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Prosa Romântica
texto do trabalho Romantismo
Com o Romantismo, nasce a prosa de ficção brasileira.
O hábito da leitura de romances traduzidos em folhetins criava,
aos poucos, consumidores assíduos de novelas e romances. No seu
rastro, surgiu nosso primeiro romance, O Filho do Pescador, levado
a público em 1843, da autoria de Teixeira e Souza. A Moreninha,
de Joaquim Manuel de Macedo, pela larga aceitação que
teve, passou a ser considerado o primeiro romance brasileiro. Depois
vieram José de Alencar, Bernardo Guimarães, Visconde de
Taunay, Franklin Távora. Todos cultivaram os caracteres literários
predominantes na época: eram todos românticos. Em sua vasta
obra encontramos:
- Romances indianistas, que exaltam nossos nativos, passando
deles uma imagem próxima do bom selvagem de Rousseau.
- Romances regionalistas, afirmando características
localizadas e peculiaridades ao nosso povo, feito também de
escravos, sertanejos, soldados.
- Romances históricos que, numa visão ufanista,
revivem momentos importantes e críticos da nossa formação
nacional.
- Romances urbanos, ligados à vida diária dos
nobres ou do povo da cidade, retratando os costumes da sociedade de
então, especialmente da Corte (Rio de Janeiro).
Concomitante com o romance, se afirma o teatro nacional nas obras de
Martins Oena, que soube, melhor que Gonçalves Dias, Castro Alves
e José de Alencar, espelhar no palco a vida nacional.
A prosa romântica
O romance foi a grande inovação desse período.
Antes dele já existia a narrativa, cuja mais rica apresentação
era a epopéia. Só que ela narrava um mundo heróico
e sublime; seu ingrediente principal era o maravilhoso. O romance no
século XIX substituiu a epopéia dos tempos modernos. Ele
idealiza o mundo e a sociedade e assim a espelha.
Joaquim Manuel de Macedo nos deixou mais de dez romances: A
Moreninha, O Moço Loiro, Dois Amores, O Forasteiro, A Luneta
Mágica, O Cego, O Fantasma Branco, Lusbela e outros.
A história fantástica de um namoro de crianças
que se separam e mais tarde reencontram é a trama do romance
que o próprio Macedo viu ser reeditado sob o título de
A Moreninha.
Depois de longa discussão entre Augusto e seus colegas na Faculdade
de Medicina (Filipe, Fabrício e Leopoldo) sobre sua instabilidade
amorosa, nasce a idéia de uma aposta. A aposta que dá
nascimento ao romance. A Moreninha:
A moreninha (fragmento)
-
Augusto é incorrigível.
- Não, é românico.
-
Nem uma coisa nem outra... é um grandíssimo velhaco.
- Não diz o que sente.
-
Não sente o que diz.
-
Faz mais do que isso, pois diz o que não sente.
-
O que quiserem...Serei incorrigível, romântico ou velhaco,
não digo o que sinto, não sinto o que digo, ou mesmo
digo o que não sinto; sou, enfim, mau e perigoso, e vocês
inocentes e anjinhos. Todavia, eu a ninguém escondo os sentimentos
que ainda há pouco mostrei: em toda a parte confesso que sou
volúvel, inconstante e incapaz de amar três dias um mesmo
objeto; verdade seja que nada há mais fácil do que me
ouvirem um "eu vos amo", mas também a nenhuma pedi
ainda que me desse fé; pelo contrário, digo a todas
o como sou (...)
-
Está romântico!...está romântico!...exclamaram
os três, rindo às gargalhadas.
- A alma que Deus me deu, continuou Augusto, é sensível
demais para reter por muito tempo uma mesma impressão. Sou
inconstante, mas sou feliz na minha inconstância, porque, apaixonando-me
tantas vezes, não chego nunca a amar um vez...
-
Oh!... oh!... que horror!...
-
Sim! esse sentimento que voto às vezes a dez jovens num só
dia, às vezes numa mesma hora, não é amor, certamente.
