Samurai X-Men

Capítulo 7: Visitante Inoportuno


31 de Setembro do ano 11 da Era Meiji, por volta de meio-dia.

Hajime Saitou estava examinando os destroços carbonizados do que até poucas horas atrás foi a mansão do Clã Yoshioka. Apenas algumas das paredes de pedra estavam de pé, tudo o mais desmoronou ou foi reduzido a cinzas, incluindo as pessoas que porventura estivessem no prédio. Graças ao relativo afastamento que o edifício mantinha com relação aos vizinhos, o incêndio não se espalhou, ficou restrito àquela área e durou até que todo material combustível queimasse. Ainda agora haviam pequenos focos isolados assim como uma boa quantidade de fumaça saindo dos escombros.

- Então isso foi tudo o que sobrou do poderoso clã Yoshioka? - disse Saitou para si mesmo enquanto olhava para os restos de um esqueleto carbonizado.

Em seguida o policial passeou o olhar por volta. Homens da polícia que até a pouco buscavam por evidências, agora apenas se ocupavam em manter a população curiosa afastada formando um círculo em torno do terreno. A busca foi uma quase completa perda de tempo, graças ao incêndio qualquer pista quanto ao misterioso assassino do Tentáculo sumira. Todas as suas vítimas não passavam agora de uma porção de ossos queimados, ou nem isso. Qualquer vestígio de sua passagem por aquele lugar também virou cinzas. Mesmo assim Saitou ordenou as buscas e a guarda do local, apesar de serem poucas as chances de encontrar algo de útil, no momento aquilo era a única coisa que poderia fazer enquanto algum fato novo não se apresentava.

Saitou pegou um cigarro e como estava sem fósforos usou uma brasa que estava no chão. Aquele era também o seu último cigarro, ele teria que aproveitá-lo bem. O ex-capitão do Shinsengumi também aproveitou o pequeno intervalo para pôr as idéias em ordem.

Era a segunda vez em poucos meses que a segurança e a paz de toda a nação estavam sendo ameaçadas. E mais uma vez tudo girava em torno de um único homem. Tudo dependia de se eliminar ou neutralizar o estranho elemento que há meses vinha desequilibrando o balanço de forças no Japão.

As divagações de Saitou foram interrompidas por uma voz que vinha de trás de uma parede semidestruída:

- Você deveria parar de fumar, Saitou. Isso faz mal pra saúde.

- Não tanto quanto bisbilhotar. Você chegou rápido, Chou.

O outrora membro da Jupongatana conhecido como Chou apareceu vestindo o kimono de costume e trazia os cabelos claros espetados e duros como os de um porco espinho. Além de portar duas espadas cruzadas nas costas levava ainda uma na cintura e outra solta na mão esquerda, justificando o seu apelido de “o colecionador de espadas”. Apesar da parceria que durava já algum tempo, Saitou ainda não conseguia se acostumar ao estilo extravagante de Chou. Somente o aturava graças a sua competência como espião e investigador e principalmente por seus contatos dentro do submundo.

- E então? - perguntou Chou se aproximando - É seguro conversar aqui?

- Não se preocupe, toda a área está garantida.

- Certo, certo. Como foram por aqui?

- Nada bem. Aqueles vermes fizeram um bom serviço, não deixam nada para trás que pudesse fornecer alguma pista. Eu esperava que pudéssemos capturar pelo menos um destes onimítsu para interrogatório, mas todos os que conseguimos encurralar deram um jeito de acabar com a própria vida. Os poucos yakusas que sobreviveram ao massacre não nos deram nenhuma informação proveitosa. E você, como foi?

- Não muito melhor. Depois do que aconteceu ontem todos os clãs yakusa restantes na região resolveram baixar a bola e se sujeitar ao Tentáculo. Não vamos conseguir nada útil com eles. Por isso voltei rápido, mas...

- Mas...

