Noções Gerais de Direito (Cap. III - fim)

 

34 - Factos ilícitos penais e factos ilícitos civis

Os factos ilícitos são, portanto, necessariamente factos voluntários.
E são ilícitos enquanto, por um lado, lesam a esfera jurídica de terceiros, e por outro lado, enquanto essa lesão tem a sua origem na vontade, depende da vontade do homem.
A apreciação jurídica dos factos ilícitos é, por assim dizer, pluridimensional. Atenderá à natureza e extensão do dano causado; e também à sua origem voluntária.
Simplesmente, a estrutura do facto humano, relevante para o direito, pode ser apreciada sob perspectiva mais complexa, mais próxima da apreciação moral, ou tendo em atenção uma estrutura simplificada do acto humano, acentuando sobretudo o aspecto do dano causado e, por isso, o interesse do lesado.
Para esclarecer a escala progressiva na apreciação jurídica dos actos humanos, enquanto factos ilícitos, convirá, porventura, partir do confronto entre o ilícito penal (ou crime) e o facto ilícito civil.

a) O crime

O acto humano, enquanto objecto de valoração jurídica, será sempre um acto interior e exterior conjuntamente; isto é, uma vontade contrária à lei, e uma exteriorização ou realização da vontade no mundo exterior, igualmente contrário à lei.
A vontade, enquanto não opera no mundo exterior, não contende com a convivência social, não lesa os direitos e interesses de terceiros. Pode ser e é uma vontade reprovada pela moral, mas não é disciplinada pelo direito.
No crime haverá sempre que ter em conta o desvalor do acto exterior (acto objectivamente ilícito) e o desvalor do acto interior ou da vontade (culpabilidade).
Do ponto de vista objectivo, o desvalor da acção humana mede-se pelo mal objectivo causado, ou seja pelo desvalor do resultado ou evento da acção, (a morte da vítima no homicídio, a destruição ou danificação de coisas alheias no crime de dano, etc.) que constitui a lesão do interesse de outrém, ou seja o dano, e ainda pelo desvalor do acto, da actividade que produz esse dano, isto é, não só pela lesão de um interesse tutelado por lei, mas também pelo modo da lesão (por exemplo, o prejuízo patrimonial que consiste no não pagamento de uma dívida, pode ser muito maior do que causado por um furto, e no entanto só este último, em razão do modo da lesão, constitui um crime, e não aquele).
Os actos humanos hão-de considerar-se, porém, não apenas enquanto actividade e resultado dessa actividade; importa atender às circunstâncias que os envolvem, circunstâncias relativas ao agente (qualidades que lhe respeitam), ao tempo, ao lugar, ao instrumento de que se serve o agente, ao objecto material, etc..
Tais circunstâncias podem ser essenciais para determinar a ilicitude do próprio facto (assim, a qualidade de alheia da coisa, objecto de furto, é que transforma a subtracção duma coisa em furto). Em tais casos, porém, as circunstâncias como que qualificam ou definem o próprio objecto jurídico, o interesse que é lesado pelo ilícito penal.
Isto no que respeita ao acto considerado na sua realização, enquanto acto exterior.
O acto interior, donde aquele promana, ou vontade, também apresenta largas perspectivas para a apreciação jurídica. O desvalor da vontade costuma denominar-se culpabilidade ou culpa em sentido lato.
A vontade pode considerar-se no maior grau de liberdade e consciência que a caracterizam; pode ser considerada em função do fim para que tende; pode ser considerada nos motivos ou nas inclinações ou disposições de carácter que a impelem.
Dum ponto de vista simplificado pode dizer-se que como acto exterior o acto humano se valora em função do seu objecto; e como acto interior, como vontade, em função do seu fim, sendo certo que o fim é para a vontade o seu objecto.
Parece claro que o valor ou desvalor de um fim, resultará naturalmente do valor ou desvalor do objecto em que se integra ou realiza esse fim.
E sendo assim verificar-se-á uma concordância entre o valor objectivo e subjectivo do facto, sempre que a lesão do interesse, seja ao mesmo tempo o fim subjectivo da vontade do agente, e poderá verificar-se se uma contradição entre o valor positivo da vontade em função do fim subjectivo, e o desvalor do acto exterior em função da lesão do interesse jurídico, que constitui o seu objecto, ou vice-versa.
Desde que o acto exterior voluntariamente querido seja objectivamente ilícito, o fim subjectivo de valor positivo não o transforma em lícito; como aliás, em moral o não qualifica como bom.
Os meios utilizados para alcançar um fim devem ser intrinsecamente também morais. Um fim meritório não destrói a malícia dos meios ilícitos utilizados.
Pode, pois, a dupla e diferenciada valoração da vontade e do acto exterior, determinar uma graduação ou atenuação da gravidade do mal praticado.
Quando o acto exterior seja objectivamente lícito, o fim moral que seja subjectivamente procurado não destrói em geral a licitude do facto, diferentemente do que sucede no campo da moral.
O direito só respeita à vida social; os seus critérios de valoração limitam-se a qualificar os actos que afectam ou contendem com outrém.
Mas se é assim no que respeita à essencialidade do facto criminoso, este é contudo susceptível de graduação, de mais e de menos, quer no que respeita à gravidade do acto exterior, quer no que respeita à gravidade da culpabilidade. Essa graduabilidade repercutir-se-á na medida da sanção penal.
Tanto o ilícito objectivo, em função do desvalor do objecto, ou do modo da lesão, ou das circunstâncias, como a culpabilidade tanto em função da liberdade e consciência da vontade como do seu fim, ou motivos ou das predisposições da personalidade do agente, são graduáveis.
É a consequência da pluralidade de aspectos que concorrem para a determinação do mérito ou demérito da acção humana.
Esta apreciação pluridimensional molda-se fundamentalmente sob os critérios de qualificação da própria ordem moral, deformando-os relativamente, enquanto acentua o aspecto que atenta ou afecta a esfera de outrém, olvidando tudo o que respeita exclusivamente ao agente em si mesmo, sem repercussão objectiva na vida social.

