Noções Gerais de Direito (cap. I)

 

Introdução

1 - Como definir o direito

Denomina-se Noções Gerais de Direito a disciplina de que iniciamos agora o curso. Está integrada no plano de estudos universitários da Faculdade de Ciências Humanas.
O ensino universitário não consiste na transmissão de conhecimentos, ou não é fundamentalmente isso. É evidente que importa alcançar um certo número de conhecimentos para atingir a verdadeira meta do estudo universitário. Mas não há que perder de vista esta meta, ou seja, saber pensar autonomamente sobre o objecto do próprio estudo.
Para tanto é essencial, e como que à maneira de introdução, compreender e delimitar o objecto de estudo.
E, aqui nos surge, na disciplina de que nos ocupamos, a primeira dificuldade:
Qual o objecto do direito?
Outro problema prévio é também relacionar esta disciplina - o direito - com as demais que constituem o elenco do curso, de modo a que na mente de cada um de vós se ordenem e correlacionem. Sapientis est ordinare. Os que sabem ordenam os seus conhecimentos, porque é a única maneira de reflectir a realidade que procuram conhecer. E repetimos a pergunta a que convém encontrar resposta satisfatória: qual o objecto do direito?
Pode distinguir-se o objecto em material e formal.

2 - O objecto material do direito

O objecto material do direito, a matéria a que ele se reporta, é a vida social, são as relações dos homens entre si, as relações inter-humanas.
Não todos os actos humanos, mas só os actos que se referem a outrém.
O direito é "Opus adæquatum vel commensuratum alteri".
A vida social, as relações inter-humanas, são também objecto material de sociologia; e no entanto, sociologia e direito correspondem a ciências diferentes; nem o direito é um complemento de sociologia, nem a sociologia uma parte do direito.
Tanto para o direito, como para a sociologia o objecto material não é constituído por todos e quaisquer actos humanos, mas por aqueles que se referem a outrém, e por isso dão origem a relações recíprocas; são actos de carácter social, que ultrapassam a esfera individual.
Consideradas estas relações inter-humanas de um ponto de vista empírico são objecto da sociologia; consideradas de um ponto de vista normativo, uma perspectiva qualitativa, de valores, são objecto do direito.
Com a indicação do objecto material, sabemos onde encontrar o direito na vida social. É-lhe estranho todo o mundo da natureza; refere-se exclusivamente ao homem e às suas actividades. Mas não a toda a actividade humana.
A estrutura da realidade compreende matéria, vida, alma e espírito (o mundo inorgânico, vegetativo, sensitivo ou animal e espiritual ou humano), e estas camadas da realidade não se sobrepõem isoladas, pois que as camadas superiores e mais complexas integram e informam as inferiores.
A sua ordenação obedece a princípios diferentes. Só os homens enquanto dotados de razão e liberdade são conscientes dos seus próprios fins e de quais os meios adequados para os atingir. Também só os homens são sujeitos de deveres e responsáveis, cabendo-lhes dirigir a própria actividade.
Essa actividade enquanto racional pode consistir num "Facere", enquanto adequado ao êxito de uma obra, ou num "Agere" enquanto ordenada, não ao fim duma obra, mas ao fim do próprio homem, isto é do ponto de vista da sua bondade ou malícia que é o domínio da moral e do direito.
Antecipamos, assim, sem dúvida a justificação, a conclusão duma relação estreita entre moral e direito no que respeita ao objecto material. Porém o direito não se refere a todo o agir humano, como a moral, mas somente ao agir social.
A realização do fim natural do homem, dada a sua natureza social, exige uma actividade não apenas na sociedade, mas em sociedade, isto é, já não apenas uma actividade individual isolada, mas uma actividade individual coexistente com os demais e tomado como parte do todo social em que se integra funcionalmente. É na ordenação deste segundo esquema dos meios de realização do seu próprio fim, ou seja, do agir social, que se insere a ordenação da moral ou ética social e do direito.

