Samurai X-Men

Deserto Australiano, época atual.

 A tarde cai no que parece ser uma cidade abandonada do início do século XX. A maior parte das poucas construções, na maioria casas de madeira, está em ruínas, com telhados esburacados, portas desbeiçadas e janelas com vidros quebrados. Em meio desta desolação se destaca a estranha presença de um grande barracão militar montado em frente ao maior e mais bem conservado prédio da cidade, o hotel. 

Uma instalação secreta de pesquisa e investigação militar do Governo Australiano, totalmente equipada com a mais alta tecnologia de comunicação e perícia foi montada naquele local para estudar e guardar as estranhas instalações subterrâneas que ocupam uma enorme área no subsolo. Ainda que a maior parte esteja destruída, há restos do que parece ser tecnologia avançada, provavelmente alienígena. Acredita-se que o local foi por algum tempo o esconderijo do grupo mutante americano conhecido como X-Men.

 A equipe de pesquisa era composta de cinco técnicos em computação, três de eletromecânica, um físico e dois engenheiros militares apoiados por um destacamento de dez fuzileiros das forças especiais e cinco agentes dos serviços de inteligência australiano.

Os cadáveres do que há 24 horas atrás foi a equipe da instalação estão espalhados por todos os lados, apenas um pequeno número estava empunhando armas, a maioria não pode nem esboçar qualquer reação. O ataque foi rápido e brutal. A maior parte dos homens foi eviscerada, alguns foram degolados enquanto outros tiveram membros arrancados. A decomposição dos corpos já atraía uma multidão de abutres que se banqueteava tranqüilamente.

 De repente o silêncio do deserto é quebrado pelo troar de turbinas. Logo surge por detrás de uma montanha uma estranha aeronave, seu desing curvilíneo lembra um veículo sub-orbital. Pintado de preto fosco o único detalhe colorido é a grande janela vermelha em forma de X em seu nariz. 

O jato desacelera executando alguns círculos acima da cidade fantasma até que começa uma suave aterrissagem vertical que levanta uma enorme nuvem de poeira e termina por espantar a maioria dos abutres, os motores diminuem seu silvo até silenciarem por completo.

 A poeira vai baixando aos poucos, uma escotilha situada do lado esquerdo no nariz se abre ao mesmo tempo em que uma pequena escada desce até o chão. A figura de um homem vestindo jaqueta e calça preta com detalhes em amarelo surge na porta. Ele olha ao redor, fixando a seguir a atenção na cidade logo ao lado, ergue a cabeça e fareja o ar por alguns minutos até que acende um toco de charuto que estava pendurado na boca. Inala uma grande quantidade e fumaça e solta a seguir como se estivesse suspirando.

- Chegamos tarde de novo. O cheiro dele já tá velho, um dia eu acho, em compensação o cheiro de carniça aqui pode ser sentido a umas vinte milhas.

- Pode haver sobreviventes mein freund? [1]-pergunta o interlocutor, oculto no interior do jato.  

- Lamento Elfo. Só tem morte aqui. Fica de olho no rádio e no radar, eu vou dar uma checada mais de perto.

- Ja [2] Logan, mantenha contato pelo intercom.

O homem chamado Logan, mais conhecido como Wolverine, faz parte da equipe dos X-Men há anos e sabe o quanto seu colega, Kurt Wagner ou Noturno, detesta cenas de carnificina. E ele também atrapalharia a sua busca por rastros. Logan vai precisar de toda concentração para tentar determinar o rumo que tomou o assassino, seu inimigo de longa data e pior desafeto, Victor Creed vulgo Dentes-de-Sabre. 

 Chegando aos arredores do barracão principal, Logan parou e deu uma boa olhada em volta, se recordando do período em que ele e alguns outros X-Men adotaram aquele lugar esquecido por Deus como esconderijo e base de operações. Na verdade tomaram o lugar a força de um grupo de ciborgues assassinos que moravam lá. Daí se explica à base subterrânea cheia de tecnologia futurista.

