Samurai X-Men

Capítulo 8: Despertar


Tarde do dia 31 de setembro do ano 11 da era Meiji.

Já passavam das quatro horas da tarde quando um dos policiais responsáveis pela carceragem da sede da polícia metropolitana de Tókio veio chamar Logan. Ele estava esticado sobre uma esteira de palha de arroz dentro de uma cela, dormindo tranqüilamente com o chapéu puxado sobre os olhos.

- Ei gaijin, acorde. O subdelegado Fujita quer falar com você. - disse o policial magrelo enquanto destrancava a cela.

Com toda a pachorra do mundo, Logan se sentou, arrumou o chapéu na cabeça e só depois de bocejar e alongar os braços se ergueu e passou pela porta que o policial segurava pacientemente.

Enquanto seguia o policial por corredores de um subsolo úmido onde se misturavam vários cheiros nada agradáveis, Logan pensava no que tinha acontecido até o momento.

Mal tinha largado o pulso de Chou, e Saitou dera a ordem para prendê-lo. Apesar dos protestos de Chang ele foi algemado e levado no que poderia ser descrito como um “camburão” da época: uma carruagem toda fechada com grades.

Ao chegarem no grande casarão em estilo ocidental da sede da polícia, Logan foi atirado de forma nada gentil na cela onde estivera até a pouco. As únicas coisas que tiraram dele foram os documentos que carregava e o pedaço de espada que tinha recolhido no local do incêndio, nada de fichamento, nada de interrogatório, simplesmente o trancaram ali. Em nenhum momento Logan falou ou esboçou qualquer protesto ou reação.

- “Bom, até agora tudo certo. Pena que a bóia daqui seja uma droga.” - pensou Logan enquanto se lembrava da tigela de arroz com peixe que recebeu logo que tinha chegado ali.

Assim que saíram da área da detenção, o mutante foi conduzido por uma série de corredores apinhados de gente uniformizada, todos ocupados como formigas, mas mesmo assim perdendo alguns segundos para olhar o estranho ocidental que passava, soltando de vez em quando um sorridente “boa tarde” num japonês irrepreensível, o que causava ainda mais espanto aos policiais que respondiam se inclinando desajeitadamente.

O prédio era bem grande. Levou quase cinco minutos para chegarem a uma sala com os dizeres “Serviço Secreto” pintados numa tabuleta sobre a porta fechada. O carcereiro que acompanhou Logan bateu na porta e esperou alguns segundos.

- Entre. - veio a resposta lá de dentro.

Assim que entrou a porta se fechou atrás de Logan. De cara o detalhe que mais chamava a atenção na sala eram os armários ao longo das paredes, onde se amontoavam pilhas e mais pilhas de arquivos. Além disso, a mobília se resumia a uma grande escrivaninha atrás da qual estava a ampla janela de caixilhos, algumas cadeiras de espaldar reto e um sofá.

Saitou estava sentado atrás da escrivaninha, examinando alguns papéis. Além dele estavam presentes Chang e Chou. O primeiro sentado numa cadeira em frente à escrivaninha e o segundo de pé, escorado em um armário no canto da sala.

- Sente-se - falou Saitou com voz azeda e sem ao menos erguer a vista, indicando uma cadeira ao lado de Chang.

Logan se adiantou e se acomodou ao lado do amigo que o cumprimentou com um aceno de cabeça e um sorriso frio, que mal disfarçava a sua irritação. Logan também não pode deixar de notar o olhar de puro ódio que Chou lhe dirigia de onde estava, como se pudesse perfurá-lo com os olhos. Sua mão esquerda estava envolta em bandagens.

- “John Logan”, agente do Serviço Secreto Canadense. - dizia Saitou enquanto examinava os documentos em suas mãos. - Todos os seus papéis estão em ordem, Sr. Logan. Então você é a ajuda externa que o senhor Chang me prometeu? Muito bem, - largou os papéis e encarou Logan - o que estava fazendo naquele lugar? Sei que não terá problemas com o idioma, pois sua ficha diz que o senhor já trabalhou para uma companhia holandesa com sede em Yokohama há cinco anos.

Antes de responder Logan notou o cinzeiro cheio até a boca em cima da mesa. Tirou um dos seus charutos do bolso e só depois de acendê-lo e tirar a primeira baforada bem na cara de Saitou é que respondeu:

- Só estava dando uma olhada. - disse com ar casual - Foi um bom teste pra ver o nível de vigilância dos seus homens, se fosse o Creed e não eu, ele podia ter matado você e todos os outros.

