Samurai X-Men

Capítulo 9: Botando em Pratos Limpos


Crepúsculo do dia 31 de setembro do ano 11 da era Meiji(1878).

Já começava a escurecer quando a carruagem que levava Saitou, Logan e os outros entrou na rua deserta. Ao que tudo indicava Saitou mandara evacuar todos os civis das vizinhanças para um lugar mais seguro. As casas estavam agora ocupadas por homens da sua “tropa de choque”, armados até os dentes e prontos para agir.

Da boca pra fora Logan concordava com todas as medidas, mas interiormente ele sabia que se Dentes-de-Sabre aparecesse, nada daquilo iria adiantar. Durante a viagem da central de polícia até ali, eles tiveram bastante tempo para conversar.

E Logan aproveitou o tempo da melhor maneira possível, tirando de Saitou o maior número de informações que conseguiu. O policial, a princípio parecia relutante, mas percebendo que aquele baixinho abelhudo não ia deixá-lo em paz, acabou falando.

Foi uma conversa bem interessante. Graças a ela, Logan finalmente entendeu qual era o coringa que Saitou pretendia usar nessa jogada. Ele se chamava Battousai Himura.

Quando ouviu o nome “Battousai” citado pelo próprio Saitou ao meio-dia, Logan não o ligou a ninguém em especial. Mas agora ele sabia que o homem também chamado Kenshin Himura era ninguém menos que o temível Battousai, o Retalhador.

Logan ouviu este nome pela primeira vez através de Mariko Yashida, sua falecida noiva. Ela contou algumas histórias que seu bisavô costumava lhe contar quando ela era uma menininha: histórias do Bakumatsu. Relatos que falavam sobre um espadachim com uma cicatriz na face; seu estilo se chamava Hiten Mitsurugi e sua força e habilidade não podiam ser sobrepujadas nem mesmo por armas de fogo. A própria Mariko considerava tais histórias apenas fruto da fértil e supersticiosa imaginação dos japoneses, duvidando até que o próprio personagem houvesse existido realmente. E agora Logan estava prestes a se encontrar com esta lenda viva.

Quando Saitou falava dele, Logan podia notar um certo rancor em sua voz, uma inimizade temperada por respeito. “Mas não se engane” - dizia ele. “Hoje em dia ele não passa de um idiota de coração mole que usa uma espada com lâmina invertida para não matar seus oponentes. Sou um dos poucos que ainda o chamam de Battousai”.

Saitou então contou sobre a vida que Kenshin Himura - como preferia ser chamado - levava na Era Meiji.Não havia muito o que dizer sobre suas atividades antes de vir para Tókio na última primavera. Mas em compensação desde que se alojara no dojô Kamiya, os eventos de que participou dariam para encher um livro. À medida que ouvia Logan ficava mais e mais admirado. Kenshin Himura era um verdadeiro herói, um perfeito escoteiro, muito diferente da figura do retalhador sanguinário que Logan tinha imaginado.

O que teria feito ele mudar? Ou ele sempre foi assim? Logan pensava justamente sobre estas questões quando a carruagem parou.

Assim que desembarcaram junto ao portão da frente foram recebidos por um sujeito alto vestindo roupas civis.

- Boa noite, subdelegado Fujita. - disse o homem batendo continência - Cabo Tojiro se apresentando.

- Tudo em ordem, cabo? - perguntou Saitou retribuindo a continência.

- Sim senhor. Está tudo pronto.

- Ótimo. Mochiba.

O sargento baixote se adiantou.

- Hai.

- De agora em diante vou assumir o comando daqui. - fez um gesto indicando o casarão - Você e o cabo Tojiro vão liderar o segundo e o terceiro grupos respectivamente. Assumam seus postos, logo mais eu vou passar novas instruções.

Os dois homens bateram continência ao mesmo tempo e foram cumprir as ordens. Mas mal haviam dado alguns passos quando Saitou chamou:

- Um momento, cabo.

Tojiro se virou já com um mau pressentimento. O sargento Mochiba também parou para ouvir.

- O que houve com seu uniforme? - perguntou Saitou como se só agora tivesse se dado conta do fato.

O policial engoliu em seco e cogitou por um momento sobre como deveria falar.

- Hã... Desculpe senhor. Tive que tirar a farda por causa de um vagabundo leproso que estava nos importunando agora à tarde. Ouvi dizer que a doença é muito contagiosa.

Tojiro esperava ser admoestado, mas após um breve intervalo Saitou simplesmente perguntou:

- Tem certeza de que era um mendigo?

- Sim senhor, e estava muito doente, cheirava como um cadáver.

- ...Muito bem, pode ir.

Enquanto Tojiro e Mochiba se dirigiam aos seus postos, Logan se aproximou de Saitou.

- Sou capaz de apostar um charuto como o Tentáculo já sabe aonde a gente tá.

- Pode guardar seus charutos. - respondeu Saitou, que ainda observava os dois subordinados se afastando - Com certeza era um espião. Pelo visto teremos um pouco de ação ainda esta noite.

Chou, que tinha ficado um pouco afastado chegou mais perto esfregando as mãos, visivelmente satisfeito.

- Beleza. - disse ele - Estou doido por um quebra, esse trabalho de espião é muito chato. Agora que tal a gente ir entrando? Eu tô morrendo de fome.

Assim ele e Saitou se dirigiram ao portão. Logan ficou para trás, avaliando o terreno com ar preocupado.“ Acho que tu vai se arrepender do que falou bem antes dessa noite terminar, cabeça de vassoura” - pensou o mutante voltando em seguida o olhar para o portão vigiado por dois policiais armados com fuzis.

Desde que tinha posto o pé fora da carruagem Logan passou a sentir uma sensação incômoda vindo do interior daquela casa. Era como se estivesse prestes a entrar no covil de um urso cinzento. Um sentimento parecido com o que ele experimentou ao se encontrar pela primeira vez com Saitou.

Por fim, respirando fundo Logan passou pelo portão. Estava na hora de encarar frente a frente o homem responsável por aquela sensação.

 

A quilômetros de distância Sato Harada saboreava seu chá verde tranqüilamente. O Jonin do Tentáculo estava em seus aposentos particulares, uma peça ampla e austera cuja única nota colorida era um quadro numa das paredes, uma reprodução de um desconhecido pintor ocidental chamado Vincent Van Gogh. Depois de sorver mais um gole ele se dirige ao homem a sua frente, sentado formalmente sobre uma almofada de seda.