 Depois de poucos meses de desconfortável estadia foi a vez dos X-Men serem escorraçados por aqueles mesmos ciborgues. A última notícia que Logan teve dava conta que a base havia sido atacada por um esquadrão de sentinelas que pôs fim em definitivo nos ciborgues, inclusive no seu líder Donald Pierce. Alguns sinais deste ataque eram óbvios nos prédios desmantelados e em algumas crateras, com certeza causadas por disparos energéticos.

- Foi um belo estrago. – disse Logan para si mesmo - Pena que o Dentinho não tava aqui pra participar da festa.

O incidente chamou a atenção das autoridades que desde então ocuparam o lugar e estavam trabalhando até ontem. Este pensamento tirou Logan de seu devaneio e o trouxe de volta ao presente no exato momento em que ele avistou o primeiro cadáver a uns 10 metros a sua direita. Ele avançou a favor do vento para não ter seu olfato hipersensível sobrecarregado pelo cheiro de carne em decomposição. 

Examinou o solo em torno e a posição do corpo. Se aproximando mais pôde identificá-lo como um soldado, bem jovem, no máximo uns 25 anos, a arma travada e o ferimento na garganta indicavam que ele foi atacado pelas costas sem esboçar a menor reação. Por um momento, Logan fixou o seu rosto e memorizou suas feições: “Meu Deus, é só um guri, quero me lembrar dele quando estiver rasgando aquele animal”. Depois de 10 minutos de observações e raciocínio, Logan é interrompido por uma voz com carregado sotaque alemão no seu dispositivo de comunicação auricular.

- Logan, a faixa de comunicações militares anuncia uma equipe de busca se deslocando para este local vinda de Camberra, vão chegar em 180 minutos.
 
- Já não era sem tempo, estes pobres cooitados tão servindo de pasto para urubu.

- Nenhum sinal de sobreviventes?

- Como eu pensei, não. O canalha pegou todo mundo, os que tiveram sorte, morreram rápido, mas alguns sofreram um bocado. O Dentes teve bastante tempo pra se divertir.

- Mein Gott![3] O mesmo que em Sidney.
 
 Logan se agacha para examinar mais pegadas ainda fumando o seu mata-ratos.

- O Cara tá pior do que nunca Kurt. Um verdadeiro cão raivoso. O professor acha que os implantes de Adamantium estão causando algum tipo de pane na parte racional de cérebro dele, aumentando a agressividade. Pra mim, ele tá só dando vazão ao verdadeiro caráter podre dele.
 
- O que descobriu Logan?

- Ele chegou ao anoitecer de ontem, depois de abandonar o helicóptero que a gente viu a uns 10 Km ao leste daqui, deve ter sentido o cheiro de humanos e veio nesta direção em busca de outro transporte.

- Será que foi só coincidência?

- Não sei, quando perdemos seu rastro em Sidney, ele parecia estar fugindo às cegas rumo ao deserto, roubou o helicóptero e voou em zigue-zague para tentar nos despistar. Se ele sabia deste lugar devia saber também dos militares. Mas o que me incomoda é que não tá faltando nenhum veículo da base, aqui tem desde motos até um helicóptero com o tanque cheio, a esta altura ele poderia estar do outro lado do país.

- Não achou mais nenhuma pista? Nem mesmo ele pode enfrentar este deserto a pé, seria loucura.

- Também acho Elfo. Eu refiz os passos dele até este ponto. Depois de matar o vigia e burlar os sensores de movimento, a primeira coisa que ele fez foi destruir o gerador de energia. Em seguida foi a vez das comunicações. A maior parte do pessoal que tava de serviço foi pega do lado de fora, no escuro, estes foram os que tiveram sorte, o pessoal não-combatente tentou se entrincheirar no subsolo, o Creed teve a noite inteira pra brincar de gato e rato com eles. Pouco antes de amanhecer ele subiu e veio até aqui onde eu tô. Daqui em diante o rastro dele se perde no meio da confusão de pegadas dos soldados que ele matou, o cheiro de decomposição já ta forte o suficiente pra que eu não consiga sentir o dele.

- Vamos fazer uma busca aérea enquanto as autoridades não chegam. Vou pedir ao professor uma sondagem mais refinada de Cérebra.

- Só me dá mais uns minutos Kurt, eu já morei aqui e sei que o vento muda de direção a esta hora do dia.