3 - O objecto formal do direito. Ciências especulativas e ciências práticas

Sabemos onde encontrar o direito. Como que o localizámos. Mas não sabemos ainda em que consiste.
O objecto material do direito é comum a várias ciências. O direito ocupa-se das acções sociais do homem, enquanto ordenadas ao fim que lhe é próprio: o bem comum. E é essa finalidade, fundamento do dever de agir em conformidade, que delimita o objecto formal do direito e da ciência jurídica.
Daí que o direito seja, na terminologia mais antiga uma ciência prática, por oposição a ciência especulativa. Pode conhecer-se para conhecer, e então descreve-se a realidade, explica-se aquilo que é, em razão das suas causas, buscam-se e anunciam-se leis causais que estruturam a realidade. Mas pode conhecer-se para agir para um fim, e então o conhecimento implica um juízo de valor, uma apreciação qualitativa da realidade.
Quando se trata do homem ou das suas actividades, não basta conhecer os factos, como se formam, como existem, mas também como se deve proceder, o fim que importa alcançar, porque honesto, porque bom ou mau, porque justo ou injusto.
As acções humanas e os homens, enquanto justos, são acções, homens "às direitas"; é a própria realidade ou actividade humana que pode ser qualificada como justa ou injusta, como lícita ou ilícita. O direito, enquanto incorporado na realidade que valora será essa realidade enquanto justa: "id quod justum est".
O critério fundamental para distinguir a ciência especulativa da ciência prática é o fim. A ciência especulativa descreve e explica a realidade; verifica como é. A ciência prática indica o que deve ser. O seu objecto é sempre algo a realizar, que está para além da acção, porque exprime o que deve ser, qual a direcção a dar à actividade humana.
Enquanto a razão especulativa ou teórica contempla, vê a verdade, a razão prática apreende o fim que se impõe, não apura para conhecer, mas para dirigir e comandar actividades humanas.
A ciência prática é modernamente e mais usualmente denominada ciência normativa, por isso que se não limita a explicar a realidade, mas regras para agir, ordenando, comandando a própria acção. Não explica a realidade do homem e a sua actividade pelas suas causas, indica e impõe ao homem e às suas actividades os fins adequados.

4 - A ordem natural e a ordem moral

No pensamento moderno, nas ciências da natureza, predomina o método de observação ou experimental como meio de descobrir as causas dos fenómenos naturais; a explicação da realidade fez-se através de leis causais.
É evidente que no mundo da natureza, assim considerado, se exclui qualquer relação ou categoria de finalidade. A função da ciência, enquanto meramente positiva, consiste em investigar a realidade empírica, susceptível de observação e definir leis da sua conexão ou modificação.
As leis naturais serão leis causais que importa desvendar para se conhecer, mas a que não preside qualquer intenção, finalidade ou valor.
A concepção dum universo natural, mecânico e causal, a limitação do objecto do conhecimento à realidade empírica - objecto de experiência ou observação - terá de relegar a apreciação valorativa da realidade.
Teríamos, assim, que ao mundo da natureza e às ciências naturais dominadas exclusivamente por leis causais, se opõe o mundo do homem como ser racional não dominado necessariamente na sua actividade por leis causais, mas sim por regras de comportamento, com juízos valorativos de mérito e demérito, a noção de dever, responsabilidade e a consciência do fim. A unidade da concepção do universo em que se integrasse o homem só podia salvaguardar-se negando qualquer noção real de valor ou de fim no próprio homem, submetendo-se ao império também da causalidade universal, ou buscando, para além da explicação causal do mundo, a inserção metafísica do fim na concepção do mesmo universo.
E, nesta orientação, haverá que partir da noção de ordem natural.
É que uma ordem implica a relacionação das partes que constituem um todo, uma disposição das coisas de forma a constituírem uma unidade na qual as partes são funcionáveis com referência ao todo.
Ora, para além da observação da realidade empírica e da sua explicação pela conexão causal, o universo, o mundo na sua totalidade, apresenta-se ou parece apresentar-se-nos como algo de ordenado, em que cada causa toma o seu lugar relativamente às demais. A ordenação das coisas não é explicável através de causas mas em razão de um fim.
E, nesta perspectiva, o universo já não é objecto de conhecimento empírico.
Por isso tal realidade, a existir, está para além da realidade empírica, física; é uma realidade metafísica.
A ordem na natureza realiza-se automaticamente, causalmente; e realiza-se ou pela espantosa coincidência de biliões de acasos ou pela efectivação duma ideia racional que preside à estruturação do universo.
Simplesmente, o mundo natural suporta passivamente, realiza mecanicamente a sua ordenação. Em contraposição ao mundo natural, o homem escapa às leis da necessidade, às leis causais.
Significará esta posição de privilégio, de superioridade, que não há uma ordem relativa ao homem e sua actividade? Isto é, que não há uma ordem moral?
Uma coisa é certa: a natureza humana caracteriza-se pela inteligência e liberdade, que se não encontram em todos os demais seres da criação. A inteligência e liberdade humana, fazem participar consciente e voluntariamente o homem na realização, pela sua actividade, do seu próprio fim. Isto não se realiza no homem passivamente, mas conscientemente, activamente. E, sendo assim, a prossecução do fim que lhe é próprio não é um facto involuntário pois que pode não ter lugar, mas o comportamento adequado para se realizar, para atingir o fim conveniente à sua natureza. Daí que, se a ordem na natureza se verifica automaticamente, no homem impõe-se-lhe como um dever; é um dever ser.

