Interpretar as leis é determinar o seu sentido e
alcance, definindo a matéria a que elas são
aplicáveis, e o critério de regulamentação que delas
consta.
Duas orientações fundamentais se podem defender quanto
ao modo de interpretar as leis: uma orientação
subjectiva e uma orientação objectiva.
Numa orientação subjectiva, interpretar a lei
consistirá em procurar a vontade do legislador; numa
orientação objectiva, a lei, embora formulada pelo
legislador, dele se separa, alcançando firme
significado próprios, de modo que a interpretação
procurará descobrir o pensamento legislativo, a razão
ou fim da própria lei.
O Código Civil (art. 9º), definindo o modo de
interpretação das leis, aceitou uma orientação
objectiva. O citado art. 9º do Código Civil reza
assim: "1 - A interpretação não deve cingir-se à letra
da lei, mas reconstituir a partir de textos o
pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a
unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que
a lei foi elaborada e as condições específicas do
tempo em que é aplicada. 2 - Não pode, porém, ser
considerado pelo intérprete o pensamento legislativo
que não tenha na letra da lei um mínimo de
correspondência verbal, ainda que imperfeitamente
expresso. 3 - Na fixação do sentido e alcance da lei,
o intérprete presumirá que o legislador consagrou as
soluções mais acertadas e soube exprimir o seu
pensamento em termos adequados".
Para esclarecer o modo de interpretação das leis,
costuma considerar-se a interpretação:
a) quanto à qualidade do intérprete, isto é, quanto ao
sujeito da interpretação;
b) quanto aos meios utilizáveis para proceder à
interpretação;
c) quanto aos resultados obtidos pela interpretação
d) quanto ao sujeito;
Pode interpretar a lei qualquer pessoa. Mas importa
naturalmente que saiba interpretar leis, que tenha um
mínimo de conhecimentos jurídicos.
Importa distinguir: a interpretação a que pode
proceder o próprio órgão legislativo de que emanou a
lei (interpretação autêntica).
A interpretação das leis que é feita pelos tribunais,
quando aplicam as leis aos casos concretos
(interpretação jurisprudencial).
A interpretação elaborada pelos juristas, quando
estudam as leis no seu conjunto (interpretação
doutrinária).
A interpretação duma lei, feita em outra lei, denomina-
se interpretação legislativa. E a lei que interpreta
outra lei denomina-se lei interpretativa.
As leis interpretativas integram-se na lei
interpretada (Cód. Civil, art. 13º); quer dizer, a
interpretação que provém do órgão legislativo é também
lei, e por isso a determinação do sentido e alcance
duma lei por outra lei tem carácter obrigatório como
todas as leis.
A interpretação a que procedem, nas decisões
judiciais, os tribunais designa-se por interpretação
jurisprudencial.
A opinião de um tribunal, mesmo hierarquicamente
superior, não se impõe aos outros tribunais ou aos
cidadãos em geral, fora do caso concreto que foi
objecto da decisão.
Fazem excepção os assentos, que têm o valor de leis
interpretativas, nos termos que já foram referidos.
A interpretação doutrinária, tem valor adjuvante na
compreensão das leis, em virtude da argumentação em
que se baseia, como fica explicado a propósito da
importância da doutrina como fonte mediata do direito;
mas não vincula nunca (ao contrário do que já sucedeu
limitadamente em épocas históricas anteriores) quer os
cidadãos, quer os tribunais.
a) Quanto aos meios, a interpretação pode ser literal
ou gramatical e lógica ou, melhor, teleológica.
Partindo da presunção de que a letra da lei
corresponde àquilo que ela pretende, toda a
interpretação parte duma análise gramatical da letra e
da lei.
A interpretação literal é o ponto de partida da
interpretação.
O ponto de chegada é-nos, porém, dado pela utilização
da interpretação teleológica, quando se procura
desvendar o fim que a lei propõe.
E definir através da lei o seu alcance é o objectivo
verdadeiro e último de toda a interpretação.
Para este objectivo importa servirmo-nos dos elementos
que podem agrupar-se assim: elemento racional,
elemento sistemático e elemento histórico.
Elemento racional é a razão de ser da lei, do fim que
se propõe, no qual avulta o interesse que o preceito
legislativo pretende tutelar, ou melhor o valor que
atribui a esse interesse.
