Noções Gerais de Direito (Cap. III - cont.)

 

14 - A capacidade civil das pessoas colectivas; os seus estatutos e órgãos

A atribuição de personalidade às chamadas pessoas colectivas não pode equivaler a uma equiparação às pessoas singulares. Trata-se de um expediente técnico, legítimo enquanto útil aos fins que serve.
Não há que falar de direitos de personalidade, relativamente a pessoas colectivas; a personificação destas respeita à atribuição de titularidade de direitos e obrigações, que comportem a realização dos fins comuns que constituem a razão da sua constituição. Por isso o Código Civil (art. 160º) esclarece que "a capacidade das pessoas colectivas abrange todos os direitos e obrigações necessários ou convenientes à prossecução dos seus fins". E acrescenta que se exceptuam os direitos e obrigações vedados por lei ou que sejam inseparáveis da personalidade singular.
A razão de ser da atribuição de personalidade é a realização de fins comuns; o limite da capacidade será também delineado em função desses fins.
Não são susceptíveis de nascimento e morte, no sentido natural, as pessoas colectivas. Surgem, pela sua constituição e reconhecimento; e a sua morte é a sua extinção.
A constituição das pessoas colectivas implica a aprovação de uma lei interna, os estatutos, nas sociedades também denominado pacto social. Os Estatutos deverão indicar o objecto ou fins da pessoa colectiva e regular, sem infracção da lei e o modo do seu funcionamento.
Não podem as pessoas colectivas agir por si; terão de ser providas de órgãos, que as representam, dirigem e administram.
Em geral, as pessoas colectivas têm por órgãos uma Assembleia Geral, ou reunião de todos os associados ou sócios, uma Administração ou Direcção e um Conselho Fiscal. A primeira com a função de eleger o órgão de administração e de fiscalização e tomar deliberações mais importantes; o segundo com a função de administração e representação; e o último com a da fiscalização da actuação administrativa.