Chang se mexeu na cadeira, Chou descruzou os braços e deu um passo na direção de Logan, mas uma rápida olhadela de Saitou o fez mudar de idéia e parar com uma das mãos já crispada sobre uma de suas espadas. Com toda a calma, Saitou voltou a encarar Logan, não dando mostra de ter caído na provocação.

- Pelo visto o senhor conhece mesmo o nosso homem.

- Pode apostar! - respondeu Logan depois de expelir outra nuvem de fumaça azulada. - Estou caçando ele há mais de um ano. Como tu já deve ter lido na ficha que o meu bom amigo Chang te passou, ele matou um bocado de gente no Canadá, Estados Unidos, Austrália e agora resolveu acampar por aqui. Que azar, heim?

A cada segundo que passava Saitou gostava menos daquele gaijin metido a besta. Infelizmente não só a autenticidade dos documentos estava confirmada, como recebera ordens para tratar bem o visitante. Mesmo assim estava disposto a despachá-lo de volta ao buraco de onde veio o mais rápido possível.

- Tem razão, - disse ele - eu estou a par de tudo isso. Só não entendi ainda o porquê de tanto empenho por parte do seu governo. A ponto de mandar um homem para o outro lado do mundo e ajudar na captura deste criminoso.

- Vamos dizer que ele é um elemento que queremos ver fora de circulação. - respondeu Logan escolhendo com cuidado as palavras. - Além do mais, o lema da nossa polícia é “nunca deixamos escapar o nosso homem”. Vocês vão precisar do melhor e com certeza eu sou o melhor no que faço.

As últimas palavras de Logan causaram uma sensação quase palpável de mal-estar na sala. Saitou se limitou a sorrir desdenhosamente, mas mais uma vez Chou se mexeu no lugar onde estava como se houvessem formigas lhe percorrendo o corpo.

- Pode acreditar no que ele diz, subdelegado Fujita. - começou Chang aproveitando o hiato na conversa. - O senhor Logan, além de ótimo detetive é um lutador muito habilidoso. Seu único defeito, - olhou de lado para Logan - é ser muito impulsivo às vezes. Por isso peço mais uma vez desculpas pela confusão que ele causou.

- É isso aí - concordou Logan - Devo desculpas ao senhor, subdelegado. E também ao cabeça de vassoura aí atrás, achou que eu exagerei um pouco, espero que de agora em diante possamos trabalhar juntos.

- M-meu nome é Chou. - o ex-membro da Jupongatana estava vermelho como um tomate e tremendo da cabeça aos pés. - Se me chamar de cabeça de vassoura de novo eu te mato.

- Chou. Acalme-se. - falou Saitou com irritação evidente. - Está mais do que claro que você não teria a menor chance contra esse homem, ele já pediu desculpas, agora cale-se.

Enquanto Chou resmungava uma série de insultos e voltava para o seu canto, Saitou voltou a encarar Logan, que muito tranqüilo continuava a encher a sua sala com a fumaça acre de seu charuto. Era hora de acabar com aquela palhaçada, o tempo estava passando e cada minuto era precioso.

- Muito bem, senhor Logan. - enquanto falava Saitou mais uma vez manuseava os papéis em cima de sua mesa. - Sua ajuda é muito bem-vinda. Mesmo porque, - mostrou um documento em que se destacava o selo imperial - este decreto ministerial, bem como as ordens diretas do comandante não me deixam escolha. Agora pode voltar para o seu hotel, se eu precisar de algum conselho ou opinião mandarei chamá-lo imediatamente.

Saitou se levantou para tornar mais claro que a reunião tinha acabado.

- Peço desculpas pelo tratamento que lhe infligimos. Agora se me dá licença tenho assuntos urgentes a tratar.

Logan permaneceu onde estava, olhando para a figura alta a sua frente através do véu da fumaça do charuto. Notou que apoiada em pé ao lado da mesa descansava a katana de Saitou, bem ao alcance da mão. Já esperava por aquele tratamento, por isso resolveu botar suas cartas na mesa.

- Eu ainda tenho algo a dizer. - falou o mutante encarando Saitou nos olhos e logo em seguida apagando o charuto no tampo da mesa e guardando o toco num dos bolsos.

