Samurai X-Men

Capítulo 10: Prelúdio da Batalha


Arredores de Tókio, noite do dia 31 de setembro do ano 11 da era Meiji (1878).

Era exatamente meia-noite quando Shiro, acompanhado de alguns ninjas, voltou do reconhecimento. Dentes-de-Sabre estava impaciente, assim como os quase duzentos ninjas do Tentáculo, que junto com ele aguardavam a sua volta. Eles estavam escondidos em um bosque a pouco mais de um quilômetro do local onde se encontravam Kaoru e seus amigos.

Shiro se aproximou de Creed, que estava afastado do grupo, pôs um joelho em terra e de cabeça baixa começou o seu relatório.

- Senhor. Como eu esperava há um contingente considerável guardando a casa e os arredores.

- Quantos mais ou menos? - perguntou o mutante com impaciência.

Shiro hesitou um pouco.

- Bem... durante o tempo em que observei com a luneta confirmei os cerca de trinta homens na casa. Mas com certeza há mais deles escondidos nas redondezas, estava tudo muito quieto e não avistamos nenhum sinal de movimento na área. No entanto não posso dizer com certeza o número deles.

Dentes-de-Sabre pareceu não gostar muito da resposta.

- Tu é mesmo um imprestável.

- De-desculpe senhor. - gaguejou Shiro - No entanto posso assegurar que não devem passar de uns cinqüenta ou oitenta policiais. Podemos acabar com todos eles facilmente.

- O caso não é esse, idiota. Eu sozinho posso desinfetar todos aqueles porcos. - Creed tirou os olhos do outro e começou a andar de um lado pro outro com as mãos trançadas às costas - O que me preocupa é eles conseguirem tirar a moça de lá enquanto brigamos na rua.

Creed então parou e olhou em torno, dezenas de olhos o observam por trás de máscaras. Com exceção da máscara, ele mesmo estava vestido exatamente como eles.

- Escutem. - disse ele erguendo a voz - Vocês estão aqui para cumprir duas tarefas simples. Número um: - mostrou um dedo - Limpar o caminho pra mim. Número dois: - mostrou dois dedos estendidos - Se assegurar que ninguém vai escapar. Entenderam, seus viados?

- HAI! - veio a resposta em uníssono.

- Vamos fazer o seguinte. - continuou Creed - Nos dividimos em três grupos. O primeiro, com cem homens vai entrar pelo acesso norte da rua, é por ali que eles esperam que a gente chegue, sua tarefa vai ser atrair a atenção dos porcos que estão escondidos. O segundo com cinqüenta homens vai atacar a casa de frente, se aproximando por aquela rua transversal. Eu vou liderar o terceiro grupo, vamos nos aproximar pelo sul e aproveitar a confusão para atacar a casa pelos fundos. Como podem ver é um plano tão simples que até vocês retardos podem executar. Agora vamos dividir os grupos.

Creed ia começar essa tarefa quando deu com os olhos em Shiro que continuava ajoelhado.

- O que tu ta fazendo ainda aí infeliz? Anda, levanta. Tu vai liderar o primeiro grupo.

- Senhor, há mais duas informações que eu gostaria de relatar.

Creed soltou um suspiro de pura impaciência.

- Então desembucha, estrupício.

Shiro baixou a voz para um tom mais confidencial.

- Senhor, enquanto estive observando, recebi um recado de um dos nossos homens infiltrados na polícia. Ele descobriu a identidade da garota.

- Só agora?! - rosnou Creed - Que importância tem isso a essa altura do campeonato? E porque diabo tu ta falando baixo?

Ante a exasperação de Creed, Shiro se encolheu mais ainda. Mais uma vez ele amaldiçoou a sua condição de auxiliar direto do gaijin e o fato de estar levando aquela notícia. Quando a ouviu do informante, ficou tão chocado que levou algum tempo para se recompor. Por fim, engolindo em seco continuou.

- Ela se chama Kaoru Kamiya, mestra substituta do dojô Kamiya Kashin Ryu.

- He, isso explica porque aqueles incompetentes não conseguiram dar cabo dela ontem. Mas ainda não vejo o porquê de a gente estar perdendo tempo com isso.

- Bem senhor... - Shiro baixou mais ainda a voz e ergueu o rosto para encarar Creed - o dojô Kamiya é também a atual residência de Battousai Himura, a garota é provavelmente namorada dele.