O fim objectivo da lei não pode considerar-se
isoladamente, mas na sua ordenação em relação aos que
constituem objectivo dos outros preceitos legais,
dentro da unidade da ordem jurídica. Por isso, há que
utilizar o elemento sistemático, isto é, desvendar o
alcance de um preceito legislativo no seu
enquadramento no sistema jurídico.
Como o fim da lei se não confunde com a intenção
subjectiva do legislador, importa ainda ter em
atenção, muitas vezes, os trabalhos preparatórios da
lei para conhecer as circunstâncias que explicaram o
aparecimento do preceito, assim como a modificação do
objecto material da lei por novo condicionalismo para
verificar em que medida o fim da lei determina um novo
alcance desta em razão de tais modificações.
b) Quanto aos resultados, a interpretação diz-se
declarativa, restritiva ou extensiva.
Porque a interpretação se não atém à letra da lei,
pode resultar uma interpretação quando se atenda à
letra da lei.
A verdadeira interpretação, como se disse, é a que
toma em consideração os fins objectivos da lei.
Em consequência, se do texto da lei resulta que
gramaticalmente este exprimiu devidamente que
efectivamente corresponde aos fins da lei, e há por
isso coincidência entre o alcance da lei, interpretada
em razão dos seus fins, a interpretação diz-se
declarativa. A lei diz então o que pretendia dizer.
Se, por deficiência de expressão, os termos utilizados
pela lei vão além daquilo que a lei pretendia ordenar,
a interpretação diz-se restritiva porque o alcance da
lei é mais restrito do que parece inferir-se da sua
letra.
Se, continuando a não haver coincidência entre o
resultado duma interpretação gramatical duma
interpretação teleológica, a letra da lei não diz tudo
aquilo que, em função do fim que se propunha, queria
dizer, é este significado mais amplo que deve aceitar-
se e a interpretação diz-se extensiva.
Em geral, todas as normas jurídicas são assim
interpretadas.
Fazem excepção, porém, as normas incriminadoras, que
definem os crimes.
Quanto a estas, se a letra expressa da lei não
comportar o alargamento que só se justificaria em
razão do fim da lei, não é lícito interpretá-la de
modo a que se obtenha uma extensão do seu conteúdo,
para além do teor literal da lei.
Quer dizer: quanto aos preceitos incriminadores, é
vedada a interpretação extensiva (Cód. Penal, art. 18º)
A vida social é extremamente rica, não pode presumir-
se que a lei preveja todos os casos que devem ser
regulados juridicamente. Quando, depois de fixado o
alcance das leis pela interpretação, se verifica que
um caso concreto não cabe no campo de aplicação de
qualquer regra jurídica, diz-se que estamos perante um
caso omisso, um caso da vida real não previsto e não
regulado pela lei.
Sucede, porém, que, como determina o art. 8º do Código
Civil, os tribunais não podem abster-se de julgar,
invocando a falta ou obscuridade da lei.
O conjunto de leis nunca é completo, de modo a abarcar
todas as hipóteses possíveis.
E estas exigem uma solução jurídica.
Então não pode aplicar-se directamente uma lei,
precisamente porque falta uma lei aplicável ao caso
omisso; importa buscar a regulamentação do caso omisso
para além da lei.
O problema, que assim fica definido, respeita à
integração das lacunas na lei.
O critério para encontrar a regulamentação que a lei
não previu é-nos indicado pelo art. 10º do Código
Civil.
Primeiramente: os casos que a lei não preveja são
regulados segundo a norma aplicável aos casos análogos.
Quer isto dizer que, interpretada a lei e verificado
que o caso omisso não cabe na sua esfera de aplicação,
há que buscar um preceito legal que regule situações
semelhantes (casos análogos), e quando as razões que
levaram à regulamentação dos casos análogos
justificassem também a regulamentação do caso omisso,
aplicar-se-á a este, por analogia, o preceito
regulamentador daqueles casos análogos.
Este caminho pode revelar-se, porém, inviável, por não
haver regulamentação pela lei de casos análogos.
E então o juiz ou o intérprete terá de resolver
juridicamente a situação, formulando por si mesmo a
norma que o legislador criaria em conformidade com o
sistema geral da ordem jurídica vigente.
Já não se aplicará, por analogia, um determinado
preceito da lei, que preveja casos análogos, por não
existir tal preceito, mas buscar-se-á a solução
directa do caso omisso, apelando para os princípios
gerais do sistema, para os fins que devem tutelar-se
no caso concreto, coordenando-os e deduzindo-os do
espírito do sistema jurídico.