Saitou ficou alguns momentos olhando para as cinzas e a marca de queimadura em cima de sua mesa antes de se inclinar apoiando as duas mãos na escrivaninha e dirigir a Logan o olhar mais frio e cruel de que era capaz. Chou mais uma vez descruzou os braços e observou a cena com expectativa enquanto Chang olhava preocupado de Logan para Saitou.

- O senhor não entendeu, senhor Logan, esta reunião está encerra... - começou Saitou com uma voz tão ou mais perigosa que o olhar.

- Quem não entendeu foi você... Hajime Saitou. - interrompeu Logan enquanto sustentava e respondia ao olhar do policial.

Chang voltou um olhar espantado na direção de Logan, este por sua vez, piscou quase imperceptivelmente para o amigo. O agente da LL&L leu naquele gesto uma confirmação do que já suspeitava: Logan estava tramando algo. Desde que o mutante tinha sido inexplicavelmente pego bisbilhotando no local do incêndio, Chang desconfiava que Logan tinha algo em mente.

Saitou e Chou tiveram reações diversas: o primeiro, ao ouvir o seu verdadeiro e secreto nome piscou várias vezes antes de com um suspiro se sentar e começar a procurar um cigarro. Chou simplesmente deixou cair os braços e o queixo ficando com cara de palerma.

Somente depois de acender o cigarro e dar uma longa tragada é que Saitou se dirigiu a Chang com uma voz cansada:

- Senhor Chang, peço que nos dê licença. Pelo visto eu e o senhor Logan ainda temos alguns assuntos a tratar. Passar bem.

Sem dizer uma palavra o homenzinho de óculos se ergueu e se curvou respeitosamente para o subdelegado, em seguida se despediu de Logan com um tapinha amistoso no ombro.

- Cuide-se meu amigo, espero ter notícias suas em breve. Se precisar de mim sabe onde me encontrar.

Logan acenou afirmativamente com a cabeça e observou o amigo abrir a porta e sair deixando-o na companhia de dois homens que - ele tinha certeza - o cortariam em pedacinhos com a maior satisfação. Nem bem Chang havia saído e Saitou fez uma pergunta direta:

- Muito bem, senhor Logan. O que tem a dizer?

Logan então contou todo o conteúdo da conversa que Saitou e Chou tiveram nas ruínas da mansão Yoshioka. O relato durou cerca de cinco minutos, à medida que falava Saitou fumava cigarro em cima de cigarro estreitando os olhos à medida que cada detalhe da conversa era exposto. Chou tinha se aproximado e ouvia tudo com um misto de incredulidade e desprezo estampados no rosto.

- Como podem ver, - continuou Logan com um ar presunçoso e um sorriso cínico - eu sei de tudo. Imagino que você não ia gostar nem um pouquinho se certas pessoas soubessem disso, né?

O cérebro de Saitou trabalhava furiosamente. “O que esse cara quer afinal?”, “Por que tanto interesse nessa história?” e principalmente: “Como ele conseguiu escutar a nossa conversa da distância em que estava?”. Eram perguntas que martelavam em sua cabeça e por mais que pensasse não conseguia responder... Por enquanto.

- O que você quer afinal? - perguntou finalmente Saitou esquecendo o cigarro que pendia de sua mão e do qual já caíam cinzas.

- Ora. - Logan cruzou os dois pés em cima da mesa e abriu os braços, em seguida respondeu como se fosse a coisa mais óbvia do mundo - Só quero participar da festa. Eu vim de muito longe só pra dar cabo daquele safado e esse seu plano é muito bom, com certeza o Creed vai cair na armadilha e eu quero estar certo de que ele não vai escapar. Eu tenho que agradecer a vocês, não só me pouparam o trabalho de procurar o desgraçado como já armaram a arapuca pra ele. Valeu mesmo.

Logan obviamente não mencionou o fato de que ele talvez fosse a única coisa que impediria Creed de massacrar não só Saitou, mas todos os envolvidos no “plano”.

Saitou tinha amassado o cigarro fumado pela metade de encontro ao cinzeiro lotado de baganas e agora olhava pensativamente para as botas de vaqueiro de Logan. Chou estava mais apalermado ainda, olhando de um para outro e mal acreditando no que estava vendo e ouvindo.

- Peraí Saitou! - disse Chou não podendo mais se conter - Você não está pensando em dar ouvidos a esse cara?