- ... Tudo bem, Herr[4] Logan, também confio no seu nariz, afinal o Dentes de Sabre não pode simplesmente ter sumido no ar...

- “Sumido no ar” ?  Peraí, que burrice a minha, esqueci totalmente do Tel... !?

O vento mudou de repente, vindo da direção do sol que descambava por trás das montanhas, trazendo dois cheiros familiares para Logan: um mais fraco, com certeza de Dentes de Sabre, o outro mais forte e recente de uma pessoa que ele não via há tempos. Cuspiu o toco de charuto e virou a cabeça a tempo de ver uma pequena tira de fumaça branca começar a subir do topo de um promontório. 

  - Logan ... O que foi? O que você estava dizendo?
 
 - Kurt se teleporta pra cá AGORA, preciso de uma carona até o alto da montanha, depois eu te explico.     

Em seguida a estranha figura de Noturno surge do meio uma pequena explosão abafada acompanhada do inconfundível cheiro de enxofre que caracteriza seu teleporte. Qualquer um que não estivesse acostumado com a cena com certeza morreria de medo ao ver surgir do nada aquele demônio de pele azul, orelhas e cauda pontiagudas e assustadores olhos amarelos. De resto estava vestindo um uniforme parecido com o de Logan. 

- Seu desejo é uma ordem mein freund, é só apontar a direção. 

- Aquele pico maior a oeste, de onde tá saindo uma fumacinha.

- Já vi, prepare o estômago e segure firme.

O mutante Alemão estendeu sua mão de três dedos que Wolverine segurou com firmeza. Pegar uma carona no teleporte do Noturno é o jeito mais rápido de ir de um lugar para o outro, mas os efeitos colaterais vão de enjôo e confusão sensoriais a desmaios. Logan sabe muito bem disso, mas precisa chegar com urgência no pico da montanha, uma vida pode estar em jogo.

 “BANF”

No instante seguinte, os dois X-Men se encontravam no topo da montanha encarando a solitária figura de um velhinho aborígine, sentado de pernas cruzadas. Muito magro e vestindo apenas uma tanga, mantinha um olhar fixo na pequena fogueira que ardia a sua frente. Em suas mãos estava um estranho objeto em forma de ponta de lança que pendia de um cordão rústico. Não esboçou nenhuma reação ante a repentina aparição de Logan e Kurt. Os dois ficam observando a insólita figura como que hipnotizados, até que Logan quebra o silêncio. 

- Graças a Deus, ele tá bem. – começa a caminhar na direção do aborígene, Kurt também acorda do torpor:

- Esse aí não é o ...?

- Teleporter, pelo menos é assim que os Carrascos o apelidaram, o verdadeiro nome ninguém conhece. Chega mais Kurt, o velhinho é gente boa.

Kurt começa a se aproximar também.

- Então esse é o famoso Teleporter de que vocês falavam tanto.

- É isso mesmo. – concordou Logan - O velho Tepê aqui além de feiticeiro aborígene é também um mutante teleportador. Só que ao contrario de tí a especialidade dele é criar portais de teleporte. No tempo em que a gente morou aqui ele fazia nosso transporte. Era uma beleza, a gente podia chegar a qualquer lugar do mundo num piscar de olhos e voltava sempre na hora certa, e com a vantagem de não ter as tripas viradas do avesso na viagem.

- Que mal agradecido. Você acha que o Dentes-de-Sabre veio pra cá?

- Eu SEI que ele veio elfo. O cheiro do desgraçado tá por todo lado e se tu olhar pra baixo vai ver umas marcas que com certeza não foram feitas pelo Teleporter. – Logan apontou o que pareciam ser marcas de garras no chão pedregoso - Mas daqui só tem um jeito dele ter escapado.

Dizendo isto Logan parou a menos de dois metros de Teleporter que continuava na mesma posição. Olhando o fogo como se só ele estivesse ali. Enquanto isso o sol lançava seus últimos raios sobre o deserto e o céu se incendiava mostrando cores que iam do dourado a um azul profundo onde as primeiras estrelas começavam a luzir.