15 - A importância na vida económica das sociedades comerciais

A natureza do curso, em que se integra esta disciplina de Noções Gerais de Direito, aconselha a que se chame sempre a atenção, pelo menos na exemplificação de "noções gerais" para a sua aplicação à vida económica.
Por isso entre as pessoas colectivas de direito privado fizemos mais particular referência às sociedades comerciais.
Não será descabido anotar a extrema importância que os tipos de sociedade comercial, consoante foram organizados pela lei, viriam a tomar na evolução e desenvolvimento da vida económica e como de alguma sorte a condicionaram.
Disse-se já que a criação de personalidade colectiva obedeceu à conveniência de facilitar a prossecução de interesses colectivos.
Do ponto de vista dos interesses económicos, essa facilitação foi de enorme alcance, permitindo e impulsionando a organização em novos moldes da produção, como da circulação de bens.
À empresa individual, necessariamente de mais reduzidas proporções, seguiu-se a empresa colectiva, pela reunião do capital e esforço de vários sócios nas sociedades em nome colectivo, sociedades de pessoas.
A organização das sociedades permitiu, já com as sociedades em comandita, a separação das funções de iniciativa e direcção, da responsabilidade pelos riscos patrimoniais; na verdade os sócios com responsabilidade em nome colectivo exercem as primeiras funções, e os sócios com responsabilidade limitada apenas suportam uma parte limitada dos riscos e beneficiam dos lucros que forem obtidos.
Mas é com as sociedades de capitais, mormente as sociedades anónimas, que se abrem novos horizontes ao desenvolvimento da economia.
Nas sociedades anónimas, sociedades por acções, o capital necessário pode ser multiplicado, sem atenção às pessoas, por mera subscrição pública. A direcção e administração caberá a poucos eleitos pela assembleia dos accionistas.
O accionista, aplicando o seu capital nas acções, procura em geral a sua rentabilidade, e não fica preso ao destino da sociedade, pois que a cessão de acções se processa pela simples transmissão dos títulos em que se encorporam. Nenhum sócio responde ilimitadamente pelas obrigações sociais, mas tão só fica sujeito à perda do capital investido em acções.
As empresas de produção, industriais e comerciais, alcançaram, revestindo a forma de sociedades por acções, dimensões anteriormente inverosímeis.
Desde há um século que as grandes empresas revestem geralmente a forma de sociedades anónimas.
A sua estrutura jurídica permitiu o engrandecimento das empresas, como a necessidade económica das grandes empresas encontrou na organização jurídica das sociedades anónimas a fórmula jurídica a elas adaptável.
A estrutura jurídica que foi dada às sociedades comerciais, mormente na forma de sociedades anónimas, não se limitou a fornecer o suporte adequado à realização de grandes empreendimentos económicos. Porventura, sem que tal fosse previsto, favoreceu, pela fácil negociabilidade das acções das sociedades, a concentração da produção, da industria ou do comércio, pela fusão de sociedades, pela criação de sociedades afiliadas umas nas outras, isto é, em que umas são os principais accionistas de outras e por aquelas são dominadas.
Surgiram assim, sobretudo nos países altamente industrializados, as coligações entre empresas, mediante acordos sobre política de produção, de mercado ou de preços; a coordenação directa de empresas, mediante a criação de uma direcção unitária, através de posições maioritárias nas empresas coligadas.
O domínio de vários sectores da vida económica pode ser tentado também através de sociedades possuidoras de posições accionistas importantes em sectores diferenciados do comércio e indústria, como meio de garantir o capital contra o risco que possa existir num único sector da vida económica.
Apareceram em consequência os "trusts", os cartéis, os "holdings", os "konzern" e com eles também o grave perigo de colocar nas mãos de interesses particulares a direcção da vida económica em geral, ou a criação de monopólio de facto, etc..
As vantagens que se procuraram, formando instrumentos adequados à liberdade económica, e à iniciativa individual, são, por abuso dessa mesma liberdade, perigosas para o bem comum.
Por toda a parte, o Estado, com maior ou menor êxito iniciou o processo de intervenção legislativa destinado ou a corrigir ou a substituir práticas reputadas prejudiciais ao interesse comum. São já visíveis as tentativas de fiscalização oficial da constituição e funcionamento das sociedades anónimas, e largamente solicitadas medidas limitativas ou orientadoras da actividade das grandes empresas, para as subordinar mais fortemente ao interesse público. É evidente que a crítica da posição da livre iniciativa na vida económica se mescla também com ideologias políticas, que preconizam o seu desaparecimento, substituído pela planificação e direcção política de toda a actividade económica, ou a reforma das bases em que ela se estrutura com origem nos princípios da liberdade económica proclamados no século XIX.

§ 3º - O objecto das relações jurídicas

16 - A noção jurídica de "coisa"

O objecto das relações jurídicas é o mesmo que objecto de um direito subjectivo. Os bens que formam um objecto material dos direitos subjectivos são também o objecto da própria relação jurídica.
Ao objecto das relações jurídicas dá-se o nome de "coisa" (Cód. Civil, art. 202º).
É evidente que os sujeitos da relação jurídica não podem ser objectos; estas estão fora do sujeito. Por isso o velho Código Civil dizia que são coisas tudo o que carece de personalidade.

17 - Classificação de "coisa"

Aquilo que pode ser objecto de direitos é da mais diversa natureza.
A qualidade das coisas pode ter importância decisiva para o regime jurídico que lhes deve ser adequado. Em teoria geral, por isso, costuma fazer-se referência a uma classificação das "coisas", que, aliás, se encontra indicada na própria lei (Cód. Civil, art. 203º).
a) Coisas móveis e imóveis
As coisas podem ser móveis ou imóveis (partindo do critério geral da possibilidade natural da sua deslocação) é diferente em geral o regime jurídico, quer quanto ao direito de propriedade, quer quanto à transmissão, ou à publicidade do direito sobre as coisas (exigência ou não de registo, para proteger a boa fé de terceiros), consoante se tratar de coisas imóveis ou móveis.
b) Coisas simples e compostas
Coisas simples são aquelas que constituem por si uma unidade natural; as coisas compostas são as pluralidades de coisas móveis que, pertencendo à mesma pessoa, têm um destino unitário. Pode, na verdade, ser objecto de direitos, um livro, ou uma biblioteca, uma ovelha, ou um rebanho. Quando este conjunto de coisas simples forma uma unidade enquanto objecto do mesmo direito, destinado a um mesmo fim, diz-se que constitui uma coisa composta (ou uma universalidade, na terminologia jurídica).
c) Coisas fungíveis ou não fungíveis
Serão fungíveis as coisas que, como objecto de direitos, não interessa que sejam certas e determinadas na sua individualidade natural, mas enquanto determinadas pelo seu género, qualidade e quantidade. A compra de trigo pode ser feita referindo a quantidade e qualidade, sendo indiferente que se trate de cereal oriundo desta ou daquela herdade, ou que se encontre neste ou naquele armazém.
A falta de determinação concreta do objecto do direito ou a sua determinação através apenas do género, qualidade e quantidade têm importância, por exemplo, quanto à imputação do risco pela perda acidental da mercadoria, que não estando determinada em concreto, correrá por conta do vendedor no contrato de compra e venda.
d) Coisas divisíveis e indivisíveis
Consoante podem ser fraccionadas ou não sem alteração da sua substância, diminuição do valor ou prejuízo para o uso a que se destinam, as coisas são divisíveis ou indivisíveis.
A classificação das coisas que o Código Civil refere só revela a sua importância em razão de modificações neste ou naquele aspecto do regime jurídico de direitos reais sobre as coisas ou de negócios jurídicos que as tenham por objecto.