- Como está o chá, Yamagushi-san?

O interlocutor é um homem de meia idade, vestindo roupas ocidentais. Depois de degustar o chá ele responde:

- Está ótimo, Sato-san.

A troca de amabilidades entre os dois homens era fria, puramente formal. Depois de mais um gole de chá Yoshihiro Yamagushi põe a xícara de lado e encara o interlocutor com uma expressão preocupada.

- Sato-san... Podemos realmente confiar naquele gaijin?

- Eu espero que sim. - respondeu Sato também largando sua xícara - Apesar de ser um brutamontes ignorante, Victor Creed não costuma falhar.

- Não costuma, mas falhou ontem... Justamente nas vésperas da execução do plano que arremataria quase seis meses de preparativos.

- Não se preocupe. O cronograma será mantido.

- E nem poderia ser de outro jeito. Eu já investi muito dinheiro, tempo e influência para voltar atrás. Cheguei ao ponto de subornar alguns figurões do governo para impedir que aquele homem se envolvesse.

- Está falando de...

- Sim, Battousai. A derrota de Makoto Shishio foi vantajosa para nós, mas também revelou que não podemos nos dar ao luxo de subestimar aquele homem. Já é o suficiente termos que lidar com o Saitou.

Sato sabia de tudo aquilo. Na verdade ele já estava cansado das queixas e exigências daquele velho, mas por enquanto precisava dele. Por isso foi com um tom tranqüilizador que voltou a falar:

- Saitou vai deixar de ser um problema esta noite, quanto ao Battousai... Caso ele venha a interferir terá o mesmo fim, afinal ele é apenas humano.

Yamagushi parecia perplexo:

- O que quer dizer com isso?

- Desculpe. Às vezes esqueço que o senhor nunca viu o Creed em ação. O que quero dizer é que por mais fortes que Battousai ou Saitou sejam, ainda podem ser mortos. Já Victor Creed não tem esse problema... Ninguém pode matá-lo.

Yamagushi se limitou a lançar um olhar incrédulo ao interlocutor enquanto pegava a xícara e sorvia mais um gole de chá. Como sempre se sentia incomodado em ter que lidar com tipos como Harada, o melhor era se livrar dele na primeira oportunidade.

- E quanto àquele outro assunto? - perguntou Yamagushi.

- Se refere ao auxílio extra que convoquei? Devem estar chegando amanha à tarde.

- Ora. - Yamagushi se permitiu um sorriso irônico - Às vezes eu não o entendo, Sato-san.

- E o que o senhor não entende?

- Muito simples, - disse Yamagushi depositando mais uma vez a xícara na bandeja ao seu lado e encarando o interlocutor - num momento você fala que confia no gaijin e no outro diz que convocou seus quatro melhores assassinos de todas as regiões do país. Não acha isso incoerente?

Foi a vez de Harada sorrir. Só depois de pegar a xícara e beber um longo gole é que veio a resposta.

- Veja bem, meu caro. Como o senhor bem observou, Creed já falhou uma vez, e como dizem, é próprio do sábio não depositar todos os ovos numa mesma cesta. Além do que, os Quatro Flagelos nunca me perdoariam se ficassem de fora desta luta.

 

Kenshin saiu pela porta da frente pisando duro e de cara fechada, acompanhado de perto por Yahiko. Sem mais nem menos o espadachim pára no pátio, a meio caminho do portão.

- Parece que o Saitou ainda esta lá no portão. - falou Yahiko, enquanto punha a mão em concha no ouvido - Consegue ouvir a voz dele Kenshin? - realmente era possível ouvir Saitou, que naquele momento falava com Mochiba e Tojiro.

Yahiko já ia perguntar outra coisa, mas quando ergueu a vista notou que Kenshin estava com um olhar estranho. Ele parecia estar em guarda, tenso, sua mão esquerda segurava a bainha da sakabatou.

- O que foi Kenshin? Ah... Já sei. Você tá pê da vida com o Saitou.

Fazendo um esforço Kenshin tentou relaxar um pouco e encarou o garoto com um sorriso meio forçado.

- Não se preocupe Yahiko. Está tudo bem com esse servo.

Em seguida voltou a encarar o portão com uma expressão preocupada. Assim que saiu para o pátio, Kenshin sentiu as presenças conhecidas de Saitou e Chou. Mas havia mais alguém com eles. Uma presença estranha, um tipo de energia que Kenshin jamais tinha sentido antes. Apesar de vir de um homem era muito parecida com a que vinha dos animais selvagens: vigorosa, profunda. Fosse quem fosse, era melhor ficar atento.

Sanosuke saiu da casa e se juntou aos outros. Logo depois o portão se abriu e Saitou e Chou entraram.

- Como vai, Battousai? - perguntou Saitou parando a uns três metros de distância - Espero que estejam bem acomodados.

Kenshin não estava disposto a jogar conversa fora.

- Vamos estar melhor quando você disser o que está acontecendo.

A irritação de Kenshin não passou despercebida por Saitou: “Como sempre ele é bem emotivo quando se trata de defender os amigos... especialmente a garota”.

- Tudo ao seu tempo Battousai.- Saitou tinha agora um sorriso cínico no rosto. - Primeiro vamos...

- Primeiro você vai dizer quem é esse cara aí. - interrompeu Sanosuke apontando para Logan que nesse momento passava pelo portão.

Ao mesmo tempo todos os olhares se voltaram para Logan, que vinha se aproximando calmamente até parar ao lado de Saitou.

- Este, - o sorriso na cara de Saitou tinha sumido - é o agente John Logan do serviço secreto canadense.

Yahiko e Sanosuke observam o recém chegado com interesse. Nenhum deles já teve muito contato com estrangeiros antes, e aquele decididamente não tinha nada a ver com a idéia que eles tinham dos ocidentais.

- Putz. É o gaijin mais baixinho que eu já vi. - disparou Yahiko sem pensar - E onde fica esse tal de Canadá?

- Deixa de ser ignorante. - respondeu Sanosuke - Todo mundo sabe que o Canadá fica na Europa.