 Mas não havia tempo para apreciar a paisagem, depois de hesitar um pouco, Logan senta da mesma forma que o velho aborígene, bem a sua frente, no que é imitado em seguida por Noturno.

De perto o rosto de Teleporter se parecia com uma à ameixa seca, a profundidade das rugas era acentuada pela luz da fogueira, o corpo mirrado podia pertencer a uma criança de 10 anos e sua cabeça desproporcionalmente grande era coberta com um emaranhado de fios branco-amarelados que pareciam duros como arame. Mas o detalhe que mais chamava a atenção, eram os olhos, negros como piche, que mesmo fitando a fogueira não refletiam nenhum brilho, se assemelhavam a dois buracos negros. O único sinal de que aquele homem estava vivo vinha de sua respiração, muito suave e silenciosa.

- Ele não parece muito comunicativo não acha Logan?

- Desde que eu o conheço, nunca o vi soltar um pio sequer, mas pode ter certeza que ele sabe de tudo que acontece a sua volta. De algum jeito o Teleporter consegue ver até o que se passa na cabeça dos outros, e mais, parece que ele consegue antever o que a gente vai fazer ou pensar. Ele sempre sabia pra onde a gente queria ir sem que a ninguém tivesse que falar nada. Ele simplesmente sabia.

- Então, se o Dentes de Sabre o forçou de algum jeito a abrir um portal, ele pode estar em qualquer lugar do mundo, não temos como rastreá-lo... A não ser que seu amigo aborígene resolva colaborar.

- O fato de ele não falar não significa que não possa se comunicar. A gente só precisa ter um pouco de paciência e esperar a iniciativa dele.

Noturno parece aceitar o fato de que vai ter de esperar até que o estranho Teleporter se manifeste e fica quieto, mas sua impaciência se reflete no constante movimento que faz para verificar o relógio e no balançar nervoso da sua cauda. 

Logan, por outro lado, parece relaxado o suficiente para fumar outro de seus enormes charutos, que ele tira do bolso e se serve da fogueira para acendê-lo. Mas essa tranqüilidade é apenas superficial, em seu peito cresce uma raiva surda, todo o seu ódio por Victor Creed estava chegando a uma ponto crítico, graças aos eventos recentes em Sidney que levaram a morte dezenas de pessoas e deixaram um numero igual de feridos, entre eles a mulher que Logan mais amava e respeitava no mundo. Dentes-de-Sabre cruzou um limite do qual não havia mais volta. O próximo confronto entre os dois pode muito bem ser o último.

- Aquele cachorro. – resmunga Logan - Ele não podia ter feito aquilo, se eu... 

Noturno sabe o que vai no íntimo do companheiro, e por isso mesmo tenta tira-lo daquele rumo de raciocínio.

- Agora é tarde para conjecturas mein freund, temos que nos concentrar no presente, e por falar nisso. – olha mais uma vez o relógio – Temos menos de 40 minutos antes dos militares chegarem, se o Teleporter tem alguma coisa a nos “dizer” acho bom que ele faça logo.

- O cara nunca me deixou na mão Elfo, ele é nossa única pista do paradeiro do Dentes e se for preciso esperar uma semana tomando cafezinho com o Serviço Secreto Australiano, eu vou esperar.

O mutante alemão balançou a cabeça negativamente. Não eram poucas às vezes em a cabeça-dura de Logan acabava por abalar a sua paciência. Mesmo depois te tantos anos de amizade e parceria Wolverine ainda tinha uma certa tendência a querer resolver tudo sozinho. 

- Você sabe que não pode ser assim Logan. Professor nos proibiu terminantemente de estabelecer contato com as autoridades. A situação já está complicada o suficiente sem uma guerra entre mutantes. Oficialmente a operação de Sidney nunca existiu e é assim que deve continuar.

- Acontece que o que aquele safado faz é MINHA responsabilidade. Por todas a vezes que eu tive chance de matá-lo e o deixei escapar ou por incompetência ou misericórdia. Agora ele está mais forte do que nunca e eu não sei se posso com ele, mas mesmo assim não posso deixar que ele escape, por todas a pessoas que morreram na mão dele, que morreram por minha cul...
 