Por minha vida, interessantes senhores, meus pensamentos nunca têm
damas; porque sempre têm damas; eu nunca amei... eu não
amo ainda...eu não amarei jamais...
- Ah!... ah!... ah!... e como ele diz aquilo!
- Ou, se querem, precisarei melhor o meu programa sentimental; lá
vai: afirmo, meus senhores, que meu pensamento nunca se ocupou, não
se ocupa, nem se há de ocupar de uma mesma moça durante
quinze dias.
-
E eu afirmo que segunda-feira voltarás da ilha de... loucamente
apaixonado de alguma de minhas primas.
-
Pode bem suceder que de ambas.
-
E que todo resto do ano letivo passarás pela rua de... duas
e três vezes por dia, somente com o fim de vê-la.
-
Assevero que não.
-
Assevero que sim.
-
Quem?...eu?...eu mesmo passar duas e três vezes por dia por
uma só rua, por causa de uma moça?... e para quê?...Para
vê-la lançar-me olhos de ternura, ou sorrir-se brandamente
quando eu para ela olhar, e depois fazer-me caretas ao lhe dar as
costas?...Para que ela chame as vizinhas que lhe devem ajudar e chamar-me
tolo, pateta, basbaque e namorador?...Não, minhas belas senhoras
da moda! Eu vos conheço!...amante apaixonado quando vos vejo,
esqueço-me de vós, duas horas depois de deixar-vos.
Fora disto só queimarei o incenso da ironia no altar de vossa
vaidade; fingirei obedecer a vossos caprichos e somente zombarei deles.
Ah!...muitas vezes, alguma de vós, quando me ouve dizer: "sois
encantadora", está dizendo consigo: "ele me adora",
enquanto eu digo também comigo: "que vaidosa!"
-
Que vaidoso!...te digo eu, exclamou Filipe.
-
Ora, esta não é má!...Então vocês
querem governar o meu coração!...
-
Não; porém eu torno a afirmar que tu amarás uma
de minhas primas durante todo o tempo que for da vontade dela.
-
Que mimos de amor que são as primas deste senhor!...
-
Eu te mostrarei.
-
Juro que não.
-
Aposto que sim.
-
Papel e tinta: escreva-se a aposta.
-
Mas tu me dás muita vantagem, e eu rejeitarei a menor. Tens
apenas duas primas: é um número de feiticeiras muito
limitado. Não sejam só elas as únicas magas que
em teu favor invoquem para me encantar: meus sentimentos ofendem,
talvez a vaidade de todas as belas; todas as belas, pois, tinham o
direito de te fazer ganhar a aposta, meu valente campeão do
amor constante!
-
Como quiseres, mas escreve.
-
E quem perder?...
-
Pagará a todos nós um almoço no Pharoux, disse
Fabrício.
-
Qual almoço! acudiu Leopoldo: pagará um camarote no
primeiro drama novo que representar o nosso João Caetano.
-
Nem almoço, nem camarote, concluiu Filipe; se perderes, escreverás
a história da tua derrota; e se ganhares, escreverei o triunfo
da tua inconstância.
-
Bem, escrever-se-á um romance, e um de nós dois, o infeliz,
será o autor.
..........................................
"No
dia 20 de julho de 18... na sala parlamentar da casa n.º... da rua
de..., sendo testemunhas os estudantes Fabrício e Leopoldo
acordaram Filipe e Augusto, também estudantes, que, se, até
o dia 20 de agosto do corrente ano, o segundo acordante tiver amado
a uma só mulher durante quinze dias ou mais, será obrigado
a escrever um romance em que tal acontecimento confesse; e, no caso
contrário, igual pena sofrerá o primeiro acordante.
Sala parlamentar, 20 de julho de 18... Salva a redação."
Como
testemunhas - Fabrício e Leopoldo.
Acordantes
- Filipe e Augusto,
E
eram oito horas da noite quando se levantou a sessão.
( Joaquim Manuel de Macedo)
José de Alencar também iniciou sua carreira de
escritor publicando capítulos de seus primeiros romances em folhetins:
Cinco Minutos e A Viuvinha. Imortalizou-se porém, com O Guarani
em 1857.