Logan ouviu tudo aquilo em silêncio, tinha as mãos nos bolsos e um olhar fixo em Kenshin que por sua vez também o olhava nos olhos, sem pestanejar. Logan não se deixou enganar pela baixa estatura, o corpo franzino e as feições delicadas do homem ruivo a sua frente. Nos olhos dele pôde ver uma força de vontade e um destemor, dignos de um grande guerreiro. Por fim satisfeito Logan desarmou o próprio espírito, sorriu e em seguida se inclinou num cumprimento.

- O senhor deve ser Kenshin Himura. Saitou falou muito a seu respeito, prazer em conhecê-lo.

Ainda desconfiado Kenhin respondeu ao cumprimento.

- O prazer é todo meu, Logan-san.

Kenshin estava confuso. Nos poucos segundos em que trocaram olhares ele pode sentir com toda força a sensação de perigo que emanava daquele homem. Mas quando ele sorriu a sensação desapareceu e nos olhos dele Kenshin viu ao invés de ameaça, simpatia. Uma coisa era certa: Aquele gaijin era bem mais do que aparentava, deviam tratá-lo com cautela.

- Por essa eu não esperava, - falou Yahiko visivelmente impressionado - ele fala a nossa língua.

- Tu deve ser Yahiko Myoujin.- disse Logan dirigindo um olhar amistoso para o garoto - Filho de uma família de ex-samurais de Tókio.

- É isso aí. - respondeu Yahiko todo orgulhoso - Como foi que você adivinhou?

- Fácil. Não tô vendo mais nenhum pivete por aqui.

- O QUE!!! Eu te mostro.

Yahiko já tinha sacado a sua shinai e só não foi pra cima de Logan porque Sanosuke o segurava pelo colarinho.

- Calma Yahiko. A gente não tem tempo pra essas bobagens.

Logan parecia se divertir com a cena “é um pirralho esquentadinho” - pensou ele - “mas dá pra ver nos olhos dele um bocado de coragem e determinação”. Em seguida o mutante se dirigiu a Sanosuke que tinha conseguido por fim acalmar o garoto.

- Tu com certeza é o Sanosuke Sagara, ex-lutador de aluguel também conhecido como Zanza.

Sanosuke não estava nem um pouco a fim de amenidades, na verdade sua paciência estava no limite. Como se não bastasse toda aquela situação, agora ele tinha que lidar com Saitou e Chou de quem não gostava nem um pouco. E por algum motivo também não foi com a cara do gaijin baixinho a sua frente.

- Sou eu mesmo. - disse lançando um olhar atravessado para Saitou - Pelo jeito o Saitou andou falando de mim também.

- Falou sim. Só mesmo um idiota pra dizer que o Canadá fica na Europa.

Aquilo era demais. Sanosuke largou Yahiko disposto a amassar a cara de Logan, mas Kenshin o segurou pelo ombro. O ex-lutador de rua ia protestar, mas ao se voltar para o amigo viu Kenshin acenar negativamente a cabeça com uma expressão tão convincente que não teve outro remédio senão respirar fundo e engolir o sapo.

“Outro esquentado, bem como o Saitou disse” - pensou Logan enquanto observava Sanosuke enfiando as mãos nos bolsos resmungando alguns insultos. “Mas pelo jeito ele respeita mesmo esse Kenshin”.

Chou, que tinha ficado quieto até aquele momento não perdeu a chance de alfinetar.

- Que coisa feia, crista de galo. Arregando pra esse nanico.

Tremendo de raiva Sanosuke encarou Chou. Depois Kenshin teria de explicar muito bem o porquê de tê-lo impedido de tirar satisfações do gaijin desaforado. Mas por enquanto tudo o que Sano queria era alguém em que pudesse descarregar a raiva. E Chou era perfeito pra isso.

- Fica na tua, o cabeça de vassoura. Um verme que é capacho do Saitou não pode falar nada.

- O QUE!? - retrucou Chou enquanto sacava uma de suas espadas - Vem cá crista de galo, acabar contigo vai ser um bom aquecimento pra hoje à noite.

Para evitar o iminente confronto Saitou se coloca entre os dois brigões:

- Parem com isso. - disse ele num tom agastado - Não temos tempo para essas criancices. Chou...

- O que foi?

- ...Mais um comentário destes e eu vou contar como você machucou a mão. Trate de guardar essa arma. E quanto a você... - dirigiu um olhar zombeteiro para Sanosuke. - ... tenha paciência e guarde essa raiva para mais tarde, garanto que hoje mesmo você vai ter muitas oportunidades para fazer uso dela.

Chou considerou a ameaça por alguns segundos em que olhava de Sanosuke para Logan, até que ainda rilhando os dentes devolveu a espada à bainha e saiu pisando duro na direção da casa. Já Sanosuke, pela segunda vez em pouco tempo engoliu a raiva. Não tinha entendido muito bem o que Saitou lhe falara, mas o modo como ele disse aquilo o preocupou.

- Muito bem, - disse Logan todo satisfeito, esfregando as mãos - agora que as apresentações foram feitas e as crianças se acalmaram que tal a gente entrar, tá ficando escuro aqui fora e tem um cheiro muito gostoso vindo lá de dentro.

Realmente as primeiras estrelas já começavam a aparecer no céu oriental e a temperatura baixava sensivelmente, uma brisa suave trazia até eles um aroma de comida.

- Ainda não. - retrucou Kenshin decidido - Saitou, este servo está farto de esperar, quero ouvir o que você tem a dizer, agora.

Saitou já ia responder quando a figura da doutora Megumi Takani aparece emoldurada pela porta:

- O que vocês estão fazendo aí fora? - perguntou ela de forma brusca - Entrem de uma vez, se demorarem muito aquele imbecil de cabelo espetado vai devorar a comida toda.

Todos ficam olhando para ela até que sem mais nem menos Logan avança, sobe os degraus até a varanda e sob o olhar aturdido de todos, principalmente da doutora, toma sua mão.

- Sem dúvida a senhorita é a Doutora Megumi Takani. - Logan beija sua mão - Encantado, meu nome é John Logan, seu criado.

Megumi ficou tão perplexa que tudo o que pode fazer foi ficar olhando do desconhecido para a própria mão, que quase sumia dentro da mão grande e peluda do outro. Já Logan pensava no que o seu colega Noturno diria se o visse fazendo aquilo: “Com certeza ia me acusar de plágio”.