O policial estava prestes a responder quando alguém bateu na porta. Saitou imediatamente ficou de pé e se empertigou.

- Entre.

Um policial baixote, gordo e terrivelmente mal-encarado entrou na sala acompanhado por um policial alto de olhos muito puxados. O primeiro foi logo falando:

- Senhor. Tenho novidades sobre...

O policial obeso tinha entrado tão estabanadamente que não tinha notado a presença de Logan. Este tinha se levantado também e sorria batendo dois dedos na aba do chapéu a título de cumprimento. Sem saber o que fazer o policial olhou para Saitou que se limitou a suspirar ostensivamente antes de falar com voz arrastada:

- Sargento Mochiba, - apontou para o policial alto - Quem é ele você e o que está fazendo aqui?

- Desculpe senhor. - disse Mochiba apressadamente - Este é o policial Haitani, ele foi transferido recentemente para a nossa sessão. Asseguro que ele é de inteira confiança.

O dito Haitani curvou-se respeitosamente.

- É um prazer conhecê-lo senhor, será uma honra trabalhar com uma figura tão ilustre.

Saitou não respondeu a saudação. Não lembrava de ter solicitado ou autorizado a transferência. Na verdade fazia questão de escolher pessoalmente todo o pessoal com quem trabalhava. Mas uma vez que estava sem tempo, resolveu deixar a questão para outra hora.

- Muito bem. Pode dizer a que veio, sargento. Este, - fez um gesto na direção de Logan - é o agente Jonh Logan, do Serviço Secreto Canadense. A partir de agora ele nos auxiliará diretamente no caso Tentáculo, e portanto, tem acesso ilimitado a informações.

Ainda meio sem jeito o sargento demorou alguns segundos para se curvar formalmente murmurando um “prazer em conhecer” que Logan retribuiu corretamente dizendo “o prazer é todo meu”. Chou assistia à cena com a raiva e a incredulidade estupidamente estampadas no rosto. Ainda meio hesitante, o sargento Mochiba falou.

- Senhor, o mensageiro que mandamos voltou. - estendeu um papel que pegou do bolso - Disse ser uma mensagem urgente.

Saitou tomou o papel das mãos do Sargento e leu avidamente o seu conteúdo. Logo, um sorriso de satisfação iluminou seu rosto. Em seguida foi até a janela aberta, riscou um fósforo e ateou fogo à mensagem deixando ela queimar entre seus dedos, o pouco que sobrou deixou cair no pátio da delegacia e se tornou cinzas antes de chegar ao chão. Todos observaram o procedimento sem emitir um piu sequer. Também em silêncio observaram Saitou pegar sua espada e fixá-la no suporte do cinto. Quando terminou, pegou os documentos de Logan, contornou a mesa e ficou frente a frente com o mutante, cuja cabeça mal alcançava seu peito.

- Vamos indo, senhor Logan. - disse Saitou enquanto entregava os documentos de forma nada gentil. - Temos muito trabalho pela frente. Só vou dizer mais uma coisa. Esta operação paralela é totalmente extra-oficial, não me responsabilizo por qualquer coisa que venha a lhe acontecer. Ficou claro?

- Não me diga, - Logan tinha que levantar bem a cabeça para encarar Saitou - agora me conta uma novidade.

Saitou tinha um sorriso perverso no rosto quando girou sobre os calcanhares e se dirigiu a passos largos para a porta. No caminho estacou e encarou Haitani.

- Você fica. Vou examinar a sua situação assim que voltar.

O policial mal pôde reprimir uma expressão de puro desapontamento enquanto batia continência em sinal de assentimento. Em silêncio, Logan concordou com a atitude de Saitou. Havia algo no cheiro daquele Haitani que despertava a desconfiança do mutante.

Saitou abriu a porta num repelão e seguiu pelo corredor em marcha acelerada, Logan e Mochiba não perderam tempo em segui-lo, quase tendo que correr para acompanhá-lo. Chou se deixou ficar onde estava, de braços cruzados e cara amarrada.

- Pois eu vou ficar aqui mesmo, - falou com os olhos fechados - não concordo com essa palhaçada de jeito nenhum, eles que se ferrem!

Aos poucos veias começaram a pulsar na sua testa e têmporas, seu corpo começou a tremer e os dentes rilhavam furiosamente.

- Ah! Que merda! ESPEREM POR MIM!!!

O homem dos cabelos de vassoura disparou como uma flecha pela porta aberta, sendo observado com reprovação por policiais que tinha que pular de lado para não serem atropelados.

