A atribuição de personalidade às chamadas pessoas
colectivas não pode equivaler a uma equiparação às
pessoas singulares. Trata-se de um expediente técnico,
legítimo enquanto útil aos fins que serve.
Não há que falar de direitos de personalidade,
relativamente a pessoas colectivas; a personificação
destas respeita à atribuição de titularidade de
direitos e obrigações, que comportem a realização dos
fins comuns que constituem a razão da sua constituição.
Por isso o Código Civil (art. 160º) esclarece que "a
capacidade das pessoas colectivas abrange todos os
direitos e obrigações necessários ou convenientes à
prossecução dos seus fins". E acrescenta que se
exceptuam os direitos e obrigações vedados por lei ou
que sejam inseparáveis da personalidade singular.
A razão de ser da atribuição de personalidade é a
realização de fins comuns; o limite da capacidade será
também delineado em função desses fins.
Não são susceptíveis de nascimento e morte, no sentido
natural, as pessoas colectivas. Surgem, pela sua
constituição e reconhecimento; e a sua morte é a sua
extinção.
A constituição das pessoas colectivas implica a
aprovação de uma lei interna, os estatutos, nas
sociedades também denominado pacto social.
Os Estatutos deverão indicar o objecto ou fins da
pessoa colectiva e regular, sem infracção da lei e o
modo do seu funcionamento.
Não podem as pessoas colectivas agir por si; terão de
ser providas de órgãos, que as representam, dirigem e
administram.
Em geral, as pessoas colectivas têm por órgãos uma
Assembleia Geral, ou reunião de todos os associados ou
sócios, uma Administração ou Direcção e um Conselho
Fiscal. A primeira com a função de eleger o órgão de
administração e de fiscalização e tomar deliberações
mais importantes; o segundo com a função de
administração e representação; e o último com a da
fiscalização da actuação administrativa.
A natureza do curso, em que se integra esta disciplina
de Noções Gerais de Direito, aconselha a que se chame
sempre a atenção, pelo menos na exemplificação
de "noções gerais" para a sua aplicação à vida
económica.
Por isso entre as pessoas colectivas de direito
privado fizemos mais particular referência às
sociedades comerciais.
Não será descabido anotar a extrema importância que os
tipos de sociedade comercial, consoante foram
organizados pela lei, viriam a tomar na evolução e
desenvolvimento da vida económica e como de alguma
sorte a condicionaram.
Disse-se já que a criação de personalidade colectiva
obedeceu à conveniência de facilitar a prossecução de
interesses colectivos.
Do ponto de vista dos interesses económicos, essa
facilitação foi de enorme alcance, permitindo e
impulsionando a organização em novos moldes da
produção, como da circulação de bens.
À empresa individual, necessariamente de mais
reduzidas proporções, seguiu-se a empresa colectiva,
pela reunião do capital e esforço de vários sócios nas
sociedades em nome colectivo, sociedades de pessoas.
A organização das sociedades permitiu, já com as
sociedades em comandita, a separação das funções de
iniciativa e direcção, da responsabilidade pelos
riscos patrimoniais; na verdade os sócios com
responsabilidade em nome colectivo exercem as
primeiras funções, e os sócios com responsabilidade
limitada apenas suportam uma parte limitada dos riscos
e beneficiam dos lucros que forem obtidos.
Mas é com as sociedades de capitais, mormente as
sociedades anónimas, que se abrem novos horizontes ao
desenvolvimento da economia.
Nas sociedades anónimas, sociedades por acções, o
capital necessário pode ser multiplicado, sem atenção
às pessoas, por mera subscrição pública. A direcção e
administração caberá a poucos eleitos pela assembleia
dos accionistas.
O accionista, aplicando o seu capital nas acções,
procura em geral a sua rentabilidade, e não fica preso
ao destino da sociedade, pois que a cessão de acções
se processa pela simples transmissão dos títulos em
que se encorporam. Nenhum sócio responde
ilimitadamente pelas obrigações sociais, mas tão só
fica sujeito à perda do capital investido em acções.
As empresas de produção, industriais e comerciais,
alcançaram, revestindo a forma de sociedades por
acções, dimensões anteriormente inverosímeis.
