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O microscópio veio dar uma nova
dimensão à visão que o Homem tinha sobre si e os restantes seres vivos. Este aparelho foi inventado
na Holanda entre os fins do século XVI e o início do século XVII. Em 1628 William Harvey
descobriu a circulação do sangue. Em 1665, o filósofo Robert Hooke escreveu “Micrographia”. |
Sabe-se hoje que os
organismos vivos são formados por células que constituem a base da sua constituição.
Diz-se que foi Hooke o primeiro a observar células com um microscópio. As
células pareceram-lhe cavidades e foi por isso e por analogia com os espaços de
clausura dos monges nos mosteiros que Hooke deu às “cavidades” o nome de
“células”. Verificou-se mais tarde que estas células não eram cavidades e que
continham matéria viva.
Ainda no século XVII, Antoine
van Leeuwenhoek usou também o microscópio para observar o que mais tarde foi
identificado por células sanguíneas e como espermatozóides. Observou ainda o
que hoje se chamam de organismos unicelulares.
A teoria da célula como
constituinte básico do ser vivo apenas foi apresentada em 1839 pelos biólogos
alemães Theodor Schwann (especializado em tecidos animais) e Matthias Jakob
Schleiden (botânico), baseados nas suas observações microscópicas.
Em 1858, o professor de
anatomia patológica Rudolf Virchow estabeleceu a teoria de que as células
resultam sempre de células pré-existentes, contrariamente a outra teorias então
existentes.
Em 1786, Luigi Galvani fez
experiências com pernas de rãs. Unindo dois metais diferentes de um lado e
tocando com as outras extremidades em certos pontos do corpo da rã , as suas
pernas agitam-se bruscamente como se o animal estivesse vivo.
Galvani pensou que este
fenómeno de contração muscular era devido a uma “eletricidade animal”. Opinião contrária
teve Alessandro Volta, para quem a fonte de eletricidade era o conjunto das
duas peças de metal. Foi esta teoria que lhe permitiu construir a pilha de Volta.
As observações de Galvani
conduziram muitos fisiologistas a debruçarem-se sobre as relações entre a
eletricidade e a fisiologia (eletrofisiologia), à custa do sacrifício de
milhares de rãs ...
O naturalista italiano, de
Florença, Leopoldo Nobili utilizou um galvanómetro
[.1]para detetar a corrente elétrica que circula das patas à
cabeça da rã. Nobili chamou-lhe “corrente da rã” e o seu significado
fisiológico ainda hoje não está esclarecido[.2].
Utilizando o mesmo
galvanómetro, Carlo Matteuci, da Universidade de Pisa, na Itália, verificou que
a corrente circula num só sentido, do interior para o exterior, quer se trate
do corpo inteiro, quer se trate dum músculo
isolado.
Em 1840, Matteuci publicou o
estudo “Ensaio sobre os fenómenos elétricos dos animais”, em que descreve um
fenómeno que observou e que chamou de “contração induzida”. Este fenómeno
consiste no seguinte : ao tocar no nervo de um
músculo de rã com um outro músculo contraído, o primeiro também se
contrai. Este ensaio foi premiado pela Academia de Ciências de Paris.
O eco deste trabalho chegou à
Alemanha, onde Emil du Bois-Reymond foi encarregado por Johannes Muller,
diretor do Museu Anatómico da Universidade de Berlim, de repetir, estudar e
aprofundar os trabalhos de Matteuci. Emil contava então 20 anos. Du
Boys-Reymond fez um trabalho minucioso durante sete anos, ao fim dos quais
publicou, em 1849, com grande sucesso, o livro “Pesquisas sobre a eletricidade
animal”, com explicações detalhadas sobre os métodos e os aparelhos utilizados.
O resultado mais conhecido do seu trabalho é a chamada “variação negativa”.
Consiste no fato de a corrente de ação diminuir transitoriamente durante a
contração muscular.
Mais tarde, du Bois-Reymond fez
experiências com peixes elétricos capazes de produzir tensões de centenas de
Volt, resultado dos chamados órgãos elétricos”. As fibras musculares (chamadas
“placas elétricas”) destes órgãos, ao contrário das restantes fibras
musculares, são incapazes de se contrair. No entanto, por ação da atividade
nervosa, produzem uma tensão elétrica. É a associação em série destas placas
que origina as grandes tensões elétricas.
O anatomista italiano Camillo
Golgi (1843-1926) e o espanhol Santiago Ramon y Cajal (1852-1934) fizeram
estudos sobre o cérebro, acompanhados de observações experimentais ao
microscópio.
Em 1873, Golgi apresentou um método
de coloração de células, adequado para a visualização microscópica de células
nervosas, denominado de “reação negra”. O cérebro era cortado em fatias de 2
centímetros de espessura endurecidas de seguida com bicromato de potássio e
tratadas com uma solução de nitrato de prata. Este método permitia ver as
células nervosas como desenhadas a negro de tinta da China num fundo muito
transparente, com muita precisão, permitindo inclusivamente observar as
ramificações mais finas.
