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FOED CASTRO CHAMMA

Entrevista a Rodrigo Souza Leão/14.05.2003 – Revista Virtual Baalacobaaco

 

ENTREVISTA A  ANDRÉ SEFFRIN,  .2001.

  1. Qual a sua motivação criadora?

R. Minha poesia é uma leitura do duplo no âmbito do imaginário, onde teço o tapete da Unidade, o qual corresponde a um ambicioso domínio sobre o Tempo.

2. Sua prosa é limítrofe da poesia, um dado que me parece comum à maioria dos grandes poetas. Qual a diferença essencial entre a poesia e a prosa?

R. O suporte do real, é a imagem. Ao configurar a realidade a imagem desdobra-se no símbolo, fundando a diacronia da prosa, simultânea à linguagem poética. A prosa contém  por outro lado uma sonoridade que me leva a pensar numa teologia natural, como Vico admite em Ciência Nova.

3. O que V. teria a dizer da poesia engajada (anos 70) e do poema político (Gullar et caterva) ou mesmo do grafite ou do poema atrelado à música popular?

R. Desde Homero o poeta percorre o caminho dos fatos enlaçado a uma ética que contava  com a interferência dos Deuses.. A epopéia latina, virgiliana, demarcadora do historial.,. encontra antes em Orfeu, na Trácia, a criação da Poesia reveladora da “eterna Verdade”, associada aos mistérios de Dionisos. A vida intelectual derivava então dos santuários. A evolução desse princípio da Verdade, associado à Beleza, culmina na poética realista ou alegórica de nossos dias, aproximando-se o poeta do conhecimento de Si. Por outro lado, a poesia de cunho político, engajada, corresponde a um sentido social que difere do grafite ou mesmo da poesia na música popular. Observo no grafite a retomada babélica de um salto da língua no sentido de superação do Alfabeto, envolvendo uma suposta liberdade em relação, primeiro, a imposições determinadas pela lógica da razão e, mais adiante, a  imagens hauridas no sonho e rabiscadas com arte nas paredes e muros. O grafiteiro desenha o pensamento, dando-nos a medida escatológica de uma escrita que aguarda o seu intérprete. Já as letras na música popular revelam curiosas invenções ou em alguns casos domínio de intenções malsãs sobre  interesses contrariados. A palavra e a música pertencem a um amplo reduto eclético da Cultura. A preocupação atual com questões políticas se opõe à metafísica de poetas que buscam sua razão de estar no mundo. Tal visão (do mundo) é premissa inesgotável que se ajusta à indagação sobre o Ser e oferece a possibilidade estética de belas construções associadas a um lirismo telúrico como o de um Lorca, um Fernando Pessoa, um João Cabral de Mello Neto, de cunho eminentemente dramático. A independência da literatura é um fato apregoado pelo tcheco Milan Kundera, que defende a função social, útil ao homem de hoje, “ameaçado pelas mistificações ideológicas cada vez mais poderosas.”. A diversidade de comportamentos estéticos não privilegia norma que se possa hierarquizar. Observa-se a linguagem num rasgo matemático que minimiza a “mistificação ideológica”. O real  é a Forma, identificada com a Arché e o atavismo depositado na memória e transformado em Identidade.

4. Há anos v. me falou da via pessimista de Fernando Pessoa, que nega o ser e que isso era um perigo para a Poesia. Estou certo?

R. O niilismo em Fernando Pessoa se deve em parte ao seu nome associado a Persona -sugerindo a heteronímia configuradoora do caráter dramático de sua poesia, de modo  a induzir por outro lado  o genial poeta português a repensar como Camus o pessimismo europeu  no início do século XX, motivado pela Primeira Guerra Mundial e o fim da Belle Epoque..A partir de influências negativas o poeta edifica sua obra que muito se aproxima de uma contra-cultura como se observa em O Ser e o Tempo, de Heidegger., ou em Kierkegaard e seu Tratado do Desespero, início filosófico do Existencialismo.  Em Fernando Pessoa um esoterismo latente o aproxima por outro lado da questão do Tempo, como em Eliot e os Quatro Quartetos. Penso no italiano Giacomo Leopardi e reflito que o pessimismo não implica necessariamente em perigo para a Poesia...                                                                                                                                                                                                                                    5. Nisso que V. chama de quadro inusitado em Poesia, que posição V. assume com a Pedra da Transmutação?