- NEIN!! [5] – interrompeu Noturno encaarando vivamente o amigo, toda aquela onda de auto flagelação conseguiu finalmente tira-lo do sério - Pode parar por aí camarada você está se esquecendo que faz parte de uma EQUIPE e que uma das prerrogativas disto é que as responsabilidades tem de ser divididas entre todos e...

- Kurt.

- Eu ainda não acabei o sermão...

- Parece que finalmente chamamos a atenção do velho.

- Vas?![6]

Teleporter estava acompanhando atentamente a discussão entre os dois mutantes voltando o olhar ora para um ora para outro, com um sorriso amigável no rosto, além da mudança de atitude outra diferença entre o Teleporter de alguns instantes atrás eram os olhos. De opacos tornaram-se brilhantes, quase infantis. Assim que pararam de falar ele dirigiu a atenção para Logan, para quem sorriu mais ainda mostrando os dentes perfeitamente brancos. Com sua mão deu pequenas palmadinhas na terra ao seu lado dando a entender que queria que Logan sentasse ali. Também sorrindo o mutante canadense obedece sob o olhar do ainda perplexo Noturno.

- Eu não disse Kurt? O Tepê aqui é gente boa, tirando as esquisitices é um amigo pra toda hora.
 
- Unglaublich[7] , é como se só agora eele tivesse notado a gente.
 
 Em seguida o aborígene mostra a mão espalmada para Logan.
 
- É impressão minha ou ele quer que voccê segure na mão dele? – pergunta Noturno.

- É, é isso. Kurt... - dirigiu um olhar significativo para o amigo - se alguma coisa muito esquisita acontecer, me dá uma mão.

- Pode deixar Logan.

Ao tocar a mão de Teleporter, Logan experimenta uma sensação que pode ser descrita como uma forte descarga elétrica, todos os sentidos entram em pane deixando um vazio, uma escuridão que tomam conta da consciência.  A própria noção de realidade é repentinamente anulada deixando em seu lugar um vácuo onde não há tempo nem espaço.

 Mas o vazio é quase imediatamente preenchido com uma série de imagens borradas e desconexas que aos poucos vão se definindo mas mesmo assim permanecendo meio enevoadas, como num sonho.  De alguma maneira, Logan percebe que deve ser assim que Teleporter vê o mundo. Aos poucos a percepção de identidade vai se anulando se mesclando com a do aborígene até que os dois se tornam um.

 A velocidade das imagens vai diminuindo ao mesmo tempo em que se tornam mais nítidas, coerentes. Ele está olhando para o horizonte onde o sol está prestes a nascer. Ele está sentado em frente a uma pequena fogueira que está quase apagando. Ele olha para baixo, em direção a pequena cidade abandonada e sabe que algo muito ruim aconteceu lá até poucos minutos. Sente uma presença maligna se aproximando. Logo um homem grande, vestindo roupas esfarrapadas está na sua frente, o sangue em suas vestes ainda está úmido.

E então ele começa a falar com uma voz cavernosa:

- Não adianta se fingir de morto velhote, eu sei muito bem quem tu é e do que tu é capaz. Aqueles X-babacas acharam que só eles sabiam deste lugar e de ti, mas o pessoal que me contratou já tá na tua cola a tempo.

 Creed se aproxima ainda mais e se agacha perto:  
 
- Sabe, eu não costumo conversar com quuem eu vou matar, mas pelo jeito tu é um bom interlocutor; sabe ouvir. E além do mais eu tenho tempo, acho que o Logan só vai chegar aqui ao anoitecer. Os falecidos milicos lá embaixo já providenciaram meu transporte.

- Eu só não contava que aqueles otários fossem me achar tão cedo. Eu sei que aqueles escoteiros do Xavier estão na minha cola, já faz meses que tão me perseguindo, atrapalhando os meus negócios.  