18 - Noção de património; patrimónios separados

Alguma ligação com a noção de coisa e, enquanto objecto de direitos, tem a noção de património. Importa a este respeito, como em tantos outros conceitos jurídicos, partir do que é mais simples para o mais complexo e ter em atenção que todos os conceitos jurídicos são elaborados em função de um fim, da sua serventia e utilidade na aplicação do direito.
A noção de património reporta-se aos direitos que tenham por objecto bens avaliáveis em dinheiro, de conteúdo económico ou pecuniário.
Uma noção mais ampla de património, compreenderá neste o conjunto de relações jurídicas com valor económico da mesma pessoa, com o mesmo titular. Neste sentido o património compreende um lado activo - os direitos ou coisas que são seu objecto, de valor económico; e um lado passivo - as obrigações e dívidas, ou as coisas que constituem seu objecto e de que é devedor também o mesmo sujeito. Este é o património global de uma pessoa. É este o conceito de património a tomar em consideração, por exemplo, quando se trata de herança.
A herança abrange tanto o lado activo como o lado passivo do património do falecido; em princípio, para os herdeiros transmitem-se, por sucessão, os direitos e as obrigações de conteúdo económico do falecido.
Mas o conceito de património pode ter e tem também um significado mais restrito, compreendendo somente o conjunto de direitos avaliáveis em dinheiro, isto é, que têm por objecto coisas avaliáveis em dinheiro; corresponderá então ao chamado património bruto.
É o património, neste sentido restrito, por exemplo, que constitui a garantia dos credores. Estes podem, na falta do pagamento dos créditos, executar o património, isto é, os bens ou direitos patrimoniais do devedor.
Num sentido mais restrito ainda, património é a soma dos direitos patrimoniais com valor económico, depois de deduzido o montante das dívidas, isto é, o saldo resultante da diferença entre o valor do lado activo e do lado passivo do património global.

19 - Separação de patrimónios; patrimónios autónomos

O património compreende, em princípio, o complexo de bens com valor económico de uma mesma pessoa. Mas nada obsta a que, dentro do património geral de uma pessoa, se admita a existência de conjuntos parcelares de bens, autonomizados em razão do regime jurídico especial a que são sujeitos.
São estes os patrimónios autónomos ou separados. A particularidade do regime jurídico que determina a separação de patrimónios, dentro do património geral, respeita à responsabilidade por dívidas.
O património geral de cada pessoa responde pelas suas dívidas; pode ser executado judicialmente, quando estas não sejam pagas. Sucede, porém, que alguns bens, ou seja, um conjunto de bens do património geral de uma pessoa, só responderem por certa espécie de dívidas, e não por quaisquer dívidas do titular do património; tais bens são especificamente afectados à função de garantir obrigações de certa espécie, com eles relacionadas.
Assim, o herdeiro, que sucede nos direitos e obrigações do falecido autor da herança, herda o seu património. Este património não se confunde logo com o património que o herdeiro possui, na medida em que é especialmente afectado o seu activo ao pagamento do passivo.
Da mesma sorte, quando se extingue uma pessoa colectiva, o activo do seu património fica afectado especialmente ao pagamento do seu passivo, à liquidação do seu património.
A separação patrimonial pode ser menos rígida, quando o património separado não responde exclusivamente, mas preferentemente, por certas dívidas, a cujo pagamento subsidiariamente se pode proceder pelo património geral.