R. O que me parece inusitado é o poeta voltar-se para si mesmo e   pluralizar-se no Outro. No poema Pedra da Transmutação o duplo é projeção do Eu no Outro, de modo a gerar uma relação conflitante no plano do imaginário, do qual se nutre a linguagem poética, tornando-se interminável o poema em sua subjetividade espiralada. Com a negação do real o duplo é a diferença especular da Semelhança, configurando-se então em PT a sombra como representação simbólica do Outro. Observo  na raiz da língua a função sintática  do duplo de maneira a me parece que um mergulho na linguagem coincide com o Combate espiritual desenrolado no poema. Significante e significado se defrontam na interação do símbólico  onde o duplo  assume a configuração mítica da Sombra.. 

  6. V. agora transita justamente naquele terreno ao qual me referi na introdução à Antologia Poética, as tais palavras-chaves na Pedra da Transmutação. Foi deliberado esse seu trabalho recorrente?

  R. As palavras-chaves, o ouro, o ovo, a natureza, a sombra, o sol, o cego, o duplo, o fogo, o espelho, a pedra, refletem o universo semântico-sensorial de um atavismo que remonta ao esoterismo alquímico dos primeiros metalúrgicos e ferreiros da Mesopotâmia. Diria que o fato dessas palavras comparecerem no poema corresponde, por um lado, a uma autenticidade criadora e, por outro lado, a uma certeza de que a simbólica mítica prevalece como Essência sobre a Identidade. A Memória é o núcleo de acasalamento dos Sentidos, que Kant observa na Crítica, associados ao entendimento. Acredito que o domínio poético da linguagem é ainda complemento  de um retorno ao início da filosofia e a apreensão dos atributos sensoriais da realidade virtual. Penso estarmos vivendo o repto individualista da Renascença em relação ao Acaso. O Humanismo permanecerá vinculado à Poesia, correspondendo ao  Absoluto o Entusiasmo, a Dor, a Verdade, a Beleza.. 

  7. No papo da semana passada V afirmou que Deus é luz. Foi uma descoberta difícil essa?  E que acha V. do Deus católico?

  R. O conceito de Deus com o sentido de Luz é de raiz sânscrita ( dif ) com ressonância em diversas línguas indo-européias. No latim e grego p. ex. temos Deus, Teos,, o que não se verifica no anglo-saxôniico God, Gott advindos ambos de get, got, i.e conseguir, obter. Tal descoberta se dá na medida em que identifico o mecanismo representativo do Signo a representar a luz precisamente no sentido que  atribuo à palavra Deus. A relação é instigante, leva-me a pensar no Mito como atribuição arcaica dada às coisas numa dialética  que se renova ideologicamente sem perda dos vínculos condicionadores da realidade da mente. O Deus católico, de origem mosaica, é assumido historicamente por Jesus, ao afirmar sua unidade com o Pai, concedendo assim dimensão sobrenatural à humana condição. A Aliança judaica com Deus perpetua-se na Família. A Palavra adquire por outro lado na Cabala uma sincronia subjacente, análoga à racionalidade teológica pagã e as projeções emblemáticas de uma convergência de deuses que me faz pensar no conceito de Luz atribuído a Deus.

 Pergunta 8. E sobre o atavismo da criação, há algo mesmo de mediúnico no  poeta

R. O processo anímico é um atributo existencial originário da memória, a cujo núcleo passado, presente e futuro convergem, atrelados ao logos, que tudo recolhe. Neste sentido, existir é um perpétuo atavismo ou herança a determinar com a roda do tempo o eterno retorno. A ancestralidade transmudada empiricamente em Identidade adere à configuração racional do modelo ao mesmo tempo em que deixa transparecer com o uso estético da razão idiossincrasias que caracterizam a mediação entre os seres de maneira a determinar o  estado de interação e projeção do simbólico enquanto Aparência e Identidade. Ao recolher-se ao espelho da Semelhança, vinculado à rede do imaginário, o sujeito manifesta os traços do simbólico originários da Essência. De modo que tanto a mediação quanto o atavismo mesclam-se em uma fermentação dialética que se projeta na obra de arte, a qual ao emergir da Essência, configuradora do simbólico, adquire Forma e linguagem.