Desde há um século que as grandes empresas revestem
geralmente a forma de sociedades anónimas.
A sua estrutura jurídica permitiu o engrandecimento
das empresas, como a necessidade económica das grandes
empresas encontrou na organização jurídica das
sociedades anónimas a fórmula jurídica a elas
adaptável.
A estrutura jurídica que foi dada às sociedades
comerciais, mormente na forma de sociedades anónimas,
não se limitou a fornecer o suporte adequado à
realização de grandes empreendimentos económicos.
Porventura, sem que tal fosse previsto, favoreceu,
pela fácil negociabilidade das acções das sociedades,
a concentração da produção, da industria ou do
comércio, pela fusão de sociedades, pela criação de
sociedades afiliadas umas nas outras, isto é, em que
umas são os principais accionistas de outras e por
aquelas são dominadas.
Surgiram assim, sobretudo nos países altamente
industrializados, as coligações entre empresas,
mediante acordos sobre política de produção, de
mercado ou de preços; a coordenação directa de
empresas, mediante a criação de uma direcção unitária,
através de posições maioritárias nas empresas
coligadas.
O domínio de vários sectores da vida económica pode
ser tentado também através de sociedades possuidoras
de posições accionistas importantes em sectores
diferenciados do comércio e indústria, como meio de
garantir o capital contra o risco que possa existir
num único sector da vida económica.
Apareceram em consequência os "trusts", os cartéis,
os "holdings", os "konzern" e com eles também o grave
perigo de colocar nas mãos de interesses particulares
a direcção da vida económica em geral, ou a criação de
monopólio de facto, etc..
As vantagens que se procuraram, formando instrumentos
adequados à liberdade económica, e à iniciativa
individual, são, por abuso dessa mesma liberdade,
perigosas para o bem comum.
Por toda a parte, o Estado, com maior ou menor êxito
iniciou o processo de intervenção legislativa
destinado ou a corrigir ou a substituir práticas
reputadas prejudiciais ao interesse comum. São já
visíveis as tentativas de fiscalização oficial da
constituição e funcionamento das sociedades anónimas,
e largamente solicitadas medidas limitativas ou
orientadoras da actividade das grandes empresas, para
as subordinar mais fortemente ao interesse público.
É evidente que a crítica da posição da livre
iniciativa na vida económica se mescla também com
ideologias políticas, que preconizam o seu
desaparecimento, substituído pela planificação e
direcção política de toda a actividade económica, ou a
reforma das bases em que ela se estrutura com origem
nos princípios da liberdade económica proclamados no
século XIX.
O objecto das relações jurídicas é o mesmo que objecto
de um direito subjectivo. Os bens que formam um
objecto material dos direitos subjectivos são também o
objecto da própria relação jurídica.
Ao objecto das relações jurídicas dá-se o nome
de "coisa" (Cód. Civil, art. 202º).
É evidente que os sujeitos da relação jurídica não
podem ser objectos; estas estão fora do sujeito. Por
isso o velho Código Civil dizia que são coisas tudo o
que carece de personalidade.
Aquilo que pode ser objecto de direitos é da mais
diversa natureza.
A qualidade das coisas pode ter importância decisiva
para o regime jurídico que lhes deve ser adequado.
Em teoria geral, por isso, costuma fazer-se referência
a uma classificação das "coisas", que, aliás, se
encontra indicada na própria lei (Cód. Civil, art.
203º).
a) Coisas móveis e imóveis
As coisas podem ser móveis ou imóveis (partindo do
critério geral da possibilidade natural da sua
deslocação) é diferente em geral o regime jurídico,
quer quanto ao direito de propriedade, quer quanto à
transmissão, ou à publicidade do direito sobre as
coisas (exigência ou não de registo, para proteger a
boa fé de terceiros), consoante se tratar de coisas
imóveis ou móveis.
b) Coisas simples e compostas
Coisas simples são aquelas que constituem por si uma
unidade natural; as coisas compostas são as
pluralidades de coisas móveis que, pertencendo à mesma
pessoa, têm um destino unitário. Pode, na verdade, ser
objecto de direitos, um livro, ou uma biblioteca, uma
ovelha, ou um rebanho. Quando este conjunto de coisas
simples forma uma unidade enquanto objecto do mesmo
direito, destinado a um mesmo fim, diz-se que
constitui uma coisa composta (ou uma universalidade,
na terminologia jurídica).
c) Coisas fungíveis ou não fungíveis
Serão fungíveis as coisas que, como objecto de
direitos, não interessa que sejam certas e
determinadas na sua individualidade natural, mas
enquanto determinadas pelo seu género, qualidade e
quantidade. A compra de trigo pode ser feita referindo
a quantidade e qualidade, sendo indiferente que se
trate de cereal oriundo desta ou daquela herdade, ou
que se encontre neste ou naquele armazém.