Com Iracema e Ubirajara, completou sua trilogia indianista. O restante
de sua produção é variado. Senhora, Lucíola
e Diva são romances urbanos. As Minas de Prata e A Guerra dos
Mascates são romances históricos. O Gaúcho, O Sertanejo
e O Tronco do Ipê são romances regionalistas.
Entre os romancistas do período, ele foi talvez o escritor mais
consciente da função cultural da literatura. Sua linguagem
foi a nacional e com ela surpreendeu a elite.
O Guarani, Iracema e Ubirajara são as três grandes obras
indianistas de Alencar.
Iracema é a Lenda do Ceará. Ubirajara se aproxima muito
da vida natural do índio, livre do contato com a civilização.
O Guarani idealiza a tal ponto a natureza e o índio que faz
dele um autêntico cavaleiro medieval. Sua função
maior é pôr sua vida a serviço de uma dama, aliás
residente numa casa que "fazia as vezes de um castelo feudal na
Idade Média".
Tente sentir isso no trecho em que Álvaro, salvo por Peri, conversa
com o índio:
O Guarani (fragmento)
-
Obrigado ainda uma vez, Peri; não pela vida que me salvaste;
mas pela estima que me tens.
E o moço apertou a mão do selvagem.
- Não agradece; Peri nada fez; quem te salvou foi a senhora.
Álvaro
sorriu-se da franqueza do índio, e corou da alusão que
havia em suas palavras.
-
Se tu morresses, a senhora havia de chorar; e Peri quer ver a senhora
contente.
-
Tu te enganas; Cecília é boa, e sentiria da mesma maneira
o mal que sucedesse a mim, como a ti, ou a qualquer dos que está
acostumado ver.
-
Peri sabe por que fala assim; tem olhos que vêem, e ouvidos
que ouvem; tu és para a senhora o sol que faz o jambo corado,
e o sereno que abre a flor da noite.
-
Peri!... exclamou Álvaro.
-
Não te zangues, disse o índio com doçura; Peri
te ama, porque tu fazes a senhora sorrir. A cana quando está
à beira d'água, fica verde e alegre; quando o vento
passa, as folhas dizem Ce-ci. Tu és o rio; Peri é o
vento que passa docemente, para não abafar o murmúrio
da torrente; é o vento que curva as folhas até tocarem
n'água.
Álvaro
fitou no índio um olhar admirado. Onde é que este selvagem
sem cultura aprendera a poesia simples, mas graciosa; onde bebera
a delicadeza de sensibilidade que dificilmente se encontra num coração
gasto pelo atrito da sociedade?
A
cena que se desenrolava a seus olhos respondeu-lhe; a natureza brasileira,
tão rica e brilhante, era a imagem que produzia aquele espírito
virgem, como o espelho das águas reflete o azul do céu.
...................................................
Não
é isso a poesia? O homem que nasceu, embalou-se e cresceu nesse
berço perfumado, no meio de cenas tão diversas, entre
o eterno contraste do sorriso e da lágrima, da flor e do espinho,
do mel e do veneno, não é um poeta?
Poeta
primitivo, canta a natureza na mesma linguagem da natureza; ignorante
do que se passa nela, vai procurar nas imagens que tem diante dos
olhos a expressão do sentimento vago e confuso que lhe agita
a alma.
Sua
palavra é a que Deus escreveu com as letras que formam o livro
da criação; é a flor, o céu, a luz, a
cor, o ar, o sol; sublimes coisas que a natureza fez sorrindo.
A
sua frase corre como o regato que serpeja, ou salta como o rio que
se despenha da cascata; às vezes se eleva ao cimo da montanha,
outras desce e rasteja como o inseto, sutil, delicada e mimosa.
O
moço recebeu a confissão ingênua do índio
sem mínimo sentimento hostil; ao contrário, apreciava
a dedicação que o selvagem tinha por Cecília,
e ia ao ponto de mar a tudo quanto sua senhora estimava.
-
Assim, disse Álvaro sorrindo, tu só me amas põe
que pensas que Cecília me quer?
