1,9%
 
2,6%
 

1,7%
3,8%
Ansiedade

10%

 
Depressão

8%

 
Surdez/Deficiência Auditiva  

9,3%

Distúrbios Cutâneos
  • Dermatite
    Pele seca
    Unhas encravadas
    Calos
 

 

3,7%
2,1%
2,4%
1,9%
Doenças Cardíacas  

8,2%

Diabetes  

2,8%

Distúrbios da tireóide
  • Bócio
    Outros problemas da tireóide
 

 

1,9%
1,3%
Bronquite crônica  

5,2%

A pesquisa da Eisenberg também perguntou sobre vertigens, diabetes e câncer, mas as taxas desses distúrbios e de outros 11 sobre os quais os 1539 participantes foram indagados, não foram fornecidos no artigo. Presumivelmente ficaram abaixo dos 8%, embora, como é mostrado, problemas auditivos, cutâneos e doenças cardíacas na população geral estão nesta faixa de prevalência de acordo com os CDC. Surdez, é claro, foi o distúrbio que D.D. Palmer "curou" quando ele "descobriu" a quiroprática mais de cem anos atrás. 

Notavelmente ausente dos dados de Eisenberg estavam doenças comuns como resfriados, tosses e gripes. Também não foram mencionados distúrbios obstétricos ou ginecológicos, que são provavelmente os problemas médicos mais comuns de mulheres em idade reprodutiva. Entre as mulheres com idade variando de 18 a 44 anos, por exemplo, aproximadamente a faixa na qual Eisenberg relatou a taxa mais alta de uso da "medicina não convencional", os CDC relataram a prevalência de distúrbios menstruais em 2,8%, infecções urinárias em 1,4%, infecções renais em 1% e outros distúrbios do trato genital feminino em 3%. Tomados em conjunto como problemas geniturinários, e incluindo gravidez e complicações relacionadas a gravidez, isso certamente totalizaria quase 8% ou mais. Embora eles parecem ter sido excluídos. 

Também ausente estava a obesidade, o que é notável porque centros comerciais de perda de peso estavam incluídos em métodos de "medicina não convencional" e foram usados por mais participantes do que a maioria dos outros métodos. Como um de uma variedade de distúrbios médicos crônicos que têm demonstrado uma resistência extraordinária ao manejo de sucesso por quaisquer meios, a obesidade foi e continua sendo um alvo excelente para promotores da "medicina alternativa". Sua ausência aqui é inexplicável. 

Quando os participantes da pesquisa foram indagados sobre seu uso de "medicina não convencional" e se eles foram ou não a um profissional ou "fornecedor" da mesma, as respostas foram dadas como mostradas na Tabela 2. 

Tabela 2 (de Eisenberg et al, NEJM 1993; 328:246-252.)
Tipo de Terapia

Usada nos Últimos 12 Meses (%)

Consultou um provedor
(% dos que usaram)

Técnicas de Relaxamento 

13

9

Quiroprática

10

70

Massagem

7

41

Imaginação (Imagery)

4

15

Cura espiritual

4

9

Perda de peso comercial

4

24

Dietas de estilo de vida

4

13

Remédios com ervas

3

10

Megavitaminas

2

12

Grupos de auto-ajuda

2

38

Cura pela energia

1

32

Biofeedback

1

21

Hipnose

1

52

Homeopatia

1

32

Acupuntura

<1

91

Remédios populares

<1

0

Exercícios

26

-†

Orações

25

-†

1 ou mais terapia (excluindo exercícios e orações)

34

36

† "No caso de orações, pensamos que perguntas [adicionais] seriam inapropriadas. Como para os exercícios, pensamos que o termo foi vago demais e a prática suficientemente ambígua para impedir a reunião de dados úteis". [da seção "The Interview" de Eisenberg et al, 1993]