  Pergunta 9. Voltando a Jorge de Lima e Cecília Meireles - e acrescentando a esta lista Drummond,  Murilo Mendes e Manuel Bandeira - como vê, Foed, a sua poesia em particular e as novas correntes da poesia brasileira, sobretudo depois do concretismo e de movimentos como Praxis, etc?

  R. O que me parece plausível em relação aos autores em epígrafe e  a poesia praticada a partir do movimento modernista é a sinalização e aprofundamento de um subjetivismo que se identifica  com o Livro de Sonetos e Invenção de Orfeu de Jorge de Lima,  de grande influência sobre a Geração 56.  O parâmetro jorgeano ao ampliar o campo de Poesia Liberdade, de Murilo Mendes, instaura o caráter mítico paralelo a um realismo que descamba não raro para o engajamento ideológico e social de Poemas Negros.  Mais tarde  Jorge de Lima se identificará com o Barroco, repercutindo sobre os jovens de maneira a produzir uma constelação de poetas em torno da Metáfora, cuja lógica corresponde a um núcleo iconográfico no sentido de emparelhamento simultâneo com o significante. Tal é o desempenho poético ao qual venho me dedicando com a leitura simultânea da sombra. No corpo da linguagem o Icone projeta-se como Máscara ou Fantasma ou espelhamento do Outro. Em Cecília Meireles, a fuga no espelho é configuração sinestésica de Desencanto. Em Drummond, o espelho registra o drama da Semelhança, cuja implicação sociológica,  historiciza a Poesia. A clarificação erótica do real  é  característica, por outro lado, da poesia de Manuel Bandeira, contrária à  universalidade demonológica de Jorge de Lima,  relativa a uma  teologia natural. Novalis percebia  no eu  o Absoluto, lá onde a dualidade  constitui um repto à univocidade da Palavra. O Eu mescla-se à Aparência. A linguagem poética elucida a Identidade, decodificando a Diferença. Da intuição pura, à intuição empírica e a Percepção, aos Anagramas de Saussure,  perpassa uma superação que encontrará no Concretismo do grupo Noigandres e na Instauração Práxis, nos anos 60, momentos  questionadores da problemática estrutural do verso. Imanência e transcendência são o eixo por outro lado  de uma dialética identificadora do Epos. O Renascimento dará sinais dessa evolução em Dante, e bem mais tarde em Tasso, Ariosto, Petrarca, Shakespeare, Camões.  Lope de Vega e Gôngora darão um salto em direção à retomada do Matema, cuja sincronia  reside no  critério nietzschiano de individuação e vontade de potência do homem que se supera.  Minha poesia identifica-se com  uma relação lingüística associada ao “uso estético da razão” e a cura pelo Conhecimento. Desde Sócrates ciência e consciência, o fazer e o saber percorrem o caminho da Arché,  pressentido por Mallarmé, de maneira a encerrar o Acaso, a meu ver,   todos os ciclos da representação do ser.

  Pergunta 10. Nesse passo, sobre o seu projeto do poema houve um programa. Como convergiram atavismo e programa para a redação desse livro das alucinações?

  R. Atavismo e programa interagem na composição do poema. A lógica do simbólico circula em torno do núcleo poemático, atendendo à pulsão do Sentido o qual, ao fundar o imaginário, constrói o arcabouço mágico do discurso, cuja extensão a substância concentrada na Sombra corresponde ao complexo atávico projetado no poema que resulta assim na transmutação da matéria, colhida de modo alucinado  à medida que ao sublevar a realidade em curso a mente concede ao real conotação perturbadora prodigalizada pelo duplo no exercício dramático da representação. De fato, a construção do poema atende a uma fuga e refúgio na linguagem, onde o alucinatório por constituir-se em iluminação permite resolver uma rebeldia que colide  com a Razão, sublevando deste modo os parâmetros da Identidade. Tal posição implica em conflito que os físicos percorrem, passando entre outros por Copérnico, Newton, Einstein. A complexidade do poema contém traços de uma escrita voltada para a origem do ser, a duplicidade, e a negatividade concebida como fundamento dialético da representação. A fuga aludida e o refúgio na linguagem é constante, diária. Havia nesse curso alucinado refúgio e abrigo na linguagem poética que resultou em cura pelo Conhecimento. O atavismo em  relação ao programa atribuo a uma depuração consumada no poema, da mesma maneira que uma prátoca iniciática, de elevação espiritual.

