A OPINIÃO QUE FAZ A DIFERENÇA
   

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LUIZ AUGUSTO GOLLO

Derrotados pela idolatria

Algumas lições importantes, fundamentais mesmo, resultam do fracasso na Copa, mas será que aprenderemos? Não creio, somos soberbos e altivos em demasia para sequer entender o que a vida nos ensina e a comprovação mais recente foi a condenação geral a Pelé, ao prever a derrota para a França, na véspera, com o alegado “mau pressentimento”. Em vez de refletir de forma madura e desapaixonada sobre a profecia, trataram de desqualificá-la, como se Pelé fosse um imbecil que só pensa em si e não quer saber do Brasil. Roberto Carlos chegou dizer que ele devia “ficar quieto”, mas felizmente Pelé não seguiu a determinação e, logo depois do jogo com a França respondeu que o lateral não podia ter parado parra ajeitar o meião na hora da cobrança da falta da qual resultou o gol da vitória francesa.

Não é de hoje que Pelé solta frases proféticas. Quando marcou o milésimo gol da carreira, em 1969, fez um apelo patético: “Olhem pelas criancinhas do Brasil”. Foi ridicularizado, chamado de idiota, mas uma década mais tarde as ruas do Rio estavam cheias de pivetes e as de São Paulo de trombadinhas, e hoje o cenário é esse que conhecemos bem...ou não? Talvez nem conheçamos como deveríamos, a julgar pela insistência em reincidir no erro de juízo e de julgamento de quem apenas mostra alguma lucidez.

Li que Parreira reclamou do time recuado durante a partida contra o Japão e, do banco de reservas, Rogério Ceni brincou: “Não está vendo que o nosso ataque é que é lento?” A notícia não dizia mais nada, mas imagino que o goleiro deve ter sido ridicularizado pelos experientes laterais de não sei quantas copas. O próprio treinador admitiu o racha no time. os mais novos contra os veteranos, mas só o fez depois da eliminação. Por que não enfrentou a desunião e, cumprindo seu papel, impôs a liderança do cargo, afastando Roberto Carlos, Cafu, Ronaldo Nazário e injetando sangue novo com Gilberto, Cicinho e Robinho? Faltou coragem diante dos jogadores ou autoridade diante do mundo maravilhoso da publicidade? Um jornal argentino pôs o dedo na nossa ferida: O Brasil é um time de jogadores ou de estrelas de marketing? É isso mesmo, a imagem da seleção é a do chute de Ronaldo acertando uma estrela no céu, ante a admiração bovina de Carlos Alberto Parreira, num dos inúmeros comerciais exaustivamente veiculados. Em outro, Ronaldinho não alcança o ladrão de desodorante, como tampouco alcançou os ladrões de bola adversários em campo. Em resumo, os garotos-propaganda milionários não brigaram para manter-se no time em nome do futebol brasileiro, mas sim de seu saldo bancário. Mercenários, pipoqueiros, gritaram torcedores frustrados à porta do hotel, na despedida melancólica.

Tarde demais, a cobrança deveria ter substituído a idolatria cega, mas somos uma torcida teleguiada, induzida pela Globo e sua “exclusividade” inadmissível, na realidade uma assessoria completa e competente à CBF. Não foi por outra razão que seu “tira-teima” teimoso apontou impedimento no gol francês, mas sua câmera exclusiva não mostrou Roberto Carlos retocando a maquiagem na lateral, quando Zidane cruzou a bola para Henry. Muita gente boa argumenta que a Globo paga à CBF e ninguém tem nada com isso, mas insisto: televisão é concessão pública, futebol é a paixão nacional, a seleção é a pátria em chuteiras e o sinal deve ser liberado pelo menos para a rede de tevês públicas em todo o país, federais, estaduais, municipais onde houver. Quem sabe se evitaria a lavagem cerebral de toda a população?

Num artigo em jornal de Buenos Aires, um periodista lembrou a condição de franco favorito do Brasil em qualquer torneio internacional, escreveu que antes mesmo da Copa a camiseta amarela era a mais vendida de todas, na própria Alemanha. E mais: onde quer se hospede a seleção, formam-se aglomerações ávidas por um autógrafo, uma foto, um aceno que seja. Tem gente que agüenta 24 horas por um sorriso dentuço de dentro do ônibus, atrás do vidro fume. Foi essa idolatria que subiu à cabeça de bagre dos nossos jogadores mais experientes, sentiram-se campeões, pentacampeões, predestinados ao hexa, como se não precisassem jogar bola em campo. Sorrir, acenar, distribuir autógrafos seria suficiente...deu no que deu.

Faço questão de citar exemplos tirados da imprensa Argentina para enfatizar o ridículo da pinimba provinciana que mantemos de ambos os lados da fronteira. É de dar pena a satisfação com que tantos brasileiros torceram pela Alemanha e vibraram com a eliminação dos vizinhos. O Globo, tido como jornal sério e respeitável, estampou na capa a foto de argentinos tristes no estádio, em vez da alegria dos alemães, em número infinitamente maior, que proporcionaram imagens muito mais eloqüentes e com certeza mais bonitas e jornalísticas. Infelizmente, prevaleceu a miopia de dar dó, a satisfação com a desgraça dos outros, a mesma que também nos atingiria daí a 30 horas.

Se analisarmos com sobriedade o saldo desta Copa, veremos o seguinte: mais uma vez a Europa venceu e nós, sul-americanos pretensiosos, ficamos como os cambistas e vendedores de churrasquinho em volta do estádio, ouvindo de longe a emoção, o olho na telinha fria. Não quero entrar na discussão da teoria conspiratória que nos teria afastado da disputa, muito embora não duvide nem um pouco do complô multinacional pelo lucro, que será o mesmo ganhando Portugal, Alemanha, Itália ou França. É tudo “da comunidade”, diria Leci Brandão.

Quanto a nós, imaturos e orgulhosos “cucarachos”, resta nos prepararmos para 2010, com garra e determinação. Os brasileiros chegaram à Alemanha como reis do futebol imbatível, protagonizaram um espetáculo bisonho e voltaram vaiados pela torcida. Os argentinos desembarcaram lá desacreditados, acabaram eliminados pelos donos da casa num jogo em que foram superiores a maior parte do tempo, perderam nos pênaltis e foram recebidos de volta por cinco mil torcedores agitando bandeiras e gritando seus nomes no aeroporto em Buenos Aires.

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Luiz Augusto Gollo. Jornalista e escritor, vive em Brasília, onde idolatria faz parte da cesta básica
    


SEGUNDA
 03/07/2006

Luiz Augusto
Gollo é escritor,
jornalista,
no Distrito
Federal
















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