O Hóspede Maldito: Medusa

Capítulo 6 - Até o fim


- Por que não quer funcionar? – esbravejou Argol, ao volante.

- É a bateria! Descarregou! – explicou Carlos, agitando freneticamente o rádio, como se isso o fizesse voltar a falar.

Os demais se apertavam na pequena janela que comunicava os dois compartimentos do carro forte.

- O que dizia a mensagem?

- Falava em resgate!

- Falava também no louco do Argand!

- Onde o helicóptero vai descer? – perguntavam todos ao mesmo tempo.

Todos se calaram quando o carro deu forte solavanco. Ouviram-se ruídos de algo se quebrando sob as rodas. Atropelaram mais uma das criaturas.

- Cuidado! – gritou Izael, de trás.

- Que quer que eu faça! – gritou Argol em resposta.

- Uma hora dessas você desalinha este carro e ficaremos todos na rua!

- Oras! Venha dirigir!

- Cuidado! – gritou alguém.

Um dos zumbis saltou na frente do para brisa, mas Argol sequer fez menção em desviar. Ao contrário, acelerou o carro carregando a criatura ensangüentada pregada no vidro.

Carlos colocou a arma para fora e disparou contra a criatura, fazendo-a cair no asfalto e ser atropelada pelo carro, cujos ocupantes novamente desequilibraram-se com o forte solavanco. Argol ligou os limpadores do pára-brisa para tirar o sangue viscoso e escurecido.

- Certo... Sem discussões! Vamos decidir para onde vamos agora! – proclamou Argol.

- Algum lugar que tenha baterias! Precisamos achar este helicóptero! – sugeriu Juli.

- Nossa prioridade é segurança! – interrompeu Jill.

- Posso sugerir algo? – disse, timidamente, Izael.

Todas as atenções voltaram-se para ele.

- O prédio da Umbrella... – disse ele.

- O laboratório fica mais de vinte quilômetros fora da cidade! – interrompeu Juli.

- Quem aqui falou de laboratório, ruivinha? Deixa-me terminar! Me referi ao prédio administrativo. A Umbrella Tower.

Juli calou-se ofendida com Izael, que mostrou-se indiferente. Argol questionou onde ficava o prédio.

- Fica no centro – respondeu Izael – A uns cinco quilômetros, no máximo, daqui. É um prédio seguro. São oitenta andares, sendo os últimos dez restritos. Só com passe especial pode-se chegar neles.

- Suponho que tenha o tal passe?

Izael deu uma risada egocêntrica.

- Não está falando com qualquer um, Muhamed! Apenas siga em frente. O prédio vai estar na praça do centro da cidade. É grande e vermelho, não tem erro.

Cada vez mais Argol e os demais tomavam antipatia por Izael. O tipo arrogante enojava a todos. Mas tão frio e cínico são as pessoas que todos fingiram nada ter acontecido, pois ainda precisavam dele. E quando não mais precisassem, talvez, alguém armado perdesse a paciência.

O carro seguiu veloz pela avenida, vez ou outra se desviando de uma criatura que surgia no caminho. O clima de tensão já era ambiente típico ali. Mas ainda assim os presentes tentavam, de alguma forma, encontrar soluções para os problemas da situação. Argol e Carlos, na frente, discutiam sobre a mensagem que ouviram. Jill e Niklos contavam as munições. Izael, abraçado a sua maleta mantinha o olhar vago, perdido na pequena janela do compartimento de cargas em que estava. Juli e Milena, abraçadas, conversavam sobre as coisas boas que fariam quando saíssem dali, faziam planos de morarem juntas no continente.

Apenas Pavlos mostrava-se excepcionalmente tenso. Suava frio, estava pálido, com os dedos trêmulos enrolando compulsivamente seus cabelos ruivos.

- Está bem, irmãozinho? – perguntou Niklos, sentando-se ao lado do amigo e abraçando-o pelo ombro.

