Os factos ilícitos são, portanto, necessariamente
factos voluntários.
E são ilícitos enquanto, por um lado, lesam a esfera
jurídica de terceiros, e por outro lado, enquanto essa
lesão tem a sua origem na vontade, depende da vontade
do homem.
A apreciação jurídica dos factos ilícitos é, por assim
dizer, pluridimensional. Atenderá à natureza e
extensão do dano causado; e também à sua origem
voluntária.
Simplesmente, a estrutura do facto humano, relevante
para o direito, pode ser apreciada sob perspectiva
mais complexa, mais próxima da apreciação moral, ou
tendo em atenção uma estrutura simplificada do acto
humano, acentuando sobretudo o aspecto do dano causado
e, por isso, o interesse do lesado.
Para esclarecer a escala progressiva na apreciação
jurídica dos actos humanos, enquanto factos ilícitos,
convirá, porventura, partir do confronto entre o
ilícito penal (ou crime) e o facto ilícito civil.
O acto humano, enquanto objecto de valoração jurídica,
será sempre um acto interior e exterior conjuntamente;
isto é, uma vontade contrária à lei, e uma
exteriorização ou realização da vontade no mundo
exterior, igualmente contrário à lei.
A vontade, enquanto não opera no mundo exterior, não
contende com a convivência social, não lesa os
direitos e interesses de terceiros. Pode ser e é uma
vontade reprovada pela moral, mas não é disciplinada
pelo direito.
No crime haverá sempre que ter em conta o desvalor do
acto exterior (acto objectivamente ilícito) e o
desvalor do acto interior ou da vontade (culpabilidade).
Do ponto de vista objectivo, o desvalor da acção
humana mede-se pelo mal objectivo causado, ou seja
pelo desvalor do resultado ou evento da acção, (a
morte da vítima no homicídio, a destruição ou
danificação de coisas alheias no crime de dano, etc.)
que constitui a lesão do interesse de outrém, ou seja
o dano, e ainda pelo desvalor do acto, da actividade
que produz esse dano, isto é, não só pela lesão de um
interesse tutelado por lei, mas também pelo modo da
lesão (por exemplo, o prejuízo patrimonial que
consiste no não pagamento de uma dívida, pode ser
muito maior do que causado por um furto, e no entanto
só este último, em razão do modo da lesão, constitui
um crime, e não aquele).
Os actos humanos hão-de considerar-se, porém, não
apenas enquanto actividade e resultado dessa
actividade; importa atender às circunstâncias que os
envolvem, circunstâncias relativas ao agente
(qualidades que lhe respeitam), ao tempo, ao lugar, ao
instrumento de que se serve o agente, ao objecto
material, etc..
Tais circunstâncias podem ser essenciais para
determinar a ilicitude do próprio facto (assim, a
qualidade de alheia da coisa, objecto de furto, é que
transforma a subtracção duma coisa em furto). Em tais
casos, porém, as circunstâncias como que qualificam ou
definem o próprio objecto jurídico, o interesse que é
lesado pelo ilícito penal.
Isto no que respeita ao acto considerado na sua
realização, enquanto acto exterior.
O acto interior, donde aquele promana, ou vontade,
também apresenta largas perspectivas para a apreciação
jurídica. O desvalor da vontade costuma denominar-se
culpabilidade ou culpa em sentido lato.
A vontade pode considerar-se no maior grau de
liberdade e consciência que a caracterizam; pode ser
considerada em função do fim para que tende; pode ser
considerada nos motivos ou nas inclinações ou
disposições de carácter que a impelem.
Dum ponto de vista simplificado pode dizer-se que como
acto exterior o acto humano se valora em função do seu
objecto; e como acto interior, como vontade, em função
do seu fim, sendo certo que o fim é para a vontade o
seu objecto.
Parece claro que o valor ou desvalor de um fim,
resultará naturalmente do valor ou desvalor do objecto
em que se integra ou realiza esse fim.
E sendo assim verificar-se-á uma concordância entre o
valor objectivo e subjectivo do facto, sempre que a
lesão do interesse, seja ao mesmo tempo o fim
subjectivo da vontade do agente, e poderá verificar-se
se uma contradição entre o valor positivo da vontade
em função do fim subjectivo, e o desvalor do acto
exterior em função da lesão do interesse jurídico, que
constitui o seu objecto, ou vice-versa.
