O blakout de Nova Yorque em agosto de 2003 inspirou esta reflexão:

— Relações de absoluta dependência social, econômica, ideológica, mental, física e emocional ligam nossa atual música popular aos padrões da cultura tecnológica globalizada, esta tecnologia musical que só nos é acessível mediante pagamento de royalties pesadíssimos pela utilização de instrumentos e equipamentos importados, sem os quais torna-se impossível fazer música ou expressar cultura. Nossa música só acontece onde houver energia elétrica. O que você pensa disto?

— Será que esta música gravada, enlatada, encedezada, microfonada, encaixotada, eletrocutada, microbytezada, é a melhor que podemos oferecer, é o melhor ambiente onde podemos trabalhar ou a melhor arte que podemos criar? Esta é a melhor música que podemos mostrar às nossas crianças? Isto é o futuro?  

Mídia só é cultura enquanto hábito-de-utilizar-aparelhos-eletrônicos. Enganamos o público dizendo que gravamos cds ao vivo em shows acústicos, isto é mentira, é enganar as pessoas, é vender música de plástico com a palavra vida escrita em cima. Nós, músicos, o que temos feito no sentido de humanizar nossas relações com o público? As lutas travadas na busca por espaços eletronicamente alterados para a expressão de nossa musicalidade demonstram nossa servidão a padrões culturais inaceitáveis, não por virem por fios elétricos ou via satélite, e sim por estarem na contramão do que é humano, orgânico, vivo, essencial. Instrumentos, máquinas e circuitos elétricos não possuem vida, não expressam vida, não podem conduzir vida, não podem traduzir vida, não podem sequer imitar aceitavelmente a vida. Som sintético não contém vida.

— A Música, quando eletrocutada, morre. Em seu lugar, pelos alto falantes, fluem energias fantasmagóricas de músicos ausentes, pedaços remontados de impulsos eletrônicos produzidos com a intenção de enganar nossos ouvidos fazendo parecer que uma música está acontecendo de verdade, quando é apenas música de mentira, não há nada vivo dentro dos alto-falantes, a música morreu no ambiente fechado do estúdio, quem estava lá para ouvir, ouviu, viveu, mas a gravação é música morta, produto, sabonete, matéria inerte. No rádio e na TV quase nada se ouve ao vivo além de notícias. Ninguém mais se lembra de buscar na música os caminhos do espírito, a essência das pausas, a harmonia dos olhares, a emoção do relacionamento interativo entre o artista e seu público, o universo vibracional que abrange nosso silêncio interior. Cultuamos música morta e desprezamos música viva, este é o retrato sonoro da sociedade ocidental neste início de milênio.

— Muitas vezes, ao levantar esta questão, logo aparecem aqueles que nos vêm comparar com as pessoas que protestaram (em vão) contra a inclusão da guitarra na MPB, nos rotulando como intolerantes, retrógrados e reacionários por estarmos rejeitando e negando o “progresso representado pela tecnologia moderna.” 

— Gostaria de esclarecer que, por princípio, nem precisamos rejeitar nada do que seja eletro-tecnológico, deixa que exista, não é importante, é brinquedo para simples lazer. Por outro lado nós, músicos preocupados com a energia cultural de nosso povo, em paz com a nossa consciência, conscientes da responsabilidade adquirida ao percebermos a diferença vital que separa  música eletrônica e música natural, nos sentimos muito mais felizes produzindo e incentivando muita música acústica, limpa, verdadeira, humana, sincera, integral, interativa, sem truques e recursos eletro-eletrônicos. Música entre pessoas, música viva, prana cultural. Precisamos criar espaços para esta música de altíssima qualidade, nas salas de aula, nos ambientes de trabalho, em família, entre amigos, precisamos despertar as pessoas para a necessidade que certamente têm de música de verdade em lugar desta música sintética, produzida a partir de quinquilharias e engenhocas importadas para fins de consumo. A questão não é negar o eletrônico, é afirmar a música pura e natural por sua natureza humana, por suas múltiplas e profundas reverberações em nossa existência física, mental, social e espiritual.

— Fácil de dizer, difícil de fazer, pois não temos mais vias culturais ou o hábito de expressar cultura sem a interferência de sons eletronicamente alterados. Proponho a comparação da música eletrônica com a agricultura transgênica: sua toxicidade jamais foi medida por qualquer tipo de experimento ou pesquisa científica séria, sua utilização altera a qualidade vital dos produtos, seu uso promove dependência sócio-econômica e exclusão social além de instituir hábitos, usos e costumes, ou seja, interferir diretamente sobre o espírito cultural dos indivíduos e da sociedade. Ao menos há poderosos grupos de ecologistas mobilizados para tentar conscientizar as pessoas sobre o perigo dos transgênicos. Quanto à nossa cultura musical, quem está disposto a romper com a idolatria e a submissão ao poder da mídia? Quem vai trabalhar contra esta cultura globalizada à força pelas máquinas da indústria cultural e partir em busca de novas soluções para promover troca de informações musicais com força transformadora cultural? Quando vamos parar de usar fama e sucesso como medida de qualidade artística? Abandonamos completamente os aspectos vibracionais da música, deixamos isto para os distantes monges indianos e tibetanos enquanto nos entupimos de sons sintéticos de gosto duvidoso e origem suspeita, participamos ativamente desta subcultura brega cheia de ecos, reverberes e truques cinematográficos. Nós que nos dizemos músicos, quando nos ligamos à rede elétrica, estamos contribuindo pessoal e coletivamente para a deturpação de uma energia vital, sagrada, magnífica, digna de todo o amor e de toda a consciência: a música!

— Estamos fazendo à música e à cultura de nosso povo o mesmo que nossos antepassados fizeram às florestas, à cultura dos povos indígenas, aos rios, aos oceanos. O que fazemos com nossa musicalidade hoje é equivalente a deixarmos completamente de beber água pura e passarmos a beber apenas refrigerantes e bebidas alcoólicas, recomendando os mesmos hábitos aos nossos ouvintes e aos nossos descendentes: — não me ouça, ouça o meu cd, não me veja, veja meu videoclip, não chegue perto de mim, deixe-me sozinho no estúdio. Você não morre rapidamente disso, apenas deteriora seus sentidos, sua sensibilidade, sua saúde mental, física e emocional. Se guardamos a totalidade de nossa música dentro de maquininhas, disquinhos brilhantes, tomadas elétricas, telinhas de vidro e palcos distantes, nossa musicalidade íntima vai ficando atrofiada e distorcida, de repente já não temos mais sequer condições de perceber a diferença entre um disco e um músico, entre uma flor de plástico e uma rosa, entre um violão e uma guitarra elétrica, entre um chuveiro elétrico e uma cachoeira, entre água da fonte e coca-cola.

O SOL MAIOR
OFERECE diferentes
ALTERNATIVAS


que som?
 qual música?
 QUEM toca? 

 

vida e obra
home vida e obra música viva arte de ouvir músico oficinas cantaí crianças letras e mp3 e-mail

 

 

Hosted by www.Geocities.ws

1