- Bem...? – respondeu ele, fixo com os olhos no chão, com a voz trêmula – Como estaria? Passamos anos servindo no exército, fazendo bicos de seguranças particulares para ganhar uma mixaria... e quando finalmente arrumamos um bom serviço, que nos pagasse uma grana legal... Bem, acontece isso tudo. Um monte de criaturas canibais que corre atrás das pessoas querendo arrancar pedaços... Tinha tantos planos, velho... Não poderia morrer aqui...

Niklos compreendia bem o que sentia seu amigo. Conheciam-se desde garotos, amigos de infância, freqüentemente se chamavam de irmãos. Entraram para o exército grego juntos. Passaram pelas mesmas dificuldades, mas ainda assim faziam planos. Na mesma época que Pavlos estava decidindo-se casar os dois conseguiram passar no concurso para integrar a equipe da Z.E.U.S força armada da Umbrella na Grécia. Começaram a ganhar bem e a realizar seus sonhos juntos. Pavlos já fazia planos em se casar o quanto antes, Niklos comprara um apartamento, onde já morava com a namorada. Mas mesmo as mulheres não afastavam os grandes amigos, que continuavam a sair e aprontar juntos, jurando serem amigos até o fim.

- Até o fim, cara! Lembra? – disse Niklos, encorajando o amigo – Já passamos por tantas encrencas, vamos nos dar bem nessa! Vamos sair dessa, cara! Amanda está te esperando!

Pavlos não conseguiu mais segurar. Afundou o rosto nas mãos e soluçou choroso.

- Vou morrer aqui cara... Diga a Amanda que eu a amo! Por favor...

- Ei! Não repita isso! Já disse irmãozinho: Até o fim!

Os dois amigos se abraçaram com força, e nenhum deles conseguiu evitar que lágrimas rolassem.

- Ah merda! – exclamou Carlos da frente.

Finalmente avistou-se a praça mencionada por Izael. E por um momento todos os vivos tiveram uma visão do inferno.

Uma multidão de milhares de zumbis tomara conta da praça. Gritavam e gemiam como loucos, atacando uns aos outros. Como verdadeiros animais matavam-se sem fazer qualquer distinção, e avançavam sobre as vítimas, devorando-as vorazmente.

Todo o sentido de humanidade se perdera. Aquelas pessoas, totalmente transfiguradas e com os tecidos em plena decomposição, haviam se transformado em bestas. Selvagens. Famintas.

- Não vamos poder parar! – gritou Argol – Segurem-se! Vou ter que entrar com o carro no prédio!

Carlos engatilhou sua metralhadora e esticou-a para fora. Disparava em aleatório, abrindo caminho para o carro que atravessava a praça. Argol mantinha-se firme no volante, tentando manter o controle do veículo e evitar que derrapasse na grama empapada de sangue.

- Vamos nos preparar para sair! – ordenou Jill à medida que o veículo atravessava a praça e ia em direção ao prédio.

A mulher sacou duas Desert Eagles prateadas, engatando os cartuchos. Pavlos e Niklos sacaram suas HK e Izael uma pistola 9mm. Juli segurou Milena no colo, tapando seus olhos.

- Acalme-se, vai dar tudo certo... – dizia a tia para sua sobrinha.

O carro forte cruzou a rua roncando o motor. Avançou com fúria, estraçalhando a a grande porta de vidro do saguão da Umbrella Tower. O veículo patinou no piso liso de mármore e rodopiou uma, duas vezes. Chocou-se violentamente contra uma parede, arrebentando-a em pedaços.

Pavlos abriu a porta traseira com chute e saltou, disparando furiosamente.

- Vão!

Em seguida Jill e Niklos desceram. Este último acompanhou o amigo, dando cobertura aos demais. Jill cobria Juli e Milena, ajudada por Izael. Logo se juntaram ao grupo Argol e Carlos. Seguiram em frente por um corredor. Os gregos ficaram para trás, atirando e impedindo que as criaturas avançassem além do saguão. O número delas aumentava geometricamente. O saguão, antes vazio, agora se via lotado de cadáveres e morto-vivos.

- Eles já foram! Temos que ir também! – disse Niklos ao amigo.

