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Caderno de Cultura Caetiteense
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OTTO KOEHNE E O
RESGATE DA CALDEIRA
ÍNDICE
INTRODUÇÃO
A COMPANHIA DE LUZ
WILHELM OTTO KOEHNE
CONCLUSÃO E FONTES UTILIZADAS
Caderno de Cultura Caetiteense - Conteúdo de livre reprodução, desde que citada a fonte:
André Koehne - Site Cultural do Município de Caetité - Bahia - 2002-2009
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O RESGATE DA CALDEIRA
FIAT LUX - Caetité se ilumina
Otto Koehne
  Este prussiano, nascido aos 20 de setembro de 1890, na pequena cidade de Dahlenwarsleben, e que veio por acaso parar na Caetité que o prendeu para sempre, deixou um rastro de amizades que mesmo hoje, quase trinta anos após sua morte, ocorrida em 1975, em Salvador, rendem histórias que beiram o folclore, mas que enriquecem o perfil que ora almejamos retratar.
  Era filho de Friedrich Köhne, fabricante de carroças, mecânico e carpina, e Maria Köhne. Recebeu um nome que homenageava ao mesmo tempo os dois responsáveis pela unificação da Alemanha num só país: do Kaiser Wilhelm e o chanceler Otto von Bismark.
  "A minha lembrança do velho Otto é pouca, mas marcante. Meu avô já estava, quando saiu de Caetité, por volta de 1973, quase tomado pela arteriosclerose que o vitimou, mas alguns fatos são inesquecíveis: era eu quem lhe comprava a cerveja, no  Bar de Luba (Luiz Castro), ao lado de nossa casa, na esquina da Rua Barão com a Praça da Catedral. Seu pedido era sempre para adquirir uma garrafa com temperatura natural, ao gosto bávaro. Entretanto, e eu já o sabia, o saudoso Luiz Castro - talvez a imagem de homem mais bravo a me povoar a infância - recusava-se terminantemente a vender uma bebida considerada gelada sem que tenha tido o trabalho de resfriá-la... em seu entendimento, este era o único trabalho enquanto dono de bar, seria desonestidade vender um produto do mesmo jeito que o recebera... Eu insistia, mas acabava levando gelada mesmo. Meu avô então a recebia, resmungava, e deixava esquentando sob a mesa que ele mesmo fizera, linda, com travas de segurança nas gavetas, junto às caixas dos uísques 100 Pipers e Passport...
   A cerveja era quente, e o café - heresia - tinha de ser frio. Lembro-me com saudade de sua figura, alta, imponente, a verruga no canto do olho. Sentado à mesa no almoço, com o garfo segurava o pequi, e com a faca raspava a suculenta massa: o alemão tornara-se mesmo caetiteense!
   Outro de seu hábito alimentar era temperar a comida com pimenta-do-reino, que naquele tempo não vinha em pó. Ele tinha um pequeno moinho, que girava sobre o prato, onde caía aquela chuva ardente...
   Uma lembrança, que me encantava sobremaneira, eram as revistas alemãs: Stern e Der Spiegel, que recebia regularmente. Não entendia os escritos, mas as figuras eram algo muito diferentes das do Brasil, cuja imprensa e tudo mais era tolhido pela ditadura militar.
   Uma vez minha mãe me chamou para surpreendê-lo, arrumando suas ferramentas na oficina de carpintaria que os filhos lhe compraram para amenizar a velhice. Havia um lugar certo para cada coisa, mas os objetos nunca estavam ali. Assim, passamos toda uma manhã neste labor secreto. Varremos o chão, tomado de maravalhas e limalha, além de muito pó. Findo o serviço, pomo-nos a esperar sua reação de surpresa quando ali chegasse. Enfim, ouvimo-lo exclamar, com o forte sotaque: "QUEM DESARRUMOU O MEU BAGUNÇA?!!"
   Na minha inocência, dele ouvia a história de quando caía a primeira neve. Os meninos saíam da escola antes das meninas, e ele então, junto aos colegas, fez uma emboscada, descarregando sobre as indefesas colegiais uma saraivada de bolas de neve. No dia seguinte a professora os segurou nas salas, dando tempo às meninas para preparar o revide - e então sofreram na mesma moeda - exemplo da justiça germânica, da ordália...
   Era fumante inveterado, e sempre de fumo de rolo, e charutos. Pelo fato de ser afeito a estes gostos, uma certa feita trouxeram-lhe um geriatra, para aconselhá-lo: "Seu Otto - dissera o médico - veja, fulano não fumava e não bebia, viveu 90 anos! Cicrano então, nunca fumou nem bebeu, chegou aos 97! Beltrano, que não fez nada disso, viveu até os 102 anos! O senhor precisa parar com essas coisas..." Ao que o velho alemão respondeu, matando a argumentação: "Não fumava e não bebia? Então não vivia!"