As células nervosas são constituídas
por um cilindro axial (axônio) e por numerosos prolongamentos
protoplasmáticos (dendritos).
Golgi observou que também os
axônios possuem prolongamentos colaterais e classificou os neurônios em
dois tipos : de tipo I, os que têm um axônio comprido e de tipo II
(hoje chamados unipolares) aqueles em que o axônio se desdobra.
Golgi observou ainda que as
dendritos não formam uma rede contínua, já que a sua extremidade flutua
livremente no tecido intersticial.
Umam questão que se punha nesta
época era saber de que forma uma excitação se transmite no cérebro. Golgi, como
outros, era de opinião que existia uma continuidade entre os axônios das
células, que assegurava a transmissão.
Baseado em observações
efetuadas em 1888 utilizando o método de coloração de Golgi, Cajal opinou que a
ligação entre células nervosas se estabelece por contato e não por
continuidade. Hoje em dia a hipótese de Golgi está abandonada.
Em 1906, Golgi e Cajal repartem
o prémio Nobel da Medicina pelos seus trabalhos.
A principal obra de Cajal foi a
“Histologia [.3]do sistema nervoso do Homem e dos Vertebrados”, foi publicada em França em 1909 e 1911.
O sistema nervoso é extremamente complexo pois governa todo
o funcionamento do organismo. O seu funcionamento tem sido estudado ao longo
dos anos com muitas dificuldades, devido às suas caraterísticas específicas e
os cientistas têm aprendido muito sobre a sua constituição e funcionamento, mas
também têm muito a aprender. Um aparelho que muito os tem auxiliado é o
microscópio eletrônico que permite ampliações enormes de muitas dezenas de
milhar de vezes, antes impossíveis de alcançar e, desta forma, têm penetrado
mais no interior das células nervosas.
O sistema nervoso é constituído por células
nervosas ou neurônios que conduzem os impulsos nervosos das
periferias para o cérebro, do cérebro para as periferias e também dentro do
próprio cérebro.
Aquilo que se chama normalmente cérebro é o encéfalo,
alojado na caixa craniana e que está ligado à medula espinhal, alojada
na coluna vertebral. A espinal medula comunica com as diversas partes do corpo
através de ramificações chamadas nervos. Estes, por sua vez, são
formados por feixes de fibras nervosas. Uma fibra nervosa resulta do axónio [.4]emergente do corpo celular do neurônio.
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A comunicação entre as diversas partes deste
sistema é feita através de impulsos nervosos que se propagam através das
células nervosas. Sendo o sistema que controla toda atividade
do organismo, necessita de ser informado sobre os órgãos que fiscaliza e
precisa de enviar ordens para ativar determinados funcionamentos. Os órgãos que recolhem as informações para o
sistema nervoso são os recetores cutâneos (por exemplo, a retina, a
pele, as papilas gustativas, etc.). As partes dos sistema que veiculam esta
informação chamam-se vias centrípetas, aferentes ou sensitivas. |
As ordens enviadas pelo sistema nervoso seguem pelas
vias centrífugas, eferentes ou motoras para os tecidos musculares
(por exemplo, para deslocar um dedo) e para as glândulas (por exemplo,
para produzir saliva).
Neurônios, sinapses e placas motoras
Um neurônio é formado por um corpo celular.
Neste existe uma zona chamada núcleo, encarregada de administrar o
funcionamento do neurônio e o citoplasma que é uma massa gelatinosa.
No citoplasma existem as mitocôndrias,
com dimensões da ordem dos milésimos de milímetro e que produzem energia obtida
dos alimentos por reações químicas. Esta energia é armazenada na molécula
ATP (adenosinatrifosfato). É esta energia que é utilizada no
funcionamento da célula.
O citoplasma estende-se em ramos curtos
denominados dendritos (do grego dendron, árvore) e num
prolongamento muito maior chamado axônio, que pode atingir, nalguns
casos, um metro de comprimento. Outras terminações da célula nervosa são os botões
sinápticos. Estas estruturas estão próximas de outras células vizinhas,
distando delas 200 Å[.5]. Este espaço de separação chama-se sinapse ou fissura
sináptica.
Dentro dos botões sinápticos há muitas vesículas
com acetilcolina.
Algumas fibras nervosas destinam-se a transmitir
impulsos nervosos a fibras musculares com finalidades motoras. Esta transmissão
é feita através de uma zona, com cerca de 200 Å, chamada placa motora,
entre a terminação nervosa e a fibra muscular.
O neurônio pode ser estimulado por fibras inibidoras
ou excitadoras. Um impulso recebido de uma fibra inibidora inibe uma
ação de se concretizar, por exemplo, a excitação dum músculo (ele relaxará). Um
impulso nervoso recebido de uma fibra excitadora provocará uma ação, por
exemplo, a contração de um músculo.
Quando um impulso nervoso motor atinge as
terminações nervosas do neurônio é libertada, pelas vesículas, na placa motora,
acetilcolina. A ordem de ação motora sobre o músculo é assim transmitida
quimicamente ao atingir recetores existentes na placa motora. Quando a
alteração elétrica da placa motora é da ordem de 120 milésimos de Volt dá-se a
contração muscular. A membrana celular de uma fibra muscular em repouso está polarizada
(ou seja, tem carga elétrica num certo sentido). A acetilcolina atua como despolarizante.