A falta de determinação concreta do objecto do direito
ou a sua determinação através apenas do género,
qualidade e quantidade têm importância, por exemplo,
quanto à imputação do risco pela perda acidental da
mercadoria, que não estando determinada em concreto,
correrá por conta do vendedor no contrato de compra e
venda.
d) Coisas divisíveis e indivisíveis
Consoante podem ser fraccionadas ou não sem alteração
da sua substância, diminuição do valor ou prejuízo
para o uso a que se destinam, as coisas são divisíveis
ou indivisíveis.
A classificação das coisas que o Código Civil refere
só revela a sua importância em razão de modificações
neste ou naquele aspecto do regime jurídico de
direitos reais sobre as coisas ou de negócios
jurídicos que as tenham por objecto.
Alguma ligação com a noção de coisa e, enquanto
objecto de direitos, tem a noção de património.
Importa a este respeito, como em tantos outros
conceitos jurídicos, partir do que é mais simples para
o mais complexo e ter em atenção que todos os
conceitos jurídicos são elaborados em função de um
fim, da sua serventia e utilidade na aplicação do
direito.
A noção de património reporta-se aos direitos que
tenham por objecto bens avaliáveis em dinheiro, de
conteúdo económico ou pecuniário.
Uma noção mais ampla de património, compreenderá neste
o conjunto de relações jurídicas com valor económico
da mesma pessoa, com o mesmo titular. Neste sentido o
património compreende um lado activo - os direitos ou
coisas que são seu objecto, de valor económico; e um
lado passivo - as obrigações e dívidas, ou as coisas
que constituem seu objecto e de que é devedor também o
mesmo sujeito. Este é o património global de uma
pessoa. É este o conceito de património a tomar em
consideração, por exemplo, quando se trata de herança.
A herança abrange tanto o lado activo como o lado
passivo do património do falecido; em princípio, para
os herdeiros transmitem-se, por sucessão, os direitos
e as obrigações de conteúdo económico do falecido.
Mas o conceito de património pode ter e tem também um
significado mais restrito, compreendendo somente o
conjunto de direitos avaliáveis em dinheiro, isto é,
que têm por objecto coisas avaliáveis em dinheiro;
corresponderá então ao chamado património bruto.
É o património, neste sentido restrito, por exemplo,
que constitui a garantia dos credores. Estes podem, na
falta do pagamento dos créditos, executar o
património, isto é, os bens ou direitos patrimoniais
do devedor.
Num sentido mais restrito ainda, património é a soma
dos direitos patrimoniais com valor económico, depois
de deduzido o montante das dívidas, isto é, o saldo
resultante da diferença entre o valor do lado activo e
do lado passivo do património global.
O património compreende, em princípio, o complexo de
bens com valor económico de uma mesma pessoa. Mas nada
obsta a que, dentro do património geral de uma pessoa,
se admita a existência de conjuntos parcelares de
bens, autonomizados em razão do regime jurídico
especial a que são sujeitos.
São estes os patrimónios autónomos ou separados. A
particularidade do regime jurídico que determina a
separação de patrimónios, dentro do património geral,
respeita à responsabilidade por dívidas.
O património geral de cada pessoa responde pelas suas
dívidas; pode ser executado judicialmente, quando
estas não sejam pagas. Sucede, porém, que alguns bens,
ou seja, um conjunto de bens do património geral de
uma pessoa, só responderem por certa espécie de
dívidas, e não por quaisquer dívidas do titular do
património; tais bens são especificamente afectados à
função de garantir obrigações de certa espécie, com
eles relacionadas.