E então Creed finalmente entendeu a atitude sigilosa e o temor nas atitudes de Shiro. Battousai Himura, ou Battousai o Retalhador era um nome bem conhecido por Creed que acompanhou com interesse os eventos que culminaram com a derrocada de Makoto Shishio em Kioto. Apesar das garantias em contrário de Sato Harada, o envolvimento de Battousai era quase certo dada essa última revelação. E tudo o que Creed não precisava agora era um bando de ninjas amedrontados ante a perspectiva de enfrentar o lendário retalhador.

Creed se agachou perto de Shiro.

- Essa informação é segura? - perguntou ele em voz baixa.

Shiro acenou afirmativamente com a cabeça.

-Ninguém mais precisa ficar sabendo disso por enquanto, fui claro?

- Sim senhor, mas...

- Se ele estiver mesmo lá... - Creed exibiu um sorriso perverso - eu mesmo vou me encarregar dele. Agora vamos.

Dizendo isso o mutante canadense se ergue e começa a se dirigir ao local onde os outros ninjas aguardavam, Shiro o seguia a poucos passos de distância.

- A propósito Shiro, - disse Creed sem se deter nem olhar para trás - qual era a outra informação?

- Ah, sim. Me desculpe. Parece que há um policial canadense junto com Saitou, ele se chama John Logan.

Creed faz uma parada abrupta. Como resultado, Shiro se choca contra suas costas quase caindo sentado no chão. Antes que o ninja pudesse perguntar o que se passava, é agarrado pelo colarinho e erguido no ar.

- O QUE FOI QUE TU DISSE? - berrou o mutante bem na cara de Shiro.

Sentindo o estômago dar voltas, tanto pelo medo como pelo bafo medonho, Shiro se esforçou para fazer a voz sair.

- D-disse que há um policial canadense que...

- O NOME! COMO TU DISSE QUE ELE SE CHAMAVA?

- Logan, John Logan.

- Qual a aparência dele?

- S-senhor o que...

- RESPONDE LOGO SEU CORNO!!!

Shiro reconheceu que teria uma morte muito cruel e dolorosa se não falasse rápido. Não podia entender o porquê daquela reação. Mas nunca em todos aqueles meses em que convivera com Victor Creed, tinha visto tamanha explosão por parte dele, era como estar cara a cara com um demônio. Por tudo isso, Shiro buscou desesperadamente na memória os detalhes da mensagem de Haitani.

- N-não há muitos pormenores... Ah, espere; chamou a atenção do nosso homem o fato dele ser muito baixo, até para os nossos padrões.

- Só isso?

- S-sim.

Shiro fechou os olhos esperando pelo pior. Mas ao invés de garras, sentiu o chão se chocando contra as nádegas. Com um suspiro de alívio viu Creed começar novamente a andar de um lado para outro, a expressão de fúria em seu rosto deu lugar a um semblante preocupado e concentrado.

Creed se esforçava para pôr seu cérebro obtuso em funcionamento. Não podia haver dúvida, Wolverine veio do futuro atrás dele. E se estava ali é quase certo que ele ia estar acompanhado de outros. Era uma péssima hora para ter um bando de X-Men atrás dele novamente.

O zumbido de murmúrios chamou sua atenção, a tropa de ninjas estava irrequieta, com certeza estranhando as atitudes de seu comandante. Creed parou e encarou o grupo, imediatamente o zumbido cessou.

- Shiro. - chamou ele sem se virar.

- Pronto senhor. - respondeu Shiro enquanto levantava e batia o pó das roupas.

- Havia mais algum estrangeiro junto com Saitou?

- Segundo nosso informante, não senhor.

Creed coçou o queixo e olhou na direção em estava o seu alvo. Não, alguma coisa lhe dizia que Logan estava sozinho nessa. Aquela incursão ao passado era uma oportunidade perfeita para os dois finalmente ajustarem as contas, sem o Xavier ou qualquer um dos outros para atrapalhar. Uma oportunidade que Logan jamais desperdiçaria.

E havia ainda Battousai e Saitou... Creed sorriu.

A situação ficava cada vez mais interessante.

O único problema era lidar com cada um separadamente, sem no entanto descuidar do objetivo da missão desta noite: matar Kaoru Kamiya. É bem provável que sua manobra diversionista tirará Battousai de cena, mas como tirar Logan?

A solução para o problema veio junto com uma lufada de vento que soprava do sul. Ante o olhar pasmo de Shiro e dos outros ninjas, Dentes de Sabre começou a se despir.

- Prestem atenção. - disse ele erguendo a voz - Temos uma pequena mudança de planos.

 

Enquanto isso, dentro da casa, o silêncio era tão grande que chegava a ser opressivo. Os policiais que se espalhavam dentro e fora da propriedade estavam calados, muito alertas e em alguns casos, impacientes. Quase todas as luzes foram apagadas, um dos poucos cômodos iluminados era o vestíbulo, onde Hajime Saitou e Chou conversavam quase aos sussurros.