Não se admitem lacunas da lei na incriminação de
factos criminosos. Só há os crimes que a lei
expressamente define.
Não é, por isso, possível nessa matéria integrar
lacunas.
Do mesmo modo, não contêm lacunas todas as normas que
fazem excepção, a normas de aplicação comum ou geral
(Cód. Civil, art. 11º).
Normas excepcionais são aquelas que regulamentam de
maneira contrária um sector especificamente
diferenciado da mesma matéria que é objecto de
regulamentação geralmente aplicável, contida em normas
de direito comum.
Todos os casos omissos na lei excepcional estarão
assim necessariamente abrangidos pela norma de direito
comum, e consequentemente não podem verificar-se
lacunas nas normas excepcionais.
A positivização do direito, quer se faça através da
formação de costumes obrigatórios, quer pela
promulgação de direito escrito ou leis, não lhe dá a
característica de imutabilidade. O direito dirige e
ordena a actividade social dos homens, susceptível de
mudança em razão das circunstâncias e condicionalismos
históricos. Os costumes poderiam ser modificados por
outros costumes; as leis podem ser substituídas por
outras leis.
Também, e por natureza, o costume só se formava em
sociedades relativamente restritas no espaço, como as
leis, enquanto provenientes de autoridade social, não
são necessariamente iguais em todos os Estados.
Embora, em povos da mesma civilização, se aproximem os
sistemas jurídicos nos princípios que os dominam,
divergem na sua estrutura e na sua formulação,
reflectindo as condições diversas do país em que devem
aplicar-se.
Deste modo, como as leis não são imutáveis no tempo, e
antes a umas leis podem suceder outras leis, importa
determinar qual a esfera de aplicação das leis no
tempo.
E como coexistem ordenamentos jurídicos nacionais,
correspondentes a cada Estado, importa determinar qual
a esfera de aplicação no espaço, isto é, a que
situações jurídicas verificadas no país ou fora dele
podem aplicar-se as leis de cada Estado.
Quanto à aplicabilidade da lei no tempo, é um problema
originado pela sucessão de leis. E as leis, como
dissemos, têm um período de validade demarcado pelo
seu início e pelo seu termo.
Daqui resulta que, em princípio, a lei não terá
eficácia retroactiva, isto é, não será aplicável no
passado, a factos cometidos antes do início da
vigência da lei.
O problema não mereceria, porém, que se lhe fizesse
referência se se mostrasse resolvido com esta singela
formulação. Mas não é assim.
É que os factos praticados durante o tempo de vigência
da lei, enquanto regulados pela lei, se destinavam
necessariamente a produzir efeitos, consequências, com
relevância jurídica.
O contrato outorgado no domínio de uma lei antiga pode
ter de cumprir-se no domínio da nova lei; o casamento
celebrado no domínio de uma lei perdura no período de
vigência da nova lei; e importa saber se os efeitos
que perduram para além do termo de uma lei, deverão
ser regulados por esta ou pela nova lei.
E é precisamente a questão dos efeitos dos factos
passados que se produzam ou perdurem no domínio da lei
nova que constituem o fulcro da regulamentação da
validade da lei no tempo.
A solução da questão consta em geral do Código Civil,
art. 12º: "A lei só dispõe para o futuro; ainda que
lhe seja atribuída eficácia retroactiva, presume-se
que ficam ressalvados os efeitos já produzidos pelos
factos que a lei se destina a regular.
O princípio geral é, assim, o da não retroactividade
da lei. Esta não se aplica aos factos ou seus efeitos
já produzidos.
O citado art. 12º do Código Civil permite que as leis
tenham excepcionalmente eficácia retroactiva. Por isso
diz mesmo quando " lhe seja atribuída eficácia
retroactiva" se presume não ser aplicável aos efeitos
já produzidos.
Pode, portanto, por via do encontro de circunstâncias
extraordinárias, a própria lei nova determinar a sua
aplicabilidade quanto à regulamentação de factos
passados ou seus efeitos.
Para tanto é preciso que a própria lei o declare
expressamente.
Nesse caso a lei será, por estatuição que dela própria
conste, retroactiva.
Não é nunca retroactiva a lei penal enquanto defina
quaisquer factos como crimes ou comine as
correspondentes sanções penais, porque a não
retroactividade das leis penais está assegurada com a
garantia constitucional pelo n.º 9 do art. 8º da
Constituição Política.
