Noções Gerais de Direito (Cap. III)

 

Capítulo III

As relações jurídicas

§ 1º - A subjectivação das normas ou regras jurídicas

1 - O direito "objectivo"

Quando em traços gerais procurámos fazer compreender o que era o direito, começamos por localizá-lo na actividade social dos homens, qualificando-o em função de um valor, que resultaria da sua finalidade.
Nesta perspectiva o direito seria como um adjectivo; adjectivaria, qualificaria o comportamento humano.
Mostrámos depois que essa qualificação não se apresenta claramente à razão individual. Importa defini-la; e dessa definição se incumbe o Estado, ou melhor, os seus órgãos legislativos.
Do caminho percorrido se infere que o direito se pode encontrar naquilo que é justo, isto é, no comportamento enquanto qualificado como justo, ou passando dos factos qualificáveis para as normas em que se baseia a qualificação, no complexo de normas jurídicas que constituem o critério de valoração do comportamento humano em sociedade.
Esta última perspectiva, corresponde a situar o direito no plano normativo, a defini-lo como o conjunto de normas para mensuração e direcção e tutela do comportamento social dos homens, como que destacadas do objecto material que mensuram, ordenam e dirigem.
Para designar o direito como complexo de regras jurídicas, se utiliza a expressão, algum tanto equívoca, de "direito objectivo".

2 - O direito "subjectivo" e o dever

Mas é para qualificar e dirigir os factos da vida social que as leis existem.
Seriam letra morta se não se vivificassem ao contacto com a matéria que regulamentam e valoram.
Essa matéria, o objecto material do direito "objectivo", são as relações inter-humanas, os factos da vida social.
Referidas aos homens, as regras do direito objectivo, subjectivam-se na sua aplicação.
As regras jurídicas, como foi dito, reconhecem como lícita a actuação dos homens enquanto prosseguem determinados fins; neste sentido tutelam ou protegem a realização desses fins.
Os fins que o homem se propõe, enquanto objectos da sua actuação, são o bem ou bens convenientes, adequados à satisfação racional das suas necessidades. Bens que não são exclusivamente de carácter utilitário ou económico, mas no sentido mais comum e próprio, bens económicos, culturais, ideais...
Enquanto reconhecidos pelo direito "objectivo", tais bens são "bens jurídicos".
Todos os que pretendem a obtenção do bem jurídico, que o direito objectivo, a regra de direito, lhes reconhece, têm um interesse legítimo à obtenção desse bem.
Por isso, não obstante a distinção conceitual, se utilizam quase como sinónimos as expressões bem ou interesse jurídico.
Na medida em que cada um (ou a muitos) é reconhecido o interesse legítimo a determinado "bem" e lhe é dada a faculdade e o poder de o obter ou fruir, torna-se aquele (ou aqueles) titulares de um "direito", mais precisamente de um direito "subjectivo". Pode haver distinções várias correspondentes a um mais pleno ou menos pleno poder do titular relativamente ao bem jurídico, mas que não importa distinguir nesta explanação sumária de noções gerais).
Aparece-nos agora a expressão direito, como direito "subjectivo", correspondente à afirmação na linguagem vulgar contida em expressões como estas: tenho o direito de proceder deste modo, de fazer isto ou aquilo...
Há então a afirmação de um poder, de uma apropriação; trata-se de um direito deste ou daquele, do "meu" direito, do direito "dele", etc..
O direito objectivo, porém, só regula relações entre os homens, só respeita a factos que implicam na esfera social com os demais.
O direito subjectivo de cada um, projecta-se em outros como um dever, um dever de fazer ou não fazer, de agir ou de omitir qualquer acção.
A contraposição do direito subjectivo (ou figuras afins) e dever (ou igualmente conceitos próximos de dever, em sentido estrito, ónus, sujeição...) equivale à verificação de que a matéria do direito se situa sempre em relações inter-humanas, em factos com valor social, que não respeitam apenas ao indivíduo isolado, mas se repercutem em outros; ou na esfera social no seu todo.