- Até agora, tudo calmo. - dizia Chou - Não percebi nenhum movimento suspeito nos arredores. Até parece que nossos amigos desistiram.

- Não conte com isso. - argumentou Saitou - Ainda temos muita noite pela frente.

Chou começou a olhar para dentro da casa como se estivesse procurando alguém.

- Cadê o resto do pessoal?

- Estão todos no quarto da garota.

- Inclusive o gaijin?

Depois de um curto intervalo Saitou respondeu.

- Não. Ele foi para outro quarto, disse que ia dormir um pouco e pediu para alguém acordá-lo quando a lua sumisse.

- O QUE?! - imediatamente Chou percebeu que tinha gritado e pôs uma mão na boca, depois recomeçou a falar em voz baixa - O que?! Como é que aquele idiota consegue dormir sabendo que duma hora para a outra a gente pode ser atacado? E que história é essa de esperar a lua sumir?

A resposta surgiu de uma sala contígua.

- Talvez seja porque assim como este servo, aquele homem pense que o Tentáculo não atacaria sob a luz do luar.

Kenshin entrava naquele momento na área iluminada. Chou o observou se aproximar e se deu conta de que tinha mais uma vez bancado o idiota na frente de Saitou.

- Ora Kenshin, - disse ele fechando um olho e coçando a nuca - eu estava brincando. É claro que eu seei disso.

- Nesse caso, - emendou Saitou - você não vai se importar de continuar a vigília. Não é?

Na verdade Chou pretendia encarregar algum dos policiais para substituí-lo. Estava andando e se esgueirando por quase três horas seguidas e como começasse a achar que o ataque não viria, decidiu descansar um pouco. Mas depois do que acabara de dizer não tinha outro remédio senão obedecer.

- Tá legal. - disse se virando e começando a se afastar. - Mas na minha opinião, eles souberam que eu estava aqui e desistiram.

Saitou observou por alguns segundos o parceiro se afastando, até que, se dirigindo mais a si mesmo do que a Kenshin comentou:

- Esse aí é outro idiota.

Kenshin não falou nada. Ele sabia que Saitou também estava se referindo veladamente a Sanosuke. Por alguns segundos os dois ficaram calados, apenas observando o jardim bem cuidado que ficava na frente da casa, até que Kenshin quebrou o silêncio.

- Preciso falar com você.

Sem responder, Saitou se limitou a lançar um olhar desconfiado para Kenshin e em seguida convidou:

- Vamos conversar lá fora.

Os dois então se dirigem à varanda, onde os calçados das pessoas que estavam dentro da casa se alinhavam. As botas de cowboy de Logan ofereciam um contraste brutal com os chinelos, sandálias e sapatos que estavam ali. Kenshin não deixou de notar isso enquanto descalçava as sandálias de uso interno para calçar os seus chinelos de palha trançada.

A dupla desceu da varanda e começou a andar por entre os canteiros bem cuidados do jardim, só quando estavam a uma boa distância da casa Saitou parou, acendeu um cigarro e começou a fumar.

- O que você quer?

- Lhe agradecer. - Kenshin deixou a contemplação do jardim para encarar Saitou - Não tive a oportunidade de lhe agradecer corretamente por ter salvado a vida da senhorita Kaoru. - ele se curvou rigidamente - Arigato gozaimazu.[1]

Um pouco surpreso, Saitou encarou Kenshin e pode sentir sinceridade em suas palavras, mas assim que ele ergueu o busto viu que seus olhos traziam um rancor subterrâneo, escondido logo abaixo da fina camada de polidez. O esforço de Kenshin para fazer aquele simples agradecimento era mais do que óbvio.

- Do itashimashité[2] - apesar do semblante sério, Saitou ria por dentro.

Kenshin sabia disso, mas Saitou estava muito enganado se pensava que aquilo ia ficar por isso mesmo. Sem mais nem menos ele mudou o rumo da conversa.

- Me diga Saitou. O que significa o estranho Ki que emana daquele John Logan?

Desconfiado, Saitou se perguntou onde o outro queria chegar com aquela mudança súbita de assunto.

- Também nunca vi nada parecido antes. - respondeu Saitou voltando a sondar os arredores, em parte para evitar o olhar de Kenshin e também para se certificar que não havia ninguém por perto - Da primeira vez que nos encontramos cheguei a achar que ele poderia me atacar a qualquer momento.

- Também senti o mesmo. Tem algo muito suspeito a respeito dele.

