O Hóspede Maldito Medusa

Capítulo 8 - Fantasma


- A razão deve ser parte do seu instinto. Primeiro o pensamento. Depois a ação. Planejamento. Esta é a chave. Em um combate, alguns minutos de raciocínio são mais eficientes do que horas de luta.

As palavras de seu mestre soaram nítidas na cabeça de Argol. Enquanto os outros discutiam em voz alta, sendo aos poucos tomados pelo desespero, o cavaleiro manteve-se distante. O olhar perdido em um ponto fixo. A mente analisando o obstáculo, medindo os recursos, os meios, procurando uma solução.

- Vai ser incendiada!

- Precisamos sair daqui! – gritavam os outros.

Argol saíra de sua terra natal muito cedo. Foi para a Áustria e lá recebeu um árduo treinamento. Naqueles anos aprendeu a moldar seus instintos à razão. Mesmos os reflexos, as atitudes impulsivas deviam ser medidas e calculadas. Era uma questão de sobrevivência. Se antes de cada ação não vier uma análise para então uma tomada de decisão, poderia significar sua morte. E pior: a morte de inocentes. Praticando este tipo de pensamento, ao longo dos anos, mesmo seus reflexos passaram a ser racionais.

- Conflitos haverão frente a uma situação problema. Abstenha-se deles e pense. Planeje. Esta é a chave. – dizia seu mestre.

Quando pensado e analisado sob a luz da razão, nenhum obstáculo é intransponível.

- Tenho um plano! – irrompeu a voz de Argol.

Os demais se calaram e convergiram seus olhares para o cavaleiro.

- Às cinco da tarde temos que estar no estádio Olympia. Juliane: onde fica este estádio?

- A oeste daqui. Na saída da cidade. – respondeu a cientista.

- Qual o melhor caminho?

- Acho que... Podemos pegar a via expressa, saída para o porto de Palas.

- Qual tempo calcularia?

- Com as ruas vazias... diria que quarenta minutos.

- Ótimo. Trabalharemos em cima de um tempo de percurso de uma hora e dez minutos. Não podemos chegar muito antes do helicóptero, pois estaremos expostos enquanto esperarmos. Penso em deixar o prédio com uma hora e meia de antecedência. Carlos: que horas são?

- São... Quase sete da noite.

- Isso nos dá cerca de 18 horas até a partida. Temos o tempo a nosso favor. Nas próximas horas dividiremos as tarefas. Eu e Niklos procuraremos, através da sala de vigília, um veículo no estacionamento. Feito isso desceremos com Carlos até lá para conferir o combustível. Se tiver zumbis por lá os eliminaremos, para que não nos atrapalhem quando formos partir. Jill nos guiará apontando os alvos, monitorando-os pela sala de vigília. Antes disso Carlos e Jill contarão as munições, Juli vai ajudá-los a traçar uma média de quanto gastamos até agora e do quanto teremos disponível. Temos que saber qual será nosso poder de fogo. Feito isso teremos até as três da tarde de amanhã para descansarmos, quando então nos prepararemos para a fuga.

Seguiu-se um silêncio.

- Alguma objeção?

Tímida, Milena ergueu a mão, pedindo voz.

- Diga.

- E eu? Faço o quê?

- Hmmm... Confira se todos estão fazendo tudo como eu expliquei – disse o cavaleiro, piscando para a garota.

Xx

Nas horas seguintes cumpriu-se o plano de Argol. Ele e Niklos examinaram todas as câmeras do estacionamento. Acharam um jipe ideal para fuga, grande, robusto e com tração nas quatro rodas. Examinaram também algumas plantas e traçaram uma boa rota de fuga pelo prédio. Escolheram um elevador que dava próximo ao veículo, isolaram-no no 80º andar, deixando-o pronto para o uso. Contaram quatro zumbis que perambulavam pelo estacionamento. Ele e Carlos, auxiliados pelo rádio por Jill, desceram até lá e eliminaram as criaturas. Constataram que o tanque de combustível estava pela metade. Completaram então com gasolina de outros veículos, manobraram e deixaram o jipe de frente para o portão.

As munições foram contabilizadas. Restara cerca de vinte por cento do que foi utilizado até agora. Os tiros deveriam ser contados e regulados, não poderiam desperdiçar. Mas não havia motivos para preocupações, todos estavam confiantes de que tudo daria certo. Examinaram ainda um mapa da cidade, certificando-se de que o caminho descrito por Juli era realmente o melhor.