3 - As relações jurídicas

O objecto material do direito, do direito "objectivo", é constituído pela vida social.
Ao reconhecer como legítima a prossecução de interesses individuais ou colectivos e ao impor deveres correspondentes, a ordem jurídica engloba nas malhas da sua regulamentação relações entre os homens. A relacionação entre os homens na vida social é extraordinariamente complexa, corresponde à organização também complexa da própria sociedade. Os homens não têm apenas direitos e deveres recíprocos, de um para com outro (deveres de justiça comutativa), mas direitos e deveres do todo social com cada qual, que é elemento ou parte desse todo (justiça distributiva), ou de cada um com o todo de que faz parte (justiça legal).
Aliás, dentro da sociedade mais perfeitamente organizada, do Estado, coexistem e vivem, como um todo, agrupamentos que prosseguem interesses que se integram ou relacionam com o bem comum, mais geral de toda a sociedade, e se relacionam também com interesses individuais que aglutinam ou coordenam. O reflexo da regulamentação da ordem jurídica na organização social, pode ser explicado por conceitos instrumentais diversos.
Considerando o objecto material do direito, a sociedade no seu todo, e os indivíduos que a compõem, como seus elementos numa posição funcional em relação ao todo, poderá explicar-se a subjectivação das normas jurídicas através de um conceito genérico de posição ou situação jurídica de cada um na engrenagem social que a todos envolve.
Partindo das relações sociais mais simples entre indivíduos, antes de os englobar na organização total da vida social, pode aceitar-se como conceito instrumental adequado para explicar a aludida subjectivação, o conceito de relação jurídica, que no entanto se mostra mais apropriado como fotografia das relações de direito privado em que o homem age socialmente no uso de larga iniciativa e autonomia individual, isto é, das relações de justiça comutativa. O conceito de relação jurídica prevaleceu na teorização da ciência jurídica, porventura porque mais simples, e também porque sendo o direito privado o sector da ordem jurídica mais aperfeiçoado na sua dogmática, aí se revela de grande utilidade para expressar todo o sector da vida jurídica dominado pela iniciativa e liberdade individuais.
Levantará porventura maiores dificuldades numa estrutura fortemente colectivizada das próprias relações do direito privado.
No seu significado mais simples a relação jurídica é toda a relação social regulada pelo direito. Para se adaptar a todos os factos e situações que a ordem jurídica regula, a noção de relação jurídica pode tornar-se complexa, de modo a compreender no seu âmbito, como que uma pluralidade de relações singulares.
Mas só a noção mais simples e originária nos importa para explicar o modo de traduzir em fórmula técnica, a estrutura da vida jurídica, isto é, dos factos sociais, enquanto qualificados juridicamente.

4 - Os elementos da "relação jurídica"

A "relação jurídica" destina-se a fornecer-nos uma fórmula para melhor compreender o modo de subjectivação das normas jurídicas, isto é, o modo como actua a regulamentação da lei sobre a vida social. A vida social é naturalmente uma sucessão de factos; a relação jurídica não pode, por isso, considerar-se estaticamente, mas na sua dinâmica; a vida social é movimento e mutação e este dinamismo reflecte-se no nascimento, modificação e extinção das relações jurídicas.
O conteúdo da relação jurídica é constituído pelo direito subjectivo, que a norma assegura, e pelo correspondente dever que impõe.
Como elementos da relação jurídica são de indicar:

1º - Os sujeitos

O direito subjectivo e o dever jurídico são um poder e um dever de certas pessoas que estão entre si em relação: sujeito activo, o titular do direito; sujeito passivo, o titular do dever.

2º - Objecto

Objecto da relação jurídica é o próprio objecto do direito subjectivo, são as coisas ou utilidades sobre que incide o interesse legítimo do sujeito activo a que se refere o dever do sujeito passivo.

3º - O facto jurídico

A relação jurídica é como que o fenómeno jurídico mais simples na complexidade da vida jurídica; esta será composta de relações jurídicas, duma multiplicidade inesgotável de relações jurídicas, que nascem, se transformam e se extinguem. Os factos jurídicos são os factos que dão origem à constituição duma relação jurídica (factos constitutivos), à modificação duma relação jurídica (factos modificativos) ou à extinção de uma relação jurídica (factos extintivos).