- Antes de vir para cá verifiquei exaustivamente os documentos dele, estava tudo de acordo com o que ele falou. Eu praticamente fui obrigado a trazê-lo para não comprometer esta operação.

- A propósito Saitou. - Kenshin continuava encarando firmemente Saitou - A respeito desta “operação”.

Saitou sentiu a animosidade por trás do tom calmo e pausado de Kenshin, “Finalmente ele chegou onde queria” pensou Saitou ao se virar para encará-lo mais uma vez. Sem dúvida, havia agora um rancor evidente em seu olhar.

- Não quis dizer isso na frente dos outros. - continuou Kenshin - Mas mesmo tendo salvo a vida da senhorita Kaoru, nada lhe dava o direito de usá-la ou qualquer um de nós como joguetes nos seus planos sórdidos. Quando tudo isso acabar, você vai ter que responder por isso. Que fique claro.

Saitou sustentou o olhar duro de Kenshin por alguns segundos, até que o desviou para tirar uma grande tragada e a expeli-la para o céu. Quando voltou a encarar Kenshin seus olhos tinham um brilho malévolo.

- Quando você quiser, Battousai.

Por alguns tensos segundos eles apenas se encaram, as mãos perigosamente perto das espadas. Com algum esforço, ambos voltaram a contemplar o plácido jardim, onde um pequeno regato saltava entre pedras num ruído agradável e tranqüilizador. Tanto Kenshin quanto Saitou estavam cientes de que aquele confronto teria que ser adiado mais uma vez. Haveria muito tempo para o acerto de contas deles... Caso sobrevivessem a esta noite.

- Voltando ao assunto do Logan, - disse Kenshin depois de um tempo, a voz já de volta ao tom habitual - este servo não consegue entender. Por que ele está se arriscando tanto? Ele poderia simplesmente ficar afastado, esperando o resultado do seu plano. Por que está aqui conosco?

Em silêncio Saitou começou a procurar algo nos seus bolsos. Tirou um objeto embrulhado em um lenço e o entregou a Kenshin.

- Quando eu o encontrei xeretando nas ruínas da mansão Yoshioka, ele estava com isso nas mãos.

Kenshin desfez o embrulho e um pedaço de uma lâmina de espada chispou à luz do luar. Observando o fragmento Kenshin percebeu que ele não foi quebrado, mas sim cortado com precisão cirúrgica.

- Incrível. - comentou Kenshin - O que poderia cortar uma lâmina de aço desse jeito?

- A pergunta, - retrucou Saitou, com as mãos nos bolsos e o cigarro apertado entre os dentes - é porque isso chamou a atenção dele.

- Pode ter sido mero acaso.

- Duvido.

Kenshin não respondeu. Sabia que ele estava certo, apenas formulou a hipótese por não ter conseguido pensar mais em nada. Sem saber por que, a menção que Logan fez sobre evitar os ossos de Dentes-de-Sabre lhe voltou à mente. Embrulhando novamente o objeto Kenshin o devolveu a Saitou.

- De qualquer modo este servo acha que não devemos confiar nele.

Saitou guardou o embrulho novamente no bolso.

- Feh. Não precisa dizer o que eu já sei.

- Você acha que ele pode ser um agente inimigo?

- Tudo é possi...

De repente, um grito estridente corta o ar. Kenshin prontamente o reconhece.

- KAORU!!!

Kenshin sacou a espada e disparou na direção da casa. Saitou cuspiu o cigarro e tratou seguir o outro o mais rápido que podia. Mas Kenshin não corria, voava, num piscar de olhos atravessou o pátio e com um salto venceu a escada que levava à varanda. Entrou na casa como um raio e tomou o caminho para o quarto onde Kaoru estava. Tinha a vaga sensação de ouvir passos apressados atrás de si, mas a única coisa que importava era chegar o mais rápido possível.

A porta corrediça estava escancarada, Kenshin quase perdeu o equilíbrio ao desacelerar, mas usando o umbral como apoio, se projetou para dentro de espada em punho, pronto para o que desse e viesse.

Mas a cena que encontrou ali apenas aumentou sua confusão. Kaoru, sentada sobre o futon chorava de mansinho, agarrada a Megumi que tentava fazê-la se acalmar. Sanosuke e Yahiko estavam agachados por perto e olhavam Kenshin com uma expressão apalermada.

- Deve ter sido um pesadelo. - disse uma voz atrás de Kenshin.

Sem pensar no que estava fazendo Kenshin girou nos calcanhares e golpeou horizontalmente com a sakabatou. A lâmina zuniu e parou a poucos centímetros da garganta de Logan, que estava de braços cruzados, encostado na parede.