- ...As informações que eu conseguir coletar dizem que nas últimas cinco horas o Tentáculo está botando quase todos os seus espiões na rua. Parece que estão atrás de uma garota que está sob os cuidados da polícia. - Chou abriu um largo sorriso - Parece que você tinha razão.

- Eu sabia.- Saitou recebeu a notícia com visível satisfação - Perdemos dez policiais e há pelo menos cinqüenta feridos. Se não fosse pelo meu achado durante a madrugada esta operação teria sido um fracasso completo. Alguma dificuldade?

- Sem problemas.- Chou sorriu e fez sinal de positivo - Chegamos ao local combinado sem dificuldade. Agora ela está sob a guarda da sua “Tropa de choque”.

- Ótimo. Como ela está?

- Bom. - Chou coçou a nuca com ar preocupado - Aquela garota é durona, não é à toa que dirige sozinha um dojô de Kenjutsu, mesmo assim o estado dela é delicado. No caminho um dos policiais aplicou os primeiros socorros como pôde, mas até onde eu vi, ela não recobrou a consciência, o ferimento na cabeça pode ter sido mais sério do que pensamos no início... acho melhor mandarmos um médico ir vê-la.

- Isso já deve estar sendo resolvido neste momento.

Ao ouvir o que Saitou disse, o homem dos “cabelos de vassoura” coçou o queixo olhando para o chão durante alguns segundos antes de voltar a encarar o interlocutor e falar com evidente tom de contrariedade.

- Está falando do recado que você mandou aquele policial entregar, não é? Acha mesmo sensato envolvê-los?

Saitou pareceu refletir enquanto tirava outra longa tragada do seu cigarro:

- Querendo ou não já estão envolvidos. Battousai tem contatos importantes, de modo que ele ia acabar estragando meus planos. A melhor alternativa é tentar tirar o máximo de proveito desta situação, por exemplo: aquela doutora com cara de raposa é mais confiável do que qualquer outro médico que eu pudesse arranjar.

Chou não deixou de notar um lampejo de excitação no olhar quase sempre frio de Saitou quando este disse aquelas últimas palavras. O assassino do Tentáculo vem escapando deles há semanas, como se fosse um fantasma. Finalmente eles tinham uma chance concreta de pegá-lo e Chou tinha absoluta certeza de que Saitou não hesitaria em usar de todos os meios para cumprir sua missão.

- Nossa, com amigos como você ninguém precisa de inimigos. - Chou tentou parecer displicente sorriindo amarelo e coçando nuca, mas aquela situação o fazia lembrar o quanto sua própria situação atual era dúbia. O quanto “dispensável” ele mesmo deveria ser aos olhos de Saitou?

- Feh, espero que este súbito escrúpulo não o tenha atrapalhado na última parte de sua missão?

- Se está se referindo às informações que eu espalhei a respeito da localização da garota e do atual estado físico dela, pode ficar tranqüilo, espero que em menos de 12 horas todos os ninjas do Tentáculo estejam cercando o lugar. Espero que você saiba o que está fazendo, se a matarem antes dela nos contar o que viu tudo vai por água abaixo.

Por um momento Saitou se perguntou se seu assistente era tão obtuso quanto parecia ou se ele estava apenas se fazendo de desentendido.

- Não se preocupe Chou. Até agora tudo está acontecendo como eu esperava. De algum jeito aquela garota ouviu ou presenciou algo que não devia; a mobilização do Tentáculo para localizá-la apenas comprova o que eu já suspeitava. Com certeza ela vai ter uma história bem interessante para contar quando acordar, interessante a ponto de justificar uma nova tentativa de assassinato. É claro que nosso homem vai querer ter certeza de que dessa vez vai dar tudo certo, e então...

Um clarão de reconhecimento passou pelo rosto de Chou que foi seguido pelo gesto de bater com o punho fechado na palma da mão.

- ...Aí a gente finalmente vai ter uma chance de pegá-lo. É claro.

Saitou teve que fazer força para não rir: “É mesmo um idiota... ou um ótimo ator”. Saitou fez uma nota mental para no futuro não subestimar nenhuma das possibilidades.