Desde que o acto exterior voluntariamente querido seja
objectivamente ilícito, o fim subjectivo de valor
positivo não o transforma em lícito; como aliás, em
moral o não qualifica como bom.
Os meios utilizados para alcançar um fim devem ser
intrinsecamente também morais. Um fim meritório não
destrói a malícia dos meios ilícitos utilizados.
Pode, pois, a dupla e diferenciada valoração da
vontade e do acto exterior, determinar uma graduação
ou atenuação da gravidade do mal praticado.
Quando o acto exterior seja objectivamente lícito, o
fim moral que seja subjectivamente procurado não
destrói em geral a licitude do facto, diferentemente
do que sucede no campo da moral.
O direito só respeita à vida social; os seus critérios
de valoração limitam-se a qualificar os actos que
afectam ou contendem com outrém.
Mas se é assim no que respeita à essencialidade do
facto criminoso, este é contudo susceptível de
graduação, de mais e de menos, quer no que respeita à
gravidade do acto exterior, quer no que respeita à
gravidade da culpabilidade. Essa graduabilidade
repercutir-se-á na medida da sanção penal.
Tanto o ilícito objectivo, em função do desvalor do
objecto, ou do modo da lesão, ou das circunstâncias,
como a culpabilidade tanto em função da liberdade e
consciência da vontade como do seu fim, ou motivos ou
das predisposições da personalidade do agente, são
graduáveis.
É a consequência da pluralidade de aspectos que
concorrem para a determinação do mérito ou demérito da
acção humana.
Esta apreciação pluridimensional molda-se
fundamentalmente sob os critérios de qualificação da
própria ordem moral, deformando-os relativamente,
enquanto acentua o aspecto que atenta ou afecta a
esfera de outrém, olvidando tudo o que respeita
exclusivamente ao agente em si mesmo, sem repercussão
objectiva na vida social.
Mais simplificada nos surge já a estrutura do facto
ilícito civil.
É por definição um acto contrário à lei; mas na
ilicitude civil a estrutura do facto ilícito é mais
simplificada. Progressivamente, e comparando-o com o
ilícito penal, reduzem-se as perspectivas da sua
apreciação multiforme, deixando sobressair o aspecto
fundamental da lesão do interesse alheio.
Em princípio, o facto ilícito civil é ainda um facto
voluntário causador de dano ou prejuízo, enquanto lesa
o interesse que a regra jurídica infringida tutela ou
garante.
Mas como que desaparece já a multiplicidade de
aspectos a considerar no acto humano, em matéria de
responsabilidade penal.
O acto exterior não se diversifica em geral, no
respeitante ao modo de comportamento ou actividade
causadora do dano. É em geral todo o acto que produz
um dano ilícito, a lesão de um interesse tutelado pela
ordem jurídica.
O grau ou importância do ilícito, objectivamente
considerado, mede-se quase exclusivamente pela
importância e montante do próprio dano; o modo da
lesão e as circunstâncias, como que desaparecem, na
conceituação jurídica civil, em homenagem à
conveniência de atender sobretudo ou quase
exclusivamente à necessidade de garantir a tutela do
interesse criado, assegurando a sua conservação ou
compensação.
E assim, o comportamento causador do prejuízo é
ilícito objectivamente desde que viole a diligência
objectiva que, relativamente aos interesses de
terceiros, tutelados pela ordem jurídica, se impõe.
Nenhuma outra delimitação do comportamento ilícito se
enuncia em geral. Basta definir o acto causador do
dano ilícito, em função da falta de diligência que
objectivamente ponha em risco indevido a segurança do
interesse tutelado.
No demais, e ainda quanto ao acto exterior, importa
que esse comportamento indevido seja causa de dano ou
prejuízo.
Ao lado, portanto, do acto indevido, como causa,
deverá verificar-se um dano.
O dano ou prejuízo é sempre a ofensa ou lesão dum
interesse. Consoante a natureza patrimonial ou moral
do interesse lesado, assim o dano poderá ser um dano
patrimonial (avaliável em dinheiro) ou moral (não
avaliável em dinheiro).