Um instante depois, Saitou, acompanhado de um punhado de policiais apareceu na entrada. Ao ver o que se passava estacou. Por um breve momento se criou um impasse onde Logan e Kenshin eram o centro das atenções.

Com a respiração irregular, Kenshin continuava apontando a sakabatou para Logan, mantendo o olhar fixo nos olhos do outro, a chegada intempestiva de Saitou foi ignorada. Logan por sua vez se mantinha imóvel, sustentando o olhar de Kenshin, ele nem mesmo piscou devido ao movimento brusco da espada.

- O que você está fazendo aqui? - perguntou Kenshin numa voz perigosa.

Sem se alterar, Logan respondeu:

- Estava no quarto do lado, ouvi o grito e vim pra cá.

A voz de Kaoru se vez ouvir.

- Kenshin...

O som da voz da garota despertou Kenshin, que vagarosamente, até com certo esforço, baixou lentamente a espada sem tirar os olhos de Logan. Ele sentiu uma mão pousar em seu ombro, se virou e viu que era Sanosuke.

- Calma Kenshin, ele ta falando a verdade. Eu e o Yahiko não arredamos o pé daqui, a gente convenceu a Kaoru a dormir um pouco. Ela parecia estar dormindo bem quando de repente se soergueu e soltou aquele grito, o gaijin apareceu pouco antes de você.

Kenshin notou que havia preocupação no rosto do amigo, olhou depois para Kaoru, Megumi e Yahiko e viu que os três o olhavam com uma expressão assustada. Se virando para a porta viu que Saitou e os outros policiais o olhavam com curiosidade. Sentindo as mãos tremerem um pouco Kenshin finalmente embainhou a espada.

- O que está havendo aqui afinal? - perguntou um dos policiais.

- Nada. - respondeu Saitou enquanto embainhava a própria espada - Voltem aos seus postos e redobrem a vigilância.

Meio contrariados os homens voltaram pelo corredor. Ainda um pouco arquejante e sentindo o coração pulsando nas têmporas, Kenshin se aproximou de Kaoru, que tinha os olhos úmidos e reluzentes de lágrimas.

- Kaoru-dono. O que ouve?

- E-eu matei... um homem, Kenshin.

Disse isso e soltou um soluço, acompanhado de mais lágrimas. Megumi, que tinha um lenço na mão começou a enxugar seu rosto.

- Tenha calma Kaoru, - disse ela - foi só um pesadelo.

- Não, não foi. - retrucou Kaoru afastando o lenço e sacudindo a cabeça vigorosamente - Me lembrei de parte do que aconteceu ontem. Eu matei um daqueles ninjas. Tirei a espada dele e o golpeei, ele começou a gritar e, e, então começou a se dissolver.

Saitou, que tinha se aproximado perguntou.

- Do que mais se lembrou?

- Agora não Saitou. - protestou Yahiko.

- Espere Yahiko. - atalhou Kenshin - Kaoru-dono, se lembrou de mais alguma coisa?

Kaoru fungou, e pegando o lenço de Megumi começou a limpar o rosto. Depois encarou Kenshin e respondeu da melhor forma que pode.

- Lembrei de tudo daquele momento em diante, mas...- dirigiu o olhar para Saitou - ainda não consigo me lembrar de nada do que aconteceu antes.

Visivelmente contrariado Saitou estreitou mais ainda os olhos e deu meia volta para sair do quarto.

- Se ela lembrar de algo mais, - disse ele sem se voltar - me avisem imediatamente.

Quando seus passos já soavam longe no corredor, Sanosuke, que o tinha acompanhado com um olhar torvo comentou:

- Que porco egoísta.

Do seu lugar Logan concordava silenciosamente. Aquele Saitou tinha o sangue frio como o de uma cobra, tudo que importa para ele é cumprir o seu dever. Ele não se preocupava nem um pouco com o que Kaoru estava passando.

Já Logan, mesmo a conhecendo há muito pouco tempo, entendia que para uma pessoa que pregava a “espada para a vida”, tirar uma vida e justamente com uma espada era muito doloroso. Logan lamentava sinceramente, não pelo ninja que teve o que mereceu, mas por Kaoru que se viu obrigada a ir contra a filosofia que seu pai lhe havia passado, e agora enfrentava as conseqüências.

Kenshin e os outros tentavam consolá-la. Sem ser notado por ninguém Logan saiu do quarto e se dirigiu para fora. Como tinha saído do seu quarto às pressas estava sem o casaco e o chapéu, tinha também se livrado da incômoda gravata e desabotoara o colarinho e o colete. Enquanto caminhava sem pressa e com as mãos nos bolsos, pensava vagamente em como ia conseguir dar o nó da gravata sem o Kurt por perto para ajudá-lo.