- Peri só ama o que a senhora ama porque só ama a senhora
neste mundo: por ela deixou sua mãe, seus irmãos e a
terra onde nasceu.
-
Mas se Cecília não me quisesse como julgas?
-
Peri faria o mesmo que o dia com a noite; passaria sem te ver.
-
E se eu não amasse a Cecília?
-
Impossível!
-
Quem sabe? disse o moço sorrindo.
-
Se a senhora ficasse triste por ti!... exclamou o índio, cuja
pupila negra irradiou.
-
Sim? o que farias?
-
Peri te mataria.
Peri
temeu ofender o moço; para desculpar a sua franqueza, disse
com um tom comovido:
-
Escuta, Peri é filho do sol; e renegava o sol se ele queimasse
a pele alva de Ceci. Peri ama o vento; e odiava o vento se ele arrancasse
um cabelo de ouro de Ceci. Peri gosta de ver o céu; e não
levantava a vista, se ele fosse mais azul do que os olhos de Ceci.
-
Compreendo-te, amigo; votaste a tua vida inteira à felicidade
dessa menina. Não receies que te ofenda nunca na pessoa dela.
Sabes se eu a amo; e não te zangues, Peri, se dizer que a tua
dedicação não é maior do que a minha.
Antes que me matasses, creio que me mataria a mim mesmo se tivera
a desgraça de fazer Cecília infeliz.
- Tu és bom; Peri quer que a senhora te ame.
Bernardo Guimarães é um romancista que nos liga
mais à natureza e aos conflitos sociais. Participou no Largo
São Francisco do grupo do mal do século a que pertencia
Álvares de Azevedo. Mas, depois se retirou para o interior, onde
produziu suas melhores obras. Foi um romântico regionalista: estilizou
nossa paisagem, nosso sertanejo, nosso mestiço, nosso garimpeiro,
o padre do interior, o estudante de seminário e nosso índio.
Seus títulos revelam esses temas: A Escrava Isaura, O Garimpeiro,
O Ermitão de Muquém, O Seminarista, Maurício e
Jupira.
Manuel Antônio de Almeida, menos idealista e mais satírico,
adiantou-se a seu tempo. Fez uma obra sem pretender fazer literatura
e conseguiu apreender a realidade do momento, os aspectos corriqueiros
e cômicos da vida diária. Escreveu na língua em
que o povo falava. Conseguiu tudo isso numa típica novela Memórias
de um Sargento de Milícias, publicada no Correio Mercantil entre
27 de julho de 1852 e 31 julho de 1853.
Leonardo, o futuro Sargento de Milícias, travesso ao extremo,
se enamora loucamente de Luisinha. Sua dificuldade, entretanto, de se
declarar é enorme. Uma de suas tentativas está detalhadamente
narrada por Manuel Antônio de Almeida neste trecho:
Memória de um Sargento de Milícias (fragmento)
Por várias vezes, tivera ocasião favorável para
desempenhar a sua tarefa, pois estivera a sós com Luisinha;
porém, nessas ocasiões, nada havia que pudesse vencer
um tremor nas pernas que se apoderava dele, e que não lhe permitia
levantar-se do lugar onde estava, e um engasgo que lhe sobrevinha,
e que o impedia de articular um só palavra. Enfim, depois de
muitas lutas consigo mesmo para vencer o acanhamento, tomou um dia
a resolução de acabar com o medo, dizer-lhe a primeira
coisa que lhe viesse à boca.
Luisinha estava no vão de uma janela a espiar para a rua pela
rótula: Leonardo aproximou-se tremendo, pé ante pé,
parou e ficou imóvel como uma estátua atrás dela
que, entretida para fora, de nada tinha dado fé. Esteve assim,
por longo tempo calculando se devia falar em pé ouse devia
ajoelhar-se. Depois fez um movimento como se quisesse tocar no ombro
de Luisinha, mas retirou depressa a mão. Pareceu-lhe que por
aí não ia bem; quis antes puxar-lhe pelo vestido, e
ia já levantando a mão quando também se arrependeu.