A pesquisa não incluiu alguns métodos aberrantes comuns, e incluiu alguns que não se encaixam na própria definição do trabalho. Entre os não mencionados estão a terapia de quelação (para aterosclerose), antineoplastons, iridologia, reflexologia, aromaterapia, terapia com cristais, cinesiologia aplicada, imãs, aminoácidos e outros "suplementos nutricionais" sem ervas consistindo de precursores bioquímicos, co-fatores e intermediários, Medicina Maharishi (previamente conhecida como Ayurveda), naturopatia, urinoterapia, pólen de abelha, geléia real, veneno de cobra, prata coloidal, colonics, terapia pela luz, e ozonioterapia. Todos esses métodos e outros continuam a receber atenção crédula da mídia, são amplamente promovidos e têm atraído defensores sinceros e devotados. Sua ausência na lista levanta questões quanto a integralidade e representatividade do campo "alternativo". 

Talvez o uso dessas práticas caiu abaixo do nível de detecção, mas neste caso, isso faz com que os "34%" de uso dos "métodos alternativos" sejam constituídos de outros métodos, talvez de forma alguma não convencionais. Voltando aos itens listados, hipnose, embora com somente 1%, foi incluída na "medicina não convencional". No entanto a hipnose é um adjuvante aceito pela ciência médica em circunstâncias apropriadas. É ensinada em muitas faculdades de medicina e em residências de psiquiatria nos EUA. Biofeedback, apesar da falta de eficácia sólida, mantém uma posição similar. Embora a quiropráxia fosse listada como o segundo método mais usado, o estudo não a distinguiu de terapia manipulativa, usada por alguns clínicos osteopatas e fisioterapeutas. Alguns participantes podem ter experimentado "quiropráxia" nestas formas. O estudo não considerou essas distinções importantes de modo a distinguir, digamos, hipnose usada para controle da dor daquela usada para regressão a vidas passadas ou para lembrar experiências de abdução alienígena; ou a distinção entre manipulação médica para mobilização articular e tratamento quiroprático de infecções de ouvido e dificuldades de aprendizado na infância. 

A seguinte declaração explicou sobre os métodos relatados na pesquisa: "Não perguntamos se os provedores da terapia não convencional dos participantes eram médicos". Assim, concebivelmente, certo grau de "quiropráxia" foi administrada por fisioterapeutas e osteopatas. Certo grau, ou possivelmente toda "biofeedback" foi realizada em clínicas médicas especializadas em controle da dor. E "terapia de megavitaminas" pode incluir niacina para hipercolesterolemia e outras aplicações farmacológicas padrão de vitaminas. 

No caso de quiropráxia há outra anomalia curiosa. Pelo menos 30% dos que disseram usar quiropráxia nos últimos 12 meses aparentemente o fizeram sem o auxílio de um quiroprático. Os autores reconheceram que "Algumas formas de terapia não convencional tipicamente envolvem um fornecedor (por exemplo, um quiroprático ou um acupunturista)". Mas não há nenhuma tentativa de explicar ou levar em consideração os 30% de uso de quiropráxia em que as pessoas estavam praticando em si mesmas ou o achado mais curioso de que 9% dos usuários de acupuntura tinham aparentemente aplicando em si mesmos. Ou essas inconsistências sugerem outra forma de massagem? 

Mais uma vez, "Alguns usuários de terapia não convencional podem consultar um provedor menos de uma vez por ano mas podem continuar a usar a terapia não convencional prescrita". Este foi o caso somente com a imaginação, "cura espiritual" e programas de perda de peso comerciais, ou também com um terço daqueles que disseram ter usado quiropráxia e aproximadamente um décimo daqueles que disseram ter usado acupuntura? 

A "medicina não convencional" mais usada foi "técnicas de relaxamento". Esteve entre os métodos mais usados em todos os 10 distúrbios médicos principais considerados exceto "problemas nas costas" e alergias, como mostrado no Tabela 3.