b) O facto ilícito civil

Mais simplificada nos surge já a estrutura do facto ilícito civil.
É por definição um acto contrário à lei; mas na ilicitude civil a estrutura do facto ilícito é mais simplificada. Progressivamente, e comparando-o com o ilícito penal, reduzem-se as perspectivas da sua apreciação multiforme, deixando sobressair o aspecto fundamental da lesão do interesse alheio.
Em princípio, o facto ilícito civil é ainda um facto voluntário causador de dano ou prejuízo, enquanto lesa o interesse que a regra jurídica infringida tutela ou garante.
Mas como que desaparece já a multiplicidade de aspectos a considerar no acto humano, em matéria de responsabilidade penal.
O acto exterior não se diversifica em geral, no respeitante ao modo de comportamento ou actividade causadora do dano. É em geral todo o acto que produz um dano ilícito, a lesão de um interesse tutelado pela ordem jurídica.
O grau ou importância do ilícito, objectivamente considerado, mede-se quase exclusivamente pela importância e montante do próprio dano; o modo da lesão e as circunstâncias, como que desaparecem, na conceituação jurídica civil, em homenagem à conveniência de atender sobretudo ou quase exclusivamente à necessidade de garantir a tutela do interesse criado, assegurando a sua conservação ou compensação.
E assim, o comportamento causador do prejuízo é ilícito objectivamente desde que viole a diligência objectiva que, relativamente aos interesses de terceiros, tutelados pela ordem jurídica, se impõe. Nenhuma outra delimitação do comportamento ilícito se enuncia em geral. Basta definir o acto causador do dano ilícito, em função da falta de diligência que objectivamente ponha em risco indevido a segurança do interesse tutelado.
No demais, e ainda quanto ao acto exterior, importa que esse comportamento indevido seja causa de dano ou prejuízo.
Ao lado, portanto, do acto indevido, como causa, deverá verificar-se um dano.
O dano ou prejuízo é sempre a ofensa ou lesão dum interesse. Consoante a natureza patrimonial ou moral do interesse lesado, assim o dano poderá ser um dano patrimonial (avaliável em dinheiro) ou moral (não avaliável em dinheiro).
Tanto os danos patrimoniais como os danos morais beneficiam de tutela legal; e a sua ofensa pode acarretar sanções jurídicas civis (os danos morais são também ressarcíveis, como determina o art. 496º do Código Civil).
Os danos causados pelo acto ilícito podem, em outra perspectiva, distinguir-se em danos emergentes, se determinam uma diminuição efectiva do património preexistente, e lucros cessantes, quando consistam na frustração de um ganho, duma expectativa legítima de aumento de património.
O dano deve ser causado pelo comportamento indevido do agente. Só são de considerar os danos que o lesado "provavelmente" não teria sofrido se não houvesse lesão (Cód. Civil, art. 563º).
A imputação do dano ao autor do acto ilícito implica um nexo de causalidade adequada; assenta num juízo de probabilidade quanto à sequência do dano ou acto cometido, segundo as regras da experiência comum e geral.
Quanto ao acto interior, à vontade, toma esta normalmente a forma de culpa. O acto exterior deve ser dependente da vontade. Não cuida o direito, quanto à responsabilidade civil, de apreciar a vontade em toda a amplitude e riqueza da sua estrutura. De algum modo, simplifica tanto o conceito de voluntariedade que como que o destaca do próprio agente.
A culpa do agente, isto é, dependência do seu comportamento da vontade, não se mede em concreto, mas em abstracto. Quer dizer, entende-se haver culpa não apenas se o agente podia evitar, usando a sua vontade, o dano, e podia ele próprio prever esse resultado, mas também, se nas circunstâncias do caso, a generalidade das pessoas, ou seja a figura abstracta de um bom pai de família, do homem normal, pudesse prever e evitar o dano que o seu comportamento causaria - ainda que o agente em concreto não o pudesse prever ou evitar - (Cód. Civil, art. 987º).
E enquanto o crime é, em princípio, sempre intencional ou doloso, o facto ilícito é em princípio sempre meramente culposo.
O dolo tem valor diminuto, e nunca essencial, na fixação da responsabilidade civil; tem valor decisivo e é quase sempre pressuposto essencial da responsabilidade penal. Este conceito abstracto e formal da vontade culposa, de culpa em abstracto, faz atribuir culpa àqueles que no caso concreto efectivamente a não tenham. Tal separação da realidade e do conceito jurídico que a recobre, ainda se acentua na distinção do conteúdo da imputabilidade civil e penal.
O homem, desde que alcança, pela idade, maturidade de espírito, possui naturalmente uma vontade consciente e livre; por isso se presume imputável.
A imputabilidade será então só excluída por doença mental, ou por circunstâncias que acidentalmente o privem da inteligência e liberdade (embriaguez, por exemplo).
Mas enquanto, mais em conformidade com a verdade, a imputabilidade penal implica a maioridade de 16 anos, na imputabilidade civil apenas exige a maioridade de 7 anos (Cód. Civil, art. 488º). Ora dificilmente se poderá admitir como regra que todos os indivíduos com mais de 7 anos são capazes de entender e de querer, consciente e livremente. A presunção da lei força a realidade natural para a acomodar a soluções de justiça devida a terceiros.