§ 4º - Os factos jurídicos

20 - Distinção dos factos jurídicos

Todo o facto da vida real que produza efeitos jurídicos se denomina facto jurídico. Estes efeitos podem dizer respeito à constituição de relações jurídicas (factos constitutivos), modificação de relações jurídicas (factos modificativos) e extinção de relações jurídicas (factos extintivos).
Um contrato e compra e venda será constitutivo duma relação jurídica enquanto faz surgir direitos e obrigações entre comprador e vendedor; a convenção que alterar o primitivo prazo de pagamento dará origem a modificação da relação jurídica, isto é, do direito do credor, já satisfeito, e da obrigação do devedor.
Os factos com relevância jurídica são da mais variada espécie.
Podem ser factos involuntários (quer factos da natureza quer factos humanos involuntários) e factos voluntários do homem.
Um incêndio ocasional dá origem à obrigação de indemnização da companhia de seguros que tenha assumido a responsabilidade por incêndio fortuito da propriedade segurada, por exemplo.
Maior atenção merece, contudo, a análise dos factos voluntários. A sua importância revela o alcance da liberdade e autonomia individuais na vida social. São eles que constituem o substrato essencial da actividade jurídica. Relativamente aos actos voluntários do homem, e só a estes, é possível a sua directa qualificação, enquanto contrários ou conformes com as determinações da ordem jurídica.
Os factos voluntários, por isso, podem ser lícitos ou ilícitos.
Dentro dos factos voluntários lícitos podem distinguir- se os factos consoante os efeitos jurídicos que produzem coincidem fundamentalmente com o conteúdo da vontade dos seus autores, e então denominam-se negócios jurídicos; ou cujos efeitos são atribuídos por lei à verificação do facto voluntário, independentemente da referida concordância do conteúdo dos efeitos jurídicos com o objecto da vontade do autor do facto, e dizem-se então simples actos jurídicos.
A participação activa e directa do homem na vida jurídica, enquanto reflexo da vida social, faz-se através da sua actuação ou comportamento voluntário, e sobretudo quando da sua vontade deriva a própria natureza e âmbito dos efeitos jurídicos pretendidos. Daí a especial importância a atribuir aos negócios jurídicos, como espécie dentro do género mais vasto dos factos voluntários lícitos.
Convém, em consequência, que nos detenhamos brevemente na análise dos negócios jurídicos.

21 - O Negócio Jurídico

Elementos do negócio jurídico

O negócio jurídico é um conceito jurídico; os conceitos jurídicos representativos da realidade têm carácter tanto mais abstracto quanto mais compreensivos pretendem ser; serão então conceitos genéricos. Dentro destes cabem inúmeros factos voluntários da mais diversa espécie; são negócios jurídicos um contrato de compra e venda, ou um testamento, ou um casamento...
Por isso, na análise do conceito genérico se, tomam em conta apenas aqueles elementos do facto que são comuns a todas as figuras específicas compreendidas no género comum.
Os elementos essenciais do negócios jurídicos são os elementos que devem sempre verificar-se para que exista qualquer negócio jurídico.
Além destes elementos essenciais, há naturalmente elementos essenciais de cada tipo de negócio jurídico, que os especificam uns em relação aos outros; elementos que devem verificar-se para que um negócio jurídico seja um testamento e não uma compra e venda e não uma doação, etc.
Ora, elementos essenciais de todo e qualquer negócio jurídico são: 1º - a capacidade; 2º - a vontade; 3º - o objecto possível; 4º - eventualmente a forma.
Classificação dos negócios jurídicos
Porque o conceito de negócio jurídico abarca factos voluntários da mais variada espécie, cobrindo a maior parte dos actos relevantes para o direito, praticados voluntariamente pelos homens, é conveniente dar uma ideia da sua heterogeneidade, referindo classificações várias, em que opõem actos heterogéneos e, contudo, sempre referíveis à noção genérica do negócio jurídico.