- Agora preste atenção Chou. Para esta estratégia dar certo o sigilo é fundamental. O envolvimento de Battousai foi vetado por meus superiores, por isso não notifiquei nada a respeito de Kaoru Kamia, somente os homens diretamente envolvidos sabem quem é ela e qual seu envolvimento com Battousai. Sua missão é cuidar para que esta informação não vaze, se o Tentáculo desconfiar da armadilha antes do tempo...

Sem mais nem menos o Lobo de Mibu parou de falar, virou bruscamente a cabeça e ficou alguns segundos olhando sobre o ombro, com o cigarro já quase apagado pendurado frouxamente nos lábios. Chou imediatamente dirigiu o olhar na mesma direção, mas tudo o que viu foi montes de entulho carbonizado e a fumaça que ainda se desprendia dali.

Por cerca de cinco segundos os dois homens ficaram completamente imobilizados com os cinco sentidos em alerta, até que Saitou soltou suavemente a respiração junto com a última baforada de fumaça do cigarro.

- Tudo bem, Saitou? - a voz de Chou era pouco mais do que um sussurro.

Sem dizer uma palavra o policial jogou fora a bagana de cigarro e começou a caminhar sem fazer ruído algum. Com uma mão fez um gesto para Chou o seguir enquanto a outra já segurava a bainha da espada. Como felinos caçando os dois começaram a contornar o monte de entulho fumegante. Cuidadosamente Saitou olhou por cima de um muro de pedra semidestruído e indicou para que Chou fizesse o mesmo.

A uma distância de pelo menos trinta metros se encontrava um homem agachado, examinando alguma coisa em suas mãos. Ele vestia roupas ocidentais de uma tonalidade castanho-escura. Como estava quase de costas e usava um estranho chapéu preto não podiam ver seu rosto.

Chou fez menção de sacar uma de suas espadas, mas Saitou segurou seu braço. Por algum motivo que não sabia explicar, ele sentia que não seria prudente se aproximar do estranho com uma espada na mão. Foi este mesmo sentimento que o impeliu a ir até ali. O misterioso sexto sentido que só os espadachins de primeiríssima linha como ele possuíam e que permitia que ele sentisse a “presença” de pessoas que emitissem uma energia ou “Ki” muito forte. Essa energia intensa geralmente só é emitida pelos seres humanos em momentos de forte emoção. O fato de o estranho emitir uma energia tão intensa, mesmo estando aparentemente relaxado era o que fazia Saitou hesitar.

A idéia de Logan era ir e voltar sem que Chang desconfiasse, dar uma “fuçada” no lugar e esticar as pernas, mas um fragmento de espada aparentemente cortado com perfeição cirúrgica chamou sua atenção. Tal corte só poderia ter sido feito por uma lâmina de adamantium. Foi então que ouviu as vozes, a menção do nome Saitou despertou a sua curiosidade e ele resolveu se posicionar em um lugar onde pudesse ouvir a conversa sem problemas, mas que ao mesmo tempo oferecesse uma chance de parecer que estava ali por mero acaso caso fosse descoberto. E foi uma boa idéia, aquela conversa estava muito interessante.

O súbito silêncio seguido de ruído de passos e respirações contidas era um sinal seguro de que Logan havia sido descoberto. De algum jeito um dos sujeitos que estivera escutando adivinhou que ele estava ali, provavelmente o tal de Saitou. Se quisesse, ele poderia ter sumido de vista quase tão rápida e silenciosamente quanto um fantasma, mas uma idéia surgiu de estalo em sua mente. Por isso resolveu ficar onde estava e agir como se eles não estivessem ali.

Quase dois minutos se passaram até que Logan calmamente retirou um lenço do bolso e com ele enrolou o pedaço de espada. Em seguida se ergueu espanando o pó das roupas e começou a se afastar lentamente.

Foi esse momento que Saitou escolheu para sair de onde estava, seguido de perto por Chou.