Durante todos estes movimentos o pobre rapaz suava a não poder
mais. Enfim, um incidente veio tirá-lo da dificuldade.
Ouvindo passos no corredor, entendeu que alguém se aproximava,
e tomado de terror por se ver apanhado naquela posição,
deu repentinamente dois passos para trás, e soltou um - ah!
- muito engasgado. Luisinha, voltando-se, deu com ele diante de si,
e recuando espremeu-se de costas contra a rótula: veio-lhe
também outro - ah! - porém não lhe passou da
garganta e conseguiu apenas fazer uma careta.
A bulha dos passos cessou sem que ninguém chegasse à
sala; os dois levaram algum tempo naquela mesma posição,
até que Leonardo, por um supremo esforço, rompeu o silêncio,
e com voz trêmula e em tom o mais sem graça que se possa
imaginar perguntou desenxabidamente:
- A senhora... sabe... uma coisa?
E riu-se com uma risada forçada, pálida e tola.
Luisinha não responde. Ele repetiu no mesmo tom:
- Então... a senhora... sabe ou... não sabe?
E tornou a rir-se do mesmo modo. Luisinha conservou-se muda.
- A senhora bem sabe... é porque não quer dizer...
Nada de resposta.
- Se a senhora não ficasse zangada... eu dizia...
Silêncio.
- Está bom... eu digo sempre... mas a senhora fica ou não
fica zangada?
Luisinha fez um gesto de quem estava impacientada.
- Pois então eu digo... a senhora não sabe... eu...
eu lhe quero... muito bem...
Luisinha fez-se cor de uma cereja: e fazendo meia volta à
direita, foi dando as costas ao Leonardo e caminhando pelo corredor.
Era tempo, pois alguém se aproximava.
Leonardo viu-a-ir-se, um pouco estupefato pela resposta que ela lhe
dera, porém, não de todo descontente: seu olhar de amante
percebera que o que se acabava de passar não tinha sido totalmente
desagradável a Luisinha.
Quando ela desapareceu, soltou o rapaz um suspiro de desabafo e assentou-se,
pois se achava tão fatigado como se tivesse acabado de lutar
braço a braço com um gigante.
Franklin Távora, cearense, retratou com perfeição
figuras típicas do Nordeste, como o vaqueiro, o matuto, o cangaceiro,
seu modo de vida e sua psicologia. Lutou por uma literatura nacional,
certo de que com temas regionais ela seria menos européia, mais
filha da terra. Para ele a história do Norte era rica em feitos
heróicos, com tradição e poesia popular própria.
Isso e mais, ele defende no prefácio de sua obra maior O Cabeleira.
Escreveu ainda: Lourenço, O Matuto e a novela Um casamento no
Arrabalde.
Visconde de Taunay, militar, participou da Guerra do Paraguai.
Testemunhou e descreveu a retirada da Laguna, escrita originalmente
em francês e traduzida mais tarde por Salvador de Mendonça.
Além dessa obra histórica, deixou-nos Inocência,
seu melhor romance, Manuscrito de uma Mulher, Ouro sobre Azul, A Mocidade
de Trajano e Amélia Smith.
Martins Pena fez para nosso teatro a comédia de costumes.
Nela satirizou os costumes do brasileiro do campo, sua ingenuidade e
sua fala simples. Mas, não perdoou a classe média urbana,
os casamentos interesseiros, o dia-a-dia da família, a ascensão
social. Tudo com sabor romântico, com um final feliz. Interessante
como ignorou os poderosos, fossem os latifundiários de então,
fossem os que viviam na corte ou da corte. O povo era seu assunto e
sua platéia.
Martins Pena, 150 anos atrás, levava ao palco a fala popular.
Neste trecho, fica evidente sua sátira social. Levar o povo a
rir de sua própria vida para melhor se conhecer era um de seus
objetivos. Tudo de forma simples, com temas simples, na linguagem simples
do dia-a-dia.
Verifique isso neste trecho da comédia Juiz de Paz na Roça:
Juiz de Paz na Roça (fragmento)
Cena XI
INÁCIO JOSÉ, FRANCISCO ANTÔNIO, MANUEL ANDRÉ
E SAMPAIO entregam seus requerimentos.
