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O PARQUE NATURAL SINTRA-CASCAIS:
Análise Regulamentar e Funcional


Este Artigo foi dividido em 3 partes: 1 | 2 | 3 |
PARTE 1

Aspecto parcial do PNSC na zona da Malveira da Serra

             O Parque natural Sintra-Cascais, criado institucionalmente com o intuito de salvaguardar os valores naturais, ambientais e patrimoniais de uma parte significativa dos Concelhos de Cascais e de Sintra, encontra-se hoje numa situação de completo descalabro.

Em termos práticos, e no que concerne à sua organização, são variados os pontos dignos de uma avaliação negativa no que concerne ao funcionamento desta instituição.

            No Decreto Regulamentar n.º 8/94 de 11 de março, por exemplo, são visíveis alguns aspectos que notoriamente contradizem a situação real em que se encontra o Parque Natural, pondo em risco os valores teoricamente defendidos, e contribuindo para a degradação da qualidade de vida dos munícipes destes dois Concelhos.

            Assim, no Artigo 3º, reportando teoricamente aos objectivos do PNSC, o Decreto Regulamentar aponta a salvaguarda do Património arquitectónico, histórico ou tradicional da região, bem como a promoção de uma arquitectura integrada na paisagem como um dos valores a preservar.

Aspecto da Casa do Conde - na zona da Figueira do Guincho

            Como é possível observar na quase totalidade da área do PNSC este princípio é uma pura utopia, uma vez que, no que concerne ao património construído de génese histórica, é quase permanente o estado de perfeito abandono em que se encontra. No que diz respeito às novas construções, pela sua variedade tipológica e arquitectónica, é fácil perceber que não existe homogeneidade nem, muito menos, qualquer espécie de preocupação com a sua integração na paisagem.

            Veja-se, por exemplo, o caso da Capela de Nossa Senhora da Conceição de Porto Côvo,  situada a poucos metros da Ribeira do Pisão, a norte da Quinta com o mesmo nome e incluída em pleno PNSC. O seu estado de degradação, que aliás acompanha a degradação que caracteriza a quase totalidade dos monumentos de valor histórico que a envolvem, como as capelas da Santíssima Trindade, a azenha de Porto Côvo ou a Gruta do Rei, é perfeitamente incompreensível, principalmente se nos ativermos à sua importância patrimonial no contexto daquilo que são as características do Parque Natural.

Capela de Nossa Senhora da Conceição de Porto Côvo

Construída em 1760 a mando de 'Luís Mendes' e sua esposa 'Izidora P.', a Ermida de Nossa Senhora de Porto Côvo situa-se na Quinta do Pisão, na Freguesia de Alcabideche. Tendo sido construída com intuito vocativo, uma vez que a mando dos seus fundadores é ainda hoje possível encontrar, numa cartela colocada sobre o lintel da porta, uma inscrição indicando a vontade expressa de manutenção de uma memória que seria perpetuada através das missas que decorreriam todos os domingos e dias santos, o edifício em questão é mais um digno exemplar da obra reconstrutiva do património religioso cascalense após o terramoto de 1755.

            Não deixa de ser curiosa a escolha de Nossa Senhora da Conceição para sua padroeira, uma vez que se trata de um edifício sepulcral. O dogma da Imaculada Conceição, fixado por Bula do Papa Pio IX, em 1854, prende-se normalmente com a atribuição a espaços relacionados com o nascimento, incentivando a ideia de pureza e da pré-existência de alguém na mente de Deus. Esta ideia está presente na iconografia religiosa cristã desde o início da Idade-Média, consubstancializando-se na Virgem Pré-Existente, que foi mãe e esposa de Deus antes da criação de Eva. O capítulo 12 do Apocalipse, por exemplo, descreve-a como um sol raiado de sete estrelas com uma lua aos pés, sendo curiosa a analogia existente entre esta simbólica e a decoração das habitações tradicionais das zonas rurais de Cascais, onde a temática lunar se afirma como fundamental.

            O significado do termo 'Ermida', implícito na sua localização num terreno ermo, por certo influenciou largamente a sua estrutura, uma vez que as dificuldades físicas apresentadas pelo terreno, obrigaram à construção de um muro de contenção de terras que a protege e rodeia.

             Os ritos de fundação de edifícios cristãos revestiram-se, desde os tempos primitivos, de procedimentos simbólicos em que a Cidade de Jerusalém se assumia como eixo do mundo, devendo orientar todos os locais de culto. Era normal, no mundo cristão, orientar a disposição dos jacentes em direcção a oriente, pretendendo-se assim que o defunto pudesse olhar o sol nascente no momento do Juízo Final. Tal, no entanto, não é o caso da Ermida de Nossa Senhora de Porto Côvo, cuja cabeceira se encontra no sentido SE-N, contrariando a disposição mais comum e, desta forma, alicerçando a hipótese de a sua construção resultar de um aproveitamento de um local já sacralizado e, possivelmente, onde se encontraria já um outro monumento de culto.