- Ei! Pare aí mesmo. - o tom de comando de Saitou não deixava dúvidas, mesmo assim ele resolveu parar a uma boa distância de Logan.

Este estacou assim que ouviu a ordem, mas não se virou. Enquanto uma mão segurava o lenço a outra estava displicentemente dentro de um bolso.

Saitou voltou a falar com o mesmo tom autoritário:

- Vire-se, devagar!

Logan não esboçou reação alguma diante da ordem. O plano que tinha em mente exigia que ele bancasse o desentendido por enquanto.

- Falei para se virar. - Saitou repetiu com mais ênfase a ordem, já com a mão no cabo da espada - Isto é área restrita. O que faz aqui?

Neste momento, Chou que até aquele instante assistia à cena calado, avançou pisando duro. Sua escassa paciência tinha chegado no limite. Ele não podia entender porque Saitou estava cheio de dedos por causa de um sujeitinho que devia ter pouco mais do que a metade da sua altura, provavelmente um espião inimigo.

- Tá surdo, tampinha?! Ele disse pra se virar!

- Chou!!! Pare com...

Tudo aconteceu num piscar de olhos. Chou venceu rapidamente a distância que o separava de Logan, pôs a mão de forma nada gentil em seu ombro com a intenção de fazê-lo se virar. Mas quase no mesmo instante que o tocava, Chou sentiu um aperto de ferro seguido de uma torção tão violenta que quase quebrou seu braço. Antes que seu cérebro pudesse registrar o fato, estava de joelhos com a cara no chão, totalmente subjugado por Logan que o imobilizava com apenas uma mão. Só quando veio a dor é que percebeu a situação em que estava.

- AAAAIII!!!! Meu Braço! S-Saitou me ajuda!

Chou não obteve a resposta que esperava, o estranho o tinha realmente pego de jeito, qualquer movimento para tentar se libertar custaria uma fratura no braço.

- Saitou! Tá esperando o que? Acaba com esse sujeito.

Novamente sem reposta. Com todo o cuidado Chou ergueu a vista para ver o que estava acontecendo.

Saitou estava no mesmo lugar, segurando o cabo da espada ainda na bainha. Seu olhar frio e penetrante estava fixo em Logan que também o encarava com um olhar avaliador. Chou, que não estava entendendo nada daquilo recomeçou a pedir ajuda com uma voz esganiçada e chorosa, já sem nenhuma preocupação em esconder a dor que estava sentindo.

- P-por favor. Me ajuda, Saitou... ele vai quebrar o m-meu braço

- Feh, você teve o que mereceu, - o policial respondeu sem ao menos olhar para Chou - agora fique quieto.

Saitou não tinha pressa. Queria tempo para avaliar o adversário que tinha a frente. Quem era ele? O que estava fazendo ali? Por enquanto, tudo o que podia ver era um homem ocidental, de baixa estatura mas aparentemente muito forte.Cabelos pretos sob o chapéu de abas retorcidas que mantinha a parte superior do rosto sombreada, mas mesmo assim Saitou podia discernir a cor azul dos olhos e os traços de um rosto de idade indefinida. Saitou não estava impressionado apenas com a habilidade e a força com que o estranho dominou Chou, mas principalmente com sua presença intimidadora, que o obrigava a jogar sua própria energia para cima do antagonista.

Logan não fazia nenhum esforço para manter aquele super saiyajin de meia tigela manietado, do ponto onde estava segurando até uma criança poderia quebrar um braço. Mas agora que encarava Saitou de frente não podia deixar de reconhecer que o homem fazia jus a sua fama.

Nenhum dos dois parecia se importar com os gemidos e resmungos de Chou que parecia prestes a chorar. Teriam ficado talvez por um tempo indeterminado naquele impasse se não fosse o súbito surgimento de um grupo de policiais acompanhados por um homenzinho franzino, vestido de preto. Assim que os recém chegados viram a cena várias coisas aconteceram. Os policiais sacaram suas espadas e revólveres e se postaram imediatamente ao lado de Saitou, prontos para agir. O homenzinho se postou entre este grupo e Logan, com os braços abertos, numa atitude defensiva.