Antes das nove da noite o plano estava traçado e tudo preparado para a fuga. Nas próximas horas deveriam se alimentar e descansar.

Tudo corria conforme o planejado, por enquanto.

Xx

Niklos espreguiçava-se sozinho na cadeira giratória. Olhava à toa os monitores da sala de vigília.

De súbito sobressaltou-se. Um mapa do andar 79 mostrava um ponto.

- Mas o que diabos... – Rapidamente verificou os outros monitores dos sensores de movimento.

Havia cinco pontos no andar 80. Niklos, Jill, Argol, Juli e Milena. Não deveria haver ninguém no andar de baixo.

- Mas que merda...!

Rapidamente buscou no computador as câmeras de segurança do andar 79. O ponto se movia com agilidade pelos corredores. Niklos corria o olho monitor por monitor, acompanhando e tentando encontrar o que corria pelo mapa. Mas via somente vultos passando pelos monitores. Seja lá o que fosse, parecia evitar as câmeras.

Suava frio de tensão. Buscava aflito com os olhos todos os monitores de vídeo. Mas nada via além de um rápido vulto. Foi quando então, por um rápido segundo, vislumbrou aterrorizado uma imagem.

- Santo Deus!

- Niklos, está bem? – indagou Jill entrando na sala.

O grego pulou da cadeira, assustado. Encarou a moça com olhar assombrado, o suor frio porejando-lhe a testa.

- Tem mais alguém no prédio! – balbuciou ele.

Jill saltou sobre os monitores assustada.

- Onde!

- Aqui. No 79! Veja... Espere...

Não havia nada. Nem o ponto na planta nem ninguém na câmera de segurança.

- Espere! Eu vi! O mapa dos sensores de movimento mostrou um corpo se movendo... E eu vi pela câmera!

- Um zumbi? – indagou ela.

- Não... não sei! Foi um vulto apenas. Consegui ver uma silhueta! Era uma pessoa! Eu sei, não parecia contaminado! Alguém passou correndo ali! Tenho certeza! – exclamava ele, nitidamente abalado.

Jill encarou-o com um ar duvidoso.

- Tudo bem. Niklos, você é o único que não dormiu. Também não comeu direito.

- Eu sei o que vi Jil! Eu vou te mostrar... Que droga! Essa porcaria não estava gravando! Mas eu vi alguém!

- Venha... – Jill pegou o companheiro pela mão e o levou até o refeitório.

Buscou na dispensa e preparou uma caneca de leite quente. Niklos tomava ainda trêmulo, com a idéia fixa de que vira alguém passar pelos monitores.

- Acalme-se. Durma um pouco. Temos bastante tempo. Amanhã precisaremos estar dispostos.

- Eu sei, eu sei... – o grego suspirou fundo – É tanta coisa ao mesmo tempo. Toda nossa equipe massacrada. Depois Georgious, e Pavlos! E agora isso!

- Acalme-se. Está estressado. Tudo o que precisa é descansar, amigo.

Depois de alguma insistência Jill conseguiu leva-lo ao dormitório e faze-lo deitar. Sentada na beirada da cama ela ainda conversou, tentando acalmá-lo. Foi então que mostrando-se cansado pediu para dormir um pouco. Ela levantou-se e apagou a luz. Antes de sair, porém, foi interrompida por Niklos.

- Jill. Cuide-se.

- Me cuidar?

- Sim... Tem mais alguém no prédio. Quem sabe um fantasma. Mas há alguém, eu sei o que vi. – e virou para o canto.

Ainda com uma ponta de dúvida decidiu retornar à sala de vigília. Verificou os monitores a fim de localizar o grupo. Juli, Carlos e Milena desciam ao 75. Argol estava no terraço. Voltou ao mapa do 79.

Verificou as câmeras: Apenas corredores e escritórios absolutamente vazios. Balançou a cabeça negativamente e fechou os mapas. Saiu da sala de vigília, cruzou o refeitório e saiu pela sala de convivência em direção aos elevadores. Tomou o caminho das escadas de serviço ao terraço.

Xx

Milena já tinha seus 13 anos. Entrava na adolescência, mas ainda assim preservava em si muito de sua infantilidade, ao menos a parte saudável. Tão logo chegou ao andar 75 disparou correndo pelo gramado, saltando arbustos e subindo nas pequenas árvores. Como uma criança divertindo-se na chácara dos avós, corria e rolava na grama. Ria, tentando esquecer do terror pelo qual estava passando. Ria, ignorante aos perigos que se aproximavam.