A ação da acetilcolina é muito rápida (alguns décimos de segundo) e dura pouco
tempo, para que a membrana possa ser repolarizada e assim ficar disponível para
novo impulso.
Os neurônios são envolvidos por uma membrana
celular que os protege. Os impulsos nervosos não se transmitem pelo
interior das células nervosas, mas através desta membrana periférica.
Quando um composto iónico como o cloreto de
sódio (sal das cozinhas) se encontra em solução, decompõe-se nos seus átomos
ionizados. No caso do cloreto de sódio (Cl Na), este dá origem a um ião de
cloro, Cl -- (com uma
carga elétrica negativa, eletrão, em excesso) e um ião de sódio, Na+,
(com uma carga positiva em excesso ou seja, falta de um eletrão). Junto da
membrana celular, existe excesso de iões de sódio, Na+, no ambiente
extracelular exterior ao neurônio e iões de potássio, K+, no
interior do neurônio.
Os iões de sódio são em maior quantidade que os
iões de potássio. Como a membrana celular do neurônio em repouso é impermeável
ao movimento de iões através de si, existe um potencial elétrico entre o
interior e o exterior da célula, de –70 mV, chamado potencial de repouso
da membrana.
Quando o neurônio recebe um impulso nervoso, a
sua membrana torna-se permeável aos iões, havendo movimento de iões de sódio,
Na+, do exterior para o interior do neurônio e de iões de potássio,
K+, do interior para o exterior da célula. Como consequência, o potencial
elétrico entre a célula e o exterior torna-se mais positivo e essa alteração
propaga-se aos iões vizinhos. Este movimento de iões atinge um valor máximo e
depois inverte-se, deslocando-se os iões de potássio, K+, do
exterior para o interior e os de sódio, Na+, em sentido oposto. O
potencial elétrico que, no repouso, era – 70 mV, sobe até 30 mV, voltando
depois aos –70 mV. Esta alteração do potencial chama-se potencial de ação
e, após amplificação[.6], pode ser observado num osciloscópio[.7]. Este movimento de iões através da membrana celular e o
consequente potencial de ação, vão-se deslocando ao longo da membrana, o que
corresponde à deslocação do impulso nervoso ao longo da célula, sendo depois
comunicado a outra células, através das sinapses.
Na animação anterior pretende dar-se uma ideia
simplificada destes comportamentos. O neurônio está representado pelo
citoplasma e pela membrana celular (cores azuladas). Quando se dá a excitação
do neurônio, um impulso nervoso percorre a membrana da esquerda para a direita.
Representa-se no canto inferior esquerdo, a
título exemplificativo, a variação do potencial numa zona da membrana
correspondente à linha vertical. Como atrás de explica, ele varia entre –70 mV
e +30 mV.
Na figura seguinte mostra-se a curva que pode
ser vista no osciloscópio e que representa a variação do potencial numa zona da
membrana ao longo do tempo.
As células nervosas estão em permanente atividade, mesmo
durante o sono, produzindo correntes elétricas variáveis. Hoje em dia é
possível catar essas correntes elétricas alternadas colocando elétrodos no
exterior do crâneo, pois a sua ação faz-se aí sentir, embora seja atenuada pela
passagem do interior para o exterior da caixa craneana. Estas correntes são
amplificadas e registadas num aparelho chamado eletroencefalógrafo,
permitindo analisar o estado de funcionamento do cérebro. Conforme o local da
cabeça onde são colocados os elétrodos, assim é o tipo de onda (forma do sinal
elétrico) recebido. Estes tipos denominam-se por letras do alfabeto grego, e
são as ondas alfa (as predominantes), beta, delta e teta.
As formas das ondas são aproximadamente sinusoidais,
variando a sua amplitude e frequência de um tipo para outro.
Por exemplo, se com os olhos fechados se obtém o ritmo
alfa, com os olhos abertos obtém-se o ritmo beta, com menor amplitude e mais
rápido que aquele.
Bibliografia
La découverte des neurones
(Les Cahiers de Science et Vie)
Sistema nervoso (Grandes temas da Medicina) – Nova Cultural
[.1]Um galvanómetro é um aparelho capaz de medir correntes elétricas extremamente fracas.
[.3]Histologia é a parte da Anatomia que trata dos tecidos orgânicos
[.4]Ver “Neurônios” mais à frente
[.5]Å = Ångstrom ; 1 Å = 10 -10 cm ou seja, 1 Å é igual a 1 / 10 000 000 000 centímetros
[.6]A amplificação consiste em aumentar o valor duma tensão eléctrica proporcionalmente. A amplificação é obtida com um aparelho chamado amplificador.
[.7]Um osciloscópio é um aparelho de laboratório com um écran como as televisões e em que se podem visualizar curvas representando as variações das tensões elétricas ao longo do tempo.