- Esperem. - gritou ele - Não atirem, tudo isso não passa de um mal-entendido, por favor, guardem as suas armas.

- Devemos abrir fogo, senhor? - perguntou um dos policiais.

Sentindo a tensão a sua volta aumentar de modo preocupante, Saitou procurou acalmar os seus homens falando com calma.

- Claro que não, idiota. Guardem as armas.

Diante da hesitação de alguns deles Saitou teve de repetir a ordem, desta vez num tom mais enérgico.

- Eu mandei GUARDAR as armas.

Desta vez, um por um os policiais foram embainhando as espadas e recolocando os revólveres nos coldres. Quando sentiu que tinha a situação sob controle Saitou se adiantou ao grupo e caminhou até ficar cara a cara com o homenzinho. Este ainda mantinha os braços abertos e uma expressão de angústia no rosto. Chou tinha parado de gemer, já era vergonha suficiente estar ali naquela posição ridícula.

- Pode abaixar os braços agora, Chang. - falou Saitou com evidente irritação.

- Ah sim, obrigado. - respondeu Chang abaixando os braços com um sorriso forçado. - Desculpe por toda esta confusão subdelegado Fujita, eu posso explicar tudo.

- Para o seu bem espero que sim, mas em primeiro lugar...

Com uma mão Saitou afastou Chang para o lado e deu dois passos à frente, ficando assim frente a frente com Logan. Olhou com desprezo para Chou, ainda subjugado numa posição ridícula. Em seguida, ergueu a vista(não muito) para encarar Logan com um olhar carregado de ameaça. Quando falou, sua voz pareceu uma chicotada.

- Solte ele... agora!

 

Num cômodo escuro e abafado devido às janelas e portas cerradas, Yahiko, Sanosuke e Kenshin aguardavam em silêncio. Os dois primeiros tinham acabado de almoçar e agora se entretiam jogando uma partida de Shôgi[1]. Kenshin, apesar da insistência dos companheiros não havia sequer tocado na comida e agora estava sentado num canto, com a espada apoiada no ombro e de cabeça baixa.

O bilhete que o policial havia entregado pela manhã no dojô Kamia era sucinto: “A garota está conosco, traga a sua amiga médica e acompanhe este homem.” Sem perder tempo Kenshin e Sanosuke embarcaram junto com o policial numa carruagem que estava a sua espera e partiram a todo galope na direção do consultório onde Megumi Takani trabalhava. Os dois entraram como um furacão na pequena clínica e praticamente arrastaram Megumi, que mal teve tempo de pegar seu equipamento antes de acompanhá-los.

Por sorte o consultório estava pouco movimentado e o Dr. Gensai poderia segurar as pontas por algum tempo. O caminho que teriam de seguir os obrigaria a passar novamente na frente do dojô Kamia onde Yahiko, já vestindo suas roupas de sempre e carregando sua inseparável shinai nas costas os esperava. Ele tinha recebido a tarefa de pegar algumas roupas para Kaoru, trancar tudo e aguardar no portão da frente.

Sob a orientação de Sanosuke a carruagem nem sequer parou para pegar o garoto, o próprio Sanosuke se encarregou de içar Yahiko para dentro da carruagem como se fosse um saco de batatas. No caminho, o policial não deu muitas explicações, apesar de muita insistência por parte de Kenshin e de algumas ameaças por parte de Sanosuke. Ele se limitou apenas a fornecer para Megumi algumas informações vagas sobre o estado físico de Kaoru, o que só serviu para aumentar a preocupação de todos.

Depois de quase uma hora de uma sacolejante viagem em que se alternaram momentos de revolta, discussão e mutismo preocupado, eles finalmente chegaram a uma propriedade nos limites da zona urbana de Tókio, no final de uma rua dominada pela presença de pequenos artesões, a maioria fabricantes de chapéus de palha.

