Boletim Mensal * Ano V * Abril de 2007 * Número 49

           

FADO TAMBÉM    

 É CULTURA (7)
     

Comadres e Compadres.

Após uma interrupção para fazermos uma ”Saúde”pelo novo ano, e falarmos do Henrique fadista e do Fernando sem  guitarra, voltemos ao ponto onde havíamos ficado.Dizíamos nós que, no imaginário popular português, o Fado (mesmo se alegre) andava sempre associado ao mal. Pelo menos, no Séc. XIX. Com a elevação de estilos e temática e, sobretudo, com o Estado Novo e sua conseqüente abertura ao turismo, o Fado passou a ser “limpo” e boa moeda de troca. Saiu das tabernas, e do submundo do século da Severa para restaurantes, teatros e cassinos. Mas, já não é, por vezes, aquele Fado autêntico, a que se referia o nosso Fernando Farinha quando cantava que O fado assim malcriado, avinhado é que é fado a valer! Limpou-se, repito, mas perdeu, em boa parte, aquele travo de tragicidade que anda sempre agarrado a ele. Deixou de nutrir-se “da faca e do alguidar”, como se dizia. Quem hoje vai aos fados, em muitos restaurantes lisboetas, nem sempre vai viver grandes “momentos fadistas”. Não vai viver a interação público-cantadores. Não vai viver “o cantar ao desafio”, “o fado à desgarrada” e, muito menos, “o fado batido” ou o  “de aparar”(de forma apenas insinuada, claro!). Não vai viver a liturgia da noite em lugares quase sagrados. Não. Hoje vai apenas escutar lindos fados (cantados por lindas vozes), pagar a conta e ir pra casa. Vai passar, talvez, um serão diferente, mas onde nada de surpresa aconteceu. Escutou Fado, como música ambiente; não como drama humano. E dá pena! Dá pena, porque o cantador é, muitas vezes, obrigado a misturar seu canto (às vezes dilacerado) com o falatório e tilintar dos talheres de gente rica!

             Mas nada, afinal, muda sem dor. Agarrados à tradição, há ainda fadistas e ambientes que não se conformam. Se formos, por exemplo, à Cesária (ou a outros pontos perdidos da Lisboa Antiga), encontraremos, por lá, bancos de pedra ou de madeira tosca; comeremos apenas chouriço assado e azeitonas com broa. Mas viveremos o Fado de verdade. Sobretudo, depois da meia-noite.


 

São pequenas tabernas, meio desconhecidas, na Mouraria, Alfama, Castelo, Graça, Madragoa, Lapa ou Bairro Alto. Nelas, ou nunca se chegou a perder totalmente a autenticidade, ou já se inicia uma saudável volta à tradição.Vale a pena. Com a entrega do Fado para as grandes platéias de turistas, começou, paralelamente uma reação de letristas e cantadores, lamentando que esses bairros fadistas tenham perdido a alma e a identidade. Mataram a Mouraria, e Fado de Outrora, cantava, bonito, a Dona Teresa de Noronha. E como ela, centenas de cantadores, nunca têm deixado de lamentar, pelo menos alguma vez, essa perda. Estou, por exemplo, a lembrar-me de fados como: Nostalgia de Alfama (António dos Santos), Fadista Velhinho (João Ferreira-Rosa), Velhos Tempos (Fernando Farinha), Tempos que já lá vão (Cidália Moreira), Antigamente (Manuel de Almeida), Alfama Velhinha (Helena Tavares), Que é feito da Mouraria? (Carlos Ramos), Velho Fadista (Fernando Farinha), Fadista Louco (António Mourão) etc,etc,etc. São centenas de vozes, e centenas de fados que, aos poucos, vão apontando para uma espécie de saudade dos velhos tempos e, sobretudo, da velha paixão fadista. Podemos, até, afirmar que esta saudade “do antigamente” é um dos temas recorrentes da fadistagem moderna. Ainda bem!  Antes de terminar a conversa de hoje, Comadres e Compadres, mais uma explicação. Falei, várias vezes, em Mouraria. Pois bem ,   Mouraria é o mais famoso bairro da Lisboa Antiga. E também o mais fadista. Chama-se assim porque, quando, em 1147, o primeiro rei de Portugal D. Afonso Henriques, conquistou a cidade de Lisboa aos mouros, estes refugiaram-se  na parte esquerda do monte onde está o Castelo de São Jorge - Séc. VI; e por ali ficaram séculos. Àquela zona passou a chamar-se de “Mouraria”- a encosta dos mouros. Mas falaremos muito mais sobre “Mouraria”, proximamente. Por hoje, só quero lembrar ainda que D. Afonso Henriques, só conseguiu conquistar Lisboa aos mouros, porque foi ajudado por mais quatro reis cristãos, que iam de caminho para Jerusalém, na segunda Cruzada. É por isso que a canção “Lisboa Antiga” lá diz: Olhai, Senhores/ Esta Lisboa de outras eras/ Dos cinco reis, das esperas/ E das touradas reais/ etc. E pronto por hoje.  Até à próxima, Amigos!

 

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