- Ouvi a boca pequena que o careca projetou um novo sistema de detecção de mutantes, muito superior ao antigo, isso explica como conseguiram me achar aqui na Austrália, e logo agora que eu tava começando a me dar bem por aqui, fazendo uma boa grana e me divertindo pacas como matador de aluguel. Aí, um belo dia, aqueles viados caem em cima de mim como abutres na carniça, he, mas o tio Vic aqui não nasceu ontem não, aqueles otários tiveram uma bela surpresa, eu tô muito mais forte do que antes, a maioria só tinha me enfrentado antes de eu ter de volta o meu esqueleto de Adamantium. É uma beleza a gente ter ossos indestrutíveis sabe, garras de adamantium também fazem um belo estrago.

Creed exibe as mãos de cujos dedos se sobressaem reluzentes garras de metal de 10 cm , ainda manchadas de sangue.

 - Como eu ia dizendo, não só consegui escapar como deixei um deles com as tripas de fora, aquela ruiva gostosa pra ser mais exato, ela é de longe a mais poderosa entre aqueles manés, uma outra vez a vadia me quebrou todos os ossos do corpo com telecinésia, e quase me fez uma lobotomia com telepatia, cê tinha que ver a cara dela quando tentou quebrar os meus ossos e não conseguiu, ela se desconcentrou por um segundo e foi tudo o que eu precisei. Com ela fora do páreo foi baba fugir, ainda mais porque o tampinha não tava lá pra me rastrear. 

Creed fez uma pausa enquanto observava a tênue fumaça que subia da fogueira, quando recomeçou a falar seu ar trocista deu lugar a uma expressão séria.

 - Mas eu sei que agora mesmo é que eles não vão largar do meu pé. O Logan não vai deixar barato eu ter quase matado a ruiva, não mesmo. Foi uma sorte ter pintado esse serviço, não só consegui despistar aqueles otários como vou embolsar uma bolada depois que te matar. Não me leva a mal, não tenho nada contra ti, são só negócios.

- Mas eu tenho que admitir que é meio chato matar um cara que parece um vegetal plantado aqui nesse platô. Como é que é? Não vai reagir? Tentar escapar?

“................” 

- Pelo jeito tu não vai gritar nem quando eu te virar do avesso com essas garras. “Tenha cuidado, elimine-o sem dar chances de reação” que bobagem... Mas quer saber, isso é só trabalho, se eu quiser me divertir vai ser caçando aqueles X-Men, eles eu faço questão de matar de graça. Me deram o teu dossiê completo, sei que eles moraram lá embaixo por um tempo.

Creed observou o aborígene por alguns segundos para ver se suas palavras surtiam algum efeito. E realmente ele julgou ver algo como um rápido chispar naqueles olhos opacos assim como uma alteração no ritmo da respiração. Sendo assim, ele se ergueu e começou a andar de um lado para outro com as mãos as costas e disposto a se divertir um pouco antes de fazer o serviço e sair dali: 

- Fora o Colossus  e a Cristal, que já saíram de circulação posso matar os outros, o que tu acha disso? Eu posso pegar um por um, com calma, vou deixar a Tempestade por último, ela é a tua favorita né? Eu sei que dentre todos ela é que passava mais tempo aqui contigo, por isso ela vai ter tratamento especial. Primeiro vou pegar ela de surpresa, se possível sem machucar muito. Depois vou prender num lugar fechado, numa caixa de aço, onde os poderes climáticos dela não funcionem. Tu deve saber que ela tem claustrofobia. Vou deixar ela trancada até ela ficar totalmente maluca, tão maluca que ela não vai se lembrar nem de quem é. Quando chegar nesse ponto, vou estuprá-la, depois vou começar a retalhar bem devagar durante horas, dias, ela vai sofrer uma eternidade antes de morrer. Ha, dá água na boca só de pensar, depois vai ser a vez de...

Dentes de Sabre estava literalmente sonhando acordado quando abriu os olhos e deu com o olhar fixo de Teleporter em sua direção, um olhar carregado de rancor.

 - Ora essa. Finalmente cê tá me levando a sério, como dizem todo mundo tem um ponto fraco he he.

 Como única resposta Teleporter começa a girar por sobre a sua cabeça o seu artefato aborígene. O objeto preso por uma linha gira em círculos cada vez maiores e mais rápidos provocando um ruído surdo que parece reverberar por todo o deserto. 

