Solidão
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Sombras passam apressadas, correm imóveis, formas distorcidas que se assemelham a realidades, o mesmo cenário, os mesmos actores, as mesmas falas... todos os dias, todas as horas a mesma rotina. Lentamente pelo seu trilho de ferro avança a locomotiva, procurando chegar ao seu destino, na sua monotonia diária, sua... nossa!!... Pois somos dois viajantes inseparáveis, na nossa rotina. Estamos em Abril e chove; talvez seja da chuva, talvez seja da solitária viagem, talvez seja de min, talvez.. não sei! Só sei que me sinto melancólico e solitário, principalmente solitário, mesmo no meio de uma multidão de amigos, estou sempre só...

    Lentamente a escuridão da noite vai sendo conquistada pela luz do dia, e embora o dia nasça, o sol esconde-se atrás de um véu negro, chorando lágrimas de dor e tristeza. Finalmente chego ao destino, o dia acabou de nascer, e qual criança chora..., no ar brinca uma ligeira brisa, que implicava com um pedaço de jornal que repousava sobre as pedras da calçada, levando-o no ar, até ao rio, onde lentamente se afoga na mágoa dum fado que trina no ar, adormecendo a névoa que repousava no ar. Estava a começar um novo dia...

    O dia passou lentamente e angustiante, mas por fim estou de regresso, a velha companheira lá estava, fielmente, à minha espera, para me levar de regresso. Mais uma viagem solitária, só eu e as sombras. O dia ia-se consumindo lentamente na fogueira da escuridão; a chuva continuava, afugentando a lua, rainha da noite. Não tarda e a locomotiva parte hesitante. Ao som metálico do chiar dos carris, meu coração sofre e chora, chora por quem partiu... ter-lhe-ia dado a lua, o sol, as estrelas... e ela oferecido o seu belo olhar, o seu doce sorriso... mas o prazer é efémero, e a dor eterna, e os céus mandaram regressar o seu belo anjo, que alegrava o meu ser.

    Mais uma paragem... ainda agora começou a viagem e já estava cansado. A porta abriu-se lentamente, e por ela passa uma sombra, procurando refugiar-se da chuva. Lentamente, avança, pela graciosidade do caminhar a sombra tem de ser feminina. Lentamente, retira a sua capa molhada, e foi então que no meu ser algo renasceu, qual fénix renascida das cinzas, uma centelha de fogo se reacendeu. Aqueles olhos!... Aqueles lábios!... Aqueles cabelos!... Aquele ser!... Não podia ser!?... Aquela bela mulher que se encontrava diante a minha visão era a reprodução da minha falecida amada...

    Nova paragem... e assim como entrara, aquele belo vulto saiu, deixando a dúvida no meu pensamento, torturando a minha alma. Finalmente a minha estação. Num turbilhão de ideias, afogado nas ondas do pensamento fui para casa. Nessa noite não dormi... os pensamentos fugiam, passavam velozmente, estava num estado febril, alucinado, delirando. Maldição, Maldita vida.. primeiro a tristeza da perda do ser amado, e agora isto!!! estarei a ter alucinações?... Ou o que vi era realidade?... Estará a perda a afectar a minha sanidade mental?... Será que em todo o vulto que observo, vejo nele reflectida a imagem da minha amada?... Quem sabe??... Eu não...

    A hora de partir chega novamente, pelo menos durante o dia não vou pensar mais nisto, tão ocupado estará o meu cérebro. Chegado à estação lá estava a locomotiva à espera para partir, como que só esperasse por min, único passageiro nestas madrugadas solitárias. A noite ainda mantinha o seu vigor, a luz do dia ainda demoraria a destronar o caos da escuridão. Continuava a chover... A chuva constante elemento do cenário, que desde a morte daquele anjo caía ineterruptamente, como que lamentando a perda daquela doce musa.

    Embrenhados na escuridão avançamos pelos velhos carris de ferros que gemem pela minha perda, cada paragem é mais um minuto de angústia. A chuva cai cada vez mais, é com dificuldade que avançamos, chegamos a mais uma nova paragem, do caos surge um anjo, aquela bela donzela do dia anterior, sai do escuro da noite, para com sua luz iluminar minha alma. Quem seria???... Seria real?... Não o sabia, mas nestes dias de loucura, o que é que eu sabia?... Absolutamente nada, apenas que a dor massacrava o meu coração, e me arrastava para o abismo do esquecimento.

    Aventurando-se na noite a locomotiva parte, levando apenas dois passageiros, do outro lado da carruagem sentia seus olhos negros, o seu doce respirar... O que era este sentimento em min, o que era isto que crescia em min?? O que era não sei, só sei que era mais forte que a minha dor, algo estava a dominar-me. Inconscientemente, levantei-me e lentamente caminhei para a doze dama, o que se passou naquele momento não me lembro, apenas recordo de falarmos durante toda a viagem, tal era o meu estado. Embriagado pela dor ou pelo prazer de nada me lembro, apenas sei que guardo a sua imagem na minha memória, tudo o dia pensei nela... O que se passa comigo??? 

    A noite chegou, e a hora de regressar também, mas agora já não estava só, tinha companhia, a minha nova amiga esperava por min, e assim entramos no comboio. A chuva continuava, o vento varria as ruas enraivecido, a sua fúria aumentava a cada momento, e a velha locomotiva mal conseguia avançar, mas lutava, até que sucumbiu às agruras, e ficamos os dois da escuridão...

    O tempo passou, e ninguém chegou, parecia tudo deserto, era já tarde, bastante tarde, e aqui estávamos nós, esperando... Subitamente as luzes tremeluzentes do tecto apagam-se, minha companheira fica com medo, tento tranquiliza-la, pois de certo não iria demorar, muito estaríamos de novo a caminho, mas ela continuava nervosa, como receando o escuro, ou a noite. A certo momento, nossos lábios tocam-se, ardendo de paixão, meu coração bate forte, querendo fugir. Finalmente adormeceu nos meus braços qual criança inocente.

    A noite estava escuro, não era só pela chuva... mas apesar da escuridão, minha alma já não estava tão negra, a dor parecia ter finalmente passado... puro engano, pois a dor estava apenas ocultada, esperando o momento para regressar.

    Da escuridão da noite, um raio foge iluminando todo em seu redor, olho para musa que dormia em meus braços, e... Oh!!! Meu Deus... O que era o que dormia nos meus braços, não era a bela donzela que dormia anteriormente, certamente o não era... O que seria deixo à vossa imaginação, pois prefiro não imaginar o que seria, apenas lhe digo que era algo de tão ignóbil, algo que assombra os nossos pesadelos...

    Angustiado e perdido na minha dor, afogado nos meus pensamentos fugi, e para sempre fujo daquele momento. Agora corro com o vento, perdido nas brumas dos tempos, esperando a morte que acaba com este sofrimento. Para toda a eternidade grito minha dor ao vento, velho vagabundo agora sou, chamam-me louco, talvez o seja... Talvez tudo tenha sido fruto da minha imaginação febril e delirante, mas também pode não ter sido...



 

 

©Lord Raven

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Last modified: Setembro 02, 2001
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