35 - A responsabilidade civil

Pretendemos, ao comparar a estrutura dos factos ilícitos penais e civis e comparando os critérios para a sua qualificação com os pertinentes à moral, mostrar a maior proximidade do critério de determinação do ilícito penal dos critérios de valoração moral.
Por outro lado, o confronto que esboçámos, não deve induzir à conclusão de que o direito defrauda ou trai os princípios da moral, enquanto a simplifica ou dela se separa, sem pretender contradizê-la. A razão, como parece ter-se deixado entender, está em que o direito normalmente aprecia a actividade humana na perspectiva dos "outros", enquanto actividade social.
Daí a exclusão do aspecto meramente intrínseco, quando valores, que o são também de ordem moral, mas sempre com ressonância social, exigem, do ponto de vista social, uma segurança imperativa.
No domínio do direito privado, a violação da lei é sancionada por formas várias.
Em primeiro lugar a lei pode negar à actividade que pretende produzir efeitos jurídicos, prosseguindo interesses (mormente através de negócios jurídicos), esses mesmos efeitos. Ou seja, a actividade jurídica deixa de o ser, porque não conforme com a lei. São deste tipo as sanções que constituem as nulidades (nulidades ou anulabilidades de actos ou negócios jurídicos).
Desta sorte é, pela privação do interesse próprio que pretendia atingir, que se corrige a violação da lei pelo interessado.
Mas o facto ilícito civil é mais do que isso. É aquele facto voluntário que lesa interesses alheios. Aqui já não há apenas que privar os efeitos da vontade própria, enquanto se dirige a prosseguir interesses próprios. Importa reparar a lesão causada aos interesses alheios, isto é os prejuízos ou danos causados. É esta espécie de sanções civis que constitui o conteúdo da responsabilidade civil. Talqualmente o ilícito civil se distingue do ilícito penal, também a responsabilidade civil se distingue da responsabilidade penal.
A responsabilidade civil que se segue aos factos ilícitos civis consiste na reparação do dano: e este pode ser reparado ou pela restituição do interesse lesado, reconstituindo em espécie a situação anterior, ou pela sua compensação, isto é pela restituição não em espécie mas do equivalente em dinheiro (Cód. Civil, arts. 562º e segs.).
Diferentemente, aos crimes segue-se a responsabilidade penal, que não consiste na reparação do interesse directamente ofendido pelo crime, num restabelecimento do equilíbrio de interesses anterior à violação da lei. A responsabilidade civil, por isso, tem carácter essencialmente patrimonial e por isso a obrigação de indemnização que é seu conteúdo transmite-se aos herdeiros e pode igualmente ser cumprida por terceiros que não o infractor. Não tem assim natureza estritamente pessoal; o que importa é assegurar a reparação do dano causado.
Pelo contrário, a responsabilidade penal é de natureza pessoal; mais ainda, traduz a grandeza de reprovação ético-jurídica que é característica da pena; aproxima- se, está ligada de maneira mais ou menos directa ao conceito de responsabilidade moral; enquanto na responsabilidade civil se esbate consideravelmente esse sentido específico da responsabilidade. Daí que a pena corresponda à gravidade da culpabilidade.
