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ELIO GASPARI
A alegria do petróleo faz bem à alma
SÃO PAULO (SP) -
Política e petróleo misturam-se mal no Brasil. Já há gente de nariz torto
diante da descoberta, pela Petrobras, de um campo que pode aumentar em 50% as
reservas nacionais. Seria coisa prematura, destinada a abafar a falta de gás.
Essa linha de contrariedade tira às pessoas o prazer do êxito. Há coisas que dão
errado, como a Anac, e coisas que dão certo, como as pesquisas da Petrobras em
águas profundas. Não faz bem a ninguém que tudo, sempre, dê errado. Isso era
coisa de petista.
Uma geração de brasileiros formou-se na teoria da conspiração segundo a qual o
país boiava em petróleo, mas os trustes americanos e uma "camorra geológica"
nativa escondiam-o. As peças mais venenosas dessa mitologia foram dois livros de
Monteiro Lobato, "O Escândalo do Petróleo" e "O Poço do Visconde", escrito para
crianças em 1937. Nesse, para horror dos trustes, a turma do Sítio do Pica-Pau
Amarelo fura o poço Caraminguá 1 e consegue uma produção de 500 barris diários.
Em 1959, o nacionalismo conspirativo da geração seguinte ganhou um demônio de
carne e osso. Chamou-se Walter Link, era um eminente geólogo e dirigira o
departamento de exploração da Petrobras. Depois de gastar um dinheirão em
pesquisas, Link e sua equipe concluíram que o Brasil não tinha reservas
relevantes em terra firme. Talvez tivesse, no mar. Foi desmentido (com palavras)
e acusado de sabotagem, a serviço da Standard Oil. "Linkismo" passou a ser uma
expressão pejorativa, marca daqueles que não acreditavam no país de JK.
Nos 25 anos seguintes, o país viveu sem petróleo, mas com a feliz certeza de que
era só furar o chão e ele apareceria. Entre outubro e o início de novembro de
1974, depois de anos de trabalho, uma equipe da Petrobras tirou petróleo com uma
vazão de 1.500 barris dia do poço I-RJS-9-A, na plataforma continental de
Campos. Era o campo de Garoupa. Estimava-se que havia ali uma província
equivalente a quase toda a produção nacional. Na noite de 5 de novembro de 1974,
faltando dez dias para uma eleição que renovaria a Câmara e um terço do Senado,
o presidente Ernesto Geisel reuniu-se com um grupo de técnicos da Petrobras no
Palácio da Alvorada. Soube que as notícias eram boas, mas decidiu adiar o
anúncio da descoberta. Geisel não queria correr riscos, nem ser acusado de achar
petróleo para ganhar eleição. Abertas as urnas, a ditadura foi surrada e o MDB
elegeu 16 dos 22 senadores.
Duas semanas depois, quando o governo anunciou a descoberta de Campos, foi
colocado sob suspeita. Seria um surto propagandístico, destinado a esconder a
derrota eleitoral. Pior: poderia ser mais uma mentira do Brasil Grande da
ditadura, que respondera à crise do petróleo de 1973 descobrindo minas de urânio
inexistentes.
O ceticismo de 1974 tirou ao país oportunidade de apreciar o momento em que
começou a se livrar da praga do petróleo. As importações de combustível comiam
metade das exportações nacionais. Walter Link viveu o suficiente para saber que
tinha razão: o óleo brasileiro estava debaixo d'água, na plataforma continental.
Em 2006, quando Nosso Guia comemorou a chegada do Brasil à auto-suficiência de
petróleo, o general Geisel, bem como os governos seguintes, foram varridos para
baixo do tapete. A máquina de propaganda petro-petista produziu uma patranha,
sugerindo que, sem Lula, não haveria auto-suficiência.
A província descoberta em 1974 produz hoje 80% do petróleo e gás que o país
explora. É da pesquisa do trabalho em águas profundas que vem o êxito que acaba
de ser anunciado.