Assim, o herdeiro, que sucede nos direitos e
obrigações do falecido autor da herança, herda o seu
património. Este património não se confunde logo com o
património que o herdeiro possui, na medida em que é
especialmente afectado o seu activo ao pagamento do
passivo.
Da mesma sorte, quando se extingue uma pessoa
colectiva, o activo do seu património fica afectado
especialmente ao pagamento do seu passivo, à
liquidação do seu património.
A separação patrimonial pode ser menos rígida, quando
o património separado não responde exclusivamente, mas
preferentemente, por certas dívidas, a cujo pagamento
subsidiariamente se pode proceder pelo património
geral.
Todo o facto da vida real que produza efeitos
jurídicos se denomina facto jurídico. Estes efeitos
podem dizer respeito à constituição de relações
jurídicas (factos constitutivos), modificação de
relações jurídicas (factos modificativos) e extinção
de relações jurídicas (factos extintivos).
Um contrato e compra e venda será constitutivo duma
relação jurídica enquanto faz surgir direitos e
obrigações entre comprador e vendedor; a convenção que
alterar o primitivo prazo de pagamento dará origem a
modificação da relação jurídica, isto é, do direito do
credor, já satisfeito, e da obrigação do devedor.
Os factos com relevância jurídica são da mais variada
espécie.
Podem ser factos involuntários (quer factos da
natureza quer factos humanos involuntários) e factos
voluntários do homem.
Um incêndio ocasional dá origem à obrigação de
indemnização da companhia de seguros que tenha
assumido a responsabilidade por incêndio fortuito da
propriedade segurada, por exemplo.
Maior atenção merece, contudo, a análise dos factos
voluntários. A sua importância revela o alcance da
liberdade e autonomia individuais na vida social. São
eles que constituem o substrato essencial da
actividade jurídica. Relativamente aos actos
voluntários do homem, e só a estes, é possível a sua
directa qualificação, enquanto contrários ou conformes
com as determinações da ordem jurídica.
Os factos voluntários, por isso, podem ser lícitos ou
ilícitos.
Dentro dos factos voluntários lícitos podem distinguir-
se os factos consoante os efeitos jurídicos que
produzem coincidem fundamentalmente com o conteúdo da
vontade dos seus autores, e então denominam-se
negócios jurídicos; ou cujos efeitos são atribuídos
por lei à verificação do facto voluntário,
independentemente da referida concordância do conteúdo
dos efeitos jurídicos com o objecto da vontade do
autor do facto, e dizem-se então simples actos
jurídicos.
A participação activa e directa do homem na vida
jurídica, enquanto reflexo da vida social, faz-se
através da sua actuação ou comportamento voluntário, e
sobretudo quando da sua vontade deriva a própria
natureza e âmbito dos efeitos jurídicos pretendidos.
Daí a especial importância a atribuir aos negócios
jurídicos, como espécie dentro do género mais vasto
dos factos voluntários lícitos.
Convém, em consequência, que nos detenhamos brevemente
na análise dos negócios jurídicos.
O negócio jurídico é um conceito jurídico; os
conceitos jurídicos representativos da realidade têm
carácter tanto mais abstracto quanto mais
compreensivos pretendem ser; serão então conceitos
genéricos. Dentro destes cabem inúmeros factos
voluntários da mais diversa espécie; são negócios
jurídicos um contrato de compra e venda, ou um
testamento, ou um casamento...
Por isso, na análise do conceito genérico se, tomam em
conta apenas aqueles elementos do facto que são comuns
a todas as figuras específicas compreendidas no género
comum.
Os elementos essenciais do negócios jurídicos são os
elementos que devem sempre verificar-se para que
exista qualquer negócio jurídico.
Além destes elementos essenciais, há naturalmente
elementos essenciais de cada tipo de negócio jurídico,
que os especificam uns em relação aos outros;
elementos que devem verificar-se para que um negócio
jurídico seja um testamento e não uma compra e venda e
não uma doação, etc.
Ora, elementos essenciais de todo e qualquer negócio
jurídico são: 1º - a capacidade; 2º - a vontade; 3º -
o objecto possível; 4º - eventualmente a forma.
