Boletim Mensal * Ano VI I *  Julho de 2009 *  Número 72

           

 

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No fim da página tens mais 2 fados

FADO TAMBÉM É CULTURA  (30) 

 

Alfredo Antunes

 

3. Alfredo Marceneiro

 

            Um dia, Amália Rodrigues deu de caras com o Alfredo Marceneiro, numa viela de Lisboa e gritou: “Alfredo, tu és o Fado”!.

            Não há, meus Amigos, maneira melhor de definir esta lenda eterna que é o Marceneiro! Nele, o fado está, inteirinho, conforme saiu do Séc. XIX!

             De família humilde, Alfredo Duarte, foi o nome que lhe deram quando o levaram a batizar, em 1891, lá pelos lados de Alcântara, em Lisboa.

            Órfão de pai aos 13 anos, deixou de estudar e foi ser aprendiz de encadernador e de sapateiro, para ajudar a criar os irmãos mais novos. Aos 17 já é ajudante de marcenaria, num estaleiro de navios. Com o apelido de “Marceneiro”, desde 1920 (“Marceneiro na arte e no ofício” – cantava ele), nesta profissão se especializará durante décadas...

             Com algumas gotas do fado no sangue (seu avô materno “arranhava” a guitarra e cantava fados de improviso), Alfredo Duarte começou a cantar “de intrometido”, primeiro em grupos de amigos, depois entre os colegas marceneiros, depois, com 17 anos, nas cegadas fadistas que aconteciam fora de portas.

            Sua voz diferente, estranha e semi-rouca “sempre cariciosa e de uma ternura inigualável”, logo chamou a atenção dos profissionais da época.

            Em 1926, já se escrevia sobre ele: “A Severa e o Alfredo, são o Fado deste país”.

            Desde que, em 1924, ganhou a  “medalha de ouro” em acirrado concurso de fado, Alfredo passa a ser a sensação na fadistagem lisboeta. Até que, em 1941, após uma greve na construção naval em que foram todos presos, incluindo dois filhos seus, Marceneiro deixa, desgostoso, o emprego e dedica-se só ao fado.

            Na altura, José Galhardo escreveu sobre ele estes lindos versos:

Ӄ marceneiro e tem garra

Para o ofício adoptado:

Quis fazer uma guitarra

E fez a glória do Fado!...”.

 

            Estamos em plena segunda guerra mundial, e a vida fica difícil no meio fadista. Abriu no Bairro Alto o Solar do Marceneiro, mas como não gostava de “cantar por obrigação”, desistiu e foi cantar por todos os recantos fadistas da Lisboa empobrecida. Não tinha pouso certo. Cantava onde entrava. E a emoção não tinha limites.

            Todas as “Casas de Fado” o solicitavam: Adega da Lucília , A Severa, Adega do Machado, Ti Adelina, A Tipóia, O Solar da Hermínia, A Viela, A Márcia Condessa, A Parreirinha d’Alfama, A Cesária, O Timpanas...

            Por todos estes “santuários” do fado, o Marceneiro encantou e emocionou, muitas vezes até às lagrimas, centenas e centenas de platéias com os seus “castiços” e  “rigorosos”.

            Saía todas as noites, sem destino certo. A juventude fadista ia buscá-lo e levá-lo onde quer que fosse. Era ele o legítimo boémio, ou “faia” janota: fato impecável, camisa branca engomada, laço-borboleta e bota de polimento. E, por cima de tudo, o seu inseparável lenço, ao pescoço.´

            Quem via o Marceneiro cantar, fechava os olhos, e estava revendo toda a Mouraria dos marialvas de 1870!

            Mas a mais inolvidável marca da carreia do Marceneiro ocorreu em 1948, quando todo o Portugal se juntou no Café Luso para consagrá-lo como “O Rei do Fado Português”. Não creio que jamais tenha havido outra festa tão consagradora de uma pessoa só, na história moderna do nosso país!

             Ali se juntaram todos os monstros sagrados do fado dessa época: Adelina Fernandes, Hercília Costa, Hermínia Silva, Berta Cardoso, D. Teresa de Noronha, Amália Rodrigues, Fernanda Batista, Lucília do Carmo, Carlos Ramos, Felipe Pinto, Carlos Proença, e tantos, tantos outros que é impossível nomear. Todos eles, acompanhados pelos maiores guitarristas de Portugal.

             E, a par dos fadistas, uma plêiade de outros artistas da canção, do cinema, jornalistas e autoridades.

             Marceneiro tornou-se, nessa noite, uma lenda eterna! Ao saírem, de madrugada, houve quem escrevesse, entre 211 testemunhos emocionados:

 

Quem não ouviu cantar o Marceneiro, não ouviu cantar o Fado”.

“Tenho perguntado, muitas vezes, à minha consciência, se o Alfredo nasceu para o Fado, ou se foi o Fado que nasceu para ele”.

“Nas mulheres, a Amália! Nos homens, o Alfredo! Dois fadistas”.

“Se eu não fosse Hermínia Silva, gostava de ser Alfredo Marceneiro!”.

"Alfredo Marceneiro!...Um valor e uma época!Infelizes os que o não viveram...”.

“Eis o maior cantador de todos os tempos”.

“ A Severa e o Alfredo são o Fado deste país.

 

            Compôs mais de 200 fados (entre eles, muitos dos mais importantes que  ainda hoje se cantam, que assinava como Alfredo Duarte.

             Chorou, na década de 20, ao saber que o Menano, de Coimbra, tinha gravado fados. (Achava que o fado não podia ficar estático. Tinha que ser improviso da alma, surpresa do sentimento)...  Mas não resistiu a fazê-lo também, em 1931, onze anos depois de se profissionalizar.

            Foi o Marceneiro que criou o jeito de cantar o fado de pé. Tinha que fazê-lo assim, quando, para atrair mais público, era convidado a cantar nos  intervalos dos filmes, no tempo do cinema mudo. Como foi ele, também, que introduziu o ritual de se apagarem as luzes e cantar-se à luz de velas...

            Morreu com 93 anos, cheio de dignidade!

            Aos meus amigos e leitores, dedico sua primeira gravação, num estilo bem fadista de fim de século, em forma de quadra glosada: “Cabelo branco é saudade”:

 

 

“Cabelo branco é saudade

Da mocidade perdida

Às vezes não é da idade,

São os desgostos da vida.

 

Amar de mais é doidice,

Amar de menos, maldade

Rosto enrugado é velhice

Cabelo branco é saudade.

 

Saudades são pombas mansas

A que nós damos guarida

Paraíso de lembranças

Da mocidade perdida.

 

Se a neve cai ao de leve

Sem mesmo haver tempestade

O cabelo cor da neve

Às vezes não é da idade.

 

Pior que o tempo a nos por

A cabeça encanecida

São as loucuras de amor

São os desgostos da vida!”.

 

            Na próxima, outro lendário ícone do Fado: Hermínia Silva!

             Até lá, amigos!

Obs- No fim de página tem dois fados de Marceneiro

- A Casa da Mariquinhas

- Cabelos Brancos são saudade


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