A Influência da Abolição da Pena de Morte na Evolução do Sistema Penal Português; O Valor Positivo da Abolição da Pena de Morte no Sistema Jurídico

 

1. Saudações

Senhor Presidente da República
Senhor Cardeal Patriarca
Senhor Ministro da Justiça
Senhor Presidente da Academia das Ciências
Ilustres Sócios da Academia das Ciências
Minhas Senhoras e meus Senhores

«Fica abolida a pena de morte». É este o singelo contexto do artigo 1.º da lei sobre a Reforma Penal e das Prisões promulgada por D. Luís I, em 1 de Julho de 1867, prefaz hoje um século.
Em comemoração do centenário da abolição da pena de morte em Portugal, deliberou a Academia das Ciências promover uma sessão solene de que se dignou assumir a presidência Sua Excelência o Chefe do Estado; e houve por bem fazer participar na solene comemoração as Faculdades de Direito portuguesas; por isso, como Professor de Direito Penal da Faculdade de Direito de Lisboa, recebi a subida honra e o pesado encargo de orador nesta sessão.
Devo a tão generoso convite da Academia das Ciências um primeiro e altíssimo privilégio: o de poder, desta tribuna, saudar V. Ex.ª, Senhor Presidente da República. É privilégio de que uso com os limites que o respeito e veneração me impõem para que não ressalte por demais neste lugar o forte sentimento pessoal de gratidão pela benevolente estima que sempre me concedeu e me dá ensejo de proclamar o meu regozijo e reconhecimento pela presença de V. Ex.ª nesta sessão, a qual outorga o seu verdadeiro significado à comemoração da abolição da pena de morte em Portugal.
Não posso deixar de notar que a abolição legal da pena de morte é, na generalidade dos Estados em que foi decretada, precedida de um período mais ou menos longo de desuso, de abolição de facto, que o ambiente cultural fomenta, a humanização dos costumes favorece, a opinião geral aplaude e a actuação das mais altas autoridades do Estado consagra.
Entre nós a última execução da pena capital por crimes comuns teve lugar em Abril de 1846; quer isto dizer que no domínio do Código Penal de 1852, embora prevista na lei, nunca foi aplicada. Para tanto concorreu de modo decisivo El-Rei D. Pedro V que durante o seu reinado sistematicamente indultou todas as condenações à pena capital.
A inteligência e bondade do monarca, a sua forte consciência do dever e a sua compreensão clara da importância do sistema penal no progresso da cultura e da civilização, fizeram dele o firme impulsionador do movimento de reforma que deveria culminar, no reinado seguinte, com a abolição da pena de morte. Ao projecto de Código Penal da autoria de LEVI MARIA JORDÃO, cujos princípios e ideias estão na base da lei abolicionista de 1867, quis o autor que, quando promulgado, viesse a ser denominado Código Penal de D. Pedro V.
A abolição da pena de morte, de mero facto negativo tornou-se, como era mister, em elemento positivo fundamental da ordem jurídica portuguesa. Constitui uma garantia individual, assegurada expressamente pela Constituição vigente, como já era pela Constituição anterior; efectivamente, o n.º 11 do artigo 8.º da Constituição Política de 1933 reza assim: «Não haverá penas corporais perpétuas, nem a de morte, salvo quanto a esta o caso de beligerância com país estrangeiro e para ser aplicada no teatro de guerra».
É V. Ex.ª, Senhor Presidente da República , o mais alto guardião da Constituição e por isso também este princípio fundamental nela inscrito. À experiente prudência e à firme inteligência de V. Ex.ª está confiada, no cume do Estado, a defesa do espírito de que derivou a abolição da pena de morte. E essa circunstância é para mim motivo seguro de confiança e reconhecimento.
Senhor Presidente da Academia das Ciências:
Ao aceder ao convite que em nome da Academia das Ciências me dirigiu V. Ex.ª para dar voz, nesta sessão, aos seus nobres intentos, não me ocorreu desde logo a grandeza do encargo. Pesa-me verificar que dificilmente e no breve espaço de uma oração poderei corresponder ao que de mim a sábia Academia confiou, e por isso, ao cumprimentar respeitosamente V. Ex.ª e a Academia das Ciências, sinto, menos por humildade do que por dever, a conveniência de lhes apresentar as minhas antecipadas desculpas.

 


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