Daqui a dez anos, quando se falar do êxito da descoberta do campo Tupi, tomara
que não esqueçam do Nosso Guia.
Até lá, um pouco de alegria não fará mal a ninguém. As coisas boas também
acontecem.
LUZES E INAÇÃO
O ministro Guido Mantega queimou-se nas negociações da CPMF. Até seus amigos
do Planalto viram que ele trabalha em duas bandas: a da vida real e a dos
holofotes. O doutor entrou para uma categoria divulgada por Nosso Guia: "O
sujeito acorda de noite com sede, vai à cozinha pegar uma Coca-Cola e quando a
luz da geladeira se acende, começa a discursar".
LUXO DE ELITE
O coronel Ubiratan Ângelo, que na quarta comandava a PM do Rio, não viu nada
demais no foguetório das comemorações pela libertação dos seus 43 subordinados
que estavam na cadeia, acusados de tomar dinheiro de traficantes. Seu argumento
foi límpido: "Eles estavam presos e foram soltos. Estar livre é um direito do
ser humano. Não vejo mal algum nisso". O repórter Claudio Motta foi aos números:
quatro dos carros que transportaram os PMs libertados valiam, juntos, R$ 265
mil. Considerando-se que o salário inicial de um policial militar é de R$ 818,
cada um deles ganhou a liberdade a bordo de uma máquina que custa mais de seis
anos de seu salário. O coronel Ubiratan conhece seus subordinados. Depois de
assistir "Tropa de Elite", informou: "A nossa sociedade já decidiu que a polícia
tem que ser violenta". Como a sociedade decidiu isso, ele não diz. Mesmo assim,
a sociedade não se decidiu por tamanho luxo.
VAI UMA BEIRA?
Um magano que se diz familiarizado com a elaboração do Orçamento do Estado
do Rio recuperou uma velha palavra da malandragem carioca. Procurou um deputado
e pediu-lhe uma "beira" nas suas verbas federais, oferecendo em troca uma
"beira" estadual.
PIRATAS
Em 2004, o laboratório Merck orgulhou-se de ter retirado do mercado mundial
seu antiinflamatório Vioxx, associado a distúrbios cardiovasculares. A droga
faturava US$ 2,5 bilhões em 80 países. Era o queridinho dos médicos de Pindorama.
Segundo o Merck, essa decisão "entrou para a história da nossa empresa e talvez
da indústria farmacêutica". No Brasil, milhares de fregueses do Vioxx devolveram
suas caixas e receberam o dinheiro de volta. Caso encerrado.
Nos Estados Unidos, o laboratório propôs um acordo de US$ 4,85 bilhões às suas
47 mil vítimas americanas que decidiram processá-lo.
Seria o caso de renegociar os acordos de propriedade intelectual com os
países-sede dos laboratórios: a patuléia paga os royalties, mas também se
habilita na hora das indenizações.
FRESCURAS
Vai mal a Câmara. Num dia anuncia que pretende comprar 513 frigobares para
substituir gradativamente os refrigeradores dos deputados.
No dia seguinte, meteu-se com uma exposição de fotografias entre as quais estava
um retrato do travesti Rogéria, com os pelos pubianos à mostra.
Felizmente, a diretora de relações públicas da Casa, Silvia Mergulhão, suspendeu
a brincadeira, com a mais elementar das explicações: a Câmara é visitada todos
os dias por crianças.
Já seria muito contar à garotada que cada deputado tem direito a um frigobar.
Mostrar um travesti seminu é coisa para o Carnaval, ou galeria de arte. A Câmara
ainda não chegou a esse ponto.
Artigo publicado originalmente na Folha de S.Paulo, no dia 11 de setembro
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Élio Gaspari, é
jornalista, escritor e colunista dos jornais Folha de S.Paulo e O Globo
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SEGUNDA
12/11/2007
Élio Gaspari é
jornalista, escritor
e colunista dos
jornais Folha de
São Paulo e
O Globo
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