Carlos e Juli foram à cafeteria preparar algo para comerem. Ficaram satisfeitos ao ver que Milena estava se descontraindo, ou pelo menos tentando.

Vasculharam pela cozinha. Acharam bolos no freezer e polpas de frutas.

Juli fazia um suco enquanto Carlos preparava alguns sanduíches de pão e patê.

- Sabe, não consigo parar de pensar... – disse Juli – Como vai ser daqui para frente?

- Como assim? – indagou Carlos.

- Os pais de Milena já devem estar mortos. Não sei se ela já pensou nisso, mas nós fomos os únicos sobreviventes... Talvez ela esteja se segurando, não sei. E quando sairmos daqui? Seremos só eu e ela. Meus pais faleceram, só tenho um irmão em Amsterdã, que mora sozinho. Eu, não sei nem o que vai ser de nós... – seus olhos se encheram de lágrimas.

- Acalme-se. Vamos achar uma solução. – Carlos a abraçou, reconfortando-a – Nem eu, nem Jill temos mais para onde ir. Tudo que tínhamos estava em Rancoon. Família, amigos... Vamos nos unir quando este inferno acabar. Vamos achar uma saída. Não se preocupe.

A mão rude de Carlos, sempre a segurar metralhadoras, mostrou-se delicada ao tocar a face alva de Juli e enxugar-lhe as lágrimas. Depois a acariciou, tocou seus cabelos vermelhos e deslizou por eles, lentamente, enquanto os olhos se aprofundavam de forma intensa. Para, então, subitamente se fecharem. A mão rude desceu até a cintura e trouxe o corpo feminino para perto, colando as pelves. E em seguida as bocas colaram-se. Um desejado e carinhoso beijo, encostado no balcão da cozinha. Um beijo de alívio, uma válvula de escape para a tensão, e a satisfação de um desejo intenso.

As mãos apertavam os corpos e procuravam espaço, derrubando pratos e bandejas. As bocas largaram-se ofegantes, e aos suspiros tocavam pescoços e orelhas.

E então um estrondo metálico. Um grito infantil. E um corpo vai ao chão.

- Ai meu Deus! – gritou Juli, ao ver Carlos caído. Só entendeu o que houve quando viu Milena empunhando uma frigideira de forma ameaçadora.

- Matei ele, tia! Matei!

- Tá louca menina? – e Juli correu para acudir Carlos.

- Hã? – fez a garota sem entender.

- Ele não estava me mordendo!

Milena ruborizou-se por completo quando compreendeu o que fizera, e correu para acudir Carlos, que se levantava com a mão na cabeça.

- Ai! Desculpa! É que eu pensei que ele tinha sido... e aí estava... Não achei que vocês estavam... Aaaai! Desculpa tia!

Xx

Os olhos estavam injetados. As veias manchavam de vermelho os globos oculares, que, frenéticos, procuravam pelos monitores por qualquer ponto em algum dos outros andares.

Niklos não conseguira dormir. Voltou à sala de vigília para procurar o fantasma que, ele acreditava com veemência, habitava Umbrella Tower.

Os dedos moviam-se com agilidade pelos teclados, digitando os comandos já familiares, pedindo as plantas de todos os andares. Localizou cada um dos sobreviventes. E então um estranho brilho tomou conta de seus olhos cansados. Um misto de satisfação e temor.

Um ponto a mais estava na tela. Achou o fantasma.

Quando se deu conta da direção que o ponto tomava, o terror tomou conta de seus olhos. Fixou-os por vários instantes sobre o monitor. O ponto movia-se. Avançava sobre os sobreviventes.

Saltou da cadeira e correu atrás dos rádios. Precisava avisar Carlos e Juli que alguém estava no andar 75, indo na direção deles.

Xx

- Por que demorou? – perguntou Argol, sentado sobre um patamar de concreto, no terraço. Com o corpo inclinado para trás, apoiado nos braços, admirava as estrelas na noite de céu limpo.

Jill ergueu uma sobrancelha com desdém, em resposta a Argol.

- Oras, presunçoso. Como se eu tivesse vindo aqui atrás de você...

- Ahn... – fez o cavaleiro – Se não foi por mim, deve ter sido para ver as estrelas. Suba aqui. – Convidou ele, estendendo uma mão.