5 - A noção de fim

A noção de dever está estreitamente conexa com a de ordem. Há uma ordem natural e parece que se compõe no que respeita à actividade humana, na sua ordenação em relação ao seu fim; é essa a ordem moral. Para a explicar, para a compreender, importa partir do conceito de fim, e não do conceito de causa.
Do ponto de vista terminológico, fim é o termo de um movimento. Pode explicar-se um fenómeno pela causa que lhe dá origem; pode compreender-se pelo fim a que se dirige. Uma causa necessária implica também um fim necessário. No homem, em que as causas se degradam em factores, o fim não é inelutável; realiza-se enquanto o homem o toma como objectivo próprio.
E é precisamente pela inserção na natureza humana da razão e liberdade que, não se encaminhando independentemente da vontade para um fim, este se propõe como objecto à vontade; o homem deve, em consequência, orientar e dirigir a sua actividade em conformidade com o seu fim último.
Deste modo, o fim, enquanto termo do movimento, é como objecto de vontade o fim que a vontade se propõe. E na medida em que se propõe fim conveniente à sua natureza, actua bem; e actua mal quando se propõe fim inadequado à sua natureza racional. O fim de todas as coisas em termo, meta final da sua evolução, como que define a natureza das coisas. Considerada a realidade, sob esta perspectiva, não estamos perante uma realidade empírica, mas perante uma realidade que se encontra para além da observação, do empirismo, perante uma realidade metafísica.
A realidade empírica existe; mas o que existe realiza o que é; existem os homens enquanto indivíduos, em concreto; e todos correspondem a algo que constituem a essência ou substância de todos os homens, o que o homem é.
Assim se contrapõe à essência das coisas, o ser, a existência do ser em cada ente, em cada entidade concreta, única susceptível de observação directa.
É esta direcção do que existe para o seu fim que constitui a sua natureza. A natureza de cada um revela-se no seu fim, e por isso atingir o fim do próprio desenvolvimento é a sua perfeição ou seja, o bem.
O bem para cada um é como o que é conveniente ao que lhe é adequado.
Na ordem moral, relativamente ao homem, o fim último só se alcança com a participação crescente do próprio homem.
Esse fim é, no entanto, algo de objectivo, e, é por isso mesmo, que há uma natureza humana. E na medida em que, todos os homens em que se realiza ou pode realizar a perfeição de si próprios a obtenção desse desiderato constitui o seu bem ou fim último.

6 - A multiplicidade dos fins na actividade humana. A sua hierarquização em relação ao fim último. O fim objectivo e subjectivo - A lei natural A realidade, a verdade e o bem.