Temos assim que o princípio geral quanto à
aplicabilidade das leis no tempo é o princípio da sua
não retroactividade; que este princípio pode ser
postergado pela própria lei, porque é um princípio
proclamado pela lei ordinária (Código Civil) que
constitui uma presunção, que cede perante a vontade
contrária inequivocamente expressa da nova lei.
E que a não retroactividade é um princípio irrevogável
por qualquer lei, porque formulado pela Constituição,
quando se trate de leis penais.
Em sentido inverso, e quanto às leis interpretativas,
estas aplicam-se imediatamente aos factos regulados
pelas leis interpretadas. É que as leis
interpretativas se integram nas leis interpretadas,
como se constituíssem uma só lei (Cód. Civil, art.
13º), embora com os esclarecimentos que o teor deste
artigo indica.
Uma lei não pode naturalmente regular factos passados;
mas somente factos futuros.
Mas os factos passados podem ter consequências que se
solucionam ou produzem no futuro.
É sobretudo quanto a esses efeitos que a delimitação
do princípio da não retroactividade pode oferecer
dificuldades.
O Código Civil fornece o critério da delimitação que
era necessário encontrar.
E distingue:
1º - as condições de validade substancial ou formal de
quaisquer factos ou seus efeitos, relativamente aos
quais se aplica a lei do tempo em que se praticaram os
factos;
2º - os efeitos de quaisquer factos, que são tomados
em si mesmos, independentemente da fonte que lhes deu
origem, porque considerados como contendo relações
jurídicas que perduram, e podem ser objecto de
modificação legislativa, relativamente aos quais se
aplicará a lei nova, pois que esta se referirá às
relações já constituídas, quer em razão de factos
anteriores, quer posteriores à nova lei.
Assim as obrigações emergentes de um contrato de
empréstimo, reger-se-ão pela lei em vigor quando foi
celebrado o empréstimo; mas as alterações ao regime de
propriedade, embora esta tenha sido constituída por um
contrato de compra e venda, serão de regular pela lei
nova que tiver alterado o regime jurídico da
propriedade.
A ordem jurídica nacional vigora, em princípio, no
território submetido à soberania do Estado e ao poder
da sua legislação.
Dir-se-á, assim, que as leis terão aplicação no
território do Estado de que provém a legislação.
Este princípio da territorialidade é rigorosamente
aplicável quanto às disposições de direito penal (Cód.
Penal, art. 53º, n.ºs 1) e 2).
Nas relações jurídicas de direito privado há que
atender a que tais relações jurídicas podem estar
conexas com mais de uma ordem jurídica nacional (por
exemplo, contrato de compra e venda outorgado na
Itália, entre um português e um francês, tendo por
objecto bens situados em Espanha).
Há como que uma concorrência de disposições legais de
vários países em razão de um aspecto de relação
jurídica, especialmente relevante para cada país, de
sorte que surge um conflito de leis.
Para o resolver há normas denominadas normas de
conflitos de leis, que indicam qual das diferentes
leis nacionais em conflito será a aplicável.
Todas as questões - e são vastas e complexas - desta
decisão de competência entre legislações nacionais
diferentes é objecto do direito internacional privado.
Opor-se-iam dois princípios - o da territorialidade e
o da coordenação das diferentes ordens jurídicas. É
este que está na base do sistema de regras de
conflitos.
Em todo o caso, a legislação aplicável, em razão da
determinação duma norma de conflitos é afastada em
favor da legislação nacional, se os respectivos
preceitos da lei estrangeira envolverem ofensa dos
princípios fundamentais da ordem pública internacional
do estado português (Cód. Civil, art. 22º).
Damos apenas alguns exemplos de normas de conflitos,
constantes do Código Civil (arts. 35º e segs.). É
aplicável a lei pessoal (lei da nacionalidade) nos
problemas relativos ao estado, a capacidade das
pessoas, relações de família e sucessões.
Nas relações jurídicas dominadas pela autonomia da
vontade dos sujeitos - como são as relações das
obrigações - é aplicável a lei nacional que as partes
escolherem; supletivamente, será aplicável a lei
vigente no lugar da residência comum de ambos os
contraentes, ou no lugar da celebração do contrato, na
falta de residência comum dos contraentes (Cód. Civil,
art. 42º).
Nos casos de responsabilidade civil extracontratual,
será aplicável a legislação vigente no lugar onde se
cometeu o facto constitutivo da responsabilidade (art.
45º).
O regime jurídico dos direitos das coisas será o
estabelecido pela legislação do Estado em cujo
território as coisas se encontrem situadas (art. 46º),
etc..