Tabela 3 (Tirada da Tabela 3 de Eisenberg et al, 1998; JAMA 280:1569-1575)
Daqueles com  Uso de "Medicina Não Convencional" nos últimos 12 meses 
Consultou um Provedor 
(% daqueles que usaram)
Terapias Mais Comumente Usadas 
"Problemas nas costas"

36

19

Quiropráxia, massagem
Alergias

9

3

Cura espiritual, dieta de estilo de vida
Artrite

18

7

Quiropráxia, técnicas de Relaxamento
Insônia

20

4

Técnicas de Relaxamento, imaginação
Torções/distensões

22

10

Massagem, Técnicas de Relaxamento
Dor de Cabeça

27

6

Técnicas de Relaxamento, quiropráxia
Hipertensão Arterial

11

3

Técnicas de Relaxamento, homeopatia
"Problemas digestivos"

13

4

Técnicas de Relaxamento, megavitaminas
Ansiedade

28

6

Técnicas de Relaxamento, imaginação
Depressão

20

7

Técnicas de Relaxamento, grupos de auto-ajuda

Mas exatamente o que são "técnicas de relaxamento?" Graduados de escolas médicas, bem como profissionais em hospitais concordariam que a idéia de que repouso físico, mental e emocional são componentes da boa assistência médica. O que é "massagem?" É uma prática universal, quando pessoas se machucam por reflexo passam a "massagear" a área. Seria difícil, considerando isso, encontrar alguém que não utiliza "medicina não convencional". Os autores reconheceram este problema, dizendo: "Algumas das terapias não convencionais estudadas justificam um esclarecimento adicional. Por exemplo, 'terapia de massagem' ou "terapia de relaxamento" podem significar coisas diferentes para pessoas diferentes". Mas, mais uma vez, isso foi anunciado apenas em letras pequenas, não sendo encontrado na interpretação e discussão dos resultados.  

Bem como "cura espiritual" certamente significa coisas diferentes para pessoas diferentes. Para muitos significa uma cerimônia de cura de algum tipo, normalmente com um grupo. Mas também é "cura espiritual" quando um padre católico vem ao leito hospitalar para administrar um sacramento? Ou quando alguém faz uma prece? Essas práticas não são ensinadas em escolas médicas, mas parece duvidoso que isso mereça ser considerado como "medicina não convencional". Do mesmo modo, o uso de "imaginação", especialmente no manejo da insônia e ansiedade, é tão comum que é um clichê falar de contar carneirinhos para cair no sono ou imaginar que a platéia está nua de modo a acalmar o medo de palco. 

Mas muitas, se não todas essas qualificações, e omissões de distinções têm o efeito cumulativo de maximizar os números de participantes da pesquisa que podia ter dito que usaram "medicina não convencional". Isso, por sua vez, foi usado para apoiar extrapolações exageradas similares do uso e impacto econômico da "medicina não convencional". 

Assim, por exemplo, o trabalho de Eisenberg declara:

O número estimado de consultas ambulatoriais a provedores de terapias não convencionais em 1990 foi de 425 milhões. Esse número excede as 388 milhões de consultas estimadas em 1990 a todos os médicos de atenção primária (profissionais gerais e de família, pediatras e especialistas em medicina interna) juntos. 

Mas esses "provedores" incluíram massagistas que não fazem nenhuma alegação de curar qualquer doença, métodos comerciais de perda de peso, e reuniões de grupos de auto-ajuda. E podem ter incluído muitos médicos ou pessoas que trabalham em conjunto com médicos, fornecendo assistência apropriada em conformidade com os padrões médicos científicos. Ou talvez não foram incluídos. Não é possível saber a partir dos dados apresentados. 

O artigo compara consultas "alternativas" com consultas a profissionais gerais e de família, pediatras e especialistas em medicina interna. Como antes, não há nenhuma menção a obstetras e ginecologistas, ainda que seja bem conhecido que muitas mulheres delegam a seus médicos obstetras/ginecologistas a função de médico de atenção primária, ou a outros especialistas médicos que podem servir como médicos de atenção primária. Considerando a prevalência de "problemas nas costas", alergias, e ansiedade e depressão, por que não incluir o número de consultas anuais a ortopedistas, fisiatras, fisioterapeutas, alergistas, psiquiatras, psicólogos e ao serviço social? Ao incluírem alguns profissionais e excluírem outros, os autores são capazes de selecionar o modo de justificar sua conclusão principal de que, "medicina não convencional tem uma enorme presença no sistema de assistência à saúde nos EUA".