Quase imediatamente as chamas da fogueira aumentam de intensidade como que por magia até atingirem uma luminosidade cegante. Dentes de Sabre, pego de surpresa, saltou para trás assim que Teleporter começou a girar seu artefato e observava tudo com um olhar espantado.

- O que é isso aí velho? Nada de truques sujos, não vai adiantar nada cê abrir um portal.

 Do nada, nuvens pesadas toldaram o céu, transformando o dia em noite.  Neste momento surgiu, do meio da luz, um pequeno tornado. Um vento estranho começou a soprar cada vez mais forte, sugando tudo para dentro do tornado que crescia a cada instante. À medida que crescia em tamanho a sua força de sucção também aumentava, uma energia feroz brotava do núcleo e se espalhava enchendo a atmosfera de eletricidade estática e um ruído terrível, como se o próprio tecido da realidade estivesse se rasgando. 

 Quando percebeu as verdadeiras intenções de Teleporter, Creed tentou atacá-lo, mas já era tarde demais. Num instante o tornado sobrenatural adquiriu força de sucção suficiente para obrigá-lo a se agarrar com todas as forças a uma pedra para não ser arrastado. O tornado já estava levando até pedras grandes, mas a pequena figura de Teleporter continuava imóvel girando sua cordinha. Mesmo com o barulho ensurdecedor era possível ouvir os rugidos enfurecidos de Dentes-de-Sabre: 

- Acho bom tu me mandar direto pro inferno velho safado. Se eu der um jeito de voltar vou te botar no topo da minha lista, e depois vou atrás dos teus amig.....

Dentes-de-Sabre não pôde acabar a ameaça, a rocha a que estava se segurando fazendo uso de suas garras de adamantium se quebrou. Depois de um curto vôo seu corpo desapareceu no meio do tornado. 

Nesse instante,  o vento simplesmente parou como se nunca tivesse existido e o tornado encolheu concentrando toda sua energia  num único ponto luminoso . A luz ficou mais e mais brilhante, até tomar conta de tudo. E então sem mais nem menos ela desaparece, deixando em seu lugar escuridão. A única coisa perceptível é um som, como um murmúrio, a princípio fraco, mas que vai aos poucos aumentando de intensidade até se tornar um trovão.

- LOGAN! VAMOS ACORDA, O QUE FOI QUE HOUVE?

Noturno estava sacudindo freneticamente o amigo caído próximo à fogueira, Teleporter voltou ao seu estado “normal”. Kurt já ia gritar de novo quando a mão de Logan se ergueu e tapou a sua boca.

- Pode parar Kurt. Se tu gritar mais uma vez a minha cabeça vai explodir. 

- Mmmf, Logan, que susto você me deu, como se sente?

- Sem sombra de dúvida é a pior ressaca da minha vida, me ajuda a sentar vai. Nossa parece que me passaram num moedor de carne, diz aí, por quanto tempo eu estive apagado?

Kurt Wagner pareceu não ter entendido a pergunta e piscou várias vezes antes de responder.

- “Quanto tempo”? Mal você encostou no Teleporter e caiu duro,  mas eu só tinha te chamado umas três vezes antes de você acordar, não durou nem 10 segundos. 

- Tá brincando. – Logan olha em volta e percebe que o sol tinha se posto há poucos minutos, tudo estava como antes. A fogueira e Teleporter continuavam ali.

- Afinal o que houve Logan? Pelo jeito foi mais que um simples desmaio.

- Está tudo voltando aos poucos. Parece que o Teleporter compartilhou as memórias dele comigo, foi muito esquisito. Eu vi quando o Dentes-de-Sabre esteve aqui hoje de manhã ouvi o que ele falou e... Vi o que houve com ele. 

A seguir Logan narrou com detalhes tudo o que vivenciou. Ao final do relato os dois ficaram alguns segundos perdidos em seus próprios pensamentos até que Noturno se levanta coçando a nuca. 

- Com certeza o Teleporter o transportou para algum lugar. Agora ele pode estar em qualquer parte do planeta, ou seja, voltamos à estaca zero – Noturno olha mais uma vez o relógio – Schnell[8] mein freund, temos de sair daqui  antes que aqueles militares cheguem.