- M-muito prazer. - conseguiu por fim murmurar Megumi, com o rosto vermelho como um tomate.

- A senhorita é muito mais bonita do que eu imaginava, gostaria de me acompanhar enquanto jantamos?

A jovem médica corou mais ainda, não estava de modo algum acostumada a ser tratada daquele jeito, mas não podia negar que estava gostando. Apesar de esquisito aquele gaijin era bem simpático.

- É claro que sim. - disse Megumi finalmente sorrindo. - Será um prazer.

Logan sorriu mais ainda e soltando a mão da doutora ofereceu o braço, que Megumi prontamente tomou, em seguida os dois entraram na casa conversando animadamente.

Yahiko parecia não acreditar na cena que tinha acabado de ver:

- Mas que cara mais folgado!

- É verdade. - concordou Sanosuke sentindo a antipatia por Logan aumentar mais ainda - De onde foi que você tirou esse cara, Saitou?

- Battousai, - disse Saitou ignorando a pergunta de Sanosuke - eu pretendo esclarecer tudo, mas tem que ser de uma vez só e na presença de todos, especialmente Kaoru Kamia. Depois do jantar vamos nos reunir na sala de estar, até lá tenha paciência.

Depois de dizer isto, Saitou dá as costas e se encaminha para o interior da casa deixando Kenshin e seus amigos sozinhos no pátio.

- Droga, - resmungou Yahiko coçando a nuca - estou com uma péssima sensação.

- Deve ser fome. - palpitou Sanosuke - Vambora, senão a gente não acha mais nada pra comer.

Sanosuke e Yahiko se dirigem para a casa, porém quando põem o pé na escada, Sano se volta para chamar Kenshin que tinha permanecido no mesmo lugar, olhando o chão como se dali pudesse vir alguma resposta a suas perguntas.

- Você não vem, Kenshin?

Como se tivesse acordado de um sonho Kenshin ergue a cabeça e sorri para o amigo.

- Daqui a pouco. Este servo gostaria de ficar sozinho por um momento.

Acenando silenciosamente com a cabeça Sanosuke entra acompanhado de Yahiko. Assim que se vê sozinho Kenshin volta a se concentrar. Há um elemento novo em suas preocupações, de algum modo a inusitada aparição daquele John Logan tinha ligação com os eventos do dia anterior. Quem é ele afinal? Quais serão os seus objetivos? O que significa aquele Ki tão fora do comum? E acima de todas estas questões ainda existia um sentimento de perigo iminente que crescia a cada instante.

A noite já tinha se fechado por completo quando finalmente Kenshin suspirou e em seguida entrou na casa. Com um pouco de sorte ainda encontraria algo para comer.

Já eram quase nove horas da noite quando Kaoru foi se juntar aos outros na sala de estar da casa. A muito custo ela convenceu Megumi a lhe tirar as bandagens da cabeça, mas não conseguiu permissão para vestir o kimono que Yahiko tinha pegado para ela, por isso continuava usando a roupa de dormir. Ela veio caminhando normalmente, acompanhada por Megumi que não parava de lhe dar broncas.

Quando entrou ela foi recebida com palmas e assobios por parte de Yahiko e Sanosuke. Muito vermelha, ela se sentou sobre os joelhos, numa almofada entre Kenshin e Megumi.

O pessoal do dojô Kamiya estava sentado lado a lado em semicírculo, entre eles e Saitou e Chou havia uma mesa circular baixa, que era, junto com uma cômoda, as poucas peças de mobília da sala. Logan preferiu ficar de pé a um canto, encostado numa viga de madeira, como Megumi o havia proibido de fumar dentro da casa, ele se distraía manuseando o chapéu de cowboy entre as mãos.

Logan parou com o que estava fazendo, sorriu e acenou com a cabeça para a recém chegada. Ele tinha feito questão de ir vê-la no quarto, apesar dos protestos de Kenshin e Sano. Sob a supervisão cerrada dos dois Logan fez uma visita, assim como no caso de Megumi, em pouco tempo estavam conversando como velhos amigos. Logan ficou admirado com a beleza e a presença de espírito da jovem mestra de kenjutsu. Na conversa, ele não pode deixar de notar os olhares que de vez em quando ela lançava para Kenshin e o modo como este estava tenso e preocupado pela segurança e bem estar dela, vigiando cada movimento de Logan. Ali com certeza estava um motivo - talvez o principal - que prendia o andarilho Kenshin Himura ao dojô Kamiya.

Kaoru retribuiu o sorriso de Logan e mais uma vez se perguntou porque Sanosuke, Yahiko e até mesmo Kenshin tinham antipatizado tanto com ele. Além de falar um japonês fluente ele parecia ter um conhecimento profundo em kenjutsu e artes marciais em geral. Kaoru a princípio estranhou o físico atarracado e meio grotesco de Logan, mas logo se acostumou e até nem reparou muito no seu cabelo esquisito. “Afinal - deu uma olhadinha de canto para a cabeleira desgrenhada de Sanosuke e os cabelos loiros espetados de Chou - já estou acostumada com penteados esquisitos”.

- Muito bem Saitou. - disse Kenshin com um semblante sério - Estamos todos aqui, pode começar.

Aproveitando a deixa Saitou começou a falar. Começou com uma rápida introdução a respeito da guerra subterrânea que, a alguns meses vinha acontecendo no submundo de Tókio. Falou sobre o Tentáculo e sua ambição de dominar todos os outros sindicatos criminosos. E finalmente chegou na operação policial da madrugada anterior, explicando com poucas palavras o ataque do Tentáculo a um dos seus últimos obstáculos: o clã Yoshioka.

- Estávamos apertando o cerco e chegamos a prender vários membros da yakusa. Mas não tivemos sucesso em capturar nenhum dos ninjas do Tentáculo, todos os que conseguimos encurralar deram um jeito de acabar com a própria vida. Nem mesmo cadáveres eles deixavam para trás.

Nesse ponto Sanosuke, que estava quase dormindo de tédio comentou:

- Puxa. Eles devem ter penado para sumir com os companheiros mortos.

Com impaciência, Chou esclareceu o ponto.