            A ermida apresenta uma concepção de espaço que responde à sua funcionalidade. De pequenas dimensões, apresenta uma simplicidade de formas nos frisos e pilastras que é conjugada com outros efeitos decorativos que lhe imprimem algum dinamismo e um efeito cenográfico contido e sóbrio. Ao entrar sobressai à vista a abóbada de berço da cobertura, ainda em estado suficientemente razoável de conservação para nela se poderem vislumbrar uns restos de frescos policromos, que contrastam com as cores azul e branco daquilo que resta dos azulejos do altar.

            No centro da capela foram sepultados os encomendadores do edifício, cobertos por uma lápide que, apesar do lastimoso estado de destruição em que se encontra, fruto de pilhagens sucessivas que se ficam a dever ao abandono em que se encontra toda a propriedade, ainda apresentam curiosos signos decorativos, provavelmente de origem iconografia pré-clássica. São de realçar, pelo impacto que posteriormente assumem em muitos edifícios religiosos da zona rural de Lisboa, aqueles que se baseiam na ideologia egípcia, como a flor-de-lótus e a roseta. No Egipto antigo o lótus faz parte de uma das cosmogonias conhecidas. Nascido das águas primordiais, foi, por sua vez, o berço do sol. A roseta, por seu turno, é um motivo alegoricamente relacionado com o sol, simbolizando a ideia de imortalidade. Na mitologia egípcia Aton é representado por um disco solar, do seio do qual, através dos olhos, saíram os primeiros homens.

            Se associarmos tudo o que foi dito, podemos concluir que a Ermida de Nossa Senhora da Conceição de Porto Côvo, com toda a pujança de uma situação geograficamente estranha e de um sistema decorativo propício ao estabelecimento de relações trans-cultuais, se relaciona definitivamente com alguns dos mais antigos e importantes cultos da Ibéria pré-cristã. Em termos urbanísticos, e se uma investigação arqueológica for levada a efeito, visível se torna a possibilidade de a mesma resultar de um processo de adaptação do espaço face a cultos anteriores que ali foram desenvolvidos.

            Tenhamos fé em como o conhecimento e o interesse que desperta este monumento conduza à convicção da necessidade da sua preservação, sem a qual o Parque Natural Sintra Cascais, pelo menos no que concerne à sua área de integração no Concelho de Cascais, se verá irremediavelmente comprometido na sua capacidade de zelar pelos interesses culturais dos munícipes.

            Não é, no entanto, exclusivamente na sua vertente patrimonial, que o PNSC se encontra a funcionar contra os interesses dos cidadãos. No que concerne à sua estruturação interna, por exemplo, existem no actual Decreto Regulamentar vários aspectos aos quais urge prestar uma atenção especial.

            Assim, relativamente à composição da sua Comissão Directiva, ou seja, à composição do órgãos que verdadeiramente possui poder para intervir no seio do Parque Natural, e que é descrito no Artigo 5º do documento atrás referido, é de salientar que, sendo o órgão executivo do PNSC somente possui três membros: um Presidente e dois Vogais. Para agravar a situação, e para além de o Presidente ser nomeado por Despacho do Ministro do Ambiente e dos Recursos Naturais, sob proposta do Presidente do Instituto de Conservação da Natureza, facto que poderá colocar em causa a confiança de um eventual escolhido que não represente em absoluto a orientação dada pelo ICN, um dos Vogais é nomeado precisamente pelo Instituto de Conservação da Natureza e um outro é nomeado pelas Câmaras Municipais de Sintra e de Cascais.

            Como facilmente se percebe, existe sempre um dos municípios que não se encontra representado na Comissão Directiva do Parque Natural, facto que contribui para a incapacidade de conhecimento e reconhecimento da totalidade da área de intervenção deste organismo. Esta questão levanta ainda um problema suplementar que se prende com a escolha do representante de cada um dos Municípios. Quem é ele? Poderá ser um funcionário qualquer da estrutura de cada uma das Câmaras Municipais? Poderá até eventualmente ser alguém que, embora não pertencendo aos quadros de uma das edilidades seja por ela designado para o efeito? Que tipo de obrigações possui este membro? Como é que ele apresenta contas do seu trabalho aos munícipes que teoricamente representa? Como é que apresenta contas aos munícipes do outro Concelho que ele nem teoricamente representa?