   A casa era cheia de suas peças originais, em madeira, criativas, como o canhão feito de jacarandá, que escondia no seu interior uma garrafa e dois pequenos copos para servir aperitivos. Objetos que seriam expostos para venda na Casa das Meninas." (André Koehne - neto).
  Completam este perfil os depoimentos colhidos ao longo do tempo daqueles que o conheceram. Dr. Lely Neves, por exemplo, foi o primeiro quem nos contou esta história, repetida depois pelo Sr. Filadelfo Lima: "Seu Otto estava na oficina quando chegou uma mulher para que ele lhe consertasse um daqueles velhos rádios a transistor. Seu Otto pegou, abriu o aparelho, olhou-o detidamente e então aplicou um pequeno ponto de solda. A mulher perguntou quanto era pelo serviço, ao que obteve a resposta: 5 cruzeiros. "Tudo isso, Seu Otto, só por um pontinho de solda?" O velho então voltou-se para o rádio, pegou o fio e arrancou-o novamente. Então chamou o ajudante: "Manoela, dê um ponto de solda", no que foi obedecido. Sob o olhar atônito da freguesa esclareceu: "O solda é de graça. 5 cruzeiros é por saber onde dar o solda!"
  Toda a tarde descia para o AeroClub, onde, dizia, "Vou tomar uma calmanta.", como regista Germano Gumes.
  Suas qualidades de experto em mecânica fizeram-no granjear fama além das fronteiras do estado. De toda parte vinham pedidos e chamados. Narram um outro episódio onde um homem desesperado o procura para dar jeito numa máquina caríssima que simplesmente não funcionava, a despeito de muitos técnicos terem tentado consertar. Otto então viajou até onde estava o problema. Em lá chegando, observou o mecanismo, pegou uma chave de boca e apertou um parafuso que estava frouxo. A máquina funcionou, e foi recompensado regiamente, por tão pequeno serviço que apenas sua competência identificou.
  Quando da ampliação da Sé Catedral de Santana, foi Otto quem instalou o relógio, adaptando o mecanismo, para assentá-lo corretamente, a uma mesa cujo tampo abriu. Dele é a cruz de ferro que encima o coruchéu da torre deste templo. Obras que ficaram, a testificar-lhe a criatividade.
  O saudoso Carolino Alves Aparecido, que nos deixou em meados de 1997, conta que fora seu auxiliar quando instalaram, nos anos 50, a primeira rede elétrica de Brumado.
  Seu Otto, como era conhecido, deixou em Caetité uma legião de aprendizes que, a bem da verdade, multiplicaram-se nos mecânicos que hoje laboram na cidade. Emprestou seu nome a dois auxiliares: Manoel de Otto (já falecido), e Zé de Otto, ainda trabalhando.
  O AeroClub, que funcionava onde hoje está o Fórum Vanni Silveira, fora reformado, mas um problema apareceu: como colocar uma escada levando ao primeiro andar? Otto fabricou então uma escada em espiral, toda em ferro, uma obra-prima.
  Conta o Sr. Jailson, antigo censor do IEAT, que gostava muito de ir à oficina assistir o trabalho de Seu Otto. Uma vez, estando o rádio ligado, este começou a transmitir o Hino Nacional. Os auxiliares continuavam no serviço, quando o velho gritou-lhes para que ficassem em posição de respeito. Todos obedeceram, até o final da execução do símbolo nacional. Então o germano ralhou-lhes, dizendo que na Alemanha, quando tocava o Hino, todos assumiam postura condigna. Não admitia a falta de civismo.
  Durante a Segunda Grande Guerra, foi preso por um meirinho de Salvador, que o levou sem qualquer ordem neste sentido. Telegramas foram passados, e o abusador foi detido a caminho, sendo Otto libertado. Numa primeira fase Caetité recebeu outros alemães, um deles o Sr. Ernesto, dono da rede de óticas com este nome em Salvador. Aqui, ficou hospedado uns tempos com Sadi Gumes. Tendo acirrado o conflito, os alemães foram enviados a Campo de Concentração localizado provavelmente no Espírito Santo. Mesmo incerto o paradeiro (até hoje não historiado), mantinha com o filho mais novo correspondência onde lhe ensinava as artes mecânicas via postal. Teve a maior parte dos bens expropriados, a pretexto de financiar a campanha brasileira na Europa. Perdeu, assim, a Fazenda Santa Rosa, em Candiba, havida pelo casamento.