4º - A garantia

O nome dado a este elemento da relação jurídica revela o propósito primacial de análise das relações de direito privado. O direito caracteriza-se pela coercibilidade que acompanha os seus preceitos. À infracção dos deveres que as normas jurídicas impõem, segue-se um procedimento sancionatório, a aplicação de sanções jurídicas. A sanção em matéria de direito privado não actua geralmente por iniciativa directa do Estado, mas a solicitação dos titulares dos correspondentes direitos subjectivos.
E toma sobretudo a forma de uma reparação, da garantia de obter coactivamente a realização do interesse reconhecido por lei, ou indemnização equivalente. Na ordem jurídica em geral, porém, haverá que distinguir sanções jurídicas de diferente natureza e incluir por isso na explanação deste elemento aspectos que ultrapassam a esfera da simples "garantia" (mormente a responsabilidade penal).

§ 2º - Sujeitos da relação jurídica

5 - O homem e o conceito de personalidade jurídica; direitos da personalidade

O direito existe entre os homens e para os homens, porque seres racionais e sociais.
Titulares de direitos e obrigações e, em consequência, sujeitos activos e passivos de relações jurídicas são os homens.
A susceptibilidade de direitos e obrigações inerentes a todos os homens, constitui a sua personalidade jurídica, cujo conteúdo é também designado por capacidade de gozo de direitos.
O conceito de personalidade jurídica, no seu significado substancial, derivará da própria natureza do homem.
Este não recebe a sua substância de um reconhecimento jurídico, antes constitui o substracto e pressuposto da realidade jurídica.
E assim os modos de ser do homem, as qualidades que o caracterizam como suporte da própria realidade jurídica, têm particular relevo na organização da vida social. O homem não se esgota na sociedade em que se integra, como seu elemento; é-lhe como que logicamente anterior; toda a vida social assentará na bipolaridade homem sociedade, sem que dentro da organização social se deva destruir o que de específico e autónomo exige a própria natureza humana.
A essas qualidades ou modos de ser do homem designava o velho Código Civil por direitos originários e o Código actual por direitos de personalidade. Verdadeiramente não se trata de "direitos" em sentido próprio, pois que o seu objecto não está fora do próprio homem, mas constituem as qualidades indispensáveis para participar na vida moral e jurídica.
São por isso, direitos que formam o suporte de todos os direitos, ou seja a sua personalidade física - direito à existência e integridade física - e moral - ou seja a sua dignidade moral ou direito à honra (bom nome e reputação).
A defesa da esfera da autonomia individual na ordem jurídica, a articulação do bem comum com o bem individual é susceptível de soluções, mais individualistas ou colectivistas.
De um modo geral, as Constituições Políticas, ocupando-se do assunto, indicam os direitos e garantias individuais dos cidadãos.
Nessa explanação, que já é uma concretização da autonomia individual dentro da organização social, se enumeram o direito de liberdade (de pensamento, de expressão, de acção), de associação, de reunião (todos eles condicionados pelo seu uso legítimo).
Como direitos de personalidade complementares da individualidade autónoma que é o homem por natureza, indica o Código Civil o direito ao nome, o direito à imagem, à intimidade, etc..

6 - Capacidade de exercício de direitos

A personalidade jurídica, como susceptibilidade de direitos e obrigações, implica desde logo a atribuição de gozo de direitos: o conjunto de direitos e obrigações que constituem a esfera jurídica da pessoa é que poderá ser mais vasto ou mais restrito.
Reconhecida a igualdade jurídica do homem, essa capacidade de gozo é um princípio genérico; é igual quanto aos direitos civis, para todos os homens, sábios ou ignorantes, homens ou mulheres, nacionais ou estrangeiros. Quanto aos direitos políticos, isto é, aos direitos de participação na vida política do Estado, são eles apenas concedidos aos cidadãos do próprio Estado.
Esta capacidade genérica de gozo ou fruição de direitos, não se confunde com a capacidade de exercício de direitos.
A capacidade de exercício é a idoneidade para exercer pessoalmente, sem ser por intermédio de um representante que o substitua na actividade jurídica, os seus direitos ou cumprir as suas obrigações, bem como adquirir aqueles ou assumir estas.
Nem sempre os direitos e obrigações de cada um, podem por ele ser exercidos, no todo ou em parte.
O sujeito de direitos será, então, ou privado do exercício pessoal de direitos ou do cumprimento pessoal de obrigações ou restringida essa capacidade quanto a alguns direitos ou obrigações.
Tais restrições constituem as incapacidades ou interdições e podem resultar da menoridade, da ausência, de defeitos físicos ou anomalias mentais. Para permitir aos incapazes ou interditos o exercício de direitos ou cumprimento de obrigações, que por si não podem exercer, a lei concede a outrém a sua representação.