A casa, além de ser um pouco mais afastada das outras tinha muros altos e aparentava pertencer a um rico comerciante. Assim que desembarcaram todos foram logo admitidos dentro dos portões por um policial alto e mal encarado. Apesar de toda a preocupação, Kenshin não deixou de notar a forte segurança montada ao redor da casa vigiada por todos os lados dentro e fora do muro.

O policial que os recebeu os conduziu rapidamente para o interior de uma grande residência que também estava apinhada de policiais fortemente armados. Sem mais perda de tempo Megumi foi levada até o quarto onde Kaoru estava enquanto o restante do grupo esperava em outro cômodo.

Para alívio de todos em menos de meia hora Megumi voltou e disse que fora algumas costelas quebradas, arranhões e uma concussão, Kaoru estava bem e precisaria apenas de muito repouso no momento. A médica ficaria ao lado dela até que ela acordasse. Um pouco menos preocupado Kenshin procurou se informar junto aos policias a respeito das circunstâncias em que Kaoru se feriu, mas tudo o que obteve foram respostas evasivas e promessas de maiores esclarecimentos assim que o subdelegado Fujita chegasse, no início da tarde.

Foi com muito custo que Kenshin conseguiu acalmar Sanosuke e Yahiko, especialmente quando foram informados de que não poderiam sair da casa até que Saitou chegasse. Assim os três se acomodaram da melhor maneira possível e iniciaram a espera que já durava até o presente momento.

- Oute![2] - disse Yahiko - Vou ganhar de novo, Sano.

- Putz! Desisto. Não tô conseguindo me concentrar.

- He, conversa. Ce tá é com medo de perder outra pra mim.

- Se liga pirralho. Eu tenho coisas mais importantes pra me preocupar.

- QUEM ce tá chamando de pi... Ui!! - Yahiko é interrompido com um cascudo.

- Se liga cara, não vê que o Kenshin tá tentando dormir um pouco?

- Não se preocupem, - falou Kenshin do canto onde estava - este servo não estava tentando dormir, só estava pensando.

Sanosuke abandonou a almofada que ocupava para se sentar ao lado de Kenshin. Desde que toda aquela confusão começou pela manhã, ele também vinha buscando dentro de si alguma explicação para o curso que os eventos vinham tomando.

- É, esse negócio tá mesmo muito esquisito, Kenshin. Tem muita coisa acontecendo ao mesmo tempo. Acho que desta vez a donzela se meteu em algo realmente grave. E ainda tem o desgraçado do Saitou envolvido.

Kenshin permaneceu em silêncio. Para ele não havia a menor dúvida de que algo muito grave estava acontecendo desde a noite anterior. Mas o envolvimento de Kaoru tornava tudo mais complicado. Ele já tinha algumas teorias sobre o que estava acontecendo, mas achou melhor ouvir o que Saitou tinha a dizer antes de emitir qualquer opinião.

Vendo que Kenshin não estava muito a fim de papo Sanosuke pensou em se afastar, mas ele tinha tentado puxar assunto por um motivo, e por fim decidiu botar aquilo pra fora sem mais rodeios:

- Hã... Kenshin. - começou enquanto coçava a nuca, visivelmente constrangido - Acho que eu te devo desculpas. Afinal fui eu que meti a Kaoru nisso quando menti que tinha te levado lá na zona... Às vezes eu sou muito idiota.

Kenshin virou a cabeça para o amigo e o encarou com uma expressão neutra por alguns segundos, até que, pela primeira vez em muitas horas, sorriu e pôs a mão amigavelmente no ombro de Sanosuke.

- Deixe disso, Sano. Nenhum de nós tinha como saber o que ia acontecer. O que importa é que ela está bem. Se quiser pedir desculpas a alguém, peça a ela.

Sanosuke, que estava olhando para o chão, olhou para o amigo e sentiu um pouco do peso que vinha carregando se esvair.