  Pergunta 11 - Quais as diferenças fundamentais entre Invenção de  Orfeu e Pedra da Transmutação?

  R. A idéia de um poema-rio à época em que cenheci Jorge de Lima na Casa de Repouso no Alto da Boa Vista, no Rio, prendia-se a um desejo de evasão, algo como deixar-me levar pela linguagem, livre de imposições que me emparedavam na neurose e  confinamento em Sanatórios. O poema-rio seria a libertação na linguagem e o mergulho na Essência, de onde deveria emergir com o domínio do pensamento sobre o duplo. A inquietação que me acompanhava confidenciei ao dr. Jorge e aguardei durante anos o início do poema, realizando então experiências em composições como o Ir a ti  e Labirinto, os quais encerram em sua circularidade espiralada a síntese do que seria a viagem, a navegação resumida na captura do duplo, essa instigante dualidade ontológica que a Identidade camufla em sua ambígua nomenclatura. As diferenças básicas de Pt e Invenção de Orfeu além de estruturais são de perspectivas de discurso. Em Invenção de Orfeu a divisão em 10 Cantos desenvolvidos em torno do Homem/ Ilha corresponde à dimensão da Verdade que o canto órfico representa, diferindo do caráter monolítico de PT, construído com o rigor descontínuo de uma circularidade  que se sobrepõe ao contínnuum da temporalidade. O aspecto nuclear do poema configura a busca e captura da Essência transmudada em Conhecimento. A integração oracular do imaginário ao logos é a Cura prodigalizada por um saber a priori incorporado à linguagem poética. O poema não se historiciza, não se subdivide formalmente a fim de justificar uma Unidade. Há uma radicalização lingüística que me leva a pensar em uma cosmogonia a partir da unidade caótica do imaginário.

  Pergunta 12 - No momento da criação V. teve o domínio dessa  cosmogonia?

 R - A intenção cosmogônica inconsciente exxiste desde o início na organização do poema. A cada momento persiste a intenção de atingir a Unidade  através da captura do duplo, em cujo arcabouço negro, opaco, localiza-se a dualidade do ser Num primeiro movimento a sombra se projeta na configuração dramática desenrolada na linguagem. A unidade prismática da sombra e seu nexo desdobram-se de modo interminável. Uma interação espacio-temporal, em sua transcendência e imanência, interage pois ao nível do simbólico. Tal contingência aspira à Unidade, que a sombra nega, e, nessa medida, ao incorrer na negação, o Mito é a unidade em si concreta, i.e o Sol negro, que tem como representação a sombra delineada como um duplo na dimensão cosmológica do poema.

  Pergunta 13 - V. lembra o ano em que começou a escrever o poema e quando concluiu?