7 - Começo e termo de personalidade

Porque a personalidade é inerente a todo o homem, aquela adquire-se pelo nascimento e extingue-se com a morte, sem prejuízo do reconhecimento de direitos a nascituros, os quais são condicionados pelo seu nascimento com vida, e da protecção da vida embrionária, ou da tutela do respeito devido aos mortos.

8 - As incapacidades, interdições e inabilitações

A personalidade jurídica dos homens é, como se disse, a susceptibilidade de direitos e obrigações.
Deste modo, não se declara qual o âmbito da sua esfera jurídica, da sua capacidade de gozo de direitos. Vigora o princípio geral da igualdade dos homens, e por isso todos têm fundamentalmente os mesmos direitos. A situação ou circunstâncias em que se encontram são, porém, variáveis. Essas circunstâncias em que se situam os homens determinam a medida exacta da sua capacidade. São elas designadas pelo nome de "estado".
O estado civil de um homem, depende da sua nacionalidade, de pertencer a este ou àquele país; as situações jurídicas são diversas, e embora se atribuam aos estrangeiros os mesmos direitos civis que aos nacionais, já não têm os mesmos direitos políticos, e nem todas as relações de direitos privados são reguladas, quanto a eles, de modo idêntico, quando lhes seja aplicável a sua lei nacional. Depende também da sua posição na família, do "estado" de família. São diversos os direitos e obrigações, por exemplo, solteiro ou casado, de pais ou de filhos, ...
Os direitos e obrigações de cada qual são o conteúdo da sua capacidade de direitos.
Só pode, porém, exercê-los pessoalmente, se no indivíduo concorrerem algumas qualidades que constituem o suporte da sua capacidade de exercício de direitos.
Pode mostrar-se a impossibilidade desse exercício pessoal, quando se encontra ausente e dele se não saiba parte, sem que tenha deixado procurador ou representante que cuide da administração dos seus bens. Em tal caso o tribunal deve nomear ao ausente um representante, o curador.
Pode ter uma incapacidade natural, quer a que provenha de menoridade, quer a que provenha de defeitos físicos ou anomalias mentais.
Os menores de 21 anos, quando não emancipados, são representados pelos pais ou, na sua falta, pelo tutor.
A incapacidade dos menores não é total, podendo administrar ou dispor dos bens que tenha adquirido pelo seu trabalho, vivendo sob si com permissão dos pais, e praticar os negócios jurídicos próprios da vida corrente do menor, etc.. (Cód. Civil, art. 127º).
Aqueles que, por anomalia psíquica, surdez- mudez ou a cegueira não acarretam a incapacidade total para governar pessoas e bens, podem os indivíduos em tais condições ser apenas sujeitos a inabilitação, a uma restrição no exercício de direitos.
Na interdição, o interdito é representado pelos pais ou por tutor.
Na inabilitação, os inabilitados são assistidos por um curador. O inabilitado pode exercer por si os seus direitos, mas têm os seus actos de disposição de bens ou ainda quaisquer outros que sejam indicados pelo tribunal de ser autorizados pelo curador.