Tanto os danos patrimoniais como os danos morais
beneficiam de tutela legal; e a sua ofensa pode
acarretar sanções jurídicas civis (os danos morais são
também ressarcíveis, como determina o art. 496º do
Código Civil).
Os danos causados pelo acto ilícito podem, em outra
perspectiva, distinguir-se em danos emergentes, se
determinam uma diminuição efectiva do património
preexistente, e lucros cessantes, quando consistam na
frustração de um ganho, duma expectativa legítima de
aumento de património.
O dano deve ser causado pelo comportamento indevido do
agente. Só são de considerar os danos que o
lesado "provavelmente" não teria sofrido se não
houvesse lesão (Cód. Civil, art. 563º).
A imputação do dano ao autor do acto ilícito implica
um nexo de causalidade adequada; assenta num juízo de
probabilidade quanto à sequência do dano ou acto
cometido, segundo as regras da experiência comum e
geral.
Quanto ao acto interior, à vontade, toma esta
normalmente a forma de culpa. O acto exterior deve ser
dependente da vontade. Não cuida o direito, quanto à
responsabilidade civil, de apreciar a vontade em toda
a amplitude e riqueza da sua estrutura. De algum modo,
simplifica tanto o conceito de voluntariedade que como
que o destaca do próprio agente.
A culpa do agente, isto é, dependência do seu
comportamento da vontade, não se mede em concreto, mas
em abstracto. Quer dizer, entende-se haver culpa não
apenas se o agente podia evitar, usando a sua vontade,
o dano, e podia ele próprio prever esse resultado, mas
também, se nas circunstâncias do caso, a generalidade
das pessoas, ou seja a figura abstracta de um bom pai
de família, do homem normal, pudesse prever e evitar o
dano que o seu comportamento causaria - ainda que o
agente em concreto não o pudesse prever ou evitar -
(Cód. Civil, art. 987º).
E enquanto o crime é, em princípio, sempre intencional
ou doloso, o facto ilícito é em princípio sempre
meramente culposo.
O dolo tem valor diminuto, e nunca essencial, na
fixação da responsabilidade civil; tem valor decisivo
e é quase sempre pressuposto essencial da
responsabilidade penal.
Este conceito abstracto e formal da vontade culposa,
de culpa em abstracto, faz atribuir culpa àqueles que
no caso concreto efectivamente a não tenham. Tal
separação da realidade e do conceito jurídico que a
recobre, ainda se acentua na distinção do conteúdo da
imputabilidade civil e penal.
O homem, desde que alcança, pela idade, maturidade de
espírito, possui naturalmente uma vontade consciente e
livre; por isso se presume imputável.
A imputabilidade será então só excluída por doença
mental, ou por circunstâncias que acidentalmente o
privem da inteligência e liberdade (embriaguez, por
exemplo).
Mas enquanto, mais em conformidade com a verdade, a
imputabilidade penal implica a maioridade de 16 anos,
na imputabilidade civil apenas exige a maioridade de 7
anos (Cód. Civil, art. 488º). Ora dificilmente se
poderá admitir como regra que todos os indivíduos com
mais de 7 anos são capazes de entender e de querer,
consciente e livremente. A presunção da lei força a
realidade natural para a acomodar a soluções de
justiça devida a terceiros.
Pretendemos, ao comparar a estrutura dos factos
ilícitos penais e civis e comparando os critérios para
a sua qualificação com os pertinentes à moral, mostrar
a maior proximidade do critério de determinação do
ilícito penal dos critérios de valoração moral.
Por outro lado, o confronto que esboçámos, não deve
induzir à conclusão de que o direito defrauda ou trai
os princípios da moral, enquanto a simplifica ou dela
se separa, sem pretender contradizê-la.
A razão, como parece ter-se deixado entender, está em
que o direito normalmente aprecia a actividade humana
na perspectiva dos "outros", enquanto actividade
social.
Daí a exclusão do aspecto meramente intrínseco, quando
valores, que o são também de ordem moral, mas sempre
com ressonância social, exigem, do ponto de vista
social, uma segurança imperativa.