Os autores prosseguem com seus achados de que "menos de 3 em cada 10 usuários de terapia não convencional mencionam seu uso aos seus médicos", ignorando o fato de que alguma forma dessa "medicina não convencional" pode até mesmo ser fornecida pelo ou por recomendação do médico. Além disso, a importância de consultas a "não convencionais" é variável. Um médico pode não dar muita importância se um paciente foi numa sessão de massagem, compareceu a uma reunião dos Vigilantes do Peso ou mesmo se consultou um quiroprático nos últimos 12 meses. Não se espera que algum estudo responda todas as questões sobre uma questão investigada. Mas o que seria útil saber é quantas pessoas, que receberam um diagnóstico sério de um médico, buscam acupuntura, homeopatia ou uma dieta de arroz integral no lugar do tratamento médico ou cirúrgico apropriado, ou usam substâncias que interferem com drogas prescritas? Quantas usam usam desnecessariamente métodos ineficazes para distúrbios que são auto-limitados?  

"Aproximadamente metade dos que usam medicina não convencional para seus problemas médicos principais não tem nenhuma supervisão deste tratamento seja de um médico seja de um provedor de terapia não convencional". Porém, novamente, qual é a importância do uso por alguém de "técnicas de relaxamento" ou imaginação de uma maneira não supervisionada? "O uso de terapia não convencional", eles advertem, "especialmente se não for supervisionado de maneira alguma, pode ser prejudicial". Mas qual é este dano? Os 30% de pessoas que usam a quiropráxia em si mesmas são mais passíveis de se lesionarem do que os quiropráticos lesionarem os outros 70% dos que usam esta forma de "medicina não convencional"? Seria mais seguro para pessoas obterem uma sessão de massagem, ou participarem de um grupo de auto-ajuda? O que pode ser verdadeiramente prejudicial no que se refere a estes métodos, é usá-los como substitutos de medidas comprovadas no tratamento de distúrbios médicos graves ou potencialmente graves. 

Duas referências foram dadas pelos autores em apoio a idéia de que seus dados mostram um risco ao público da "medicina não convencional " não supervisionada. Uma foi o relatório de 1984 do Subcomitê de Saúde a Longo Prazo e Envelhecimento do Congresso dos EUA, Quackery: a $10 Billion Scandal [Charlatanismo: um Escândalo de 10 bilhões], conhecido como Pepper Report devido ao falecido presidente daquele comitê, Claude Pepper. A outra é o relatório de 1987, Health, Information and the use of Questionable Treatment: A Study of the American Public [Saúde, Informação e o uso de Tratamento Questionável: Um Estudo do Público Americano], do Departamento de Saúde e Serviços Humanos. Os efeitos adversos apontados nestas fontes são principalmente de métodos -- ervas -- que os dados deste artigo indicam que foram usadas por apenas uma pequena minoria de seus pesquisados. Eles também encontraram evidência de dano causado por retardo ou abandono do tratamento médico apropriado por causa da substituição por terapias não comprovadas e ineficazes que são enganosamente promovidas. O estudo em discussão não mencionou esses problemas. 

O trabalho em questão sugeriu que "médicos deveriam começar a perguntar a seus pacientes sobre o uso de terapia não convencional sempre que fizerem uma anamnese". Embora o retardo em buscar assistência médica possa surgir tanto da "cura espiritual" e "orações" quanto da "medicina não convencional". Todavia os autores se recusaram a perguntar aos pacientes detalhes sobres esses dois métodos porque "não seria apropriado". 