a) negócios jurídicos unilaterais e bilaterais ou contratos

A vontade que preside ao facto pode ser de uma só pessoa ou de várias, mas com o mesmo conteúdo e direcção; então o negócio jurídico será unilateral; tem uma só direcção, um único lado.
Os negócios jurídicos bilaterais são os contratos, nos quais há duas ou mais declarações de vontade, com conteúdo diverso, sobre cuja coordenação, para obter um resultado comum, há acordo ou consenso de ambas as "partes".

b) negócios jurídicos consensuais e formais

Os negócios jurídicos de maior importância ou de maior valor económico só são válidos quando revestem determinada forma. O negócio jurídico produz efeitos jurídicos condizentes com os efeitos pretendidos pela vontade do declarante, ou com o consenso das partes. Mas a declaração unilateral de vontade não basta para a atribuição de efeitos jurídicos, quando a lei exija não apenas a declaração da vontade mas a declaração expressa por certa forma - forma escrita - prestada perante funcionário público e por ele reduzida a escrita (em geral notário).
Em regra não é de exigir forma especial; os casos em que é exigida são expressos nas leis. A razão da exigência entronca na conveniência de evitar dúvidas em assuntos ou negócios de maior gravidade, de evitar a eventual tentação de invocar direitos inexistentes, procurando reconstitui-los com prova imprecisa ou dúbia.
Nos negócios consensuais, que são a regra, basta para sua validade que a vontade ou consenso se tenham manifestado exteriormente por qualquer modo (verbalmente).

c) negócios jurídicos no direito das obrigações, nos direitos reais, de família ou sucessões.

Os negócios jurídicos são o modo mais incisivo de actuação da liberdade e iniciativa do homem na vida jurídica. Os seus efeitos podem situar-se, no direito privado, em qualquer dos ramos em que foi dividir-se o campo do direito privado: em matéria de obrigações (constituindo, modificando ou extinguindo obrigações), em matéria de direitos reais, de família ou sucessões.

d) negócios jurídicos onerosos ou gratuitos

Da perspectiva do interesse que para o declarante tem o negócio jurídico, distinguem-se os negócios jurídicos em onerosos e gratuitos.
Nos negócios jurídicos onerosos, ambas as partes têm interesse na outorga do negócio; com ela beneficiam. Nos negócios gratuitos domina a generosidade de uma parte em benefício da outra.
A transmissão de bens pode realizar-se por compra e venda (oneroso) ou por doação (gratuito); o empréstimo de dinheiro pode ser feito mediante juro ou sem juro.

e) negócios de mera administração e de disposição

Sobretudo no que respeita à administração de bens alheios, à limitação de poderes de representação, etc., tem importância a distinção entre negócios de mera administração, que correspondem a actos de gestão normal dos bens, (como os relativos à conservação, à frutificação normal dos bens de produção, ou ao seu melhoramento normal).
Actos ou negócios de disposição são todos os que excedem os limites prudentes e os objectivos próprios da mera administração; os mais importantes, mas não os únicos, são ditos de alienação.
E é de notar que há actos de alienação (do ponto de vista jurídico) que são autênticos actos de administração, como a venda dos frutos, a colocação de mercadorias, etc..

§ 5º - Elementos essenciais do negócio jurídico

22 - 1º) A capacidade

Dissemos serem elementos essenciais de todos os negócios jurídicos a capacidade, a declaração de vontade, o objecto possível e eventualmente a forma. Sobre esta já referimos a propósito da distinção entre negócios consensuais e formais o que importava dizer.
Convém aqui explicar em que consistem os outros e mais importantes elementos essenciais indicados.
A noção de capacidade já foi estudada a propósito do próprio conceito de personalidade. A capacidade referida aos negócios jurídicos é apenas um aspecto da capacidade jurídica em geral. Pode distinguir-se, portanto, em capacidade de gozo, e capacidade de exercício.
Em geral todos os homens têm a capacidade de gozo quanto a todos os direitos.
As pessoas colectivas tê-la-ão relativamente aos actos que directa ou indirectamente interessam à realização dos seus fins, enquanto reconhecidos ou expressos nos seus estatutos.
A incapacidade de exercício é suprível, como também já se disse, mediante o instituto da representação; nas pessoas colectivas, o exercício dos direitos, e por isso a celebração de negócios jurídicos, cabe aos órgãos representativos das pessoas colectivas.