- Vá você na frente! – respondeu o ruivo.

- Está louco? Não vou te deixar! Vamos logo!

- Merda! – esbravejou Pavlos, então revelando as lágrimas nos olhos. – Não posso!

- O que... o que está havendo?

Em um misto de ira e revolta Pavlos abandonou a arma por alguns instantes e arregaçou as mangas, exibindo um enorme ferimento ao amigo.

- Não! Não pode ser! – desesperou-se Niklos.

- Aconteceu quando saímos do Wal-Mart. Mas isso não importa. Vá em frente. Não posso acompanhar vocês...

- Não diga isso! Venha, nós vamos... Vamos falar com eles! Tem que ter uma solução! Tem que ter!

O ruivo não se conteve frente ao desespero do amigo e desferiu um violento tapa no rosto do colega para então berrar a plenos pulmões:

- Não há solução! Eu morri! É esse o fim!

Niklos enfim aquietou-se. Respirou fundo e enxugou as lágrimas. Apertou forte a mão do companheiro e a trouxe para perto do peito.

- Não era pra ser assim, irmão...

- Mas foi... Esse é o fim para mim. Foi bom tê-lo até aqui como irmão. Agora siga em frente e sobreviva a este inferno!

- Vou seguir, velho...

- Agora... vá, Niklos!

Com um aceno de cabeça como última despedida, enfim os irmãos se separaram.

Niklos seguiu em frente, correndo pelo corredor segurando firme as lágrimas de dor e revolta. Pavlos permaneceu no saguão, atirando enlouquecido contra os zumbis que avançavam.

- Morram de uma vez, desgraçados!

Os demais aguardavam pelos gregos em um elevador ao final do corredor.

- Aonde está... – começou Argol.

- Ele não vem! Vamos embora!

Não foi preciso dizer mais para que os demais entendessem. Todos entraram no elevador e subiram. Niklos manteve-se absorto, cerrando os dentes com força, segurando as lágrimas, enquanto ainda ouvia os últimos tiros do companheiro.

Pavlos viu-se cercado pelas criaturas e sem munição. Partiu então com socos e pontapés. Aos montes elas amontoavam-se sobre ele, cravando-lhe os dentes. Com suas últimas forças, sentiu sua vida dissipando-se. Sentia que a qualquer momento se tornaria um deles. Antes que isso acontecesse, sacou um pequeno objeto de um dos bolsos.

- Até o fim, irmão... – sussurrou, antes de arrancar com os dentes o pino da granada.

A explosão estremeceu todo o prédio e fez-se sentir no elevador que subia com os sobreviventes.

Niklos não se conteve e socou com força a parede metálica do aparelho, não mais segurando suas lágrimas.

Um silêncio respeitoso fez-se dentro elevador, como uma condolência àquele que se sacrificou.

De súbito um baque sacudiu todos lá dentro. Grunhidos animalescos vinham de cima. Então as engrenagens pareceram-se quebrar-se todas e ranger. Quando o silêncio voltou, um veio de sangue escuro escorreu do teto do elevador. Estavam parados.

- Mas que foi isso? – indagaram.

Com um golpe Argol abriu o teto do elevador e saltou para fora dele. Alguns instantes depois retornou.

- Um dos zumbis caiu no fosso e foi estraçalhado pelas engrenagens. – comunicou Argol – A máquina está arrebentada! Vamos ter que sair e subir pelos cabos...

- Em que andar paramos? – indagou Izael.

- Hmm... Entre o 61 e o 62.

- Não! Droga... Esse prédio deve estar infestado de criaturas! O acidente no laboratório aconteceu em dia de expediente. Só estaremos seguros a partir do andar 70. Lá o acesso é restrito. Muito provavelmente não havia ninguém àquela hora da manhã nesses andares. O alto escalão estava de recesso.

- Impossível! – protestou Argol. – São cinco ou seis metros de um andar para o outro. Não tem nenhuma escada anexa ao fosso, vamos ter que subir pelos cabos. Já vai ser bem difícil escalar até o 63º andar. Impossível subirmos todos até o 70º! Vamos ter que ir até o 63 e tomar outro elevador!