9 - Pessoas singulares e pessoas colectivas; as pessoas colectivas

Para alcançar a noção de personalidade jurídica, partimos da realidade concreta do homem. O direito, porém, regula actividade humana, na prossecução de interesses, na realização de fins. Estes fins ou interesses, podem ser individuais ou colectivos. Podem respeitar ao homem individualmente considerado, ou serem comuns a muitos ou a todos.
A realização ou prossecução de interesses colectivos terá ordinariamente de fazer-se por colaboração da actividade de muitos, por união ou organização de esforços, de actividades.
Para realização de interesses colectivos, com carácter duradoiro ou permanente, mostra-se conveniente coordenar apropriadamente as actividades individuais e afectar à realização desses interesses os meios apropriados.
Para tanto, a lei personifica a actividade conjunta na prossecução de interesses colectivos, e unifica os meios que servem esses fins atribuindo direitos e obrigações já não apenas às pessoas singulares, mas a agrupamentos de pessoas ou a complexos patrimoniais que se unificam em razão do interesse colectivo que se destinam a servir.
Haverá, assim - mas não com a mesma base natural das pessoas singulares - pessoas colectivas, isto é, agrupamentos de pessoas ou complexos patrimoniais aos quais é concedida a susceptibilidade de direitos e obrigações.
O substracto da personalidade colectiva é muito diverso, na realidade, da personalidade singular, da personalidade humana, mas do ponto de vista formal cabe dentro do conceito, enquanto também formal, que define a personalidade jurídica.
Os interesses de que compartilha uma pluralidade, mais ou menos vasta, de indivíduos podem respeitar ao direito público ou ao direito privado.
Haverá correspondentemente pessoas colectivas de direito público e de direito privado.
Em qualquer caso, a personalidade, relativamente às pessoas colectivas, é um mecanismo técnico, um expediente destinado a unificar, a solidificar a actuação conjunta para realização de fins comuns.

10 - Pessoas colectivas de direito público

Atribuem-se ao Estado direitos e obrigações; e por isso o Estado é uma pessoa colectiva de direito público, a mais importante de todas. Mas dentro do Estado, ainda interesses comuns podem ser geridos, defendidos ou realizados pelas autarquias locais (distritos, concelhos) ou por serviços públicos personalizados.

11 - Pessoas colectivas de direito privado

Não são só comuns os interesses que respeitam à vida política do país; podem os particulares prosseguir interesses comuns a uma pluralidade de pessoas, e mostrar-se conveniente a unificação jurídica da actividade comum na prossecução de fins comuns; essa unificação realiza-se da mesma forma atribuindo direitos e patrimónios às entidades que coordenam os seus esforços e imputando-lhes de igual modo obrigações, isto é, concedendo-lhes uma posição de sujeito de direitos e obrigações, ou seja, personalidade jurídica.
Os fins comuns podem ser de natureza egoísta ou fins altruístas ou desinteressados.
Daí resultará que as pessoas colectivas de direito privado têm maior ou menor importância na vida económica, consoante prosseguem fins comuns de carácter económico e lucrativo, ou fins ideais, culturais, desportivos, etc..
Fundamentalmente a lei distingue dentre as pessoas colectivas de direito privado: as associações, as fundações e as sociedades.
As associações não têm fim lucrativo; são exemplo de associações, a Associação de Jornalistas e Homens de Letras, as Sociedades Recreativas, os Clubes de Desportos, etc..
As fundações distinguem-se das associações, em que predomina o elemento pessoal; as associações são auto-organizações de uma pluralidade de indivíduos para satisfação de interesses comuns, sem carácter lucrativo. As fundações são complexos patrimoniais afectos à realização de fins que se situam em terceiros, beneficiários da actividade e património da fundação (ex. a Fundação Gulbenkian).
As sociedades são organizações de uma pluralidade de pessoas - sócios - para realização de fins lucrativos comuns (Cód. Civil, art. 152º a 201º).

12 - Elementos constitutivos das pessoas colectivas

A análise do conceito de pessoas colectivas permite distinguir alguns elementos que o caracterizam.

1º - O substracto das pessoas colectivas

A personalidade jurídica reconhece uma realidade ou substracto de facto. A materialidade a que corresponde, em direito, o reconhecimento da personalidade colectiva, é composta, em geral, de um elemento pessoal - agrupamento de pessoas que se organizam para realização de um fim comum - e de um elemento patrimonial - o conjunto de meios destinados à realização desse fim comum.
Nas associações e sociedades é nítida a presença de um agrupamento de pessoas - os associados ou sócios; não assim nas fundações, em que o fim a realizar paira para além da morte do fundador e se cumpre pela afectação à realização desse fim de um complexo patrimonial.

2º - O reconhecimento

O substracto real, deve ser reconhecido pela ordem jurídica, mediante a atribuição de personalidade. O reconhecimento deriva directamente da lei, quanto às sociedades.
Desde que estas se constituam nos termos legais, são automaticamente reconhecidas pela lei, como pessoas colectivas.
As associações e fundações são previstas pela lei, mas o seu reconhecimento deriva de um acto de autorização ou concessão pela autoridade pública.