  Otto tinha servido na Marinha alemã. Em razão dos tiros de canhão, era um tanto surdo. Deste tempo guardou um potente binóculo (do começo do século XX).
  Ainda na Fazenda Santa Rosa, então distrito de Guanambi, onde nasceram cinco dos seis filhos, imaginou fazer fortuna criando porcos. Era uma criação avultada. Chegado o tempo do abate, porém, havia mais animais que mercado para consumi-los, o que resultou no primeiro fracasso empresarial. O segundo, e maior, foi a fábrica de sabão.
  Localizada na rua Pernambuco, era a última construção naqueles lados do Gambá. Marcou época o apito fabril, chamando os operários. Mas o sabão Uirapuru, que trazia Caetité para a revolução industrial, se correto no projeto de aproveitar o óleo do caroço de algodão, à época abundante e sem aproveitamento, não podia contar com a concorrência aberta em Guanambi pelo empresário Nilo Coelho com equipamento mais moderno. A fábrica fechou, em Caetité. Pouco depois também a de Guanambi: ambos não calcularam a falta de mercado para o produto.
  Seu filho mais novo, Luiz Otto Rodrigues Lima Koehne, uma das principais fontes e revisor deste Caderno, apresenta como correções informes adicionais: Otto laborara, ainda, na instalação de uma fábrica de cerveja no Recife e em outra no Salvador. Teria, ainda, chegado a ir à Amazônia - contestando, em parte, informes de A Penna, que não abandonamos. Outros informes serão divulgados oportunamente, visando assim completar as ações que fizeram o espírito de iniciativa do caetiteense, qual, verbi gratia, a instalação da rede de água em 1919.
  Traçadas assim, rapidamente, a personalidade deste alemão que se fez caetiteense, e brasileiro naturalizado com o nome de LUIZ OTTO KOEHNE, cuja memória Helena Lima trata em passagens de seu Caetité, pequenina e ilustre, como no episódio do "cerco da rua Barão", ou no de Áurea Costa, quando de seu casamento, em Luz entre os Roseirais, livro de memórias.
NOTA: Após a publicação do Caderno Colhemos ainda mais um depoimento sobre Otto Koehne, que julgamos oportuno divulgar agora, quando do feitio deste sítio:
Hermes Moraes Domingues, nascido em 1930, trabalhou como motorista de Percival Públio de Castro, genro de Otto. Há 46 anos mudou-se para São Paulo, onde reside. Em 14 de julho de 2003 deu a seguinte entrevista sobre o alemão; conta que ia muitas vezes até a oficina do velho, onde testemunhou os seguintes episódios.
1: Os caminhões antigos quebravam muito as rodas, uma vez que as estradas daqueles tempos eram praticamente inexistentes e muito ruins. Mesmo os novos eram trazidos para que Seu Otto lhos colocasse um reforço (consistia na soldagem de 3 triângulos na parte interna da roda, com cerca de 7 cm. de tamanho). Seu Dudu, certa feita, assistindo àquele serviço, comentou:
_ Seu Otto, eu se fosse o senhor, não faria esse trabalho assim...
(a esta introdução o velho já ficou irritado)
_ O Sr. faz um trabalho muito perfeito, que não quebra nunca - continuou - Se eu fosse o senhor faria algo que durasse algum tempo e depois quebrava. Assim, teria muito mais fregueses.
Bravíssimo, Otto exclamou:
_ Sabe por que não falta serviço no oficina?! Porque serviço que a gente faz não quebra!
2: Mané Jegue, o ajudante, uma vez saiu-se com a clássica pergunta:
_ Seu Otto, o senhor que é tão inteligente, me responda: quem pesa mais, um quilo de algodão ou um quilo de chumbo?
Ao que o germano respondeu:
_ Vou te jogar um quilo de algodão e um quilo de chumbo no cabeça, então você vai saber qual é o que pesa mais!
3: Durante um serviço, pediu a Mané para cortar uma junta numa câmara de ar. Diligentemente o auxiliar postou a arruela que servia de molde no centro do pedaço da borracha e desenhou o aro, cortando exatamente no formato desejado. Ao fim da operação, foi entregar ao patrão que, para sua surpresa, exclamou, irado:
_ Burra! Burra! Burra!
Sem entender aquela reação, Manoel pergunta o que fizera de errado, ao que Otto, tomando-lhe a borracha da mão, mostrou como deveria ter agido: ao invés de colocar no centro, como fez, se tivesse cortado junto ao canto, o mesmo pedaço daria para cortar 3 juntas.
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