O policial Haitani foi o último a sair da sala, não com a mesma pressa dos outros, ainda tinha uma expressão de desapontamento no rosto. Tinha sido muito difícil se infiltrar ali e era quase certo que ele seria descoberto antes do fim do dia. Mas mesmo o pouco que descobriu deveria ser transmitido ao Tentáculo. Por algum motivo aquele gaijin baixinho tinha lhe provocado calafrios.

 

Dentes-de-Sabre tentava descarregar o estresse. Geralmente ele tinha duas formas de fazer isso: enchendo a cara ou batendo em alguém. Ele optou pela segunda alternativa.

No amplo salão de treinos da base secreta do Tentáculo, vinte ninjas armados com bastões tentavam subjugar o gigante vestido de negro. Um número quase igual já estava fora de combate, os que tiveram sorte saíram apenas com algumas costelas quebradas e concussões, mas havia outros que jaziam pelos cantos mais mortos do que vivos.

- Qualé cambada! - berrava Creed - Podem vir todos de uma vez. Já disse que não vou usar minhas garras.

No círculo de homens mascarados ninguém parecia muito disposto a atender o pedido. O gaijin estava especialmente mal-humorado naquele dia.

Por fim, pedindo proteção aos demônios um deles soltou um kiai estrondoso e atacou. Quase ao mesmo tempo todos os outros o imitaram tencionando fazer cair uma chuva de pauladas em cima de Creed.

O infeliz que teve a péssima idéia de tomar a iniciativa também foi o primeiro a levar a sua dose. Ele tentou atacar por trás, mas Creed o presenteou com um coice de mula tão forte, que fez o pobre ninja voar, tirando de combate mais dois contra quem se chocou.

Cinco minutos e muitos ossos quebrados depois somente Dentes-de-Sabre continuava em pé. Ele finalizou a seção atirando o último ninja porta afora como se fosse um saco de lixo.

Shiro ia entrando naquele momento e só não foi atingido pelo corpo do colega graças a uma esquiva ágil. Ele ainda vestia as mesmas roupas civis que usara para chegar até ali. Depois, tomando cuidado para não pisotear os companheiros caídos, se aproximou de Creed, que naquele momento estava de costas secando o suor do rosto com uma toalha.

- Creed-sama. - disse o ninja pondo um joelho no chão e abaixando a cabeça. - Tenho novi...

- Antes de mais nada Shiro, - interrompeu Creed, se virando de cenho franzido - que raio de fedor é esse? Tu tá cheiraando igual a cadáver de terceiro dia.

- Desculpe senhor, foi o jeito que eu achei para me infiltrar e...

- Esquece... fala logo o que tu veio dizer. Pro teu bem espero que sejam boas notícias.

- Nós a encontramos. - o alívio no rosto de Shiro era mais do que evidente - Sem sombra de dúvida eu sei onde ela eestá.

- Ótimo. Bom trabalho. - felicitou Creed aplicando um vigoroso tapa no ombro de Shiro. - É a melhor notícia do dia, todos os outros espiões vieram de mãos abanando, e como tu pode ver, - fez um gesto indicando o salão, onde os que podiam andar arrastavam os outros para fora - eles tiveram que ficar aqui e me ajudar a passar o tempo.

- Ah sim, claro. - falou Shiro enquanto se erguia e massageava o ombro dando uma olhada na sala com uma grande gota de suor na testa e um sorriso amarelo na cara. - Espero que o senhor tenha se divertido.

- Claro que isso não vai me adiantar nada se aquela menina der com a língua nos dentes. - a ameaça velada que aquelas palavras continham fez com que o estômago de Shiro se contraísse involuntariamente.

- Qua-quanto a isso não precisa se preocupar senhor.- respondeu o ninja com um sorriso forçado. - A garota continua desacordada, parece que os ferimentos que recebeu foram mais sérios do que imaginamos a princípio.

- Perfeito. - exultou Creed ao mesmo tempo em que aplicava outra sonora palmada no ombro de Shiro. - Pelo jeito a sorte tá do nosso lado, parabéns Shiro, tu conseguiu tirar o meu da reta e salvar o teu couro, há há há há.

- Obrigado senhor. - respondeu Shiro com mais confiança, se perguntando se sobreviveria a mais uma congratulação - Se me permite eu vou liderar a expedição para dar cabo da garota. A segurança em torno dela não passa de uns trinta homens. Cinqüenta dos nossos serão o suficiente.