Vista a noção de fim, partindo da acção ou actividade humana para o próprio homem deparamos com uma multiplicidade de fins.
O fim próprio duma acção é o fim objectivo (finis operis) que pode ou não corresponder ao fim que se propõe o agente (finis operantis). E o fim que o agente se propõe através da acção ainda se encadeia com fins remotos.
A realização de um fim é assim instrumento, meio de obtenção de outros fins.
A inversão na hierarquia dos fins perverte o valor menor da acção e constitui o mal.
Essa hierarquização culminará no fim último que deve abarcar o bem supremo do próprio homem enquanto correspondente à sua natureza racional. ARISTÓTELES denominou-o felicidade. S. TOMÁS DE AQUINO, cristianizando o conceito, chamou-lhe bem-aventurança.
O fim último do homem corresponde necessariamente ao que é o bem do homem.
Enquanto todo o mundo natural se encaminha no seu movimento ou evolução para o que necessariamente é adequado à sua natureza para o seu bem, o homem propende para a sua perfeição, para alcançar o bem que corresponde à sua natureza racional, sem que essa propensão se efective necessariamente.
Deste modo a essência, o ser do homem aponta à sua razão, ao seu dever, ao bem a atingir, o fim a prosseguir.
É assim que na própria natureza do homem se encontra impressa a lei que o governa, a lei natural.
É, por conseguinte, no ser, na natureza do homem que se fundamenta o seu dever quanto ao modo de proceder, de agir.
É o homem, porém, capaz de conhecer claramente as regras do seu comportamento? Não é. Dessa deficiência resulta a necessidade de positivação das regras de conduta. Esta deficiência não anula as opiniões anteriores. O que há de essencial no homem constitui a sua natureza e é uma realidade; a realidade enquanto objecto do conhecimento é a verdade; a verdade das coisas é a realidade enquanto vista pela razão; a mesma realidade, enquanto objecto da vontade, enquanto fim, constitui o bem. É nisto que consiste o que, em terminologia filosófica, se designa a estrutura ontológica da moral e do direito.

7 - A moral e o direito. O direito natural e o direito positivo

A moral e o direito não coincidem, mas relacionam-se muito estreitamente.
O bem ou fim último do homem é o fundamento de direcção da moral, mas, sendo o homem social, por sua natureza, poderemos distinguir entre os seus deveres morais os que respeitam aos outros e formam o conteúdo da moral social.
É também no campo da moral ou ética social que se encontra o direito.
Não se confundem, isto é, não são a mesma coisa. Mas têm uma mesma origem, um mesmo fundamento.
Todos os deveres que não respeitam aos outros são alheios à regulamentação jurídica. Os deveres para com os outros tomam em atenção o bem dos outros; e, por isso, o fim, o bem no agir social é um bem comum em que se coordenam e subordinam os bens ou interesses de cada um com os de todos aqueles com os quais entra em relações ou vive em sociedade. Num contrato a justiça implica que cada um obtenha o que lhe é devido, na família que todos os seus membros se subordinem ao fim comum; e o mesmo no Estado.
O critério de relacionação, de hierarquização dos bens na vida social assenta na justiça que abarca todos os deveres para com outrém, deveres do indivíduo para com o indivíduo, de cada qual para com o todo de que faz parte, do todo, (isto é, da sociedade) para com cada um.
A justiça estabelece entre os bens que compõem o bem comum parcial de vários indivíduos e de instituições ou o bem geral da sociedade mais vasta e mais perfeita, que é o Estado, a coordenação necessária.
Em Direito bem é o mesmo que interesse. Fala-se, por isso, em interesse individual, colectivo, comum, da família, duma empresa, duma profissão, do Estado. Mas a comunidade ou sociedade mais vasta, que se organiza em Estado, compreende e relaciona os bens parciais que nela se incluem, limitando-os e ordenando-os.
Se toda a actividade humana deve dirigir-se para o bem, a actividade social valora-se em função do bem comum.
Mas, porque, quando se trata de deveres para com os outros, o seu não cumprimento não implica apenas um mal relativamente ao próprio agente, mas também lesa e afecta o bem alheio e impossibilita e dificulta a vida social, que, no entanto, é indispensável ao homem, não pode deixar-se ao arbítrio, à vontade de cada um o cumprimento de deveres fundamentais da justiça.
As exigências fundamentais relativas ao comportamento humano em sociedade, para que esta se mantenha e se desenvolva, hão-de ser impostas coercivamente.
O direito só intervém na medida do necessário e do possível. Se parte dos princípios comuns à ética social, como que os limita em função da sua necessidade e os deforma parcialmente em função dos condicionalismos de cada época.
Na verdade, diferentemente do que sucede com o conhecimento da realidade empírica, a razão humana quanto aos valores não apercebe mais do que uma orientação genérica, alguns princípios fundamentais. A certeza na determinação do bem nas circunstâncias concretas não está ao alcance da consciência individual, como está ao alcance da razão no conhecimento da realidade empírica.
Em consequência, a consciência individual, embora apontando para o bem, diverge ou erra na sua apreciação, e pode a vontade ser decisiva na sua aplicação, por pressão ou motivação de apetites que mais provêm da sua natureza bruta que da sua natureza superior ou da razão.
Haverá, por isso, por um lado, que definir de maneira positiva, para todos, regras de conduta.
Os princípios fundamentais cognoscíveis por todos hão-de concretizar-se através de imperativos que, quando necessário, se imponham coactivamente.
A determinação de tais regras cabe à própria sociedade, no seu conjunto, ou aos seus órgãos representativos. É essa a justificação e a função da autoridade social.
Costuma, por vezes, oporem-se às regras formuladas pela sociedade ou pelos seus órgãos o princípios imanentes na natureza social do homem, denominando-se o conjunto de regras definidas pelo Estado ou pela sociedade direito positivo e os princípios de direcção da actividade do homem, enquanto impressos na sua própria natureza ou dela derivados, direito natural.
Não existe, porém, um dualismo no direito. O chamado direito natural está no direito positivo, informando-o, dando-lhe uma direcção, um sentido, e é o fundamento da sua validade.
Porque o direito positivo formula em concreto as regras ou normas de conduta, tendo por fim o bem comum, impõe-se não apenas pela força mas ainda como dever de consciência.
Porque a razão não alcança a evidência no que respeita à determinação do bem comum, importa, para segurança da vida social, que a sociedade ou os seus órgãos procedem à sua determinação.
Porque as estruturas sociais e o grau de civilização variam e são mutáveis as circunstâncias, as regras de direito não são nem podem ser uniformes no tempo e no espaço.
É no direito positivo, como se fora alma no corpo, que se encontra o direito natural.
Um direito positivo que globalmente e manifestamente não da sociedade em função do seu bem comum, mas daria origem à sua própria destruição, não seria direito.