- O Kenshin está certo. - falou Yahiko, que esteve observando os dois companheiros de onde estava, sentado com as pernas e braços cruzados, e uma expressão séria no rosto. - Se tem algum culpado nessa história sou eu. Como homem da casa eu não devia ter deixado ela sair ontem àquela hora da noite.

Kenshin e Sanosuke olharam o garoto com jeito de que não tinham entendido nada. Por fim Sanosuke se descontraiu de vez, e com muito custo tentou conter um acesso de riso pondo a mão na boca.

- Yahiko, - disse Sanosuke ainda tendo os ombros convulsionados pelo riso abafado - não se preocupe, você não ia conseguir impedir ela nem que quisesse. Só uma pergunta... Que foi que te promoveu a “homem” da noite pro dia?

Yahiko já tinha sacado sua shinai e estava prestes a atacar Sanosuke quando Megumi entrou intempestivamente na sala. Sanosuke e Kenshin se puseram de pé como que impulsionados por molas. Por um momento todos a encararam com visível expectativa, até que a médica abriu um radiante sorriso e disse simplesmente:

- Ela acordou!

Enquanto todos quase corriam na direção do quarto onde Kaoru estava, o cabo Tojiro que os tinha recebido pela manhã estava no portão, lendo um recado trazido por um mensageiro a cavalo. Tratava-se de uma mensagem de Saitou que dizia: “Devido a uma complicação vou me atrasar algumas horas. Informe por este mensageiro qualquer novidade”. Com um suspiro o policial dobrou a mensagem e a guardou no bolso enquanto resmungava para si mesmo:

- Como se já não estivesse complicado o suficiente.

- Só vou esperar tempo o suficiente para o cavalo descansar e vou voltar, - disse o mensageiro segurando o cavalo pelas rédeas - o chefe quer saber sobre qualquer alteração no estado da garota. Como ela está?

- Do mesmo jeito. - respondeu Tojiro suspirando desanimado - A médica disse que ela sofreu uma concussão muito forte e só vai ter uma idéia mais clara da gravidade da lesão quando e se ela acordar. Por isso eu não... ei, o que é isso?

Emoldurada pelo quadro luminoso do portão aberto estava a figura de um mendigo molambento, parado displicentemente com uma mão estendida, a menos de cinco metros dos policiais.

- Uma esmola por caridade.

Por um momento os dois policiais ficaram em silêncio, apenas observando meio embasbacados a figura que parecia ter se materializado do nada.

- Desde quando esse cara estava aí? - perguntou finalmente o mensageiro.

- Vá logo cuidar do cavalo, eu cuido disso.

Tojiro observou o mensageiro conduzir o cavalo para a parte dos fundos da propriedade e em seguida voltou as atenções para o mendigo, certamente irritado com o fato de seus homens na rua não terem barrado o sujeito e ele mesmo não ter notado a sua presença antes de falar o que falou. Como que percebendo que tinha causado problemas o mendigo se virou e começou a andar coxeando.

- Ei! - chamou Tojiro caminhando decididamente na direção do mendigo - Pare aí mesmo.

Mas quem parou primeiro foi Tojiro atingido em cheio pelo terrível mau cheiro que exalava do indigente. Foi obrigado a tapar as narinas para poder se aproximar mais do pobre infeliz que tinha parado com ombros encurvados e a cabeça oculta pelo capuz, o mau cheiro fazia lembrar o de cadáveres com vários dias.

- Quem é você? - perguntou rispidamente Tojiro com a voz anazalada - Esta rua está fechada, o que faz aqui?

- Só um velho doente, - a reposta que veio debaixo do capuz, parecia vir realmente de alguém muito velho e doente - teria um pouco de comida para este pobre velho?

- Tire o capuz. - ordenou o policial enquanto levava uma mão ao cabo do revólver, com aqueles ninjas todo o cuidado era pouco - Vamos logo, quero ver sua cara.