- Deixa de ser ignorante. Aqueles ninjas tem um jeito bem mais interessante de resolver esse problema. Quando recebem um ferimento mortal os canalhas simplesmente evaporam. Somem como se fossem feitos de fumaça.

Um silêncio embaraçoso se seguiu. Todos, com exceção de Saitou e Logan, olhavam para Chou como se ele fosse um completo demente. Até que Yahiko se manifestou.

- Isso não é hora pra inventar histórias, ô cabelinho espetado.

- Dá um tempo. - ecoou Sanosuke - Nunca te ensinaram que mentir é feio.

Mais uma vez irritado, Chou já ia dizer algum desaforo, mas foi interrompido por Saitou.

- Infelizmente é verdade. De algum jeito o corpo deles se consome até só sobrarem as roupas. Mesmo os que foram derrotados e subjugados acabaram conseguindo disparar o processo. Provavelmente com a ajuda de uma cápsula de veneno escondida em um dente.

- Tem alguma idéia de como conseguem fazer isso? - perguntou Kenshin

- Só hipóteses, as opções vão desde explosivos a base de magnésio até produtos químicos escondidos nas roupas, nada conclusivo.

- Que belos detetives vocês são, hein. - comentou Sanosuke sarcasticamente.

- É impossível. - sentenciou Megumi sacudindo a cabeça com descrença - Explosivos deixariam algum resíduo e mesmo os ácidos mais fortes não poderiam dissolver um corpo humano tão rápido.

Logan foi o único na sala a perceber a inquietação de Kaoru. Aquela conversa parecia ter despertado alguma lembrança, pois assim que Chou falou, ela se mexeu sobre a almofada e seu rosto se contraiu como se tivesse levado um pequeno choque elétrico. A reação se passou num piscar de olhos, em seguida a garota baixou a cabeça e ficou olhando as próprias mãos. O mutante resolveu não chamar a atenção para o fato, assim como decidiu não falar nada sobre o Tentáculo, ele sabia muito bem como eles conseguiam virar fumaça, mas falar de magia negra ali não seria boa idéia.

Kaoru estava confusa. A descrição do estranho fenômeno lhe pareceu familiar, na verdade em um rápido flash seu cérebro registrou a cena de um homem de preto se contorcendo e gritando enquanto seu corpo desaparecia numa nuvem de fumaça, não durou nem um segundo e o único resquício que ficou foi a lembrança de um cheiro horrível, acompanhado de um estranho sentimento de culpa. Ela ainda podia sentir o cheiro quando a voz monótona de Saitou chamou a sua atenção.

- De qualquer modo o fato é que não conseguimos capturar nenhum deles. Era quase uma da madrugada quando conseguimos controlar a situação. Foi então que recebi uma informação de um yakusa moribundo e fui investigar acompanhado por alguns homens. A uma distância considerável do local do conflito encontrei as roupas de um ninja, provavelmente abatido por um golpe de espada. - nesse momento Saitou vez uma pequena pausa tentando observar qualquer reação por parte de Kaoru, e então continuou:

- Examinando o terreno em volta descobri três pares de pegadas recentes, todos correndo na mesma direção. Dois homens perseguindo uma mulher - mais uma pausa, dessa vez todos olham para Kaoru - Comecei a seguir os rastros, em alguns pontos eles estavam confusos, indicando visíveis sinais de luta, num destes pontos havia sangue fresco no chão. Aceleramos o passo e ordenei que os homens tocassem os apitos, logo em seguida ouvi som de vozes e um grito, mandei os outros pararem e fui avançando sozinho.

Saitou fez uma nova pausa e tomou um gole de chá de uma xícara a sua frente. Todos na sala o ouviam com atenção, num silêncio cheio de expectativa, especialmente Yahiko cuja imaginação trabalhava a mil.

- Tá, e depois? - exortou o garoto com impaciência - O que houve?

Sem dar atenção a Yahiko, Saitou tomou calmamente mais um gole de chá antes de continuar, olhando diretamente para Kaoru:

- Ao dobrar uma esquina ouvi o som de duas espadas se chocando seguido de um baque surdo. Com a espada na mão me aproximei silenciosamente da entrada de um beco escuro, vi um ninja sair dali e pegar um pedaço de lâmina de espada do chão. Então ele se ergueu e foi aí que eu o peguei com um gatotsu direto no pescoço... Em menos de cinco segundos só restou a máscara dele espetada na minha espada. A essa altura vocês já sabem quem eu encontrei dentro daquele beco.

Mais uma vez, todos os olhares se voltaram para Kaoru que ouviu todo o relato de cabeça baixa torcendo as mãos e franzindo a testa. Quando sentiu toda a atenção sobre si, ela começou a balançar a cabeça negativamente com uma expressão desolada no rosto.

- Não adianta, - disse ela com a voz apertada - a última coisa de que me lembro antes de acordar aqui é estar tomando chá num restaurante próximo da ponte de acesso ao distrito do meretrício e depois...

Sem completar a frase Kaoru ficou em silêncio. Megumi passou um braço por seus ombros e tentou confortá-la:

- Não se preocupe. Amnésia temporária é comum em casos de pancadas muito fortes na cabeça. Sua memória vai voltar... aos poucos.

Na verdade, para a médica a amnésia era muito mais devido a um trauma psicológico do que físico, o relato de Saitou só veio confirmar suas suspeitas. Inconscientemente o cérebro de Kaoru não estava “querendo” lembrar do que aconteceu.

- Porque trouxe ela pra cá, Saitou? - perguntou Sanosuke enquanto mastigava furiosamente uma espinha de peixe do jantar.- E mais, porque só avisou a gente de manhã?

Desta vez Saitou demorou alguns segundos para responder.

- Algo me disse que não seria prudente levá-la de volta ao dojô ou a um hospital, por isso pedi para Chou trazê-la discretamente para cá e depois disso o encarreguei de ficar atento a qualquer informação vinda do submundo.

- O que fez muito bem. - emendou Chou - Já pela manhã consegui informações bem interessantes. O submundo está em polvorosa, o Tentáculo mobilizou todos os seus espiões para localizar uma certa garota que está sob os cuidados da polícia, quem será né?

Chou intencionalmente omitiu o fato de que ele mesmo espalhou informações sobre o paradeiro de Kaoru.