No domínio do direito privado, a violação da lei é
sancionada por formas várias.
Em primeiro lugar a lei pode negar à actividade que
pretende produzir efeitos jurídicos, prosseguindo
interesses (mormente através de negócios jurídicos),
esses mesmos efeitos. Ou seja, a actividade jurídica
deixa de o ser, porque não conforme com a lei. São
deste tipo as sanções que constituem as nulidades
(nulidades ou anulabilidades de actos ou negócios
jurídicos).
Desta sorte é, pela privação do interesse próprio que
pretendia atingir, que se corrige a violação da lei
pelo interessado.
Mas o facto ilícito civil é mais do que isso.
É aquele facto voluntário que lesa interesses alheios.
Aqui já não há apenas que privar os efeitos da vontade
própria, enquanto se dirige a prosseguir interesses
próprios. Importa reparar a lesão causada aos
interesses alheios, isto é os prejuízos ou danos
causados. É esta espécie de sanções civis que
constitui o conteúdo da responsabilidade civil.
Talqualmente o ilícito civil se distingue do ilícito
penal, também a responsabilidade civil se distingue da
responsabilidade penal.
A responsabilidade civil que se segue aos factos
ilícitos civis consiste na reparação do dano: e este
pode ser reparado ou pela restituição do interesse
lesado, reconstituindo em espécie a situação anterior,
ou pela sua compensação, isto é pela restituição não
em espécie mas do equivalente em dinheiro (Cód. Civil,
arts. 562º e segs.).
Diferentemente, aos crimes segue-se a responsabilidade
penal, que não consiste na reparação do interesse
directamente ofendido pelo crime, num restabelecimento
do equilíbrio de interesses anterior à violação da
lei. A responsabilidade civil, por isso, tem carácter
essencialmente patrimonial e por isso a obrigação de
indemnização que é seu conteúdo transmite-se aos
herdeiros e pode igualmente ser cumprida por terceiros
que não o infractor. Não tem assim natureza
estritamente pessoal; o que importa é assegurar a
reparação do dano causado.
Pelo contrário, a responsabilidade penal é de natureza
pessoal; mais ainda, traduz a grandeza de reprovação
ético-jurídica que é característica da pena; aproxima-
se, está ligada de maneira mais ou menos directa ao
conceito de responsabilidade moral; enquanto na
responsabilidade civil se esbate consideravelmente
esse sentido específico da responsabilidade. Daí que a
pena corresponda à gravidade da culpabilidade.
Em geral, a sanção penal ou pena criminal só é
cominada quando, mais do que reparar o interesse
lesado, importa salvaguardar este, enquanto o seu
respeito constitui condição necessária para a
existência, manutenção ou progresso da própria
comunidade.
O interesse lesado não é considerado em si mesmo,
necessariamente através do seu titular, mas através da
importância que assume para a boa ordenação da vida
social no seu todo.
Há assim como que escalões diferenciados no modo de
reacção da ordem jurídica à violação dos seus
preceitos. De momento continuaremos referindo-nos
somente à responsabilidade civil, cujos pressupostos
já indicámos: acto ilícito, culpa e dano como
resultado do acto indevido.
O acto indevido tanto pode ser um facto directamente
lesivo de interesses de outrém (um delito civil) como
consistir no não cumprimento duma obrigação. Donde a
distinção de responsabilidade civil delitual e
responsabilidade civil obrigacional. Os princípios
gerais das duas espécies da responsabilidade civil
traduz-se sempre na obrigação de indemnizar.
Indemnização, repete-se, consiste na restituição ou
reconstituição da situação preexistente, ou na
compensação do dano causado pela entrega do seu
equivalente em dinheiro.
Para determinar o montante do dano ou prejuízo
indemnizável, torna-se necessário reconduzi-lo como à
sua causa provável à actividade do agente do facto
ilícito (isto é que ele seja causado pelo facto do
agente); e seguidamente o seu montante calcula-se
medindo a "diferença entre a situação patrimonial do
lesado antes da lesão e a que teria nessa data se não
existissem danos (Cód. Civil, art. 566º, n.º 2).
