Artigo em Destaque
Anterior
Próxima
LUIZ AUGUSTO GOLLO
Saudade do maiô Catalina
Domingo à noite, acompanhei pela Band a
escolha da Miss Universo 2006. Ganhou a portorriquenha Zuleika Rivera Mendoza,
que derrotou a japonesa Kurara Chibana numa final disputadíssima. No começo,
eram 86 candidatas, dentre as quais foram selecionadas 20 e depois 10, espécie
de quartas-de-final em que a nossa miss ajeitou o meião e caímos fora. Por
“descuido ou fantasia”, como cantava o Taiguara (que era do tempo dos maiôs
Catalina), a Argentina dançou na mesma fase, de modo que ficamos assim: “nadie
sacaneia nadie”.
Podem me chamar de saudosista, de fã do Murilo Néri e do penteado da Márcia de
Windsor, mas nesses tempos de libertinagem desenfreada na política e nos
costumes, até que concurso de miss é uma boa pedida pra um domingo de inverno.
Mais tarde, naquela noite, sonhei sonhos juvenis onde Rita Cadillac era uma
virginal garotinha suburbana e a maior novidade no mercado era uma tal de
“matéria plástica”. Mesmo se parecendo quase nada com os concursos de
antigamente, miss é sempre miss, com direito a lágrimas das mães e suspiros dos
– digamos – viris comentaristas do certame.
A diferença capital entre os concursos de décadas atrás e o de agora é que
mulher gostosa não entra. Marta Rocha seria barrada até na platéia. Fiéis à
estética reinante, as candidatas são todas anoréxicas. No desfile de biquíni,
pensei que ganharia a que mostrasse mais costelas, o que daria a coroa à Miss
Suíça, a mulher-xilofone. E no desfile de trajes típicos, as moças pareciam
cortinas compridas enroladas – menos a norte-americana, cujo vestido formava uma
espécie de embrulho do joelho para baixo, evocando pelo volume as bombas sobre
Bagdá.
Outra coisa bem diferente dos concursos antigos foi o segundo lugar da japonesa,
o que só comprova a homogeneização das candidatas, a imposição do padrão de
beleza distante das ruas. No tempo em que miss tinha bunda e coxão, oriental
ficava em casa, de quimono, não atendia nem telefone, de tanta timidez. Nesse
domingo, a tal da Kurara riu o tempo inteiro, falou pelos cotovelos, exibiu uma
extroversão de camelô, estava mais à vontade do que as concorrentes latinas,
sabidamente malas velhas e que sorriam curiosas por saber como ela consegue
comer de pauzinho.
Outra característica diferente no Miss Universo atual são os seios descomunais
que se não estivessem cheios de silicone serviriam para amamentar todos os
marmanjos no seleto auditório em Los Angeles. Peito comum, tamanho salão, é
carta fora do baralho, tem que ser aquele negócio siderúrgico, agressivo, tipo
“sabe com quem tá falando?” Se alguém esvaziasse todas as protuberâncias
artificiais com uma seringa gigantesca e injetasse tudo num molde, daria para
fazer outra Lourdes Arevalos, a paraguaia falsificada que ficou entre as cinco
finalistas.
No que guarda de
semelhança com os históricos concursos, o deste ano manteve as bizarrices e os
despautérios sem os quais todo esforço seria vão. As concorrentes disseram as
frases de praxe recheadas de emoção e altruísmo, e algumas até marcaram pelo
inusitado. A louríssima Lauriane Guillieron, representante suíça, por exemplo,
disse que cria em casa uma “irmã” angolana, mas não explicou exatamente para
que. E outra candidata cujo nome me foge à memória honrou a tradição: perguntada
se leu “O Pequeno Príncipe”, disse que não sabia da sua existência. Na
realidade, quis dizer que sequer sabe o que vem a ser essa coisa que chamam
livro.
_________________________________________________
Luiz Augusto Gollo.
Jornalista e escritor, vive
em Brasília
|
SEGUNDA
24/07/2006
Luiz Augusto
Gollo é escritor,
jornalista,
no Distrito
Federal
|