Classificação dos negócios jurídicos
Porque o conceito de negócio jurídico abarca factos
voluntários da mais variada espécie, cobrindo a maior
parte dos actos relevantes para o direito, praticados
voluntariamente pelos homens, é conveniente dar uma
ideia da sua heterogeneidade, referindo classificações
várias, em que opõem actos heterogéneos e, contudo,
sempre referíveis à noção genérica do negócio jurídico.
A vontade que preside ao facto pode ser de uma só
pessoa ou de várias, mas com o mesmo conteúdo e
direcção; então o negócio jurídico será unilateral;
tem uma só direcção, um único lado.
Os negócios jurídicos bilaterais são os contratos, nos
quais há duas ou mais declarações de vontade, com
conteúdo diverso, sobre cuja coordenação, para obter
um resultado comum, há acordo ou consenso de ambas
as "partes".
Os negócios jurídicos de maior importância ou de maior
valor económico só são válidos quando revestem
determinada forma. O negócio jurídico produz efeitos
jurídicos condizentes com os efeitos pretendidos pela
vontade do declarante, ou com o consenso das partes.
Mas a declaração unilateral de vontade não basta para
a atribuição de efeitos jurídicos, quando a lei exija
não apenas a declaração da vontade mas a declaração
expressa por certa forma - forma escrita - prestada
perante funcionário público e por ele reduzida a
escrita (em geral notário).
Em regra não é de exigir forma especial; os casos em
que é exigida são expressos nas leis. A razão da
exigência entronca na conveniência de evitar dúvidas
em assuntos ou negócios de maior gravidade, de evitar
a eventual tentação de invocar direitos inexistentes,
procurando reconstitui-los com prova imprecisa ou
dúbia.
Nos negócios consensuais, que são a regra, basta para
sua validade que a vontade ou consenso se tenham
manifestado exteriormente por qualquer modo
(verbalmente).
Os negócios jurídicos são o modo mais incisivo de actuação da liberdade e iniciativa do homem na vida jurídica. Os seus efeitos podem situar-se, no direito privado, em qualquer dos ramos em que foi dividir-se o campo do direito privado: em matéria de obrigações (constituindo, modificando ou extinguindo obrigações), em matéria de direitos reais, de família ou sucessões.
Da perspectiva do interesse que para o declarante tem
o negócio jurídico, distinguem-se os negócios
jurídicos em onerosos e gratuitos.
Nos negócios jurídicos onerosos, ambas as partes têm
interesse na outorga do negócio; com ela beneficiam.
Nos negócios gratuitos domina a generosidade de uma
parte em benefício da outra.
A transmissão de bens pode realizar-se por compra e
venda (oneroso) ou por doação (gratuito); o empréstimo
de dinheiro pode ser feito mediante juro ou sem juro.
Sobretudo no que respeita à administração de bens
alheios, à limitação de poderes de representação,
etc., tem importância a distinção entre negócios de
mera administração, que correspondem a actos de gestão
normal dos bens, (como os relativos à conservação, à
frutificação normal dos bens de produção, ou ao seu
melhoramento normal).
Actos ou negócios de disposição são todos os que
excedem os limites prudentes e os objectivos próprios
da mera administração; os mais importantes, mas não os
únicos, são ditos de alienação.
E é de notar que há actos de alienação (do ponto de
vista jurídico) que são autênticos actos de
administração, como a venda dos frutos, a colocação de
mercadorias, etc..
Dissemos serem elementos essenciais de todos os
negócios jurídicos a capacidade, a declaração de
vontade, o objecto possível e eventualmente a forma.
Sobre esta já referimos a propósito da distinção entre
negócios consensuais e formais o que importava dizer.
Convém aqui explicar em que consistem os outros e mais
importantes elementos essenciais indicados.
A noção de capacidade já foi estudada a propósito do
próprio conceito de personalidade. A capacidade
referida aos negócios jurídicos é apenas um aspecto da
capacidade jurídica em geral. Pode distinguir-se,
portanto, em capacidade de gozo, e capacidade de
exercício.
Em geral todos os homens têm a capacidade de gozo
quanto a todos os direitos.
As pessoas colectivas tê-la-ão relativamente aos actos
que directa ou indirectamente interessam à realização
dos seus fins, enquanto reconhecidos ou expressos nos
seus estatutos.