JUIZ - Sr. Escrivão, faça o favor de ler.
ESCRIVÃO, lendo - Diz Inácio José, natural desta
freguesia e casado com Josefa Joaquina, sua mulher na face da igreja,
que precisa que Vossa Senhoria mande a Gregório degradado para
fora da terra, pois teve o atrevimento de dar uma embigada em sua
mulher, na encruzilhada do Pau-Grande, que quase a fez abortar, da
qual embigada fez cair a dita sua mulher de pernas para o ar. Portanto
pede a Vossa Senhoria mande o dito Gregório degradado para
Angola. E.R.M.
JUIZ - É verdade, Sr. Gregório, que o senhor deu uma
embigada na senhora?
GREGÓRIO - É mentira, Sr. Juiz de Paz, eu não
dou embigadas em bruxas.
JOSEFA JOAQUINA - Bruxa é a marafona de tua mulher, malcriado!
Já não se lembra que me deu um embigada, e que me deixou
uma marca roxa na barriga? Se o senhor quer ver, posso mostrar.
JUIZ - Nada, nada, não é preciso; eu o creio.
JOSEFA JOAQUINA - Sr. Juiz, não é a primeira embigada
que este homem me dá; eu é que não tenho querido
contar a meu marido.
JUIZ - Está bom, senhora, sossegue. Sr. Inácio José,
deixe-se destas asneiras, dar embigadas não é crime
classificado no Código. Sr. Gregório, faça o
favor de não dar mais embigadas na senhora; quando não,
arrumo-lhe com as leis às costas e meto-o na cadeia. Queiram-se
retirar.
INÁCIO JOSÉ, para Gregório - Lá fora me
pagarás.
JUIZ - Estão conciliados. (Inácio José, Gregório
e Josefa [Joaquina] saem) Sr. Escrivão, leia outro requerimento.
ESCRIVÃO, lendo - "O abaixo-assinado vem dar os parabéns
a V.Sª por ter entrado com saúde no novo ano financeiro. Eu,
Ilmo. Sr. Juiz de Paz, sou senhor de um sítio que está
na beira do rio, aonde dá muito boas bananas e laranjas, e
como vem de encaixe, peço a V.Sª o favor de aceitar um cestinho
das mesmas que eu mandarei hoje à tarde. Mas, como ia dizendo,
o dito sítio foi comprado com o dinheiro que minha mulher ganhou
nas costuras e outras coisas mais, e, vai senão quando, um
meu vizinho, homem da raça do Judas, diz que metade do sítio
é dele. E então, que lhe parece, Sr. Juiz, não
é desaforo? Mas, como ia dizendo, peço a V.Sª para vir
assistir à marcação do sítio. Manuel André.
E.R.M."
JUIZ - Não posso deferir por estar muito atravancado com um
roçado; portanto, requeira ao suplente, que é o meu
compadre Pantaleão.
MANUEL ANDRÉ - Mas, Sr. Juiz, ele também está
ocupado com um plantação.
JUIZ - Você replica? Olhe que o mando para a cadeia.
MANUEL ANDRÉ - Vossa Senhoria não pode prender-me à
toa; a Constituição não manda.
JUIZ - A Constituição!... Está bem!... Eu, o
Juiz de Paz, hei por bem derrogar a Constituição! Sr.
Escrivão, tome termo que a Constituição está
derrogada, e mande-me prender este homem.
MANUEL ANDRÉ - Isto é uma injustiça!
JUIZ - Ainda fala? Suspendo-lhe as garantias...
MANUEL ANDRÉ - É desaforo...
JUIZ, levantando-se - Brejeiro!...(Manuel André corre; o Juiz
vai atrás)Pega... Pega... Lá se foi... Que o leve o
diabo.(Assenta-se)
(Martins Pena)
Índice:
Sobre o Trabalho (Apresentação,
Conclusão e Bibliografia)
Breve análise dos autores e dos períodos da Poesia
Romantica
Breve análise dos autores e dos períodos da Prosa
Romantica.
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