O maior problema da pesquisa original foi seu exagero da prevalência do uso de métodos de saúde e nutricionais questionáveis, não comprovados, refutados e irracionais. As conclusões apresentadas nesse artigo têm sido repetidamente relatadas desde sua publicação. Isto especialmente tomou a forma de um mecanismo sutil de mudança de termo no qual o curioso e um tanto idiossincrático "medicina não convencional" foi convertido na definição dos autores de "medicina alternativa". Os autores não hesitaram em usar tal distorção de linguagem. Dr. Eisenberg argumentou arduamente que seus dados mostram a necessidade dos médicos em cooperar com seus pacientes no uso de qualquer que seja a forma de "medicina alternativa" que possa ser atrativa a eles.

Em 9 de setembro de 1997, por exemplo, a University of Texas–Southwestern e a Fundação de Pesquisa de Medicina Alternativa do Texas patrocinaram uma conferência CME em Dallas. O dr. Eisenberg foi o palestrante principal, e usou seu tempo para rever seus dados de 1990. Ele admitiu que boa parte da "medicina não convencional" considerada na pesquisa era essencialmente "auto-tratamento extendido". Ele então, sem outra explicação, começou a se referir a "medicina alternativa" e enfocou ervas, acupuntura e homeopatia. Não houve nenhuma discussão das "técnicas de relaxamento", as quais colaboraram com a maior parte do uso da "medicina não convencional" em seu artigo de 1993. Não houve nenhum comentário em relação a quiropráxia, massagem, imaginação ou "cura espiritual" ou de programas comerciais de perda de peso. Dr. Eisenberg, nesta mesma conferência em 1997, ridicularizou críticos da homeopatia como tendo tomado a posição de que, "não pode funcionar, então não funciona?"

Este trabalho foi apresentado na conferência "Science Meets Alternative Medicine" [Ciência Responde a Medicina Alternativa] patrocinada pela Scientific Review of Alternative Medicine na Filadélfia (EUA) em 27 de fevereiro de 1999. Naquela época, um comentarista sugeriu que o Dr. Eisenberg dificilmente podia colaborar de que maneira outros podem interpretar erroneamente seu trabalho. Mas em setembro de 1998 Dr. Eisenberg foi co-autor de outro artigo que apareceu no Journal of the American Medical Association [JAMA 280:784-787]. A segunda sentença daquele relato afirmou: 

Sabemos há vários anos que aproximadamente 1 em cada 3 adultos nos Estados Unidos usam quiropráxia, acupuntura, homeopatia, ou uma entre muitas outras modalidades terapêuticas. 

A referência para este "fato conhecido", obviamente, era o artigo de 1993 do NEJM. Felizmente, essa impostura não apareceu na pesquisa de seguimento do Dr. Eisenberg, um relato da qual apareceu no último novembro [2001] na JAMA. Porém neste relato atualizado fundamentado nos dados de 1990, não houve nenhum simulacro sobre "medicina não convencional". Métodos não racionais foram referenciados como "medicina alternativa" por toda parte. Também houve, nesta época, um  reconhecimento de que havia terapias "mais alternativas" e "menos alternativas" entre aquelas consideradas tanto nos dados de 1990 como na pesquisa de seguimento com os 2055 participantes em 1997. 

Mas não houve nenhuma tentativa de separar quais terapias eram "mais alternativas" ou "menos alternativas". Não foi dada nenhuma consideração em como distingüir terapias "mais alternativas" das "menos alternativas". Não houve nenhuma tentativa de identificar se uma aplicação particular de uma terapia era consistente com os fatos e a razão ou não. 

Os principais dados apresentados na pesquisa de seguimento são mostrados na Tabela 4.

Tabela 4 (De Eisenberg et al, 1998; JAMA 280:1569-1575)
Tipo de Terapia

Usados nos últimos 12 meses: 1990

Usados nos últimos 12 meses: 1997

Técnicas de Relaxamento

13,1

16,3 *

Remédios de Ervas

2,5

12,1 ‡

Massagem

6,9

11,1 ‡

Quiropráxia

10,1

11,0

Cura Espiritual

4,2

7,0 †

Megavitaminas

2,4

5,5 ‡

Grupos de Auto-Ajuda

2,3

4,8 ‡

Imaginação

4,2

4,5

Dieta Comercial

3,9

4,4

Remédios Populares

0,2

4,2 ‡

Dietas de Estilo de Vida

3,6

4,0

Cura Energética

1,3

3,8 ‡

Homeopatia

0,7

3,4 ‡

Hipnose

0,9

1,2

Biofeedback

1,0

1,0

Acupuntura

0,4

1,0 *

1 ou mais terapias (excluindo
   exercícios e orações)