A incapacidade de exercício é suprível, como também já
se disse, mediante o instituto da representação; nas
pessoas colectivas, o exercício dos direitos, e por
isso a celebração de negócios jurídicos, cabe aos
órgãos representativos das pessoas colectivas.
Uma vontade inexpressa não pode ser entendida por
outrém nem produzir efeitos jurídicos. Precisa de
ser "declarada", para que constitua direitos ou
obrigações em relação ao ou aos destinatários da
declaração.
A vontade real do declarante pode não corresponder à
vontade declarada.
O legislador tem de tutelar, pois, a boa fé, nas
relações jurídicas, e por isso pode ser inválida a
declaração da vontade que não corresponda à intenção
real de quem a declarou.
Verificando-se uma divergência entre a vontade real e
a vontade declarada, há que distinguir os casos em que
tal divergência é intencional daqueles em que a
divergência não é intencional.
Divergências intencionais entre a vontade real e a
declarada constituem nas declarações unilaterais de
vontade a reserva mental, quando o declarante
propositadamente declare coisa diferente daquilo que
efectivamente quer, e nos contratos a simulação,
quando as partes declaram coisa diversa daquilo que
efectivamente pretendem.
A reserva mental não prejudica a validade da
declaração da vontade a não ser que aquele a quem é
dirigida (declaratário) tenha ele próprio conhecimento
da vontade real do declarante, isto é, não esteja de
boa fé.
A simulação a que aludimos, pode ser absoluta ou
relativa.
As partes podem declarar a vontade de outorgar um
contrato, quando na realidade, não querem outorgar
nenhum contrato; e então a simulação diz-se absoluta.
As partes podem declarar simultaneamente a vontade de
outorgar determinado contrato, quando efectivamente a
vontade real dos contraentes tem por objecto um
contrato diverso; isto é, a declaração, simulada,
dissimula a vontade real de fazer contrato diverso. E
então a simulação diz-se relativa.
A simulação absoluta torna nulo o contrato; este não
produz quaisquer efeitos.
A simulação relativa, em princípio, não anula o
contrato; ou melhor, será válido o contrato
dissimulado, o contrato que as partes efectivamente
quiseram celebrar, a não ser que não revista os
requisitos de forma que a lei exija.
O declarante pode enganar-se ao declarar a sua
vontade; faz uma declaração de vontade que, por erro,
não corresponde àquela que queria dizer.
A declaração negocial é então anulável, desde que não
afecte essa anulação o interesse do declaratário que
esteja de boa fé, isto é, que não conheça ou não
devesse conhecer a essencialidade do elemento sobre
que incidiu o erro (art. 247º).
O problema da divergência entre a vontade real e a
declaração de vontade poderia ter fundamentalmente uma
de duas soluções opostas: ou se considera nulo o
negócio, se a declaração não corresponde à vontade
real do declarante, pois que é a vontade, em si mesma,
que importa tutelar, e desse modo se protege o
interesse do declarante, que não deve ser obrigado
àquilo que realmente não quis; ou se dá sobretudo
importância ao interesse geral de todos os possíveis
contraentes, à boa fé de terceiros, à segurança no
comércio jurídico, e se prefere em consequência o
interesse individual do declarante, atribuindo
validade à declaração da sua vontade, mesmo que não
corresponda à sua vontade real.
Seria fundamental no primeiro caso a vontade real do
declarante como elemento essencial do negócio jurídico
(teoria da vontade), e no segundo a declaração da
vontade (teoria da declaração). A legislação
portuguesa inclinou-se para esta última solução, como
se infere da regulamentação da divergência não
intencional entre a vontade e a declaração, a que
acabamos de aludir.
Não se considera inexistente a vontade, se tiver
havido uma declaração divergente da vontade real, se o
declaratário não sabia, nem devia saber que a
declaração não podia corresponder à vontade real do
declarante.
Modalidade importante da divergência não intencional
da vontade real e da vontade declarada é a que tem a
sua origem na coacção física. Se a declaração é feita
por efeito da violência irresistível, não há vontade.
E nesta hipótese será levar longe de mais a tutela dos
interesses de terceiros no comércio jurídico,
atribuindo à total falta ou inexistência de vontade o
valor de "vontade"; a declaração é então nula (Cód.
Civil, art. 246º).