O cálculo efectua-se, assim, pela chamada teoria da
diferença que o Código Civil consagrou. Abrange essa
diferença tanto os danos emergentes como os lucros
cessantes a que já aludimos.
Não deve esquecer-se, porém, que o dano concreto é o
que essencialmente se deve ter em vista, em primeiro
lugar; e por isso a restituição prefere e antepõe-se à
indemnização em sentido estrito, isto é a reparação
compensatória.
Como se verifica, a obrigação de indemnização abrange
tão somente o montante dos prejuízos; mede-se em razão
e no limite desses prejuízos, diferentemente do que
sucede na responsabilidade penal.
A importância do dolo ou da mera culpa (como forma da
voluntariedade do facto ilícito) é, na
responsabilidade civil, relativamente pequena.
O montante da indemnização, quando o facto ilícito
causador do dano foi intencional ou doloso é sempre
igual ao montante dos prejuízos; se a responsabilidade
se fundar em mera culpa poderá a indemnização ser
fixada, equitativamente em montante inferior ao que
corresponderia aos danos causados, desde que o grau de
culpabilidade do agente, a situação económica deste e
do lesado, e as demais circunstâncias do caso o
justifiquem (Cód. Civil, art. 494º); há pois a
possibilidade duma diminuição da compensação, mas só a
possibilidade.
Mas, tanto na responsabilidade civil fundada em dolo
como em culpa, nunca a indemnização poderá exceder o
montante dos prejuízos que é a regra comum ou critério
geral para fixação do montante da indemnização.
O conteúdo da responsabilidade civil cifra-se na
reparação do dano, de modo a reconstituir a situação
alterada pela verificação do mesmo dano. Ora num dano,
a lesão de um interesse legítimo pode não apenas ser
originado por um facto ilícito cometido com culpa, mas
também basear-se, em certos casos, no risco resultante
de certas situações ou actividades, e que outrém vai
assumir.
Negativamente o que caracteriza a responsabilidade por
risco é que a obrigação de indemnizar não depende de
culpa do que fica sujeito a essa obrigação.
Por isso usualmente se emprega para a designar, além
da terminologia legal - responsabilidade por risco -
estoutra de responsabilidade objectiva.
Dum ponto de vista positivo, a obrigação de
indemnizar, na responsabilidade por risco, baseia-se
na justiça da imputação da obrigação de indemnizar o
lesado àquele que beneficia da actividade que produziu
o dano.
Isso tanto pode suceder quando o dano seja produzido
por facto ilícito e por culpa de terceiros cuja
actividade esteja directamente ao serviço daquele a
quem a lei impõe também o dever de indemnizar, como
quando o risco de lesão de interesses de outrém
resulta de actividades do próprio agente, que com
essas actividades lucra, ou que as organiza, embora
não exista culpa na sua forma de actuação.
Discute-se se a responsabilidade por risco é
verdadeira responsabilidade. Na verdade, não se trata
então de reparação de um dano como sanção de um facto
ilícito. A obrigação de indemnização não forma o
conteúdo duma verdadeira sanção, enquanto esta se
define como reacção ao ilícito. Trata-se, antes, em
harmonia com a equidade, de fazer suportar os
prejuízos causados pela actividade ou empreendimento
que se domina, por aquele que comanda ou beneficia
dessas actividades. O "risco" da actividade perigosa
ou recairá sobre quem sofre o prejuízo, ou sobre quem
lhe deu origem, organizando o empreendimento,
utilizando as coisas próprias e procurando dessa forma
lucros ou interesses; parece, em muitos casos de
justiça, que na alternativa indicada, o risco da
reparação de prejuízos causados, mesmo sem culpa,
recaia sobre quem está na origem da actividade
perigosa.
Os casos de responsabilidade por risco são
excepcionais (Cód. Civil, art. 483º, n.º 2).
No Código Civil, prevêem-se os seguintes:
1º - Responsabilidade do comitente (Cód. Civil, art.
500º) e das pessoas colectivas (Cód. Civil, art. 165º)
É responsável o comitente (aquele que encarrega outrém
de qualquer comissão), independentemente de culpa,
pelos danos que o comissário (o que executa a
comissão), desde que sobre este recaia também a
obrigação de indemnizar.