Novamente todos ficaram em silêncio, especialmente Kaoru que sentia como se lhe tivessem aplicado um soco no estômago. Megumi ficou muito pálida e não pode evitar o gesto de levar uma mão à boca. Sanosuke arregalou os olhos e deixou cair a espinha de peixe. Yahiko ainda não tinha entendido muito bem, mas fez cara de preocupado para não parecer idiota. Só Kenshin não esboçou nenhuma reação, ele continuava de braços cruzados e com um ar compenetrado. Para ele ainda faltava uma peça naquele quebra-cabeça.

- Como podem ver, - recomeçou Saitou - eu não poderia avisá-los até que garantisse a segurança dela. Quando minhas suspeitas foram confirmadas, o passo seguinte foi encarregar os homens da minha tropa de elite para proteger este lugar, eles foram chegando durante todo o dia e agora tenho noventa policias, divididos em três grupos. O primeiro fazendo a segurança da casa e os outros dois escondidos, vigiando os arredores. Só um punhado deles sabe exatamente quem estão protegendo.

- Ué. Porque esse segredo todo? - perguntou Yahiko que estava cada vez mais confuso.

- Deixa de ser burro. - retrucou Sanosuke - Não ouviu o que o Chou disse? O Tentáculo botou todos os espiões na rua pra procurar a Kaoru. Se bobear eles tem gente até dentro da polícia.

- Exatamente - concordou Saitou - Por isso mesmo não informei nem mesmo meus superiores. Mas mesmo com todos estes cuidados, - fez uma pausa em que olhou um por um - creio que receberemos uma “visita” dos nossos amigos encapuzados ainda essa noite, estejam preparados para tudo.

Do seu canto Logan observou as reações que a notícia teve em cada um. Os semblantes de Yahiko e Sanosuke se iluminaram como se tivessem recebido convite para uma festa. Megumi e principalmente Kaoru ficaram mais abatidas ainda. Kenshi novamente foi o único a receber a notícia como se já soubesse daquilo há muito tempo.

- Deixa eu ver se entendi Saitou? - perguntou Sanosuke. - Você está dizendo que por algum motivo essa gangue de ninjas está atrás da Kaoru, e acha que eles vão nos atacar ainda esta noite, é isso?

- Exatamente.

- Quantos você acha que vão vir?

- Como não sabem ao certo quantos homens estão protegendo a casa, eu calculo que vão enviar uma centena ou mais.

- Beleza! - exclamou Sanosuke batendo com o punho fechado na palma da mão - Era tudo o que eu queria.

- Ficou maluco! - disse Megumi dirigindo um olhar incrédulo para Sanosuke - Ele disse que poderão ser mais de cem.

- Tanto melhor. Do jeito que eu ando mal-humorado podia acabar com esse Tentáculo inteiro. Mas não se preocupe Kenshin, - aplicou um “tapinha” nas costas do amigo, que quase deu de cara na mesa - vou deixar alguns pra você.

Logan estava achando engraçada a fanfarronice de Sanosuke, mas também estava preocupado. Saitou havia lhe falado que o garoto, apesar da aparência, era extremamente forte e bom de briga, realmente Logan chegou a duvidar de alguns testemunhos de Saitou a respeito das proezas do ex-lutador de aluguel. Mas o fato era que se qualquer um deles subestimasse o Tentáculo e principalmente Dentes-se-Sabre, não veriam o dia seguinte. Também estava começando a estranhar que ninguém ainda havia notado os furos na história de Saitou

- Quanta confiança, guri. - disse Logan, fixando em Sanosuke um olhar maroto - Será que tu entendeu realmente o que eestá pra acontecer?

Ao ouvir estas palavras Sano voltou a ficar carrancudo. Bateu com o punho fechado na mesa e se ergueu com violência quase derrubando Yahiko.

- Entendi sim “tio”. Mas tem uma coisa que eu ainda não entendi. Que diabos um gaijin abelhudo como você está fazendo aqui afinal?

- É isso aí, - apoiou Yahiko se erguendo também e apontando um dedo acusador para Logan. - desembucha seu folgado.

Sem ter dado mostra de ter se incomodado com as acusações, Logan se limitou a olhar os dois com um sorriso indulgente.

- Sentem vocês dois. - pediu Kenshin com uma voz calma, porém firme - Este servo tem algumas coisas a dizer.

Tremendo de raiva Sanosuke mais uma vez atende ao pedido de Kenshin, muito contrariado. Yahiko seguiu seu exemplo, Chou fazia força para não rir. Logo depois Kenshin dirigiu um olhar firme para Saitou e começou a falar.

- O que houve com o segundo ninja? Você disse que viu o rastro de dois perseguidores.

Todos olharam intrigados para Kenshin, do seu canto, Logan congratulou silenciosamente a perspicácia do espadachim.

Saitou imediatamente percebeu que havia cometido um deslize, deveria ter cuidado com o que ia responder.

- Como ela precisava de cuidados médicos não tive tempo de procurar, mas enquanto a carregava julguei ter visto uma sombra me seguindo. Mais tarde um dos homens encontrou uma mão decepada dentro do beco.

Kenshin fechou os olhos e considerou por alguns segundos as palavras de Saitou, quando os abriu novamente seu olhar estava mais duro ainda.

- Quer dizer que você deixou escapar o único agressor sobrevivente?

- Era isso ou a vida dela.

- Pois este servo acha que você fez de propósito.

- Não seja ridículo. Em vez de me acusar você deveria me agradecer por ter salvo a vida da sua garota.

Saitou e Kenshin pareciam prestes a se atracar, agora todos na sala dirigiam olhares preocupados para os dois, mas apenas Logan e Chou sabiam onde Kenshin estava tentando chegar. Num movimento brusco Saitou agarrou a espada que estava ao seu lado e se ergueu dando as costas para Kenshin.

- A reunião está encerrada. - disse ele sem se voltar - Está na hora de preparar a nossa defesa.

- ESPERE.

Reprimindo um suspiro de impaciência Saitou se voltou. Ao gritar Kenshin também tinha se erguido, a sakabatou pendia perigosamente da sua mão esquerda.

- Tenho uma última pergunta: Quando você disse que encontrou Kaoru enquanto investigava uma informação, era a respeito do assassino misterioso do Tentáculo, não é? O tal de Tigre?