- Não seja idiota. - falou Creed parando de rir e fechando a cara - Tu já falhou uma vez e já é o bastante. Eu vou liderar o ataque. É como diz aquele velho ditado “se quer uma coisa bem feita, faça você mesmo”. Além do mais eu li a ficha do tal de Saitou, se ele estiver por lá acho que pode acabar com todos os teus cinqüenta ninjas sozinho.

- Como queira senhor.

- Agora vem. Temos preparativos a fazer, - dizia Creed enquanto seguia para fora seguido de perto por Shiro - pra começar não vou querer cinqüenta, mas duzentos homens. Vocês só têm alguma utilidade quando estão em grande número. Desta vez não vou tolerar e nem permitir falhas.

No lado de fora do salão havia um jardim com um pequeno lago onde algumas carpas e outros peixes decorativos nadavam placidamente. Creed parou e se virou para Shiro que vinha logo atrás.

- M-mais alguma coisa, senhor? - perguntou o ninja.

Sem dizer nada Creed agarrou Shiro pela gola do kimono e apesar dos protestos o arremessou como quem joga fora um boneco de pano. Após um curto vôo, Shiro se espatifou com estardalhaço no pequeno lago, voltando à tona logo em seguida, bufando e tossindo. Creed gargalhava com gosto.

- Vai tomar um banho, estrupício.

 

O sol lançava seus últimos raios dentro do quarto que Kaoru Kamia ocupava. Neste momento ela estava acabando seu segundo prato de sopa, sendo observada com interesse por um sorridente Kenshin Himura. Além dele não havia mais ninguém no quarto.

- O que foi? - perguntou a garota de boca cheia e com um leve rubor no rosto - Porque está me olhando desse jeito?

- Oro!? - Kenshin parecia também meio sem jeito - Perdoe este servo, se quiser eu saio. - o espadachim foi se erguendo de onde estava.

- Não, ai! - Kaoru quase derruba a tigela pondo uma das mãos no abdome - Droga.

- Tudo bem? - Kenshin se aproximou com ar preocupado - A senhorita não pode se agitar. A Megumi disse que você quebrou duas costelas e o ferimento na cabeça ainda inspira cuidado.

Deixando a tigela e os hashis sobre uma bandeja ao lado do futon, Kaoru levou uma das mãos à cabeça, que encontrou enfaixada. Ela sabia que no alto dela havia um galo bem grande, só de tocá-lo ela se encolheu de dor. Depois ela olhou para o braço esquerdo, que também estava enfaixado do cotovelo ao punho. Sob o kimono branco de dormir seu tronco estava também firmemente cingido por ataduras.

- Nossa, - comentou Kaoru enquanto examinava suas bandagens - devo estar parecendo o Shishio toda enfaixada deste jeito.

- He, é verdade. Parece uma múmia.

Os dois se olharam e sem mais nem menos começaram a rir. Kaoru tinha que se segurar para não machucar as costelas e Kenshin ria à vontade sentindo como se não fizesse aquilo há muito tempo. Mas sem mais nem menos Kaoru parou de rir.

Assim que percebeu a mudança Kenshin também parou de rir. Ele sabia o que se passava com Kaoru, mas por enquanto não tinha como ajudá-la.

Kaoru tinha abaixado a cabeça e fechado os olhos, fazendo um esforço de concentração que durou alguns segundos.

- Não adianta. - disse a garota por fim erguendo a cabeça e encarando Kenshin, a angústia estampada no rosto e na voz - Eu não consigo me lembrar de nada. Eu sei que já perguntei isso um monte de vezes, mas... O que aconteceu comigo? Como eu vim parar aqui?

Kenshin não podia responder as perguntas, por mais que quisesse. No momento tudo o que podia fazer era tentar confortá-la. Sem dizer uma palavra ele se aproximou e sem pensar muito no que estava fazendo, tocou seu rosto, enxugando uma lágrima que abria caminho pela sua pele clara. Kenshin tinha se acostumado a ver em Kaoru uma mulher forte e destemida. Vê-la tão fragilizada daquele jeito era doloroso para ele. Ao mesmo tempo aquilo o fazia lembrar que por baixo de toda aquela fachada Kaoru era ainda apenas uma garota que recém tinha saído da adolescência.