O pensamento o levou de volta a seus amigos, sentiu repentinamente a falta deles. Logan era por natureza um solitário, mas tinha aprendido com os outros X-Men o valor do companheirismo e da amizade.

No entanto a lembrança também trouxe de volta o motivo dele estar ali, a imagem de Jean caída no meio de uma poça de sangue atravessou seu espírito. É, apesar de gostar muito dos amigos, Logan sabia que certos assuntos devem ser resolvidos em particular.

Logan saiu para a varanda e se apoiou numa viga de madeira. Só mesmo com seus sentidos mutantes ele pode perceber em meio ao breu a presença de Saitou, num ângulo do pátio, próximo ao muro conversando com outro policial. Também podia perceber a presença dos outros, espalhados pelo pátio.

Foi então que ele sentiu na brisa um cheiro muito conhecido, que fez os cabelos da sua nuca se eriçarem.

Não havia dúvida. O vento vindo do quadrante sul trazia um cheiro rançoso e muito conhecido. Ele estava chegando.

Depois de alguns momentos de reflexão, Logan pegou suas botas e as calçou. Depois de se certificar que não havia ninguém o observando, desceu os degraus de madeira que levavam ao nível do pátio. Passou como uma sombra por três policiais antes de chegar ao muro. Subiu numa árvore que se erguia próxima à parede e saltou para o outro lado quase sem fazer barulho.

Era pouco mais de uma da madrugada quando a lua mergulhou no horizonte, deixando a noite mais fria e escura. Os tiros começaram logo em seguida. Pareciam vir do final da rua e logo se tornaram uma fuzilaria cerrada, acompanhada de gritos e tinir de espadas. Saitou, que estava junto aos guardas do pátio, ordenou que os atiradores se postassem acima do muro e no telhado enquanto os espadachins vigiavam o pátio.

Enquanto os policiais cumpriam as ordens, Saitou correu para dentro da casa acompanhado dos mesmos policias que tinham entrado quando Kaoru gritou. Todos portavam katanas e estavam entre os melhores espadachins da polícia.

Kenshin os recebeu na entrada do quarto de Kaoru, ele segurava o cabo da espada embainhada e só afrouxou a pressão depois de reconhecer os policiais. Saitou parou a sua frente e deu uma olhada sobre seu ombro, para dentro do quarto. Kaoru ainda estava sobre o futon, tinha os olhos secos, mas seu rosto conservava uma expressão triste e cansada. Megumi, que estava ao seu lado, parecia assustada. Yahiko e Sanosuke estavam de pé, junto à janela, o menino segurava sua shinai e seu rosto estava sério, Sanosuke andava de um lado para outro como se fosse um potro xucro. Se voltando para os policiais a suas costas, Saitou os instruiu:

- Vigiem o acesso a este quarto.

Os seis espadachins se espalharam pelo corredor. Saitou olhou para Kenshin.

- Vamos esperar aqui até termos uma idéia clara do que está acontecendo.

A voz de Saitou era perfeitamente calma e controlada. Kenshin, no entanto estava nervoso. Sua preocupação se dirigia agora para os policiais que lutavam na rua, os sons da batalha recrudesciam a cada momento.

Felizmente não tiveram que esperar muito, sons de passos acelerados, misturados com conversas apressadas vieram da parte da frente da casa. Ao mesmo tempo Kenshin, Saitou e os outros policiais sacaram suas espadas, Yahiko e Sanosuke saíram do quarto e se juntaram aos outros no corredor.

Depois de um momento de tensa expectativa, a cabeleira loira e espetada de Chou surgiu no corredor. Assim que viu o “comitê de boas vindas” estacou, e de olhos muito arregalados ergueu as mãos, que seguravam duas espadas.

- Ei, ei, calma aí, sou eu o Chou!

Ainda segurando a espada, Saitou se adiantou.

- Diga o que está acontecendo.

Kenshin, Sano e Yahiko também se aproximaram. Quando chegaram perto puderam ver que tanto as roupas como as espadas de Chou estavam manchadas de sangue.

- A festa começou pra valer - disse ele com uma alegria selvagem no rosto - Como a gente esperava, eles vieram pelo acesso norte, nosso pessoal os emboscou e agora o pau está comendo solto só que...

- Só que o que? - exortou Sanosuke

- ... Eles são muitos, uma centena eu acho, a coisa ta feia.

- Onde está o Mochiba? - perguntou Saitou.

- Morto. Caiu do meu lado com uma flecha cravada na garganta. Quando saí de lá nosso pessoal estava resistindo, mas acho que não vai ser por muito tempo.