Saitou não pode evitar que um lampejo de espanto passasse por seu rosto. Em seguida apesar dos protestos de Megumi tirou um cigarro da carteira e começou a procurar os fósforos. Logan também ficou surpreso, pelo jeito, Kenhin estava sabendo de muito mais do que ele e Saitou desconfiavam.

- Sabe o que este servo acha? - continuou Kenshin - Desde o começo você estava concentrado somente na caça a esse homem. O ataque ao clã Yoshioka representou uma chance de capturá-lo, mas você não conseguiu. De algum modo a senhorita Kaoru viu ou ouviu algo que não devia, provavelmente a respeito dessa pessoa. Foi perseguida e ia ser morta quando você apareceu. Tendo o cuidado de deixar um deles escapar você a trouxe para cá esperando que o Tentáculo enviasse o tal Tigre para acabar o serviço. Estou certo?

Ouvindo tudo aquilo em silêncio Saitou acendeu o seu cigarro e tirou uma longa baforada. Por fim decidiu acabar com aquela farsa. De qualquer modo isso não ia mudar em nada os seus planos.

- Foi o Uramura não é? - disse Saitou depois de tirar mais uma baforada - O que aquele idiota linguarudo te contou?

- Peraí! - gritou Sanosuke se erguendo mais uma vez, incredulidade e raiva estampadas no rosto - Quer dizer que você está usando a Kaoru como isca pra pegar esse cara?

Depois de uma breve pausa silenciosa em que apenas fumou, o policial respondeu simplesmente:

- Isso mesmo.

Finalmente entendendo o que se passava Yahiko se ergueu também.

- Seu calhorda! - gritou como se cuspisse as palavras - Como você tem coragem de dizer isso como essa cara de pau?

O que se seguiu foi uma acalorada discussão a respeito das preferências sexuais de Saitou, promovida por Sanosuke e Yahiko. Enquanto os dois desabafavam, Kenshin e Megumi tentavam sem muito sucesso restabelecer a ordem. Chou acabou tendo sua mãe envolvida no bate boca. Entrou no clima e começou a descarregar em Sanosuke todos os insultos que conhecia. Muito tranqüilos, Logan e Saitou ficaram à margem da baderna, só assistindo o barraco.

Enquanto tudo isso acontecia, Kaoru permaneceu no mesmo lugar. Com os cotovelos apoiados na mesa e o rosto escondido nas mãos. Ela pensava sobre tudo o que ouviu, tentando pôr em ordem seus pensamentos.

Depois de quase cinco minutos ela ergueu a cabeça e observou o tumulto a sua volta como se só naquele momento tivesse se dado conta dele. Naquele momento Megumi estava se esforçando para segurar Yahiko, que brandia sua shinai contra um impassível Saitou. Kenshin estava entre Sano e Chou que pareciam prestes a se atacar a dentadas. Kaoru não estava gostando nem um pouco daquilo.

Conforme sua irritação aumentava ela sentia uma nova resolução e força de vontade surgirem. Sem saber porque ela olhou para Logan, e o encontrou olhando na sua direção. Sem dizer uma palavra o mutante pareceu entender o que se passava com a garota e com um sorriso encorajador assentiu com a cabeça.

Pegando a espada que Kenshin tinha largado, Kaoru aplicou um violento golpe com a bainha sobre a mesa.

Com o barulho, todos pararam e olharam para Kaoru que se erguia ainda segurando a Sakabatou.

- Parem já com isso.

Ninguém se atreveu a retrucar. Pegos de surpresa todos olhavam espantados para Kaoru, ninguém podia acreditar que aquela garota de olhar firme e decidido era a mesma que há pouco tempo estava quase chorando.

- Agora escutem. - continuou ela - Por mais canalha que ele seja, - fez um gesto na direção de Saitou - vocês não podem esquecer que se não fosse o Saitou, eu não estaria aqui agora.

- Mas Kaoru... - tentou protestar Yahiko.

- Cala a boca Yahiko. Se quiserem culpar alguém, culpem a mim. Eu assumo toda a responsabilidade.

A convicção com que Kaoru disse aquelas palavras fez efeito. Yahiko, que já tinha uma resposta na ponta da língua ficou quieto. Vendo que todos tinham entendido o recado ela continuou:

- O que importa agora é nos prepararmos para enfrentar seja o que for. Por isso parem com essa palhaçada.

- A senhorita Kaoru tem razão. - concordou Kenshin - As circunstâncias e as responsabilidades não importam agora. A situação em si é muito mais urgente e importante.

Kenshin olhou para Kaoru e se permitiu um breve sorriso. Estava muito satisfeito em ver que ela finalmente havia saído daquele estado depressivo em que até a pouco se encontrava. Retomando o semblante sério Kenshin mais uma vez encarou Saitou.

- Com quem exatamente estamos lidando?

Antes que Saitou pudesse dizer qualquer coisa, Logan respondeu.

- Acho que é aí que eu entro na história.

Imediatamente todas as atenções se voltaram para o mutante. Logan pôs o chapéu na cabeça e se aproximou do grupo.

- O nome dele é Victor Creed. Nascido na província de Alberta, Canadá. É um assassino procurado por pelo menos cento e vinte mortes. Atende também pela alcunha de Dentes-de-Sabre.

Sanosuke pareceu demorar um pouco para digerir a informação.

- Quer dizer que o tal de Tigre é estrangeiro. Só falta dizer que também é um anão de jardim igual a você.

Logan pensou por um momento e resolveu ignorar a provocação.

- Na verdade, - disse ele - ele mede 2,20 metros, pesa 180 kg., é loiro e mal encarado pra dedéu.

- Então, - começou Kenshin coçando o queixo - o senhor está caçando esse homem desde o Canadá?

- Exatamente. - concordou Logan, começando a contar a história que ele e Chag inventaram - Fui encarregado pelo primeiro ministro em pessoa pra caçar o pilantra. Depois de sair do Canadá, ele cruzou a fronteira pros Estados Unidos. Atravessou o país de costa a costa, deixando uma trilha de cadáveres por onde passava. Segui o rastro até San Francisco onde descobri que ele tinha embarcado num navio rumo à Austrália. Quando cheguei lá não consegui encontra-lo. Até que há uns dois meses atrás recebi uma informação de um amigo daqui e cá estou eu.