- Não se preocupe com isso agora. - falou Kenshin com um sorriso terno no rosto - O que importa é que a senhorita está conosco.

Kaoru ainda sentia uma sensação cálida no rosto bem onde Kenshin a tocara. O gesto a pegou de surpresa e ela ficou sem jeito. Mas logo ergueu o olhar e respondeu ao sorriso de Kenshin timidamente.

- Obrigada.

Naquele instante Kenshin a achou a mulher mais linda do mundo, mas aquele sorriso angelical, aquele brilho no olhar o fez lembrar de um outro rosto, que fazia parte do seu passado. A lembrança sempre vinha acompanhada de um aroma de flores e uma pontada de dor na sua cicatriz em forma de cruz.

Kaoru percebeu a mudança, mas ela não passou de um lampejo, logo o sorriso gentil atrás do qual muitas vezes Kenshin escondia seus verdadeiros sentimentos voltou. Enquanto o observava voltar ao lugar onde estava ela se perguntou mais uma vez quando chegaria o dia em que veria um sorriso verdadeiro por parte dele.

- Kenshin, - começou ela de forma tímida, sem encará-lo - a última coisa de que me lembro é de ter ido àquele lugar para surpreender você. Nada disso teria acontecido se eu tivesse acreditado no que você me contou. Perdoe-me.

- Como estava a sopa? - perguntou Kenshin de forma casual.

- Hein? Ah, a sopa. - a pergunta repentina fez com que ela olhasse para Kenshin. No olhar dele Kaoru pode sentir que não haviam motivos para pedidos de desculpas, mais uma vez ela sorriu - Estava ótima, parabéns Kenshin.

- Que bom que gostou, a Megumi além de excelente médica, é uma ótima cozinheira. Agora mesmo ela está fazendo o jantar pra todo mundo. Parece até que tem alguns policiais querendo pedi-la em casamento, você tinha que ver a cara dela.

- Sei, - como sempre Kaoru se sentia desconfortável quando comparava os “dotes” de Megumi com os seus - espero que você também coma um pouco. O Sanosuke me disse que você não tinha comido nada o dia todo.

Kenshin já ia responder quando o barulho de passos acelerados o interrompeu. Com agilidade, Kenshin se colocou de pé já segurando a sakabatou. Sanosuke abriu a porta corrediça com força.

- Kenshin! - Sanosuke parecia agitado - O desgraçado do Saitou acabou de chegar.

O semblante de Kenshin se endureceu quando ele ouviu o nome do policial.

- Ótimo. Está na hora de termos algumas respostas. Kaoru-dono, este servo pede licença.

Kaoru acenou positivamente com a cabeça e observou Kenshin colocar a espada na cintura e sair porta afora a passos largos. Sanosuke já ia segui-lo, mas como tivesse se lembrado de algo continuou no limiar da porta por alguns segundos, até se virar para Kaoru.

- Hã, Kaoru. - Sanosuke coçava a nuca e olhava o chão, visivelmente constrangido - Acho que eu te devo desculpas, eu não devia ter mentido pra você quando disse que ia levar o Kenshin na zona.

Por um momento Kaoru perdeu a fala, a menos que ela estivesse muito enganada era a primeira vez que ela ouvia o lutador de rua pedindo desculpas, então ela teve uma idéia.

- É claro que não. - falou Kaoru, pondo todo veneno que podia na voz ao mesmo tempo em que cruzava os braços e desviava o olhar de Sanosuke.

Sentindo como se tivesse uma pedra de gelo no lugar do estômago Sano se virou e começou a se afastar.

- Entendo. - disse ele com um fio de voz - Vou sair daqui.

Mal tinha dado dois passos quando ouviu uma voz alegre atrás de si:

- Brincadeirinha.

Sano se virou e viu Kaoru sorrindo, e como uma moleca mostrava a língua e a parte de baixo da pálpebra.

- Ora sua... - ele se sentia ao mesmo tempo aliviado e muito ridículo.

- Agora estamos quites. Não se preocupe, o que passou, passou. Você foi mesmo um idiota quando inventou aquela história só que eu fui muito mais por ter acreditado.

- Obrigado. - disse finalmente Sanosuke olhando Kaoru nos olhos e sorrindo - Que bom que você está bem, donzela.

- Claro que eu estou bem! - Kaoru piscou um olho com um ar de pouco caso - Uns arranhõezinhos desses nunca que iam me derrubar. Agora sai daqui, eu sei que você está doido pra ir atrás do Kenshin.