23 - 2º) A declaração da vontade (Cód. Civil, arts. 217º e segs.)

Uma vontade inexpressa não pode ser entendida por outrém nem produzir efeitos jurídicos. Precisa de ser "declarada", para que constitua direitos ou obrigações em relação ao ou aos destinatários da declaração.
A vontade real do declarante pode não corresponder à vontade declarada.
O legislador tem de tutelar, pois, a boa fé, nas relações jurídicas, e por isso pode ser inválida a declaração da vontade que não corresponda à intenção real de quem a declarou.
Verificando-se uma divergência entre a vontade real e a vontade declarada, há que distinguir os casos em que tal divergência é intencional daqueles em que a divergência não é intencional. Divergências intencionais entre a vontade real e a declarada constituem nas declarações unilaterais de vontade a reserva mental, quando o declarante propositadamente declare coisa diferente daquilo que efectivamente quer, e nos contratos a simulação, quando as partes declaram coisa diversa daquilo que efectivamente pretendem.
A reserva mental não prejudica a validade da declaração da vontade a não ser que aquele a quem é dirigida (declaratário) tenha ele próprio conhecimento da vontade real do declarante, isto é, não esteja de boa fé.

24 - Divergência intencional entre a vontade e a sua declaração: a simulação

A simulação a que aludimos, pode ser absoluta ou relativa.
As partes podem declarar a vontade de outorgar um contrato, quando na realidade, não querem outorgar nenhum contrato; e então a simulação diz-se absoluta.
As partes podem declarar simultaneamente a vontade de outorgar determinado contrato, quando efectivamente a vontade real dos contraentes tem por objecto um contrato diverso; isto é, a declaração, simulada, dissimula a vontade real de fazer contrato diverso. E então a simulação diz-se relativa.
A simulação absoluta torna nulo o contrato; este não produz quaisquer efeitos.
A simulação relativa, em princípio, não anula o contrato; ou melhor, será válido o contrato dissimulado, o contrato que as partes efectivamente quiseram celebrar, a não ser que não revista os requisitos de forma que a lei exija.

25 - Divergência não intencional entre a vontade e a declaração

O declarante pode enganar-se ao declarar a sua vontade; faz uma declaração de vontade que, por erro, não corresponde àquela que queria dizer.
A declaração negocial é então anulável, desde que não afecte essa anulação o interesse do declaratário que esteja de boa fé, isto é, que não conheça ou não devesse conhecer a essencialidade do elemento sobre que incidiu o erro (art. 247º).
O problema da divergência entre a vontade real e a declaração de vontade poderia ter fundamentalmente uma de duas soluções opostas: ou se considera nulo o negócio, se a declaração não corresponde à vontade real do declarante, pois que é a vontade, em si mesma, que importa tutelar, e desse modo se protege o interesse do declarante, que não deve ser obrigado àquilo que realmente não quis; ou se dá sobretudo importância ao interesse geral de todos os possíveis contraentes, à boa fé de terceiros, à segurança no comércio jurídico, e se prefere em consequência o interesse individual do declarante, atribuindo validade à declaração da sua vontade, mesmo que não corresponda à sua vontade real.
Seria fundamental no primeiro caso a vontade real do declarante como elemento essencial do negócio jurídico (teoria da vontade), e no segundo a declaração da vontade (teoria da declaração). A legislação portuguesa inclinou-se para esta última solução, como se infere da regulamentação da divergência não intencional entre a vontade e a declaração, a que acabamos de aludir.
Não se considera inexistente a vontade, se tiver havido uma declaração divergente da vontade real, se o declaratário não sabia, nem devia saber que a declaração não podia corresponder à vontade real do declarante.
Modalidade importante da divergência não intencional da vontade real e da vontade declarada é a que tem a sua origem na coacção física. Se a declaração é feita por efeito da violência irresistível, não há vontade. E nesta hipótese será levar longe de mais a tutela dos interesses de terceiros no comércio jurídico, atribuindo à total falta ou inexistência de vontade o valor de "vontade"; a declaração é então nula (Cód. Civil, art. 246º).

 


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