Kenshin recebeu a notícia como um soco no peito. Cerrando os dentes apertou com força o cabo da sakabatou. A idéia de que havia pessoas se matando a algumas dezenas de metros dali o dominou.

- Saitou. - disse ele - Eu e Sanosuke vamos sair e ajudar. Conto com você e Chou para ficarem e protegerem a casa.

Disse isso e já ia passando por Saitou quando este o segurou pelo braço.

- Espere... Chou, você viu o Creed entre os ninjas?

- Não, até onde pude ver ele não estava lá.

- Battousai, - Saitou ainda segurava com força o braço de Kenshin - este ataque é só um chamariz, tenho certeza de que aquele Victor Creed está por trás disso. Ele quer que desloquemos parte de nosso contingente para que possa atacar a casa pessoalmente. É estupidez sair agora.

Sem dizer nada Kenshin se limitou a olhar nos olhos de Saitou por alguns momentos até que num repelão se livrou do outro. Quando falou sua voz saiu dura e metálica.

- Mesmo assim este servo não pode deixar aqueles homens à própria sorte. Vou tentar voltar o mais rápido possível.

- Eu também vou, Kenshin. - gritou Yahiko se adiantando.

Kenshin se voltou para o garoto e pôs uma mão em seu ombro.

- Yahiko, este servo só está indo porque sabe que pode confiar em você para proteger a senhorita Kaoru e a Megumi, conto com você.

Yahiko se retesou todo. Ele ia protestar, mas a expressão que ele leu nos olhos de Kenshin era tão séria que ele relaxou e ficou olhando para os próprios pés por alguns segundos, até que ergueu a cabeça mais uma vez e sorriu com confiança.

- Pode deixar, Kenshin.

Kenshin sorriu de volta para o garoto, e ao erguer os olhos notou que Megumi e Kaoru o observavam do vão da porta do quarto. As duas estavam muito pálidas e caladas, Kenshin podia ver em seus rostos toda a preocupação que estavam sentindo. Também sem dizer nada Kenshin se limitou a sorrir e acenar com a cabeça para elas antes de se virar e começar a correr. Feliz como um garoto, Sanosuke acenou para os amigos e disparou no encalço de Kenshin.

Saitou quase não conseguiu conter seu sorriso de contentamento. Mais uma vez Battousai provara o quanto era previsível. Sua encenação de agora a pouco teve o único fim de tornar tudo mais convincente.

Chou limpava o sangue em suas espadas quando de repente se deu conta de alguma coisa, olhou para todos os lados e depois perguntou:

- Cadê aquele nanico?

Saitou e os outros o olharam como que não entendendo a pergunta.

- Eu to falando do gaijin, o tal de Logan.

 

Quando a fuzilaria começou, Logan já estava longe da casa, saltando agilmente de telhado em telhado. Por um momento, parou e se voltou na direção do som. Mas logo voltou a sua marcha rumo ao sul, a direção de onde vinha o cheiro de Dentes-de-Sabre.

A decisão de tomar a iniciativa não foi muito difícil. Logan tinha certeza de que Kenshin, Saitou e os outros eram perfeitamente capazes de se defenderem dos ninjas, sua única preocupação era deter Creed.

Logan havia passado uma boa parte da noite pensando em uma maneira de fazer isso sem envolver inocentes, e sem o risco de expor seus poderes mutantes. Antecipar o ataque de Creed era o melhor a fazer, mas havia o problema de se aproximar sem levantar suspeitas. Algo muito difícil levando-se em conta os sentidos de Creed, tão ou mais aguçados que os dele próprio.

A não ser que você conheça a posição do inimigo e se aproxime contra o vento. Era exatamente o que Logan estava fazendo.

Evitando a rua, Logan avançou velozmente. A estratégia de Creed era óbvia, armar um ataque pelo lado norte, só para chamar a atenção, enquanto ele se aproximava pelo sul atacando a casa de surpresa. Uma estratégia tão óbvia que Logan chegou a desconfiar. Mas não, era o cheiro dele mesmo. Um pouco fraco, mas com certeza dele.

Quando Logan chegou num ponto onde as casas terminavam abruptamente junto a um bosque de pinheiros, pulou para o chão e olhou para as árvores por alguns segundos. O cheiro de Creed vinha de algum ponto daquele bosque. O mutante canadense estava prestes a avançar quando o ruído de passo e respirações contidas chamou sua atenção. Ele se agachou e sondou com mais atenção. Logo captou o cheiro inconfundível de ninjas do tentáculo se aproximando de sua posição. Uma idéia surgiu na mente de Logan, com um sorriso perverso o mutante desembainhou as garras de adamantium, escolheu um pinheiro, e fazendo uso delas, começou a escalar.