Sanosuke acenou com a cabeça e se foi, fechando a porta do quarto. Assim que se viu sozinha Kaoru se voltou mais uma vez para suas próprias preocupações. Mais do que todos, ela ansiava pelos esclarecimentos de Saitou, mesmo não conseguindo se lembrar do que aconteceu ela sentia que o perigo ainda não tinha passado.


Última revisão: 11/05/2005

Comentários

O título do capítulo se justifica logo no início com Logan acordando na cadeia, na verdade bati muita cabeça para tentar achar algo melhor, mas acabou ficando assim mesmo. Bem, graças à xeretagem de Logan no capítulo anterior ele não só ficou sabendo de uma ótima oportunidade para encontrar Dentes-de-Sabre como não vai precisar mexer um dedo para isso acontecer. Com certeza Saitou, que não tinha ido muito com a cara de Logan passou a odiá-lo, dá pra imaginar a raiva e confusão dele, primeiro ao constatar que os documentos de Logan eram verdadeiros e por isso teria de soltá-lo, e depois a raiva e confusão se juntou à surpresa ao ouvir a ameaça e a imposição de Logan. Saitou com certeza não é o tipo de cara que gosta de se ver encurralado. Chou já tinha bons motivos para querer ver Logan pelas costas, depois do que ouviu então... Logan por sua vez com certeza preferiria não se envolver tanto, mas resolveu tomar este rumo de ação talvez por entender que assim poderia proteger todos os envolvidos melhor. Colocar personagens com pontos de vista tão antagônicos juntos numa convivência e camaradagem forçada é uma ótima fonte de situações interessantes, além do mais ficaria muito estranho ver todo mundo amiguinho logo de cara.

A descrição do escritório de Saitou foi bem fácil, já que ele aparece mais de uma vez no mangá. Sem nenhum motivo especial tomei a liberdade de mudar o nome “Sala de Dados” para “Serviço Secreto”. Quanto à observação que eu fiz sobre a altura de Logan mal chegar ao peito de Saitou: Ao contrário do que muita gente que só assistiu os filmes dos X-men e a série X-men Evolution pensa, o Wolverine é um legítimo “pintor de roda-pé”, há algumas divergências, mas ele deve ter entre 1,58 a 1,65 no máximo enquanto Saitou deve ter no mínimo 1,90. Nunca li em nenhum lugar a respeito da altura de Kenshin, mas a julgar pelo que se vê no mangá e no anime ele deve ser mais ou menos da altura de Logan. Se alguém mais bem informado do que eu tiver algumas informações a esse respeito, sinta-se à vontade para comentar.

Como era de se esperar, Dentes-de-Sabre mordeu a isca, mesmo porque a auto-confiança e a estupidez são duas de suas marcas registradas. A cena do “treinamento” foi bem divertida de escrever, a meu ver Creed não pode recorrer sempre àquele método para descarregar o “stress”, se ele sempre fizesse isso logo o Tentáculo ficaria sem ninjas. Deste modo ele geralmente deve encher a cara com litros e mais litros de sakê para esquecer as misérias da vida. Por enquanto ele não vai saber sobre a presença de Logan, mas a julgar pelo parágrafo final da primeira parte isso não vai durar para sempre.

A última parte trata da situação de Kaoru e cia. Sei que ficou meio forçado essa estória de amnésia e tudo mais, mas foi um jeito de dar um pouco mais de dramatismo à trama. Atenção para a cena romântica entre Kaoru e Kenshin(se é que se pode chamar assim) foi a seqüência de longe mais difícil e mais modificada. A primeira versão era bem mais melosa e detalhada, felizmente me dei conta do exagero e reescrevi. A meu ver o legal da relação deles é justamente a maneira tímida, esquiva e muitas vezes desajeitada com que ambos lidam com seus sentimentos, especialmente Kenshin que fica dividido entre os sentimentos que certamente nutre por Kaoru e a culpa pelo o que aconteceu com Tomoe no passado. Para mim, cenas de amor e romantismo são com certeza as mais difíceis de se escrever, assim como em tudo mais, vou tentar melhorar nesse aspecto.

Nó próximo capítulo: O tão esperado encontro entre Kenshin Himura e Wolverine! Precisa dizer mais?

E-mail para contato: [email protected] e [email protected].

 

Capítulo 9

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