Wolverine não responde, nem se move do lugar em que estava. Além de estar meio tonto ainda, ele parecia estar avaliando suas opções.

- Que cara de desânimo e essa? – continuou Noturno - Nós temos o mais avançado sistema de detecção de mutantes do mundo ao nosso favor, sem contar com esses jatos hipersônicos. Achar mais uma vez o rastro do Creed é só uma questão de tempo.

- Não é bem assim Kurt. Se o desgraçado foi pra onde eu acho que foi nada disso vai adiantar. A melhor alternativa é pedir pro Teleporter abrir um portal pro mesmo lugar o quanto an... ESSA NÃO! CADÊ ELE? – Logan salta em pé, totalmente alerta agora.
 

 No lugar onde estava o aborígene nada havia, a fogueira se apagou completamente. Noturno ficou de queixo caído e pensou “Nossa, nem eu faria melhor”. Já a reação de Logan foi bem menos discreta.

- DROGA isso lá é hora pra tu sumir Teleporter? 

 Logan então começou a gritar todos os palavrões que conhecia a plenos pulmões xingando Teleporter até a 14º geração.

- Logan controle-se. Afinal porque a ajuda dele é tão importante? Pra onde o Teleporter poderia mandar o Dentes-de-Sabre sem que nós pudéssemos alcançá-lo com nossos próprios meios? 

Logan estava prestes a tecer alguns comentários sobre a mãe de Teleporter quando ouviu as palavras do amigo. Sem mais nem menos avançou na direção de Noturno, agarrou as lapelas do seu casaco e começou a sacudi-lo vigorosamente.
    
- O problema Elfo não é ONDE, mas QUANDDO.

- O que?! 

- Vambora.- falou Logan soltando o amigo - Eu te explico tudo depois que fizer umas ligações.

 Dizendo isso Logan começa a descer a montanha às carreiras, por mais pressa que tivesse não pediria para Noturno teleporta-lo até o jato, ele precisava de vento na cara para arejar as idéias. Não podia contar com o Teleporter tão cedo, disso tinha certeza.  Suas chances de encontrar Dentes-de-Sabre tinham se tornado muito mais que remotas de repente.

Versão pré-leitor:  última revisão 5/05/04
 Versão definitiva: última revisão 27/05/04
  
Comentários: 

Bom, taí. A pergunta: “Como o Dentes-de-Sabre foi parar na era Meiji?” foi respondida. O pessoal que lia as antigas revistas do Wolverine da editora Abril com certeza já viu o Teleporter fazer aquilo. Pros que não leram, eu vou colocar alguma explicações adicionais no capítulo 4.

 Peço desculpas pelo excesso de palavras em alemão que o Noturno fala. Na minha opinião uma das coisas que tornam os X-men interessantes é essa diversidade étnica entre os personagens, e o Noturno não seria ele mesmo se não soltasse uns de seus famosos “mein freund” de vez em quando. Pra quem estiver interessado eu coloquei abaixo a tradução de algumas palavras que ele falou no capitulo. Se alguém estiver curioso “Elfo” é um apelido que o Logan pôs no Noturno, porque será? 

 Acho meio desnecessário dizer, mas o linguajar do Logan é daquele jeito mesmo, cheio de “tu”, “ce” e outras xucrices bem piores. O capitulo 3 vai se passar na era Meiji e modéstia a parte ficou bem legal. Essa alternância nos capítulos entre passado e futuro vai acabar no capítulo 5, quando o cenário vai passar definitivamente para o ambiente de Rurouni Kenshin. 

Bom, vou ficando por aqui. Gostaria de agradecer ao Dack Ralter que vai ser meu pré-leitor a partir deste capítulo. As críticas, elogios(acho brabo!) bem como as ameaças de morte devem ser endereçadas para: 
 [email protected] 

Notas:

[1] – Mein freund – Meu amigo
[2] – Ja (iá) - Sim
[3] – Mein Gott – Meu Deus
[4] – Herr - Senhor 
[5] – Nein (náin) – Não
[6] – Vas – Quê  
[7] – Unglaublich – Incrível
[8] – Schnell - Rápido

Capítulo 3

Capítulo 1

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