Um minuto depois, duas figuras de negro saíram de dentro do bosque, um era alto e magro e o outro baixo e troncudo, pararam bem embaixo da árvore de Logan. Ficaram alguns segundos observando a entrada da rua até que o mais baixo falou em voz baixa.

- Caminho livre.

- Sim. - concordou o outro, também aos sussurros - Vamos voltar e avisar os outros.

- Você não achou esquisito?

- O quê?

- Este negócio do gaijin nos deixando sua...

- Se não gostou por que não diz isso para ele?

- He, prefiro me afogar num tanque de merda.

- Então cale essa boca grande. Tudo o que temos que fazer é nos posicionar e aguardar o sinal para atacá-los pelas costas. Não se preocupe, também teremos nossa cota de diversão. Agora vamos sair daqui, tem alguma coisa me incomodando nesse lugar.

Foi ai que Logan saltou sobre o ninja mais alto e abriu seu tórax do externo até a virilha. Antes que o outro pudesse esboçar qualquer reação foi agarrado pelo pescoço e lançado com violência contra o tronco sólido do pinheiro, Logan ouviu com nitidez o estalo seco do pescoço se quebrando. Para o que tinha planejado, precisava das roupas daquele ali intactas.

Com uma careta de nojo, Logan esperou que os corpos dos dois ninjas se dissolvessem. A seguir tirou a roupa e começou a vestir o uniforme do ninja baixinho. Como ele havia imaginado a roupa serviu perfeitamente. Enquanto fazia isso pensava vagamente sobre o que Creed poderia ter “deixado” com os ninjas. Fosse o que fosse não deveria ter muita importância, só o que importava era o cheiro tão conhecido que estava cada vez mais perto.

Terminou de ajustar o capuz e colocou a espada às costas. Pegou as próprias roupas e juntamente com as botas e o precioso relógio/comunicador fez uma trouxa que escondeu com todo o cuidado no oco de uma outra árvore. As roupas do outro ninja foram jogadas no meio de um arbusto espinhento.

Finalmente pronto, Wolverine enveredou para dentro do bosque escuro onde o tão esperado confronto o aguardava, imaginando com antecipada satisfação a cara de surpresa que Creed faria ao encontrá-lo.


Última revisão: 08/07/2005

Comentários:

Chegamos finalmente no capítulo 10, parece mentira, mas na verdade o “esboço” deste capítulo já estava pronto há muito tempo, de lá pra cá ele foi mexido, alterado, cortado e teve algumas partes adicionadas para logo em seguida serem cortadas novamente. Apesar de tudo isso acho que ficou satisfatório. Muito da tensão acumulada dos capítulos anteriores começou a ser liberada. A ação, a partir de agora, será o foco principal do fanfic.

Alguns fãs do Kenshin vão com certeza achar estranhas algumas atitudes exageradas e passionais dele, e a sua desconfiança e antipatia iniciais quanto ao Logan. Mas convenhamos, apesar de muito forte, o Kenshin é humano e está sujeito a todo tipo de stress e angústias que uma situação daquela pode causar, especialmente quando se trata da Kaoru. Por isso resolvi retratá-lo assim. Quanto a sua atitude com relação ao Wolverine, nada mais normal. Afinal, qualquer um desconfiaria de um completo estranho que surgindo do nada, chega como se fosse o dono do pedaço, complicando ainda mais uma situação que já era complicada. Essa situação só vai mudar quando Logan realmente fizer por merecer a confiança de Kenshin.

O fato de Dentes-de-Sabre ter descoberto a presença de Logan vai ser decisivo no decorrer dos próximos eventos, assim como a decisão de Kenshin ao sair em auxílio aos policiais. Saitou tem por sua vez seus próprios motivos para não ter insistido em que Kenshin e Sano ficassem na casa.

Como eu prometi no capítulo anterior, vamos ter a partir de agora ação ininterrupta por pelo menos quatro episódios. Portanto se prepare pra muito sangue, pancadaria e correrias, fora algumas surpresas adicionais no meio do caminho.

Obrigado pela atenção e até o próximo capítulo.

Otávio Pedroso

Contato: josé[email protected] ou [email protected]

Notas:

[1] - Arigato gozaimasu - Modo formal de agradecimento, alguma coisa como: Muitíssimo obrigado.

[2] - Do itashimashité - De nada; não há porque; pode ser traduzido também como, foi um prazer ajudar.

Capítulo 11

Capítulo 9

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