Em geral, a sanção penal ou pena criminal só é cominada quando, mais do que reparar o interesse lesado, importa salvaguardar este, enquanto o seu respeito constitui condição necessária para a existência, manutenção ou progresso da própria comunidade.
O interesse lesado não é considerado em si mesmo, necessariamente através do seu titular, mas através da importância que assume para a boa ordenação da vida social no seu todo.
Há assim como que escalões diferenciados no modo de reacção da ordem jurídica à violação dos seus preceitos. De momento continuaremos referindo-nos somente à responsabilidade civil, cujos pressupostos já indicámos: acto ilícito, culpa e dano como resultado do acto indevido.
O acto indevido tanto pode ser um facto directamente lesivo de interesses de outrém (um delito civil) como consistir no não cumprimento duma obrigação. Donde a distinção de responsabilidade civil delitual e responsabilidade civil obrigacional. Os princípios gerais das duas espécies da responsabilidade civil traduz-se sempre na obrigação de indemnizar.
Indemnização, repete-se, consiste na restituição ou reconstituição da situação preexistente, ou na compensação do dano causado pela entrega do seu equivalente em dinheiro.
Para determinar o montante do dano ou prejuízo indemnizável, torna-se necessário reconduzi-lo como à sua causa provável à actividade do agente do facto ilícito (isto é que ele seja causado pelo facto do agente); e seguidamente o seu montante calcula-se medindo a "diferença entre a situação patrimonial do lesado antes da lesão e a que teria nessa data se não existissem danos (Cód. Civil, art. 566º, n.º 2).
O cálculo efectua-se, assim, pela chamada teoria da diferença que o Código Civil consagrou. Abrange essa diferença tanto os danos emergentes como os lucros cessantes a que já aludimos.
Não deve esquecer-se, porém, que o dano concreto é o que essencialmente se deve ter em vista, em primeiro lugar; e por isso a restituição prefere e antepõe-se à indemnização em sentido estrito, isto é a reparação compensatória.
Como se verifica, a obrigação de indemnização abrange tão somente o montante dos prejuízos; mede-se em razão e no limite desses prejuízos, diferentemente do que sucede na responsabilidade penal.
A importância do dolo ou da mera culpa (como forma da voluntariedade do facto ilícito) é, na responsabilidade civil, relativamente pequena.
O montante da indemnização, quando o facto ilícito causador do dano foi intencional ou doloso é sempre igual ao montante dos prejuízos; se a responsabilidade se fundar em mera culpa poderá a indemnização ser fixada, equitativamente em montante inferior ao que corresponderia aos danos causados, desde que o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado, e as demais circunstâncias do caso o justifiquem (Cód. Civil, art. 494º); há pois a possibilidade duma diminuição da compensação, mas só a possibilidade.
Mas, tanto na responsabilidade civil fundada em dolo como em culpa, nunca a indemnização poderá exceder o montante dos prejuízos que é a regra comum ou critério geral para fixação do montante da indemnização.