- Como pode ter certeza de que é mesmo o sujeito? - argumentou Megumi.

- Vamos dizer... que a minha fonte é segura. Além do mais, desde que cheguei meu amigo Saitou aqui me ajudou a confirmar minhas suspeitas. Sem a colaboração do governo japonês eu estaria num mato sem cachorro.

Com um sorriso pachorrento, Logan deu um tapinha no ombro de Saitou, que se limitou a fechar a cara e lhe lançar um olhar assassino. Em seguida, sem a menor cerimônia Logan tirou o cigarro da boca de Saitou e o jogou pela janela.

- Cê não ouviu a doutora, nada de cigarro.

Com os olhos fuzilando de ódio, Saitou soltou um grunhido abafado. Nessa hora todos na sala puderam ter uma idéia do quanto “bem vinda” era a presença de Logan para o policial.

Depois de uma pausa tensa, Kenshin perguntou.

- Esse homem deve ser mesmo muito perigoso para motivar uma caçada como essa?

Ao ouvir a pergunta Logan encarou Kenshin. O sorriso cínico tinha dado lugar a uma expressão pra lá de séria.

- Tu não faz idéia do quanto. O Creed é um psicopata. Ele gosta de matar, sente prazer com isso. Pode ter certeza de uma coisa, - Logan se aproximou e ficou cara a cara com Kenshin - se ele estiver atrás da Kaoru, vai encontrá-la. Ninguém é capaz de se esconder dele.

O modo como Logan falou aquelas palavras provocou um calafrio em Kaoru. Sanosuke percebeu, se aproximou e colocou uma mão em seu ombro.

- Fica fria donzela. Isso poupa o trabalho de procurar o pulha. E daí se ele é forte, comigo e o Kenshin aqui você não tem nada a temer.

- He, eu tenho pena desse cara. - disse Yahiko - Aposto que eu mesmo posso dar conta dele.

- Também não exagera! - troçou Sanosuke.

- Grrrrrrr.

- Acho que agora tudo foi esclarecido. - disse Saitou - A armadilha está pronta, agora só nos resta esperar, descansem enquanto puderem. Chou.

- Que foi?

- Tenho uma missão para você.

- Ótimo, não estou agüentando mais essa pasmaceira.

Chou se levantou e se espreguiçou demoradamente antes de seguir Saitou que saía a passo acelerado do recinto. Megumi convenceu Kaoru a voltar para o quarto e Sanosuke convidou Yahiko para continuarem a partida de shogi da tarde. Apenas Logan e Kenshin permaneceram na sala.

O mutante tirou um charuto do bolso e bateu o isqueiro para acendê-lo. Kenshin o observava com curiosidade.

- Isso não faz mal à saúde?

- Pra caramba, mas é como diz o ditado: “faça o que eu digo, mas não faça o que eu faço”. Além disso, existem coisas bem mais perigosas no mundo.

- ...Tem razão. O seu japonês é muito bom, senhor Logan.

- Valeu, pode me chamar só de Logan.

- Aceitaria um conselho?

- Manda ver.

- Este servo acha que tem alguma coisa muito estranha com essa história. Seja o que for que esteja escondendo, este servo sugere que o senhor tenha cuidado daqui pra frente.

Kenshin falou aquelas palavras num tom calmo e gentil. Mas Logan julgou ver por trás daqueles olhos violeta um lampejo inquietante, como se um gênio preso numa garrafa tivesse dado uma rápida espiada para fora. Sem dar mostras de ter notado a ameaça velada o mutante apontou para a espada que Kenshin segurava.

- Posso dar uma olhada?

Um pouco surpreso pelo pedido repentino, Kenshin hesitou um pouco. Olhou direto nos olhos de Logan por alguns segundos até que por fim estendeu a mão que segurava a sakabatou.

Logan segurou a sakabatou e por alguns momentos examinou a empunhadura e a bainha. E então num movimento brusco sacou a espada e ficou admirando a lâmina, perfeitamente polida com a estranha posição do fio.

- Incrível. - disse ele - Quando o Saitou disse que tu usava uma espada com a lâmina invertida eu não acreditei.

A seguir o mutante começou a brandir a espada com apenas uma mão, fazendo ela riscar o ar com uma velocidade atordoante.

Kenshin estava surpreso. Logan não só sabia manejar uma espada com maestria como também o fazia com extrema facilidade.

Satisfeito Logan devolveu a sakabatou à bainha e a entregou a Kenshin.

- Parabéns. É uma arma excelente, uma das melhores que eu já vi.

Logan mordeu o charuto com força, deu a volta e começou a se dirigir para a saída. Quando chegou à porta parou como se tivesse lembrado de alguma coisa, girou nos calcanhares e encarou Kenshin mais uma vez.

- Também tenho um conselho pra ti. - disse ele num tom calmo - Se tu chegar a enfrentar o Creed, acho melhor usar o lado cortante da espada. - com um sorriso provocador o mutante se virou e recomeçou a caminhar. Sem se voltar arrematou.

- Ah, e se possível evite os ossos dele.

Depois de dizer isso, Logan sai deixando um rastro de fumaça azulada. Por alguns momentos, Kenshin fica ouvindo os passos do outro no corredor, o estranho conselho de Logan ainda ecoando na sua cabeça, até que se aproxima da janela e observa a noite amena. A lua, em fase crescente estava já próxima do horizonte.


Última revisão: 12/06/2005

Comentários:

Desta vez serei breve. Apesar de ter ficado anormalmente grande, gostei bastante deste capítulo. Acho que ele não ficou monótono graças ao tão esperado encontro entre Logan e Kenshin e cia.

Como era de se esperar, o pessoal da ala masculina não foi muito com a cara dele, isso é normal, se levamos em conta a personalidade debochada e muitas vezes cínica do mutante canadense. Já a ala feminina é outra história. Wolverine sempre fez bastante sucesso com a mulherada (como ele consegue isso com aquela cara e aquela altura é um mistério).

Para quem está sentindo falta de uma boa pancadaria boas notícias: A partir do cap. 10 a coisa vai começar a esquentar... e como.

Até lá.

Contato: [email protected] ou [email protected]

 

Capítulo 10

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