  R. O poema foi concluído em 14 de maio de 1973, segundo anotação na primeira versão (revista de janeiro a novembro de 1974). O título provisório era Geometria da Sombra. Encontrei esta anotação alusiva ao cego (v.5.608) : Poetry from genius and nature". O verso de n 5.132 traz  outra anotação: até junho, 10, 1968. De acordo com anotação no diário de 16 de maio de 1973  o poema teve início em 1962. Há anotações surpreendentes como esta: Uma ave sobrevoará o poema do princípio ao fim. Ou esta outra: Elevar o personagem (o andarilho) a uma categoria universal criando uma fábula, desdobrando a experiência humana numa série de acontecimentos relacionados às forças psíquicas do homem. Ou esta: Um ponto de vista bem orientado é uma imagem implicita da totalidade. Ou esta: Desenvolver a imaginação, largar-me até à ousadia. Ou esta: La Nuit, mère du Sommeil et de la Mort, mère dés Furies - Allecto, Magére e Tisiphone - (Eneida, VII, 32630, Diário de G.S. Encontro mais esta anotação entre outras, "a sombra como símbolo serve de paradigma mantendo a unidade não só do poema como sobretudo do levantamento da estrutura  mítica que acomapnha a realidade enquanto reprresentaçãoa individual. A prática diária de composição aproxima-se cada vez mais do que constitui a sobrecarga acumulada no inconsciente e que não foi e nem é resolvida por meio da atividade diária comum. Creio que o estado da razão resulta de uma ordem interna que não é a condição propiciadora da criação, mas, por meio da póesia, pode-se chegar a essa ordem desde que o poema como revelação proporcione a relação de causa e efeito liberadora do conflito. 23. A leitura crítica do poema visando reunir os segmentos a fim de abranger sua totalidade, sem cortes, como convém a um.poema, seja qual for sua extensão, aproxima-se cada vez mais de um dado que esclarece a dependência do comportamento em relação ao pensamento e a vontade do Outro, seja ele o duplo, ou alguém a quem se está vinculado por laços estreitos como me faz suspeitar da relação da ordem e da lei como espelho ou relação tripla da unidade.

  Pergunta 14 - E os elementos biográficos presentes?

  R. Os elementos (biográficos) presentes, incorporam-se ao poema extraídos metaforicamente da realidade, cuja extensão em sua substância simbólica, corresponde à dualidade de maneira a transmudar-se a experiência conflitante em um dado mito poético permanente. A inquietação existencial transformada em neurose de fuga e temor é de caráter suponho espacio-temporal resumido na angustia do tempo que assolou um Kafka, uma Wirgínia Wolf, um Fernando Pessoa. O estilhaçamento da personalidade em Pessoa é recolhido nos heterônimos cujas vozes, distintas, se colocam diante do poeta português como eco de sua própria fala a qual adquire configuração metafísica de um teatro votado ao autor e seu duplo plurifacetado.  Em Pedra da Transmutação tais dados concentram-se na sombra, sem aquela diversidade heterônimica pessoana.

  Pergunta 15 : A opção pelo decassílabo foi programática ?

  R. O decassílabo contém a uniformidade ritmica de remos no mar ou o trote de cavalos árabes na raia. A continuidade é análoga, imagino, à respiração do Sol, cuja sístole e diástole assemelham-se à circulação do sangue nas veias . Existe uma correspondência intrínsica do ritmo cósmico na natureza do ser, o qual emerge nos meus sonetos brancos, sustentados por  ressonância interna de rimas toantes, tal como no poemão, ao qual me entreguei por mais de dez anos, em fuga, à procura de mim mesmo. Na respiração, o ritmo é estrutura harmoniosa, que a poesia reproduz, estendendo-se o pé a caminho no discurso, cuja unidade corresponde ao troqueu dos gregos, que utilizo, perseguindo o  logos solar entremeado pelo mito.

  Pergunta 16  -  E por que 10.000 versos ?

  R. "O número 1 sintetiza o universo visível"; o 0 corresponde ao cosmos. A intenção de realizar o poema com 10.000 versos atendeu a uma intuitiva ressonância pitagórica, estendendo-se às estrofes de quatro versos, cuja configuração  numerológica  corresponde, segundo Kozminsky, à linha reta assim como à  consumação e manifestação da luz.

  Pergunta 17 - Data: 31/08/2001 16:40 - Como Edgar Allan Poe, não seria o caso de escrever a  filosofia da composição do seu poema?

  R: Imagino a filosofia da composição, de Allan Poe,  vinculada à Pragmática de

 Charles Sanders Peirce, uma filosofia da linguagem identificada com o sistema de vida norte-americano, um suporte ritmico intrínseco análogo à unidade melódico do troqueu, entre os gregos. Há nessa concepção uma imagética vinculada ao imaginário cuja intemporalidade inaugura na Europa uma praxis literária denominada Simbolismo. No Soneto das Correspospondências, de Baudelaire, a alusão à simultaneidade de som, cor e perfume bem define  uma sincronia não contaminada pela lógica da razão. O "transe químico" que motiva o "fantástico" nos contos de Allan Poe é fundamentado por outro lado no desempenho do  homo tecnologicus, que caracteriza o empirismo métrico da linguagem adotado por exemplo em O  Corvo, dando origem assim em João Cabral a uma Psicologia da Composição. No caso de Pedra da Transmutação, o critério decassilábico dos versos possui uma modulação originária natural que não vacilo em associar ao conceito nitzschiano da Música como origem da tragédia.