33,8

42,1 ‡

* P 0,05; † P 0,01; ‡ P 0,001

Muitos dos mesmos problemas do artigo de 1993 aplicam-se a esta pesquisa atualizada. Por exemplo, terapia de relaxamento e massagem ainda não foram esclarecidos, embora fosse dito que isso seria resolvido cinco anos antes no trabalho de 1993. 

No conjunto, o artigo de 1998 é ligeiramente menos polêmico que o de 1993. Dado ao sucesso promocional do relato anterior, talvez já não houvesse necessidade de ser mais enfático. Em 1998 simplesmente é declarado que, "a prevalência e a despesa associadas com terapias médicas alternativas nos Estados Unidos têm aumentado substancialmente", e que, " a magnitude da demanda por terapia alternativa é digna de nota". Eisenberg e seus co-autores não especulam o porquê disso, mas expressa uma espécie de interesse imcompreensível em seus achados, "na luz das taxas relativamente baixas de cobertura do seguro-saúde para esses serviços". 

Eles de fato especulam que o aumento da cobertura do seguro em "medicina alternativa" quase certamente aumentaria seu uso no futuro. Mas não respondem a questão se o aumento do uso de "medicina alternativa" desde a pesquisa de 1990 tinha trazido algum beneficio à saúde. Pelo contrário, eles chamam atenção apropriada aos perigos dos efeitos adversos, particularmente nos idosos e enfermos. Mas seus dados não são de nenhuma ajuda em acessar este mesmos riscos graves e não é oferecida nenhuma sugestão para resolvê-los. 

Em outra parte, Dr. Eisenberg sugere que os médicos "supervisionem" o uso de "medicina alternativa" por parte de seus pacientes e até mesmo compartilhem sua assistência com praticantes da "medicina alternativa". Mas mesmo na atualização da pesquisa de 1998, Eisenberg e seus colaboradores não sugerem que os médicos façam uma tentativa de educar seus pacientes ou tentem desencorajar ou restringir o uso de métodos não comprovados e ineficazes pelos pacientes. 

Mais preocupante é a ausência de comentários sobre a principal força propulsora por detrás da medicina alternativa - um frouxo ambiente regulador do mercado. O relato de 1998 erroneamente assume que o uso da medicina "alternativa" reflete uma demanda por ela e (ou) insatisfação com a assistência biomédica. 

Dois anos após a coleta de dados da pesquisa original de Eisenberg, o Congresso destinou fundos para aquilo que iria se tornar o Office of Alternative Medicine (OAM) [Escritório de Medicina Alternativa]. O ímpeto foi a vontade de um senador, Harkin de Iowa que usou sua presidência do comitê para destinar fundos por causa de sua crença pessoal em pólen de abelha e outros remédios ineficazes. O OAM cresceu com o aumento dos fundos para o Center for Complementary and Alternative Medicine [Centro de Medicina Complementar e Alternativa].

Um ano após o trabalho de 1993 do NEJM, o Dietary Supplement Health and Education Act (DSHEA) liberou a indústria dos produtos naturais [health food] de grande parte do controle regulador da FDA. Logo após ocorreu uma avalanche de cobertura crédula por parte da mídia de alegações e práticas não comprovadas. Uma crescente onda de dólares publicitários foi jorrando na mídia impressa e eletrônica. Essa combinação potente não foi coincidência. Ideologicamente motivou fundações privadas como a Fetzer Foundation de 300 milhões a despejar milhões de dólares em cursos e pesquisas em escolas médicas, patrocinou a série "Cancer and the Mind" [Câncer e a Mente] de Bill Moyers da PBS, patrocinou o estudo de Eisenberg além de seu curso na Harvard Medical School e cursos anuais de pós-graduação para médicos e outros profissionais da saúde. Este e o primeiro paper de Eisenberg em si agiram para criar uma percepção de que a "medicina alternativa" é segura, eficaz e pelo menos tão boa, senão melhor que, a biomedicina científica. 