É indispensável que a actividade do comissário tenha
tido lugar no exercício de funções que lhe foram
confiadas, ainda que desobedecendo às instruções
recebidas. Isto é, o comitente só responde por danos
que o comissário causar dentro da esfera que se deve
considerar como respeitante ao fim da comissão.
Porque se trata de uma responsabilidade de facto de
outrém ao serviço do comitente, essa responsabilidade
cobre a do próprio comissário; quer dizer, é
necessário que o comissário tenha cometido por culpa
um facto ilícito gerador de responsabilidade civil,
que com o mesmo objecto constitui responsabilidade por
risco para o comitente.
O comitente que suportar o encargo da indemnização
fica com o direito de ser reembolsado, a expensas do
comissário, do que tiver pago.
Nos mesmos termos que os comitentes respondem
civilmente, pelos actos ou comissões dos seus
representantes, agentes ou mandatários, as pessoas
colectivas.
2º - Responsabilidade do Estado e outras pessoas
colectivas de Direito Público.
O art. 165º do Código Civil, refere-se às pessoas
colectivas de Direito Privado, o art. 501º do Código
Civil, aplica o mesmo regime ao Estado e às pessoas
colectivas de Direito Público, pelos actos dos seus
órgãos, agentes ou representantes no exercício de
actividades de "gestão privada".
A responsabilidade de Estado ou pessoas colectivas de
Direito Público por actos ou funções públicas dos seus
órgãos ou funcionários rege-se por princípios diversos
não contidos no Código Civil. É que então a
responsabilidade do Estado ou outras pessoas
colectivas de Direito Público (na gestão pública) é
mais ampla; não se limitando aos casos em que o
funcionário tenha agido ilicitamente e por culpa.
3º - Responsabilidade por danos causados por animais
ou por veículos; ou por instalações de energia
eléctrica ou gás (Cód. Civil, arts. 502º, 503º e 509º)
Suporta o risco por danos causados por animais aquele
que os utiliza, desde que os danos resultem do perigo
especial que envolve a sua utilização (Cód. Civil,
art. 502º).
Quanto a veículos e a danos causados por acidentes
responde em princípio aquele que tiver a direcção
efectiva do veículo e o estiver utilizando no próprio
interesse.
Normalmente será portanto o proprietário do veículo;
já não assim, se o carro é conduzido abusivamente por
outrém, ou quando tenha sido cedido a outrém para o
utilizar no próprio interesse.
A matéria de responsabilidade por acidentes de viação
é completada pela regulamentação do Código da Estrada.
À responsabilidade por danos por instalações de
energia eléctrica ou gás se refere o art. 509º. Neste
caso, porém, a responsabilidade objectiva é
delimitada, não só pelos casos de força maior, como
ainda quando a instalação se encontrar em boas
condições técnicas ao tempo do acidente. É sempre
objectiva a responsabilidade se o dano foi causado na
condução ou entrega de electricidade ou gás.
Além dos casos enunciados no Código Civil,, há ainda
casos de responsabilidade objectiva ou por risco e de
enorme importância previstos em outros diplomas
legais. Importa referir sobretudo a responsabilidade
por acidentes de trabalho, que recai sobre os doadores
de trabalho nos termos da legislação especial (Lei n.º
2127, de 3 de Agosto de 1965).
A responsabilidade por risco, porque se não baseia na
culpa do responsável, tem limites que podem ser
inferiores e até muito inferiores ao montante dos
prejuízos.
Não em todos os domínios (responsabilidade por
acidentes de trabalho), mas no domínio da
responsabilidade por acidentes de viação, ou por
danos causados por instalações de electricidade ou
gás. No 1º caso esses limites estão previstos no art.
508º do Código Civil, (no caso de morte do sinistrado,
200 contos; sendo vários os sinistrados, no total
máximo, seja qual for o número de mortos, de 600
contos; no caso de danos em coisas, 100 contos; no
caso de danos causados por instalações de
electricidade ou gás os limites são os fixados no art.
510º do Código Civil). É claro que tais limites não
respeitam à responsabilidade por risco, e não abrangem
os casos em que haja responsabilidade por culpa em que
a responsabilidade em principio corresponde sempre ao
montante dos prejuízos.