Jill recusou a ajuda do cavaleiro para subir no patamar. Com movimentos ágeis chutou a parede de concreto, tomou impulso e subiu. Parou sentada, de pernas cruzadas, ao lado de Argol.

- Que agilidade...

- Não me subestime. – disse ela piscando.

Seguiu-se o silêncio. Desta vez foi um delicioso silêncio, que há um bom tempo nenhum deles presenciava: o verdadeiro silêncio.

No Wal-Mart não havia silêncio. Sempre havia pairado no ar o gemido gutural dos zumbis perambulando pela rua. E o constante cheiro de carne apodrecendo. E agora, pela altura em que estavam não havia sons nem cheiro ruim. Maravilhada Jill respirou fundo, apreciando a tranqüilidade e o ar fresco.

Esticando-se preguiçosamente JiIl deitou-se no concreto frio, apoiando a cabeça nos braços dobrados ficou a observar as estrelas.

O olhar de Argol acabou por convergir para a silhueta de Jill. Seus belos contornos femininos lhe pareceram excepcionalmente bonitos e atraentes sob a meia luz do luar. Seus desejos se acenderam todos de uma vez, percorreram seu sangue com a fúria e velocidade de um veneno em suas veias. Um veneno, estimulante, inflamável.

As palavras, àquela altura, se faziam desnecessárias. Os desejos sublimavam pelos poros, criando com pequenos gestos, com olhares e insinuações uma linguagem clara para os dois. E a primeira resposta, inflamada, veio a seguir. Um quente beijo uniu os corpos, esquentando o concreto frio ao relento.

Os corpos uniram-se com tamanho desejo que pareciam um só. Queriam ser um só. Tocavam-se afoitos, excitados. Ofegavam. Sentiam o cheiro de suor carregado de emoções, sensações. Livram-se das roupas sem que o sereno os incomodasse. A contrário, o vento a soprar aplacava o explosivo calor dos amantes.

E à luz da lua se provaram. Possuíram um ao outro sem remorsos o arrependimentos. Apenas obedeceram a seus desejos, seguiram seus impulsos. Pois ali podiam segui-los sem medo. Confiavam um no outro e tinham certeza do que queriam.

E, iluminados pela lua, tendo como espectadoras as estrelas, tombaram exauridos. Abraçados, suados, trocaram carícias suaves enquanto, satisfeitos,contemplavam o céu.

Xx

Juli observava Carlos e Milena brincarem de correr no gramado do 75. Já havia servido o lanche na mesa e esperava pelos dois assistindo à brincadeira de crianças.

Depois de pôr um pouco de gelo na cabeça Carlos logo saiu correndo atrás de Milena que, se divertindo, entrou na brincadeira também. Juli sorrindo apenas observava.

Ouviu um ruído. Algo caíra na cozinha, aos fundos da cafeteria. A cientista, estranhando, resolveu ir verificar. Com passos cautelosos foi até lá.

- Quem está aí?

Ao chegar à cozinha tapou a própria boca, prendendo um grito de susto. Todos os armários estavam abertos e revirados. Percebeu que assim que entrou a porta dos fundos foi fechada. Correu sem hesitar para os fundos.

A porta dava para um corredor de serviço. Longo e iluminado por lâmpadas frias terminava em um elevador, cujas portas ainda se fechavam quando Juli o percebeu. Havia alguém lá dentro. Não teve tempo de reconhecer, mas teve certeza de ter visto, mesmo de longe, alguém dentro do elevador.

Espichou-se para dentro da cafeteria novamente. Carlos e Milena continuavam no pátio lá fora. Resolveu ir verificar.

Com passos rápidos atravessou o corredor até sua extremidade, o elevador. As luzes sobre ele indicavam que havia parado no andar 79. Apertou o botão para chamá-lo.

Pensou em voltar, pedir ajuda. Mas não poderia haver nada de mais. Os últimos dez andares estavam isolados. Não podia ser um zumbi. Não haveria problemas.

E pensando assim entrou no elevador e apertou o botão para o 79º andar.

Subiu acreditando que realmente não havia perigo.

Grande engano, Juliane.


Palavra do Autor: Mais uma pequena demora, mas enfim um novo capítulo. No próximo teremos algumas surpresas bacanas, não percam! Abraços e comentem!

Pinguim.Aquariano

Capítulo 9

Capítulo 7

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