Os autores não comentaram sobre o fato de que o uso de acupunturistas, homeopatas e quiropráticos permanece estável por mais de 10 anos, enquanto a "medicina alternativa" responsável pelo grande aumento no uso, mais que o triplo entre 1990 e 1997 foi a constituída de remédios de ervas vendidos sem receita médica, remédios de tradição popular e produtos homeopáticos, todos tiveram marketing agressivo no rastro da DSHEA. Grandes fabricantes estão lançando versões herbáceas e homeopáticas de seus produtos estabelecidos e de nome. Vendas de vitaminas lentas por comparação, tinham sido anteriormente comercializadas em grandes quantidades por anos. Por outro lado, muitos "suplementos nutricionais" combinam ervas, vitaminas, bem como ingredientes adicionais e podem ser alegados como homeopáticos. Desse modo, um consumidor ao adquirir um único "suplemento nutricional" desse tipo, e que é vendido sem receita, contribuíria para um aumento da prevalência do uso de diversas formas diferentes de "medicina alternativa". 

Em 1996, sob pressão de acupunturistas organizados, a FDA reclassificou as agulhas de acupuntura como "aparelhos médicos" Classe II, o que permite seu uso e alegações associadas de vários benefícios à saúde. Em 1997 o OAM, em associação com seu antigo Diretor interino, cuidadosamente orquestrou um encontro aparentemente tendencioso que publicou uma declaração de consenso em favor da acupuntura. O artigo de 1998 de Eisenberg nada mencionou a respeito dessas ocorrências, enquanto maravilhava-se com a alegada demanda do público por "medicina alternativa". Permaneceu a impressão de que acupuntura e produtos "naturais" são seguros, eficazes, e até mesmo constituem "fronteiras" da ciência médica. 

Eisenberg não se pronunciou de que maneira esses fatores podem ter afetado sua informação da pesquisa atualizada de 1997. Embora sejam cruciais para qualquer avaliação. Fabricantes estão agora vendendo produtos que são, para todas intenções e propósitos, medicamentos. Mas, legalmente, como "suplementos nutricionais", eles são "alimentos". Mesmo produtos alimentícios estão agora trazendo ingredientes à base de ervas, como sopas contendo Erva de São João e flocos de milho com kava. 

Qualquer discussão séria da prevalência, sem contar as implicações médicas e de saúde pública da "medicina alternativa", será improdutiva até que e a menos que sua terminologia seja esclarecida. E se medicina "não convencional" não pode ser distingüida da "medicina alternativa", "medicina complementar", "medicina integrativa" e charlatanismo, então nada restará para ser chamado de charlatanismo ou promoção ilegal. Da mesma forma, se a medicina não pode ser distingüida de exercícios, orações, relaxamento, práticas de auto-ajuda, e outros "auto tratamentos extendidos", então nada restará que não seja medicina. Essas questões são importantes não apenas cientificamente, mas também no contexto social, cultural e econômico do progresso médico-científico continuado em meio aos crescentes custos da assistência médica. Infelizmente, Dr. Eisenberg, seus colaboradores, a imprensa leiga e médica e outros comentaristas têm ocultado ao invés de esclarecer, atrapalhado ao invés de ajudar, os esforços honestos para confrontá-los. 

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Dr. Gorski exerce obstetrícia e ginecologia em Arlington, Texas, e é presidente do Greater Dallas-Fort Worth Council Against Health Fraud [Conselho contra fraudes na saúde da Grande Dallas e Fort Worth].

Scientific Review of Alternative Medicine ||| Quackwatch em português

Este artigo foi publicado em 16 de março de 2002.

Tradução completada em 22 de fevereiro de 2003.

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