13 - As sociedades comerciais

A organização de sociedades com fim lucrativo, encontrou o seu campo mais vasto na propulsão da vida económica e por isso veio a ser especialmente regulada, quanto às sociedades comerciais.
O Código Comercial prevê três tipos fundamentais de sociedades: sociedades em nome colectivo; sociedades em comandita; e sociedades anónimas.
Mais tarde, e seguindo o exemplo estrangeiro, a Lei de 11 de Abril de 1901, criou ainda as chamadas sociedades por quotas.
A distinção entre estes tipos de sociedades assenta principalmente na maior ou menor coesão da responsabilidade social e da responsabilidade individual dos sócios, quanto a dívidas sociais.
As sociedades em nome colectivo são sociedades de responsabilidade ilimitada; as sociedades anónimas são sociedades de responsabilidade limitada; as sociedades em comandita são sociedades em que um ou algum dos sócios têm responsabilidade ilimitada e outros responsabilidade limitada; nas sociedades por quotas a responsabilidade não é ilimitada, mas também não é limitada à participação de cada sócio no capital social, mas ao valor global do capital social.

a - sociedades em nome colectivo

Todos os sócios são ilimitada e subsidiariamente responsáveis pelas obrigações da sociedade. Quer isto dizer que além do património social, e quando este não baste, são obrigados, pelos seus próprios bens, a cumprir as obrigações da sociedade, todos e cada um dos sócios.
A natureza da sociedade em nome colectivo implica uma grande confiança recíproca dos sócios; cada qual arrisca na tarefa comum e na realização de fins comuns, a totalidade do património social, isto é, dos bens que entregou para realização do fim comum, e subsidiariamente a totalidade do seu património individual.
Por isso também a sua dissolução pode ter lugar por vontade de um só dos sócios e algumas deliberações só podem ser tomadas por unanimidade; a parte de cada sócio não pode ser cedida a estranhos, etc.. Dada a responsabilidade ilimitada assumida por cada sócio, tem importância particular na organização da sociedade em nome colectivo a pessoa dos sócios. Daí o falar-se de sociedade de pessoas.

b - sociedades em comandita

A sociedade em comandita caracteriza-se pela coexistência de sócios de responsabilidade ilimitada e solidária, como na sociedade em nome colectivo, e de sócios de responsabilidade limitada à sua entrada para o capital social (Cód. Comercial, art. 199º e segs.).
A sociedade em comandita pode ser constituída em comandita simples, quando não há representação do capital por acções; e em comandita por acções que representam o capital social, abrangendo assim as entradas dos sócios em nome colectivo e os fundos prestados pelos sócios comanditários. Não é muito generalizado o tipo de sociedades em comandita.

c - sociedades anónimas

A sociedade anónima caracteriza-se pela responsabilidade limitada de todos os seus sócios.
Pelas obrigações da sociedade responde apenas o seu património social; os sócios limitam a sua responsabilidade à parte do capital da sociedade com que entraram nela. O capital social é dividido em acções, títulos que encorporam partes alíquotas do capital social.
São chamadas também sociedades de capitais, ou de acções.
A pessoa dos sócios não interessa, e pode até variar constantemente; o que importa é reunir os capitais suficientes para realização do fim de ordem lucrativa.
A "acção" é um título eminentemente negociável; por isso os accionistas podem substituir-se continuamente, sem que a cessão de acções, e por isso a mudança de accionistas, acarrete perturbação ao funcionamento normal da sociedade.

d - sociedades por quotas

As sociedades por quotas caracterizam-se pela responsabilidade limitada dos seus sócios e, sobretudo, pelo facto de ser o seu capital representado por quotas, com natureza jurídica diferente da das acções.
Diverge da sociedade em nome colectivo, por os sócios não terem responsabilidade ilimitada.
Diverge da sociedade anónima porque a responsabilidade de cada sócio é limitada não à sua parte do capital, mas à integridade de todo o capital social, isto é pela falta de entrada das quotas dos outros sócios; e ainda em que o capital se não divide em acções negociáveis mas em quotas.
A quota representa a entrada de um sócio para a formação do capital social, quer no momento da constituição da sociedade, quer posteriormente; como não são representadas por um título de crédito (acções) a sua transmissão não é tão facilitada como a transmissão das partes do capital social nas sociedades anónimas.

 


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