            Mas se esta questão é importante, é fundamental também saber se é ou não cumprido o ponto 5) deste Artigo 5º, que obriga a Comissão Directiva a reunir ordinariamente uma vez por mês e, extraordinariamente, sempre que convocada pelo Presidente. Numa área de grande sensibilidade ambiental como é aquela que se integra na área de jurisdição do PNSC, na qual as pressões urbanísticas se afiguram como parte integrante do quotidiano, como é que se pode imaginar que numa reunião mensal (de frisar que não conhecemos a sua duração) a Comissão Directiva do Parque Natural Sintra Cascais consegue dar resposta atempada a todos os processos e requisições? Para além deste ponto, será possivelmente interessante que, tal como acontece na grande maioria dos nossos órgãos autárquicos (que normalmente até reúnem mais vezes do que esta Comissão) as actas destas reuniões possam ser tornadas públicas, ou pelo menos, para precaver possíveis questões que se levantam face aos critérios utilizados nas decisões, publicitando as ordens de trabalhos de cada um e as folhas com registo das presenças em cada uma delas.

            No ponto 4) deste mesmo artigo, o Decreto Regulamentar aponta uma duração de três anos para este órgão. De acordo com as datas oficiais, a nomeação da primeira Comissão Directiva decorreu em 1994. Quantas existiram depois dessa? Quais foram os critérios utilizados para a escolha dos novos elementos que a compõem? Quem são esses elementos?

            Relativamente ao ponto 3) do Artigo 6º deste documento, quando o mesmo se debruça sobre a composição e o funcionamento do Conselho Consultivo, refere-se que o mesmo reúne, ordinariamente duas vezes por ano e extraordinariamente sempre que convocado pelo Presidente, por sua iniciativa ou a solicitação de, pelo menos, dois terços dos seus membros.

            Para além de ser fundamental perceber com que critérios é que este Regulamento determina a composição deste órgão, uma vez que é completamente questionável o facto de nele não constar nenhum associação ou instituição de âmbito local, seria também importante, para os munícipes de Cascais e de Sintra poderem perceber o verdadeiro impacto deste órgão perceber se têm sido cumpridos os prazos definidos para as reuniões. Interessante seria também, depois de se saber quem foram os representantes designados por cada uma das instituições mencionadas no Decreto, perceber se foram assíduos na sua participação e se levantaram algumas questões de relevo para a salvaguarda dos interesses dos cidadãos.

            Num período em que a grande maioria das medidas que enformam a intervenção do Parque Natural Sintra Cascais tem vindo a ser posta em causa, é urgente perceber  porque motivo não funcionam as instituições que o compõem. Este aspecto é também ele primordial se nos ativermos ao facto de que grande parte das críticas apontadas ao PNSC serem feitas por instituições que se encontram devidamente representadas nestes órgão. Porque não interferem internamente no seu funcionamento? Não podem? Não querem? O regulamento não o permite?...

            Na Fundamentação Introdutória do Decreto Regulamentar nº 9/94 de 11 de março, no qual se aprofunda a estruturação orgânica do PNSC, existem também diversos elementos que merecem uma atenção especial por parte dos poderes instituídos e por parte das populações que usufruem do Parque.

            No parágrafo 1º, em que se refere a criação da própria área do PNSC, o Decreto aponta a existência neste espaço de uma zona de grande sensibilidade ambiental, na qual incidem fortes pressões urbanísticas, estando, por isso, sujeita a acções de degradação. Este parágrafo, para além de aceitar tacitamente estas pressões, bem como as acções de degradação que dela derivam, faz supor que toda a regulamentação seria desenvolvida tendo como objectivo fundamental o desaparecimento destas características. No entanto, tal assim não acontece...

As "Fortes Pressões Urbanísticas" são visíveis no PNSC

            No parágrafo 3º, e mostrando uma consciência ambiental digna  dos mais recentes conhecimentos nesta área, o decreto Regulamentar refere que qualquer intervenção humana na paisagem provoca sempre alterações no ambiente. Frisa ainda que estes alterações desequilibram o sistema paisagístico e introduzem dicrepâncias que obrigam ao uso de mecanismos correctivos.

            Para o cidadão comum, que frequenta o PNSC nos seus momentos de lazer, seria importante conhecer onde, quando e quais foram os mecanismos correctivos utilizados pelo parque para regularizar situações como aquelas que o Decreto descreve. Ao mesmo tempo, importa perceber porque motivo encontramos na área do parque inúmeros exemplos de situações facilmente corrigíveis junto das quais nunca ninguém tentou intervir.

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