  Pergunta 18 - Segundo Pound, "a poesia apodrece quando se afasta demais da música". João Cabral certamente não concordaria com isso. E você ?

R. "A Música é a força do verbo, o poder concedido ao ritmo, à sonoridade das palavras que possuem o valor encantatório da oração." Cf. Le feu p. 173 Jean-Pierre Bayard.  Ezra Pound concede à música o preceito teológico, primitivo, da fala, que os egipcios tinham como qualidade mágica, operacional. A posição teórica de João Cabral, de despojamento de conotações paralelas que possam afastá-lo do real, bastante próximas do historicismo hegeliano e que comparo à herança virgiliana do logos, é contrária ao sentido órfico da Poesia. O caráter estrutural da linguagem visado pelos concretistas é uma ressonância arcaica dos anagramas descobertos por Ferdind de Saussure e superados em  função do caráter anímico que o ritmo assinala, bem como a música preconizada por Verlaine no  Simbolismo francês, a qual corresponde por outro lado à tradição órfica da Poesia instaurada na Grécia pré-histórica onde "a Música e a Poesia eram concebidas como reveladoras da Verdade. Esta em síntese é a minha posição e, ao mesmo tempo, a tendência atual da Nova Geração,  que persegue o lado sincrônico, matemático, da linguagem poética. A Palavra é Senhora da Luz Luz é energia. É o Fogo, a Essência, a Coisa, a Razão. A Palavra é luz. Imagem visível do pensamento, liga a realidade  à Natureza. Origem do nome, a Palavra é núcleo do Altíssimo a falar por meio da luz.

  Pergunta 19 E os seus vínculos com o Surrealismo?

R. Na questão sobre o Surrealismo, observo a constância dos vínculos  da Essência na linguagem poética com o sentido de  desvelamento visando à empiricidade de  um saber  que corresponde à consciência de Si e ao Conhecimento. O anseio entre os Gregos de incorporar-se ao Logos ao  culminar  após Sófocles e Esquilo nas tragédias de Eurípedes estende-se ao maneirismo de Píndaro e de Anacreonte, ocorrendo  no Renascimento espanhol a  deflagação da Metáfora e a  incorporação iconográfica  do duplo  aos fatos, numa adesão tardia restauradora do mito. O diacrônico converte-se pois em fundamento sincrônico da realidade, retomando o poeta o módulo sagrado do real da  Época Arcaica onde a Semelhança concentrava-se na iluminação do real, desenvolvido inclusive no politeismo antropomórfico de Homero.  Neste sentido, a partir do Simbolismo o novo rumo da poesia é, a meu ver, o da retomada e  aprofundamento do universo individual  presente inclusíve no diapasão profético do The Waste Land, de T.S. Eliot, e nos poemas de Saint John Perse. Tal rumo me parece identificado com  a  Astrologia caldaica, cuja leitura coincidiria com o Apocalípse de João o Evangelista . A interação Espírito e Matéria é uma inquietação dos poetas modernos e remonta aos alquimistas, os quais sempre desenvolveram projeto de vitória  sobre Cronos. Podemos observar na  engenharia genética o mesmo procedimento alquímico em relação à clonagem. Ciência e consciência interagem como prática do saber, cuja  instância corresponde ao heliocentrismo  de Copérnico. Sua física vislumbra  uma centelha solar em nossas mentes.  observa-se em crônica de Machado de Assis esta revelação :  o pensamento é uma luz que vem dos astros. O Surrealismo não esgota portanto a modalidade estética do barroco inaugurada com Lope de Vegas e Calderon de la Barca, no sec. XVII, na medida em que o campo é o da sincronia atingindo dimensões do saber que a Informática inaugura  sob a legenda do Acaso.

 

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