Houve um pequeno rebuliço. Alguns protestaram, mas acabaram por concordar que seria o melhor meio.

Niklos foi à frente. Com grande agilidade subiu pelos cabos carregando uma barra de ferro e logo alcançou a porta metálica do 63º andar. Usando a barra como pé-de-cabra empenhou-se em tentar abrir a porta.

Em seguida subiu Carlos, tendo agarrada à suas costas Milena. Logo atrás vinha Juli.

Sobre o teto do elevador ficaram Argol e Izael. Jill preparava-se para subir.

- Cuidado! – berrou Niklos lá de cima.

Quando finalmente conseguiu abrir a porta, dezenas de zumbis caíram para dentro do fosso.

- Merda! – gritou Izael, atirando nas criaturas.

- Suba, rápido! – ordenou Argol para Jill, que com agilidade ganhou altura.

As criaturas caíam sobre o teto do aparelho e logo avançavam sobre os que estavam ali.

- Não! Saia! – berrou Izael.

Um dos zumbis caiu bem em cima do executivo, e logo lhe cravou os dentes no pescoço.

- Arrgh!Me ajudem! Por favor!

O homem debatia para todos os lados, desesperado. Urrava de dor. Clamava por ajuda.

Argol era o único que ainda estava ali embaixo. Por mais que Izael fosse desagradável, tinha que ajuda-lo. Era sua função como cavaleiro de Athena, jamais poderia deixar de salvar uma vida.

E num impulso saltou em direção a Izael. E por alguns instantes teve que ser absolutamente racional. E por um instante teve que esquecer de seu dever. Num rápido movimento puxou um pequeno cartão vermelho do bolso do paletó e empurrou Izael para trás.

- Não! Não me deixe! Por favor! Não! – Berrava o homem vendo Argol subir pelos cabos, deixando-o para trás.

Ainda tinha forças para debater-se e berrar por ajuda. Em vão. Ninguém voltaria para ajudá-lo. E logo foi atacado por outro zumbi, e depois mais outro. Debatendo-se para todos os lados acabou por tropeçar nas engrenagens e, pela abertura no teto do elevador, caiu de volta dentro dele.

As criaturas continuavam a cair pelo fosso e pulavam tentando alcançar o cabo. Algumas até mesmo começavam a subir.

Não havia outra solução.

Mirou sua Uzzi no engate dos cabos com a caixa do elevador. E disparou. Os cabos se soltaram e a caixa desceu pelo fosso escuro. Chocando-se contra as paredes produzia faíscas que iluminavam a escuridão absoluta por curtos instantes.

E então parou. A caixa entalara-se vários andares abaixo. Seguiu-se ainda alguns lampejos de luz, da arma de Izael sendo disparada em uma última e desesperada tentativa de sobrevivência. E antes que tudo volta-se à escuridão e ao silêncio, Izael berrou ainda mais uma vez pedindo por socorro.

Enfim silêncio. Escuro.

Segurando uma metralhadora fumegante, agarrado a cabos e suspenso em um fosso Argol se viu numa situação pior do que qualquer batalha. Nas últimas horas quatro pessoas morreram e ele não pôde fazer absolutamente nada. Ele, um cavaleiro de Athena, protetora da Humanidade, deixou pessoas morrerem. E até quando isso ia acontecer?

Ele apenas sabia que tinha agora uma missão muito mais difícil do que derrotar qualquer inimigo: manter-se vivo e ajudar outras cinco pessoas.

Sobreviver... Nunca imaginou que um dia sofreria tanto para isso.


Palavras do Autor

E ae pessoal Demorou pra caramba essa né? Pois é férias e talz deixam a gente bem preguiçoso uehuehuhe. Eu curti esse capítulo, acho q ficou bem dinâmico, ágil e com bastante ação. Espero que tenham curtido também. Virão algumas revelações no próximo! Abraços! E comentem!

Pingüim.Aquariano

Capítulo 7

Capítulo 5

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