36 - A responsabilidade por risco; a indemnização por danos causados por factos ilícitos

O conteúdo da responsabilidade civil cifra-se na reparação do dano, de modo a reconstituir a situação alterada pela verificação do mesmo dano. Ora num dano, a lesão de um interesse legítimo pode não apenas ser originado por um facto ilícito cometido com culpa, mas também basear-se, em certos casos, no risco resultante de certas situações ou actividades, e que outrém vai assumir.
Negativamente o que caracteriza a responsabilidade por risco é que a obrigação de indemnizar não depende de culpa do que fica sujeito a essa obrigação.
Por isso usualmente se emprega para a designar, além da terminologia legal - responsabilidade por risco - estoutra de responsabilidade objectiva.
Dum ponto de vista positivo, a obrigação de indemnizar, na responsabilidade por risco, baseia-se na justiça da imputação da obrigação de indemnizar o lesado àquele que beneficia da actividade que produziu o dano.
Isso tanto pode suceder quando o dano seja produzido por facto ilícito e por culpa de terceiros cuja actividade esteja directamente ao serviço daquele a quem a lei impõe também o dever de indemnizar, como quando o risco de lesão de interesses de outrém resulta de actividades do próprio agente, que com essas actividades lucra, ou que as organiza, embora não exista culpa na sua forma de actuação.
Discute-se se a responsabilidade por risco é verdadeira responsabilidade. Na verdade, não se trata então de reparação de um dano como sanção de um facto ilícito. A obrigação de indemnização não forma o conteúdo duma verdadeira sanção, enquanto esta se define como reacção ao ilícito. Trata-se, antes, em harmonia com a equidade, de fazer suportar os prejuízos causados pela actividade ou empreendimento que se domina, por aquele que comanda ou beneficia dessas actividades. O "risco" da actividade perigosa ou recairá sobre quem sofre o prejuízo, ou sobre quem lhe deu origem, organizando o empreendimento, utilizando as coisas próprias e procurando dessa forma lucros ou interesses; parece, em muitos casos de justiça, que na alternativa indicada, o risco da reparação de prejuízos causados, mesmo sem culpa, recaia sobre quem está na origem da actividade perigosa.
Os casos de responsabilidade por risco são excepcionais (Cód. Civil, art. 483º, n.º 2).
No Código Civil, prevêem-se os seguintes:
1º - Responsabilidade do comitente (Cód. Civil, art. 500º) e das pessoas colectivas (Cód. Civil, art. 165º) É responsável o comitente (aquele que encarrega outrém de qualquer comissão), independentemente de culpa, pelos danos que o comissário (o que executa a comissão), desde que sobre este recaia também a obrigação de indemnizar.
É indispensável que a actividade do comissário tenha tido lugar no exercício de funções que lhe foram confiadas, ainda que desobedecendo às instruções recebidas. Isto é, o comitente só responde por danos que o comissário causar dentro da esfera que se deve considerar como respeitante ao fim da comissão.
Porque se trata de uma responsabilidade de facto de outrém ao serviço do comitente, essa responsabilidade cobre a do próprio comissário; quer dizer, é necessário que o comissário tenha cometido por culpa um facto ilícito gerador de responsabilidade civil, que com o mesmo objecto constitui responsabilidade por risco para o comitente.
O comitente que suportar o encargo da indemnização fica com o direito de ser reembolsado, a expensas do comissário, do que tiver pago.
