A Influência da Abolição da Pena de Morte na Evolução do Sistema Penal Português. O Valor Positivo da Abolição da Pena de Morte no Sistema Jurídico

 

6. A prevenção especial mediante eliminação ou segregação do delinquente: O perigo de se sobrepor necessidade a justiça

O que (explicando)

A pena, para prevenir a reincidiva no crime, tem por fim a ressocialização do delinquente. Contudo, quanto a criminosos gravemente perigosos em que a ressocialização se antolha impossível, a segurança social exigiria, como meio de defesa social, a sua segregação ou eliminação.
Não é contestável que a eliminação pela morte é definitiva. Mas o juízo sobre a perigosidade criminal é sempre um juízo de probabilidade. Por isso a lei penal portuguesa só contempla a categoria de delinquentes de difícil correcção, e não de supostos incorrigíveis.
Mais grave, porém, é a perversão de ideias, o embuste de etiquetas a que o fim de segurança da sociedade contra delinquentes graves e perigosos dá lugar. A pena de morte não atingiria o delinquente, porque e na medida em que é culpado, mas porque é perigoso; a eliminação pela morte, sob a veste nominal da pena, toma então a feição de medida de segurança. E a confusão é extremamente perniciosa. Não raro se defende que à medida de segurança basta para sua justificação a utilidade social, independentemente de qualquer razão de justiça. Sem outros entraves à intervenção do Estado na esfera jurídica individual, cautelosamente circunscrita pela legalidade na aplicação das penas, aquele mover-se-ia arbitrariamente no âmbito das novas medidas da defesa social.
É mister vincar que as medidas de segurança, precisamente porque prescindem de uma reprovação, em razão da culpa, dos que a ela são sujeitos, só é legítima quando nela confluem simultaneamente a realização do fim de defesa social e o interesse individual. A segregação ou eliminação pela morte equivale, em substância, à aplicação da pena capital com dispensa de verificação da correspondente culpa.
É assim que se derrubam as barreiras que protegem a vida e a dignidade do homem, e se escancaram as portas por onde pode jorrar, em sucessivas torrentes, a eliminação, no interesse social, já não somente dos delinquentes perigosos, mas dos indivíduos socialmente nocivos, dos dementes incuráveis, ou a hecatombe dos genocídios…

 


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Last modified: December 22, 2004

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