Uma mão cheia de feridas e pústulas puxou para trás o capuz que revelou um rosto hediondo. O cabo Tojiro se considerava um homem corajoso, mas não pôde evitar o salto para trás e a muito custo conseguiu manter o almoço no estômago.

- Por Kami-Sama! Que diabos é isso?

Os lugares onde deveriam estar o nariz e o olho esquerdo não passavam de buracos cheios de pus. Boa parte do rosto estava em carne viva e uma das orelhas pendia frouxamente grudada ao crânio quase calvo por uma tênue tira de pele putrefata.

- Lepra. - respondeu o velho, o movimento que vez ao falar acabou por derrubar a orelha podre no chão.

- Vá embora daqui, velho nojento! - rosnou Tojiro, em cujo rosto agora se mesclavam além do nojo o medo - Vá pra bem longe e não volte!

Tojiro observou o velho recolocar o capuz e começar a coxear para longe dali o mais rápido que podia. Quando ele sumiu de vista, o policial voltou correndo para dentro da casa, disposto a tomar um banho e se possível se livrar da farda onde o cheiro do leproso parecia ter se grudado.

Só depois de ter deixado o casarão bem para trás é que Shiro parou de coxear. Numa rua deserta entrou num beco e tratou de tirar a máscara, uma tarefa bem simples se comparada a tirar o cheiro que se desprendia dele, talvez nem depois de vários banhos conseguiria se livrar dele totalmente. Mas valeu a pena, o informante estava certo, a garota com certeza estava ali.

Quando ele chegou a pouco menos de uma hora, ficou sentado numa sarjeta pedindo esmolas e observando o movimento no casarão onde viu não só policiais fardados indo e vindo como outros à paisana na rua, fingindo sem muito sucesso serem vendedores ou artesãos. Todos eles pareciam estar muito tensos e extremamente vigilantes e todos, sem exceção, também portavam alguma arma dissimuladamente. Uma mulher que lhe dera uma esmola lhe garantira que ela viu quando os policiais chegaram de manhã cedo, um deles carregando uma mulher nos braços.

- O senhor Creed tem que saber disso o mais rápido possível. - enquanto falava muito satisfeito consigo mesmo e com certeza aliviado, Shiro acabava de trocar seus trajes de mendigo por roupas civis absolutamente comuns. Em seguida juntou os molambos e a máscara e os escondeu sob um monte de tábuas podres no fundo do beco.

Shiro olhou cuidadosamente os dois lados da rua antes de rumar para o monte Ueno. A única coisa que chamaria a atenção sobre aquele camarada que caminhava apressado seria o mau cheiro que se desprendia dele, fazendo com que as pessoas tapassem o nariz ao passarem por perto.


Comentários:

O evento principal deste capítulo com certeza é o primeiro encontro entre Logan e Saitou. Apesar de não terem chegado “às vias de fato” já deu pra sentir que o relacionamento entre os dois personagens vai ser bem tenso. O que era de se esperar se levarmos em consideração a personalidade de ambos.

A aparição de Chou não constitui nenhuma surpresa já que ele estava trabalhando como assistente de Saitou desde o final do caso de Makoto Shishio. Além de ser um ótimo saco de pancadas, esse cara de cabelo espetado oferece um excelente contraponto humorístico para o sempre sério Saitou.

Acho que fica bem claro o rumo que o fanfic vai tomar nos próximos capítulos. É um pouco estranho pensar em Kenshin e Sanosuke sendo usados como peças de xadrez por Saitou, por outro lado, Kenshin nunca concordaria em participar de um plano que usasse Kaoru como isca para atrair Dentes-de-Sabre para uma armadilha.

Fica bem claro que Logan tem algum plano em mente ao deixar Saitou surpreendê-lo num lugar e numa situação tão suspeita. É sobre os detalhes deste plano que se trata em grande parte o próximo capítulo. Até lá!

Contato: [email protected] ou [email protected].

Notas:

[1] Shôgi - Xadrez nipônico.

[2] Oute - Jogada equivalente ao xeque-mate.

 

Capítulo 8

Capítulo 6

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