Nos mesmos termos que os comitentes respondem civilmente, pelos actos ou comissões dos seus representantes, agentes ou mandatários, as pessoas colectivas.
2º - Responsabilidade do Estado e outras pessoas colectivas de Direito Público.
O art. 165º do Código Civil, refere-se às pessoas colectivas de Direito Privado, o art. 501º do Código Civil, aplica o mesmo regime ao Estado e às pessoas colectivas de Direito Público, pelos actos dos seus órgãos, agentes ou representantes no exercício de actividades de "gestão privada".
A responsabilidade de Estado ou pessoas colectivas de Direito Público por actos ou funções públicas dos seus órgãos ou funcionários rege-se por princípios diversos não contidos no Código Civil. É que então a responsabilidade do Estado ou outras pessoas colectivas de Direito Público (na gestão pública) é mais ampla; não se limitando aos casos em que o funcionário tenha agido ilicitamente e por culpa.
3º - Responsabilidade por danos causados por animais ou por veículos; ou por instalações de energia eléctrica ou gás (Cód. Civil, arts. 502º, 503º e 509º) Suporta o risco por danos causados por animais aquele que os utiliza, desde que os danos resultem do perigo especial que envolve a sua utilização (Cód. Civil, art. 502º).
Quanto a veículos e a danos causados por acidentes responde em princípio aquele que tiver a direcção efectiva do veículo e o estiver utilizando no próprio interesse.
Normalmente será portanto o proprietário do veículo; já não assim, se o carro é conduzido abusivamente por outrém, ou quando tenha sido cedido a outrém para o utilizar no próprio interesse.
A matéria de responsabilidade por acidentes de viação é completada pela regulamentação do Código da Estrada. À responsabilidade por danos por instalações de energia eléctrica ou gás se refere o art. 509º. Neste caso, porém, a responsabilidade objectiva é delimitada, não só pelos casos de força maior, como ainda quando a instalação se encontrar em boas condições técnicas ao tempo do acidente. É sempre objectiva a responsabilidade se o dano foi causado na condução ou entrega de electricidade ou gás.
Além dos casos enunciados no Código Civil,, há ainda casos de responsabilidade objectiva ou por risco e de enorme importância previstos em outros diplomas legais. Importa referir sobretudo a responsabilidade por acidentes de trabalho, que recai sobre os doadores de trabalho nos termos da legislação especial (Lei n.º 2127, de 3 de Agosto de 1965).
A responsabilidade por risco, porque se não baseia na culpa do responsável, tem limites que podem ser inferiores e até muito inferiores ao montante dos prejuízos.
Não em todos os domínios (responsabilidade por acidentes de trabalho), mas no domínio da responsabilidade por acidentes de viação, ou por danos causados por instalações de electricidade ou gás. No 1º caso esses limites estão previstos no art. 508º do Código Civil, (no caso de morte do sinistrado, 200 contos; sendo vários os sinistrados, no total máximo, seja qual for o número de mortos, de 600 contos; no caso de danos em coisas, 100 contos; no caso de danos causados por instalações de electricidade ou gás os limites são os fixados no art. 510º do Código Civil). É claro que tais limites não respeitam à responsabilidade por risco, e não abrangem os casos em que haja responsabilidade por culpa em que a responsabilidade em principio corresponde sempre ao montante dos prejuízos.

 


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