8 - Opiniões divergentes

A breve excursão pelo campo da filosofia do direito era conveniente para prosseguir com a enunciação de algumas noções gerais de direito.
Disse-se já, no entanto, que, no respeitante aos fins do homem e sua actividade, a razão humana não está apetrechada de modo a alcançar certezas matemáticas. O modo de investigação e os resultados a obter em filosofia são, aqueles, mais complexos e, estes, mais aleatórios. Os sistemas filosóficos não coincidem, e, todavia, todos eles se repercutem em diferentes sistemas jurídicos. Não é possível dar notícia de todas as opiniões divergentes. Só esquematicamente se lhes faz referência.
A negação de toda a metafísica, que o cientismo apregoou, assentava na admissão duma noção meramente empírica de realidade. Realidade só seria o que fosse susceptível de observação directa, objecto da experiência.
Em matéria de direito seria somente o direito positivo. E se o direito positivo, tal como se encontra legislado, se não fundamenta nem justifica, nem deriva duma lei natural (porque se nega esta), só poderá ser expressão de uma força ou de forças sociais, ou duma vontade individual ou colectiva.
Caracterizá-lo-á menos o bem comum a que deve dirigir-se do que a coacção que o acompanha.
São várias as modalidades que tem revestido o positivismo jurídico; pode falar-se num positivismo sociológico, segundo o qual o direito é mero corolário ou expressão de forças sociais, e num positivismo formal, em que a ordem jurídica é composta exclusivamente pelo complexo de leis, com abstracção dos fins objectivos que estas servem.
Comum a todas as formas de positivismo é a negação de qualquer sentido metafísico ou o agnosticismo quanto à possibilidade de desvendar esta realidade.
Se se negar uma natureza do homem, com fins a que deve dirigir-se para se realizar, como defende o existencialismo de SARTRE, estará excluída a possibilidade de fundamentação ontológica do direito.
Mas, também, se se contestar a possibilidade de conhecimento, ainda que imperfeito, pela razão humana, da sua natureza essencial e dos seus fins, igual solução virá a impor-se. Tentando superar esta última orientação, sobretudo baseada em KANT, a filosofia dos valores procura encontrar os valores, ou sejam, o fim do homem, no sentimento, visto que não os alcança em absoluto através da razão.

 


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